Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
56/17.7GBLSB.L2-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2023
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Na impugnação da matéria de facto os arguidos não podem aparentar indicar de forma muito difusa e pouco direccionados os hipotéticos factos com os quais não concordam e nas conclusões do seu recurso ( que é onde devem resumir as pretensões vertidas no pretérito na sua motivação), que se encontram na sentença recorrida, e não podem fazer transcrições parciais ou remissões de excertos de depoimentos testemunhas / e arguidos/ e documentos, mas sem qualquer ligação directa aos factos contidos no acórdão que pretenderiam impugnar. Esta conclusão transparece com a devida clarividência da peça recursal, apresentada nos autos, em confronto com o disposto no art.º 412º nº 3, 4 e 6 do C.P.P., bastando-se em deixar exarada a sua própria convicção, não indicando com precisão os pontos da matéria de facto que pretende impugnar, fazendo pontualmente alguns resumos, do que alegadamente se terá passado em julgamento. Assim sendo não dando cumprimento aos comandos legais, o recurso pode ser conhecido nesse segmento;
II- Não existe qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”, pois este só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal “ a quo”, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção. O “in dubio pro reo” constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e dá resposta às situações de dúvida quanto à verificação de determinado facto, impondo que o “non liquet” em matéria de prova seja valorado a favor do arguido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal

I.
Nos presentes autos provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 7, o arguido, AA, nascido em …………, na freguesia de ……………, concelho de ……….., filho de BB e de CC, titular do Cartão de Cidadão com o número ……… foi condenado através  de sentença proferida nestes autos, pelo Tribunal “a quo” nos seguintes termos: (...)
Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €10 (dez euros) num total global de €1.400 (mil e quatrocentos euros); e absolveu a arguida SS, da prática, como autora material, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal
(...)
Inconformado, porém, com esta decisão proferida nestes autos, veio o arguido supra identificado, interpor recurso, do acórdão que nestes autos foi proferido na 1ª instância, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, apresentando então as devidas conclusões:

CONCLUSÕES:
Do recurso da matéria de facto - CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE SIMPLES:
A) Foi proferida sentença condenatória, pela prática de um crime de ofensa à integridade simples, a qual se fundamentou nos seguintes factos, dados como provados:
Nessa sequência, quando o Arguido estava a sair da residência, empurrou a porta da
entrada contra o corpo da Ofendida, entalando a sua perna esquerda, após ter
visualizado que ali se encontrava;

- Com a atuação referida, o Arguido provocou à Ofendida dores na parte atingida edema a nível da face lateral da coxa esquerda;
- O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da ofendida e de lhe produzir a lesão verificada, resultado este que conseguiu;
- Mais sabia o arguido que praticava factos proibidos e punidos por lei penal
B) Tendo o Arguido apresentado contestação, a sentença recorrida deu como não provada a seguinte factualidade:
- Quando o Arguido saiu de casa, atirando a porta atrás de si, com o intuito de a fechar, a Ofendida encontrava-se no interior da fração, tendo sido esta que, em momento
imediato subsequente à ação do Arguido, elevou a perna, colocando-a na trajetória da porta já em movimento, para evitar o seu fecho;

- Foi a ação da Ofendida que provocou o embate da porta na sua perna;
- Ao atirar com a porta e ao dirigir-se para o elevador, o Arguido não poderia ter visualizado a perna da Ofendida, nem o Arguido poderia adivinhar que a Ofendida tentaria impedir o fecho da porta, colocando-se na trajetória da mesma;

C) Não tendo os factos sido presenciados por qualquer testemunha, entendeu o tribunal recorrido dar prevalência à versão da Ofendida:
1- Por ser aquela que melhor se coaduna com as regras da experiência comum e com a normalidade do acontecer, sendo as duas versões coincidentes no ponto em que afirmam que o ex-casal estava a discutir, e que a Ofendida seguiu o Arguido até junto à porta, sendo que, quando este abriu a porta e saiu, aquela colocou a perna no exterior da porta;
2- Porque o Arguido teria que se ter apercebido da presença da Ofendida, no momento em que fechou a porta;
3- Porque considerando as características da porta em causa, o simples embate da mesma, mesmo atirada com força, não seria suficiente para gerar o hematoma visível nas fotografias;
4- Porque a versão da SS, é a mais consentânea com as regras da normalidade e a que melhor se coaduna com a extensão das lesões documentadas nos autos, versão essa, reforçada pelo facto de os Arguidos estarem alterados, por força da discussão que estavam a manter;
5- Porque a versão relatada pela SS foi feita de forma aparentemente sincera e verdadeira, não tendo sido contrariada por qualquer testemunha, já que apenas os Arguidos assistiram aos factos
6- Porque, com base nas regras da experiência comum, de acordo com as quais, ao agir da forma descrita, no preciso contexto relatado por SS, não podia o arguido deixar de saber que lesava a integridade física desta, tendo atuado com a intenção concretizada de a atingir. Não podia ainda o arguido, para mais, pessoa socialmente integrada, deixar de saber que tal conduta consubstancia a prática de um crime;
D) Ora, a dar como provados aqueles factos, da acusação, e como não provados os que fundamentam a contestação, não retirou a sentença recorrida a devida ilação da prova produzida, articulada com as regras da experiência comum;
E) Antes do mais, a sentença recorrida não transcreveu correctamente a versão do Recorrente, quando indica: “...apresentando uma diferente versão, de acordo com a qual estava a tentar sair de casa, na sequência de uma discussão com SS e, quando já estavam ambos junto à porta, sem que o Recorrente se apercebesse, SS colocou a perna no exterior para impedir o Recorrente de fechar a porta, sendo que este a atirou com força, sem notar que, ao fazê-lo, SS ficava com a perna entalada na porta” e “....tendo o Recorrente referido que estava de costas e que se limitou a empurrar a porta com força.
F) Quando o que o Recorrente declarou foi o seguinte: “Dei beijinhos aos meus filhos, para me vir embora e, quando vou a sair do apartamento, vou a fechar a porta com toda a força, atirei a porta com toda a força, e a D. SS que continuava numa tentativa de me perseguir e de me continuar a agredir, verbalmente, pôs a perna, e a porta ia-se a fechar, e levou com a porta na perna”; “A porta do apartamento abre para dentro, não abre para fora, portanto quando eu estou a sair do apartamento eu atiro a porta, portanto a porta, quando está a fechar, é que a D. SS põe a perna, para impedir a porta de fechar.”; “a D. SS estaria no hall de entrada por dentro do apartamento, portanto, quando eu vou a fechar a porta, vou a fechar a porta de costas, fecho a porta com força e aparece uma perna ali, que impediu a porta de fechar
G) As declarações do Recorrente – que esclarecem que já está fora de casa, que puxou a porta, com força nas suas costas, atirando-a, após o que surgiu a perna da Recorrida, - são consentâneas com o Doc. 2 junto à contestação, subscrito pela Recorrida, no qual esta assume que colocou a perna na porta para que a mesma não se fechasse, não referindo que o fez, para evitar que o Recorrente fechasse a porta;
H) O Recorrente e a Recorrida não estavam a discutir no hall de entrada, estáticos, nem aquele poderia empurrar a porta, entalando a perna da Recorrida;
I) O que resulta das declarações e do documento é que estavam ambos em movimento, o Recorrente a deslocar-se para o patamar do prédio, onde atirou com a porta, de costas, sendo perseguido pela Recorrida, que ainda dentro do apartamento, e vendo que a porta já se estava a fechar, ali colocou a sua perna, para impedir o fecho, tudo se passando numa fracção de segundos;
J) Pelo que, o Recorrente sabia da presença da Recorrida, no hall de entrada da fracção, pois era perseguido pelas suas agressões verbais mas desconhecia, que a mesma iria colocar a perna na trajectória da porta, já em movimento de fecho;
K) E este movimento de fecho culminou no embate da porta na face lateral esquerda, provocando o dano qualificado como “um leve edema”;
L) Entendeu o tribunal a quo que mesmo que o Recorrente tivesse atirado com a porta com força, tal acção não era adequada a provocar as lesões documentadas nas fotografias, dadas as características da porta, características essas que resultam do Doc. 1 junto à Contestação;
M) Tal documento é uma fotografia do hall de entrada da fracção, na qual a porta se encontra fechada, e da qual se tem uma perspectiva de viés, não sendo possível determinar quaisquer características, em termos de espessura, tamanho, composição, peso, robustez, contundência, mas apenas, que se trata da porta da entrada da fracção;
N) Por outro lado, a própria sentença não identifica uma única característica da porta que teria retirado da análise do Doc. 1, nem fundamenta a razão pela qual essa característica não seria apta para provocar a extensão das lesões;
O) A sentença recorrida também não considerou o documento de fls. 186 e ss, do qual resulta que se tratava de uma porta metálica o que, associado ao facto de se tratar da porta de entrada da fracção, indicia, agora sim, as suas características: blindada, pesada e contundente;
P) O tribunal recorrido também não atentou na qualificação do dano - lesões sofridas e sua extensão - que resulta do documento hospitalar de fls. 186 :“um leve edema na face lateral exterior da perna esquerda”;
Q) Nem atentou no relatório pericial do Instituto de Medicina Legal de fls. 199 a 201 e 233 a 234 que determinou o nexo causal: “As lesões atrás referidas terão resultado de um traumatismo de natureza contundente”.
R) Não obstante o relatório médico e o relatório pericial, o tribunal a quo caracterizou o dano como um hematoma com a extensão que resultava das fotografias juntas aos autos de fls. 139 a 143.
S) Tais fotografias, que nem sequer estão datadas, não são mencionadas no relatório hospitalar nem no relatório pericial, nem foram objecto de análise pelas entidades competentes as quais também não qualificaram a lesão como “hematoma”;
T) A versão do Recorrente alicerça-se nas suas declarações, no Doc. 1 da contestação, do relatório hospitalar de fls. 186 e no relatório pericial: no momento em que saiu de casa, e já de costas, fechou a porta, atirando-a com força, a qual, tratando-se da porta da entrada, metálica, embateu na perna ali colocada pela Recorrida e, provocando-lhe um leve edema na face lateral exterior da perna esquerda, por força de um traumatismo de natureza contundente;
U) Pelo que, a versão do Recorrente é a que resulta comprovada da prova produzida;
V) Pelo contrário, a sentença recorrida, considerou que as características da porta – que nem sequer identificou e sem ter qualquer meio probatório de suporte de tais características – mesmo sendo atirada com força, não eram aptas a provocar o hematoma com a extensão documentada nas fotos obtidas pela Recorrida, fotos que nem estão datadas nem identificadas e que se desconhece se não foram manipuladas, e que não foram analisadas e avaliadas pelo relatório pericial;
W) Mas mesmo que se admitisse que o tipo de lesão (hematoma) e a sua extensão, resultasse dos fotogramas, ignorando-se a conclusão médica do dano (edema) e da sua extensão (leve), o fotograma de fls. 143 permite concluir que houve um embate de uma superfície contundente contra a perna da Recorrida, consentâneo com a versão do Recorrente, mas não permite concluir que a perna foi entalada e agredida por três ou quatro arremessos da porta, conforme a versão sustentada pela Recorrida;
X) Porque não resulta dos fotogramas (nem do relatório hospitalar e pericial) qualquer lesão na face interna da perna, consequência necessária de um entalamento, no qual a perna teria embatido contra duas superfícies contundentes (a porta e a ombreira); e porque também não resulta daqueles três meios probatórios, vários “hematomas”, ou um grande e extenso hematoma, consequência necessária de três ou quatro
arremessos da porta, contra a perna da Recorrida, conforme a versão por esta sustentada, e que o tribunal acolheu;
Y) E, para além da qualificação e extensão do “hematoma” resultante das fotografias, não constar do relatório hospitalar e de não ter sido estabelecido o nexo causal pelo relatório pericial, importa referir que se desconhece a natureza venosa da Recorrida e a sua apetência para desenvolver hematomas, mais ou menos extensos, circunstâncias que variam de pessoa para pessoa, conforme é do conhecimento comum;
Z) Pelo que, a extensão das lesões é aquela que resulta da análise médica: “um leve edema” (o que corresponde a um leve inchaço) circunscrito à face externa da coxa esquerda, sem que se tenha feito referência a vários edemas, ou a um edema grave ou a qualquer outra lesão em qualquer outro ponto da perna ou do corpo;
AA) E o nexo causal é o que resulta do relatório pericial: “As lesões atrás referidas terão resultado de um traumatismo de natureza contundente”;
BB) Pelo que, mal andou a sentença recorrida, ao ignorar a prova produzida, quanto ao facto, ao dano e ao nexo causal, que demonstram claramente que é a acção do Recorrente, ao atirar com a porta com força, o embate da porta, metálica, blindada e pesada, de natureza contundente, na perna da Recorrida, foi adequada ao leve edema sofrido, conforme é sustentado pela sua versão, a qual é mais consentânea com as regras da normalidade e com a extensão das lesões que foram documentadas;
CC) Não resultando de nenhuma das provas produzidas, e das regras da normalidade, que o Recorrente, ao ver a perna da Recorrida na trajectória da porta, tenha agarrado na maçaneta e, sem nunca a largar, lhe tenha batido mais duas ou três vezes;
DD) Tanto mais que das declarações da Recorrida se concluiu que a perna não estava presa nem entalada, facto que confirmado pela informação clínica e pelos relatórios periciais, que não referem qualquer outra lesão, ou marca, na parte interior da perna da Recorrida;
EE) Conclusão reforçada pelo facto de na versão da Recorrida, esta não ter retirado, ou movido, a perna da posição em que se encontrava (apesar de estar a sofrer os vários alegados ataques, sofrendo a dor inerente), tendo-se limitado a proteger a cabeça, que nem sequer estava ao alcance da porta, o que é absolutamente contrário às regras da normalidade, ao contrário do que concluiu a sentença recorrida;
FF) Pois o normal seria a Recorrida, após sofrer o primeiro embate, e com a dor, mover ou retirar a perna, ou segurar a porta, ou tentar afastar o Recorrente, mas nunca, permanecer com a perna imóvel e elevada, em desequilíbrio, na mesma exacta posição, protegendo a cabeça, a qual se encontrava no interior da fracção, fora da trajectória da porta, não necessitando de qualquer protecção;
GG) Porque o julgador também não tomou em devida linha a configuração do hematoma, transversal à verticalidade da perna, que demonstra que a perna havia sido elevada, para impedir o fecho da porta, o que é compatível com a versão do Recorrente;
HH) Estando elevada, a Recorrida estaria em desequilíbrio, e teria movido a perna, nos vários embates, o que teria determinado mais do que um leve edema, e teria
apresentado vários hematomas, em vários pontos, ou um hematoma extenso;
II) A sentença recorrida também deu primazia à versão da Recorrida pelo facto de se tratar de uma discussão que terá alterado ambos, o que motivou o Recorrente a agredir propositadamente a perna da Recorrida, provocando-lhe as lesões com a extensão demonstrada pelos fotogramas;
JJ) Porém, ficou provado que a discussão teve origem no facto de a Recorrida ter retirado as chaves do carro, impedindo o Recorrente de ir trabalhar, tendo este solucionado o problema, quando telefonou ao pai para lhe levar as segundas chaves, pelo que o Recorrente já se estava a dirigir para a rua, ao encontro daquele;
KK) O Recorrente tinha o problema das chaves resolvido, e pretendia sair de casa, afastando-se da discussão, pelo que a sua alteração traduziu-se, apenas, no acto de atirar a porta com força, para que a Recorrida se mantivesse no interior da fracção, fora do seu alcance, conforme resultou da prova documental e das suas declarações;
LL) O que é incompatível com a versão da Recorrida quando esta sustenta que, ao ver a sua perna, arremessou a porta três ou quatro vezes, entalando-a, pois isso apenas agudizaria a situação da qual o Recorrente se estava a afastar;
MM) A Recorrida, essa sim alterada - porque percebeu que o Recorrida tinha obtido outras chaves e que já estava a sair de casa para utilizar o carro – é que perseguiu o Recorrente e colocou a perna na porta, visando impedir o seu fecho, com vista a manter a discussão e a impedi-lo de sair com as chaves;
NN) Não podendo a sentença concluir que a alteração do Recorrente o determinou a arremessar a porta contra a perna da Recorrida;
OO) Pelo que as regras da experiência comum demonstram que a versão do Recorrente é a que mais se adequa à realidade dos factos: toda a sua postura visa o afastamento do conflito e a saída de casa e, não, o agudizar do mesmo através de uma agressão deliberada e consciente;
PP) Não havendo testemunhas que tivessem presenciado os factos, impunha-se à acusação o ónus da prova dos factos, de acordo com o princípio da presunção da inocência, o que a mesma não logrou fazer;
QQ) E, da prova produzida (Doc. 9 e 2 da contestação, em conjugação com o documento hospitalar de fls. 986 e ss, relatório pericial e declarações do Recorrente e da Ofendida), em conjugação com as regras da experiência, resulta que a versão do Recorrente é a que melhor se coaduna com a verdade; devendo dar-se como provados os factos objecto da contestação;
RR) Assim, o Recorrente nunca actuou com a intenção concretizada de lesar a integridade física da Recorrida, pois a acção por si executada, destinava-se apenas a fechar a porta, mantendo aquela no interior da fracção, para terminar com a situação de discussão e conflito;
SS) E nunca poderia o Recorrente antecipar a hipótese de a Recorrida colocar a perna na trajectória da porta, para impedir o seu fecho e para manter a perseguição ao Recorrente, tanto mais que, conforme a Recorrida refere, tudo se passou numa fracção de segundos;
TT) Estes elementos subjectivos do crime, implicavam que o Recorrente tivesse actuado de forma livre, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o dever-ser jurídico, voluntária ou deliberadamente, visando a concretização do facto, conscientemente, representando na sua consciência todas as circunstâncias do facto, e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei, o que não se verificou, conforme resultou dos meios de prova já identificados;
UU) O Recorrente não praticou qualquer facto ilícito ou culposo, pelo que, não se verificam os pressupostos legais dos quais dependeriam a qualificação da prática de um crime de ofensas corporais simples;
VV) Mas, mesmo que assim não fosse, e porque a situação não foi presenciada por nenhuma testemunha, sempre teria que ter permanecido no espírito do julgador a dúvida sobre a veracidade dos factos, o que teria que levar ao funcionamento do princípio in dúbio pro reo;
Do recurso da matéria de facto - CRIME DE DIFAMAÇÃO:
WW) A sentença recorrida deu como não provados os seguintes factos, constantes na acusação particular:
- A Denunciada denuncia publicamente uma imagem negativa do Assistente, enquanto pai e marido, imputando-lhe factos que sabe serem falsos.
- Através dessa postura a Denunciada visa influenciar a percepção que as restantes pessoas têm do Assistente, incluindo os próprios filhos, que adoptam uma defesa da mãe, contra o pai reproduzindo as suas acusações como sendo a realidade
- Com estas atitudes a Denunciada procurou, perante terceiros, imputar ao Assistente a prática de factos, e a formulação de juízos que são, ambos, ofensivos da sua honra XX) O que fez, com base na seguinte motivação:
- A Arguida admitiu que a página de Facebook é por si gerida sendo aquela a responsável pelos conteúdos constante da mesma.
- No que concerne à publicação referente ao corte de energia elétrica, admitiu a Arguida ser a autora da sua publicação, referindo que, naquele dia, havia sido cortada a energia elétrica na sequência de instruções do Assistente, dado que aquela pretendia que o Assistente fizesse a transferência dos contratos para a titularidade daquela e este último, por seu turno, pretendia que a Arguida celebrasse novos contratos.
- O teor da publicação relata factos que são verdadeiros, já que o Assistente diligenciou para que a Arguida e os filhos ficassem sem água, luz e gás, pelo que, não foi demonstrada a lesão da sua honra, nem a imputação, perante terceiros, de qualquer facto falso.
YY) Mas a prova produzida demonstrou a falsidade das acusações que foram imputadas ao Recorrente, na medida em que, este não ordenou o corte dos serviços, antes informou a Recorrida, com 94 dias de antecedência, que iria proceder ao cancelamento dos contratos e que esta devia providenciar pela alteração da titularidade dos mesmos, por forma a evitar qualquer corte;
ZZ) E o Recorrente tomou esta atitude porque era o titular dos contratos, não residia na casa objecto dos mesmos, e a Recorrida não pagava os valores nas datas do seu vencimento, estando sujeito a incumprimento contratual, conforme resultou do Doc. 9 da Acusação Particular;
AAA) A transmissão da titularidade apenas era possível naquele prazo de 94 dias, enquanto os contratos ainda estivessem em vigor, e a Recorrida nada fez;
BBB) O corte dos serviços não decorreu de uma ordem do Recorrente mas, sim, da omissão e irresponsabilidade da Recorrida, em diligenciar pela transferência da titularidade e pela manutenção dos contratos em vigor, conforme era do seu interesse, tanto mais que o Recorrente já ali não residia;
CCC) A Recorrida publicitou, na sua página de Facebook, que o Recorrente mandou cortar a água, gaz e luz, mostrando uma imagem dos filhos às escuras, sem que explicasse os restantes factos;
DDD) A Recorrida sabe que os filhos de ambos, então menores, bem como amigos e familiares comuns tinham acesso a essas publicações, pelo que visou, especificamente, denegrir a imagem deste enquanto marido e enquanto pai, perante aqueles;
EEE) Motivação que esteve subjacente à publicação de vários posts e à partilha de frases que visavam especificamente o Recorrente, de uma forma depreciativa;

FFF) As conclusões anteriores decorreram das declarações do Recorrente, dos depoimentos das testemunhas ;;;;;;;;;;;;, ,,,,,,,,,,,,, e ;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;, bem como dos Docs. 3 e 4, juntos à acusação particular.
GGG) A lesão da consideração e honra do Recorrente, principalmente enquanto pai e marido, porque alcançaram a esfera dos filhos, dos familiares e dos amigos, merecem
tutela penal, porque ultrapassam a mera susceptibilidade pessoal, e porque as publicações em causa visaram, especificamente, o seu enxovalho e rebaixamento.

HHH) Pelo que o Tribunal deveria ter dado como provados os factos constantes na alínea EE) das presentes conclusões de acordo com o disposto no art.º 127º do CPP.
III) Ao condenar o Recorrente na prática de um crime de ofensas corporais simples, o tribunal recorrido violou o disposto nos art.ºs 127º do CPP, e o princípio da presunção da inocência consagrado no art.º 32º, nº 2 da CRP e o art.º 143º nº 1 do C. Penal, tendo
violado os art.ºs 127º do CPP e o art.º 180º, nº 1 do C. Penal ao proferir a sentença absolutória da Recorrida, quanto à prática de um crime de difamação.

JJJ) Em conclusão, a prova produzida, valorada como acima se referiu, e que não foi adoptada pela decisão recorrida, impõe que se dê como provado que o Recorrente não praticou qualquer facto ilícito e culposo, subsumível ao disposto no art.º 143º, nº 1 do C.
Penal, e que a Recorrida SS deverá ser condenada pela prática de um crime de difamação previsto e punido pelo art. 180º, nº 1 do mesmo diploma legal, devendo a Douta decisão ser alterada, naqueles termos.

Termos em que,
Requer-se que seja proferido acórdão que, acolhendo as razões do Recorrente, determinem a revogação da sentença recorrido, substituindo-a por outra, que determine a absolvição do Recorrente da autoria da prática de um crime de ofensas corporais
simples e a condenação da Recorrida pela prática de um crime de difamação.

O recurso foi admitido através de despacho judicial, observando-se todos os termos legais.
O MºPº apresentou resposta ao recurso apresentado pelo arguido.
Neste Tribunal o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto proferiu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso pelos motivos que ali claramente fez expender.
Foi cumprido o disposto no art.º 417º nº 2 do CPP.
O processo seguiu os seus termos legais.
II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta
improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir
decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea b) do Código de Processo Penal.
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que
está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos art.ºs 403.º nº 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2:
1) Rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art.º 412.º n.º 2;
2) Rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.
A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, que é patente a sem razão do recorrente.
A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência.
A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso (...) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61 e também o Ac.  Tribunal Constitucional nº17/2011  , DR, II Série de 16-02-2011, decidiu: Não julga inconstitucional a norma extraída do artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do Código de Processo Penal, quando permite ao juiz relator proferir decisão sumária de indeferimento, em caso de manifesta improcedência do mesmo (...) e Ac. TRE de 3-03-2015  : I. A manifesta improcedência do recurso (conceito que a lei não define) nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com a prolixidade da motivação do recurso (na procura de deixar bem claras as razões de discordância com a decisão recorrida).II. O que releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. III. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente, in www.dgsi.pt ).
Aliás, anote-se que mesmo no Tribunal Constitucional, As “decisões sumárias”, proferidas nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), vêm gradualmente assumindo maior relevância na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita quer aos pressupostos do recurso de constitucionalidade, quer a julgamentos de mérito quando é manifesta a falta de fundamento do recurso (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/).
Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão - art. 420.º, n.º 2 do C.P.Penal.
Recurso do arguido :
As questões suscitadas e a apreciar no presente recurso reconduzem-se às pretensões do recorrente e de acordo com as conclusões ínsitas no recurso que são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
-A absolvição do Recorrente da autoria da prática de um crime de ofensas corporais simples e a condenação da Recorrida pela prática de um crime de difamação;
-violação do artº 127º do CPP e 32º nº 2 da CRP.
Decidindo diremos:
Vejamos então se assiste razão ao recorrente.
Fazendo-se uma leitura global do recurso apresentado pelo arguido poderia parecer à medida que a leitura se vai fazendo dele, que este estaria a impugnar a matéria de facto contida na sentença recorrida.
Mas claramente que não o faz.
Só aparentemente, pois de facto, tal não se verifica.
Efectivamente o arguido pese embora aparentar indicar mas de forma muito difusa e pouco direccionados os hipotéticos factos com os quais não concorda e nas conclusões do seu recurso ( que é onde deve resumir as pretensões vertidas no pretérito na sua motivação), que se encontram na sentença recorrida, e tendo feito transcrições parciais ou remissões de excertos de depoimentos testemunhas / e arguidos/ e documentos, mas sem qualquer ligação directa aos factos contidos no acórdão que pretenderia impugnar , não deu cumprimento aos comandos legais para que o recurso pudesse ser apreciado nesse prisma, sendo que esta conclusão transparece com a devida clarividência da peça recursal, apresentada em confronto com o disposto no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do C.P.P., bastando-se em deixar exarada a sua própria convicção, não indicando com precisão os pontos da matéria de facto que pretende impugnar, fazendo pontualmente alguns resumos, do que alegadamente se terá passado em julgamento, em termos de produção de prova, mais concretamente de depoimentos de testemunhas e seus, e assim não concordando
com a convicção do Tribunal “a quo” e tal manifestamente ressalta das suas conclusões.
E explicitamos desde já o porquê desta afirmação:
Senão atentemos, a matéria de facto pode ser impugnada por duas formas diversas, como é por todos, e
por demais consabido:
1) com invocação dos vícios elencados no art.º 410º, nº 2 do CPP, naquilo que se vem catalogando como “revista alargada”; ou
2) através da impugnação ampla, nos termos prescritos nos nºs 3 e 4 do art.º 412º do CPP.
Na primeira situação, o vício há-de resultar, como expressamente se exige no art.º 410º, nº 2 do CPP do
próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, por
isso, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos, sendo o vício da decisão em si propriamente dita
e não do julgamento.
No segundo, a apreciação alarga-se à análise da prova produzida em audiência, mas com os limites
impostos pelos nºs 3 e 4 do citado art.º 412º do CPP.
Dispõe assim este normativo legal (art.º 412º do CPP):
Motivação do recurso e conclusões
1-A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
(...)
3- Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4- Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº 2 do artº 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (...)
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tem de ser feita através da especificação dos «concretos» pontos de facto incorrectamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa (art.º 412 nº 3 als. a) e b) do CPP), sendo ainda que, no nº 4 do mesmo artigo foi ainda aditado o segmento de norma segundo o qual «deve o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», coisa que o recorrente se alheou completamente.
Vide aqui o Ac. TRC de 8-02-2012 : São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das  conclusões.
O recurso é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
Ora sumariando o recurso interposto pelo recorrente, este parece tão só discordar da convicção do Tribunal “a quo”, querendo sobrepor-lhe a sua própria e muito pessoal convicção, considerando a globalidade da prova produzida em julgamento, para além de parecer querer impugnar os meios de prova produzidos, perspetivando-os de acordo com a sua muito pessoal convicção, e querendo substituir a convicção a que o Tribunal “ a quo” chegou e bem fundamentou, à sua, adiantando-se já que inexiste qualquer reparo a fazer à decisão recorrida no segmento pretensamente impugnado pelo recorrente, o qual até é juridicamente inoperante por tecnicamente deficiente, como atrás se deixou bem frisado.
Deixamos como nota final que insurgindo-se o arguido / recorrente quanto aos factos provados que se traduzem na sua actuação diremos, que como facto que é, deveria ter sido impugnado de acordo com os comandos legais, não se vislumbrando também que tenha sido feita uma errada interpretação das normas jurídicas relativamente aos factos que resultaram provados.
A este propósito diremos que e segundo o exarado no Ac. TRE de 26-02-2013 :1. Cabe ao recorrente definir os termos do seu recurso em matéria de facto e delimitar o respetivo objeto, não lhe bastando enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito fv.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido, de tal modo que fosse o tribunal oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à pretensão final do recorrente e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra.
Vide também os acórdãos do Ac. TRG de 23-03-2015 , Ac. TRE de 19-05-2015, Ac. TRL de 21-05-2015 , AC do STJ de 12-06-2008 no Proc. Nº 07P4375, e o Ac do TRL, de 8.10.2015 todos acessíveis, in www.dgsi.pt
Ora de tudo isto se alheou o recorrente, o qual parece tão só discordar da convicção do Tribunal "a quo", querendo sobrepor-lhe a sua própria e muito pessoal convicção, considerando a globalidade da prova produzida em julgamento (testemunhas/ declarações de testemunhas/ o seu depoimento), para além de parecer querer “ distender ” os meios de prova produzidos e na qual vem suportar o seu pedido, e neste particular desiderato com evidente falta de clarividência, pois os fundamentos, estão difusos na motivação do recurso, pelo que não é possível o seu conhecimento ( embora aflorados depois nas conclusões).
Pelo que teremos à cautela, de concluir pela falência, mesmo se, efetivamente querida pelo arguido, neste eventual segmento do recurso, mantendo-se na integra a factualidade vertida na sentença recorrida, o que se declara.
-Quanto à invocada violação do principio “in dubio pro reo” e o principio da presunção da inocência 32º nº 2 da CRP, e da livre apreciação da prova, 127 do CPP, pelo que o arguido deveria ser absolvido, diremos o seguinte, não que sem antes se passe a transcrever a motivação da sentença recorrida:
(...)3. Motivação quanto à matéria de facto
O tribunal formou a sua convicção no sentido expresso na referida factualidade com base na análise conjunta das declarações
dos arguidos AA e SS e dos depoimentos prestados pelas testemunhas ……………………. e ::::::::::::::::: (ambas amigas da arguida SS) e BB (pai do arguido AS); ……………… (…….do arguido); …………… (amigo do arguido); ………… (amiga do arguido); ……………… (amiga dos arguidos).
As referidas declarações e depoimentos foram conjugados com a análise dos seguintes documentos:
- Emails juntos com a acusação particular de fls. 422 a 430 e 439 a 462;
- Cópias de publicações na plataforma Facebook, juntas com a acusação particular, de fls. 431 a 438;
- Fotografia de fls. 486;
- Relatórios periciais do Instituto de Medicina Legal de fls. 199 a 201 e 233 a 234;
- Assento de nascimento de fls. 116;
- Aditamento de fls. 173 e 174;
- Informação clínica de fls. 186;
- Fotogramas de fls. 139 a 143.
Em síntese:
No que concerne aos factos imputados ao arguido AA:
O arguido prestou declarações, admitindo a sua presença no local identificado nos factos, mas apresentado uma diferente
versão, de acordo com a qual estava a tentar sair de casa, na sequência de uma discussão com SS, e, quando estavam ambos junto à porta, sem que o arguido se apercebesse, SS colocou a perna no exterior para impedir o arguido de fechar a porta, sendo que este a atirou com força sem notar que, ao fazê-lo, SS ficava com a perna entalada na porta.
Por seu turno, SS, confirmando a existência de uma discussão entre ambos, afirmou que o arguido percebeu que esta tinha a perna entalada na porta, referindo que depois de a ter atingido uma primeira vez, ainda lhe atirou com a porta mais uma ou duas vezes, razão pela qual não tem dúvidas de que se tratou de ato deliberado por parte do arguido. Quando à existência, dimensões e consequências das lesões sofridas por SS atendeu-se ao teor dos relatórios periciais do Instituto de Medicina Legal de fls. 999 a 209 e 233 a 234, aos elementos clínicos de fls. 986 e às fotografias de fls. 939 a 943.
Através dos referidos elementos concluiu-se que SS sofreu as lesões descritas na acusação.
Quanto aos factos imputados ao arguido, sendo certo que estes não foram presenciados por qualquer testemunha, a convicção do tribunal formou-se com base nas declarações dos arguidos em conjunto com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Com efeito, as duas versões são coincidentes no ponto em que afirmam que o ex-casal estava a discutir e que SS seguiu o arguido AA até junto à porta, sendo que, quando este abriu a porta e saiu, aquela colocou a perna no exterior da porta.
Ora, pese embora de acordo com a versão apresentada pelo arguido este não se tenha apercebido que SS tinha uma perna no exterior – tendo o arguido referido que estava de costas e que se limitou a empurrar a porta com força – a sua versão afigura-se-nos contrária às regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Com efeito, não se vislumbra como poderia o arguido não se ter apercebido da presença de SS, já que a discussão se mantinha no momento em que abriu a porta para sair de casa e o próprio referiu que SS veio sempre atrás de si.
Por outro lado, considerando a imagem da porta em causa, junta aos autos pelo próprio arguido e a extensão das lesões sofridas por SS, documentadas nos autos a fls. 999 a 209 e 233 a 234; fls. 986 e 939 a 943, não se nos afigura possível que estas tenham sido provocadas com um simples embate decorrente do gesto de o arguido puxar a porta com a finalidade de a fechar.
Ainda que se admita como possível que o arguido, por estar zangado, tivesse feito tal gesto com alguma força, a verdade é que o simples embate de uma porta com as caraterísticas documentadas nos autos, afigura-se-nos insuficiente para gerar o hematoma visível nas fotografias. Por conseguinte, a versão apresentada pela ofendida SS, além de ser mais consentânea com as regras da normalidade e com o facto de os arguidos estarem necessariamente alterados por força da discussão que estavam a manter – note-se que o arguido disse que a arguida, uns minutos antes, o tentou agredir com uma faca – é aquela que melhor se coaduna com a extensão das lesões documentadas nos autos.
Assim, convenceu-se o tribunal que a versão relatada por SS – por sinal, de uma forma aparentemente sincera e verdadeira, e que não foi contrariada por qualquer testemunha, já que apenas os arguidos assistiram aos factos – é aquela que corresponde aos acontecimentos descritos na acusação pública.
Quanto à intenção do arguido e ao conhecimento de estar a cometer um ilícito penal, a convicção do tribunal formou-se com base nas regras da experiência comum, de acordo com as quais, ao agir da forma descrita, no preciso contexto relatado por SS, não podia o arguido deixar de saber que lesava a integridade física desta, tendo atuado com a intenção concretizada de a atingir. Não podia ainda o arguido, para mais, pessoa socialmente integrada, deixar de saber que tal conduta consubstancia a prática de um crime.
No que concerne aos factos imputados à arguida SS:
A arguida admitiu em tribunal que todos os emails anexos à acusação foram por si escritos e remetidos ao arguido AA. Admitiu igualmente que a página de Facebook identificada nos documentos juntos com a acusação é por si gerida e que foi a arguida a responsável pelos conteúdos constantes da mesma.
Refere, em sua defesa, que, por um lado, os emails que enviou ao arguido foram enviados como resposta a outros por si recebidos e num contexto de discussão. E, por outro lado, as publicações efetuadas no Facebook, na sua maioria, não se dirigiam nem se referiam ao arguido.
No que concerne à publicação referente ao corte da energia elétrica, a arguida, sempre admitindo ter sido a autora de tal publicação, referiu que, naquele dia, havia sido cortada a energia elétrica na sequência de instruções do arguido, já que a SS pretendia que AA fizesse a transferência dos contratos para a titularidade daquela e este último, por seu turno, pretendia que a arguida celebrasse contratos novos. Inquirido AA, admitiu ter dado instruções para que os serviços em causa fossem interrompidos, referindo que o fez por a arguida não celebrar novos contratos na sua própria titularidade.
Ora, em face do exposto, dúvidas que não há de que a arguida enviou os emails descritos na acusação e foi a autora das publicações no Facebook que estão descritas nos autos.
Assim, em face das declarações da própria e da análise dos referidos emails, resultaram provados os factos elencados na respetiva factualidade provada.
Mais resulta das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer que a arguida, como qualquer pessoa de diligência média, não pode deixar de saber que ao chamar ao ofendido “porco”, “nojento” e “burro”, o ofende na sua honra e consideração, tendo agido de tal forma, precisamente, por ser sua intenção provocar a supra referida ofensa.
Já no que concerne às publicações efetuadas no Facebook, analisadas as mesmas – conforme melhor se explicará em sede de fundamentação de direito – não se vislumbra que estas ultrapassem os limites da liberdade de expressão e que contenham factos suscetíveis de denegrir, de forma intolerável, a honra e a consideração do arguido.
A este respeito, verifica-se que apenas a publicação referente ao corte do abastecimento dos serviços de água, gás e luz, (que foi diretamente dirigida a AA) seria abstratamente suscetível de ter potencial ofensivo com dignidade penal.
Sucede que o teor da publicação relata factos que são verdadeiros, já que o arguido, efetivamente, diligenciou para que a arguida e os filhos ficassem sem água, luz e gás.
As suas motivações, por mais compreensíveis que o possam ser, não retiram a veracidade do facto relatado pela arguida. Como tal, não se demonstra nem a lesão da sua honra, nem a imputação, perante terceiros, de qualquer facto falso.
Quanto às condições sociais dos arguidos, tomaram-se em conta as declarações dos próprios que, não tendo sido contrariadas por qualquer outro meio de prova, mereceram credibilidade.
A convicção do tribunal no que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos assentou nos respetivos Certificado do Registo Criminal juntos aos autos.
Os demais factos julgados não provados, assim foram considerados em face da insuficiência de prova dos mesmos. (...) Diremos ainda, que concordamos na integra com o douto parecer elaborado pelo digno Procurador Geral Adjunto com a referência citius 19692668, o qual se transcreve na integra e focando-nos na parte da absolvição da arguida que não podemos deixar de concordar pelo evidenciado rigor técnico jurídico ali demonstrado a que se alia o bom senso e a apreciação dos factos apurados:
Por sentença proferida nestes autos em 27 de junho de 2022:
a) Veio a arguida SS a ser absolvida da prática, como autora material, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal;
b) Veio a mesma arguida SS a ser condenada pela prática, como autora material, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros), num total global de €560 (quinhentos e sessenta euros).
c) Veio o arguido AA a ser condenado pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €10 (dez euros) num total global de €1.400.
De tal decisão interpõe recurso o arguido, e simultaneamente assistente, AA, propugnando a sua absolvição pela prática do crime pelo qual foi condenado e, bem assim, a condenação da arguida SS pela prática do crime de difamação pelo qual viria a ser absolvida.
No que concerne à prática do crime pela qual a arguida foi absolvida, o recorrente invoca os argumentos que constam dos pontos WW) a HHH) das conclusões constantes da sua motivação de recurso, argumentando que deveriam ter sido dados como provados, e não como não provados, os factos identificados na sentença condenatória como tal, sob os n.ºs 1 a 3 ou seja, que:
1. A arguida denuncia publicamente uma imagem negativa do assistente, enquanto pai e marido, imputando-lhe factos que sabe serem falsos;
2. Através dessa postura a arguida visa influenciar a perceção que as restantes pessoas têm do assistente, incluindo os próprios filhos, que adotam uma defesa da mãe, contra o pai reproduzindo as suas acusações como sendo a realidade;
3. Com estas atitudes a arguida procurou, perante terceiros, imputar ao assistente a prática de factos, e a formulação de juízos que são, ambos, ofensivos da sua honra.
Começaremos por dizer que os supra mencionados “factos” não são, afinal, mais que meras conclusões que, para pudessem ser atendíveis, ainda que enquanto tal, se mostrava imperioso que encontrassem respaldo em dados objetivos concretos, ou seja, em verdadeiros factos dos quais se pudesse extrair, de forma legítima, a correspondente conclusão – e.g. designadamente, e desde logo, no que respeita à circunstância de a arguida denunciar publicamente uma imagem negativa do Assistente, enquanto pai e marido, imputando-lhe factos que sabe serem falsos.
Ora, face aos termos em que são formuladas as conclusões de recurso – WW) a CCC) - e aos demais factos declarados provados e não provados na sentença condenatória, constata-se que a única factualidade, hipoteticamente subsumível ao teor conclusivo dos citados “factos” declarados como não provados, se consubstancia nos dados como provados sob os n.ºs 8 a 94, designadamente o ali referenciado sob o n.º 12, os quais são do seguinte teor:
8. No dia 23.03.2020, o assistente informou a arguida que esta teria que transmitir a titularidade dos contratos de consumo, para si, até ao dia 06.04.2018, data a partir da qual os contratos seriam cancelados;
9. Apesar de a informação ter sido dada com 14 dias de antecedência, a arguida nada fez.
10. No dia 05.04.2018 o Assistente voltou a informar a arguida que a rescisão do contrato com a EPAL ocorreria no dia seguinte, tendo esta respondido, às 20:50: “Nem sei o que te diga ……… és porco e nojento e desprezível. Mas se queres deixar os teus filhos nessas condições tu é que sabes”.
11. No dia 06.04.2018, e os contratos foram cancelados, sob instruções do assistente;
12. Nesse mesmo dia, a arguida optou por publicar, na sua página do Facebook um vídeo, com a seguinte legenda “Quem diz que o dinheiro é o mais importante. Quando o teu ex. manda cortar água, gás e luz. A alegria mantém-se”, tendo também publicado a comunicação de corte, por parte da EPAL, na qual constavam todos os dados identificativos da denunciada (nome, morada, número fiscal, número do cartão de cidadão, endereço de e-mail, números de telemóvel), visando imputar ao assistente a culpa pelo fornecimento de água, gás e eletricidade;
13. A essa publicação tinham acesso, entre outros, os amigos comuns de ambos, familiares de ambos e os seus próprios filhos; Consequentemente, a questão suscitada resume-se a saber se, face à demais factualidade provada e acima referida, o facto constante do citado ponto 12 consubstancia a prática pela arguida de um crime de difamação, caso em que o tribunal a quo teria incorrido, a este propósito, num verdadeiro erro de julgamento.
Na sentença recorrida, considerou-se que o teor da publicação relata factos que são verdadeiros, já que o arguido, efetivamente, diligenciou para que a arguida e os filhos ficassem sem água, luz e gás. As suas motivações, por mais compreensíveis que o possam ser, não retiram a veracidade do facto relatado pela arguida. Como tal, não se demonstra nem a lesão da sua honra, nem a imputação, perante terceiros, de qualquer facto falso.
Inclinamo-nos a concordar com a conclusão a que chegou o tribunal a quo. O facto imputado era verdadeiro - o arguido mandou cortar água, gás e luz –, circunstância que exclui a punibilidade desta conduta, nos termos da alínea b), do n.º 2, do artigo 181.º, do Código Penal.
Diferente poderia ser a conclusão se outras formulações possíveis, para descrever a situação em causa, tivessem sido então utilizadas pela arguida, designadamente nos casos em que essa formulação fosse, ou apenas parcialmente verdadeira, como por exemplo, ficámos sem água, gás e luz porque o meu ex. mandou cortar o respetivo fornecimento, ou manifestamente falsa, como por exemplo, ficámos sem água, gás e luz, porque o meu ex. mandou cortar o fornecimento sem nos avisar.
E não deixamos de salientar que, independentemente da motivação do arguido que presidiu a tal ordem de corte de fornecimento, ele se mostrou indiferente às consequências que para os seus filhos dela resultariam, caso a arguida não agisse atempadamente para realizar novos contratos de fornecimento de tais bens no prazo que este, em termos totalmente discricionários, lhe fixara.
Razão porque se conclui que, acompanhando a posição expressa pela Exa. Colega em 1.ª Instância, não julgamos ser o recurso credor de provimento, nesta parte.
*
Já no que respeita à impugnação da condenação do arguido pela prática de um crime de ofensas à integridade física, a sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
2. No dia 08.02.2098, pelas 7 horas e 40 minutos, quando se encontravam na residência comum, sita na Rua ………………………………………. em Lisboa, os intervenientes discutiram sobre a gestão do quotidiano familiar;
3. Nessa sequência, quando o arguido estava a sair da residência, empurrou a porta da entrada contra o corpo da ofendida, entalando a sua perna esquerda, após ter visualizado que ali se encontrava;
4. Com a atuação referida, o arguido provocou à ofendida, dores na parte atingida e edema a nível da face lateral da coxa esquerda;
5. Tais lesões determinaram para a ofendida 8 dias de doença, sem afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional;
6. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da ofendida e de lhe produzir a lesão verificada, resultado este que conseguiu;
7. Mais sabia o arguido que praticava factos proibidos e punidos por lei penal;
A discordância do arguido com a fixação de tais factos como provados resume-se, em boa verdade – cf. conclusões A) a VV) - ao que ficou consignado a tal propósito como factos não provados, os quais encerram, na sua simplicidade, a versão do ocorrido oferecida por aquele, ou seja:
4. Quando o arguido saiu de casa, atirando a porta atrás de si, com o intuito de a fechar, a ofendida encontrava-se no interior da fração, tendo sido esta que, em momento imediato subsequente à ação do arguido, elevou a perna, colocando-a na trajetória da porta já em movimento, para evitar o seu fecho;
5. Foi a ação da ofendida que provocou o embate da porta na sua perna.
6. Ao atirar com a porta e ao dirigir-se para o elevador, o arguido não poderia ter visualizado a perna da ofendida, nem o arguido poderia adivinhar que a ofendida tentaria impedir o fecho da porta, colocando-se na trajetória da mesma.
Em face do circunstancialismo em que se desenrolou o ocorrido, isto é, não tendo os factos sido presenciados por terceiros, e negando o arguido a sua prática, é evidente que a prova que permitiu ao tribunal recorrido convencer-se que aqueles tiveram efetivamente lugar, teria sempre que encontrar o seu fundamento, em primeira linha, no depoimento da respetiva vítima. Em consequência, e tal como sucede na maioria dos casos que a este se assemelham, não é fácil recolher prova direta suscetível de confirmar a versão dos factos que cada um dos interessados invoca.
Daí que, para decidir sobre se tais factos terão ou não ocorrido, ou o mesmo é dizer para decidir a qual das duas versões contraditórias produzidas em audiência deveria atribuir credibilidade, se a do arguido, se a da ofendida, o tribunal tenha tido a necessidade de socorrer-se de outros elementos (sendo certo que, nesse exercício, qualquer dúvida deveria ser resolvida em favor do arguido). Ora, esses outros elementos tanto podem decorrer da perceção que o tribunal retém, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, da forma como os depoimentos de arguido e vítima foram produzidos em audiência, bem como do respetivo teor, como da ponderação de outros elementos probatórios, de natureza circunstancial ou indireta, que lhe sejam presentes.
No caso, é indubitável que constituíram elementos probatórios relevantes para a decisão os elementos relacionados com os ferimentos então sofridos pela ofendida e que o tribunal apreciou criticamente.
Mau grado, a alegação do recorrente, não se vislumbra que, do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, resulte a consideração de que a sentença recorrida padeça de qualquer contradição insanável na sua fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou, mesmo, que tenha incorrido em erro notório na apreciação da prova.
Nesta conformidade, e acompanhando de novo a posição expressa pela Exa. Colega na 1.ª Instância, se conclui que, também nesta parte, não deve ser o recurso merecedor de provimento.(...) –Negritos nossos‑
No mais diremos agora:
- Então, a fundamentação da decisão recorrida, no exame crítico da prova que fez, explica de forma detalhada e concisa, os motivos pelos quais os elementos de prova foram, conjugadamente, valorados no sentido em que o foram, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu o tribunal, que beneficiou da oralidade e da imediação, à convicção alcançada, com suporte na regra estabelecida no art.º 127.º do CPP, não se mostrando violado qualquer princípio, norma legal ou regra da experiência na apreciação da matéria de facto, não merecendo, por isso, qualquer reparo a formação dessa convicção.
A convicção do Tribunal formou-se, como decorre da fundamentação aduzida, em face de dados objectivos conjugados com as regras da experiência comum, da normalidade da vida e das coisas, sem que se vislumbre qualquer apreciação arbitrária da prova, em violação dessas regras, pois que a conjugação e ponderação crítica de todos os elementos de prova permite as presunções, deduções ou interpretações.
Aduziremos ainda que analisada a sentença recorrida, quanto aos factos provados e sua motivação, verifica-se que o Tribunal “a quo” formou a sua convicção de forma muito bem estruturada, clara e fundamentada, em que medida os factos foram valorados e por que motivos lhe mereceram credibilidade e de forma exaustiva, estando isenta de dúvidas e tecnicamente correcta.
Concretamente da fundamentação da convicção do Tribunal “a quo”, constata-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão incongruente, arbitrária ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas disponíveis, tendo a convicção expressa pelo tribunal suporte mais que razoável nas mesmas, dela estando isenta qualquer discrepância.
A fundamentação da decisão recorrida, no exame crítico da prova, explica de forma detalhada (exaustiva, até) os motivos pelos quais os elementos de prova foram, conjugadamente, valorados no sentido em que o foram, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu o tribunal, que beneficiou da oralidade e da imediação, à convicção alcançada, com suporte na regra estabelecida no art.º 127.º do CPP, não se mostrando violado qualquer princípio, norma legal ou regra da experiência na apreciação da matéria de facto, não merecendo, por isso, qualquer reparo a formação dessa convicção, bastando para tal fazer uma renovada leitura da mesma.
A convicção do Tribunal formou-se, como decorre da fundamentação aduzida, em face de dados objectivos conjugados com as regras da experiência comum, da normalidade da vida e das coisas, sem que se vislumbre qualquer apreciação arbitrária da prova, em violação dessas regras, pois que a conjugação e ponderação crítica de todos os elementos de prova permite as deduções ou interpretações efectuadas, nem se vislumbrando que o Tribunal “ a quo” tenha tido qualquer dúvida e que mesmo assim a tenha valorado contra o arguido.
Não existe por isso qualquer violação do princípio “ in dubio pro reo”, pois este só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção, coisa que de forma patente não aconteceu no caso em apreço.
Mais se acrescenta que o “in dubio pro reo” constitui decorrência do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e dá resposta às situações de dúvida quanto à verificação de determinado facto, impondo que o “non liquet” em matéria de prova seja valorado a favor do arguido.
Em sede de recurso, o uso feito do princípio “in dubio pro reo” afere-se pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo que quando daí resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, optou pelo sentido desfavorável ao arguido, se impõe concluir que ocorreu violação daquele princípio.
Ora, lida a sentença recorrida, em particular o que nele se escreveu quanto à motivação de facto, não resulta que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – quanto aos factos constantes dos pontos referidos no recurso e que a partir desse estado tenha considerado os mesmos demonstrados.
Aliás, na aludida motivação o tribunal “a quo” não só indicou as razões que de modo lógico e coerente justificam a opção probatória que tomou, como assinalou que da conjugação dos elementos probatórios que referiu e que se lhe afiguraram credíveis, formou a sua firme convicção no sentido de que os factos se passaram tal como descritos em sede de matéria de facto provada.
Não se detecta, pois, qualquer estado de dúvida na explanação efectuada na sobredita motivação, antes nela se manifesta a convicção segura baseada na indicada prova, pelo que não havia que lançar mão do princípio “in dubio pro reo”, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador e não a dar resposta às dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória por ele efectuada e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo. Fica, deste modo, afastada a invocada violação do princípio “in dubio pro reo”, feita pelo recorrente 127º do CPP e a violação do art.º 32º nº 2 da CRP.
Não se vislumbra aqui nem em qualquer segmento da sentença recorrida estes concretos vícios invocados pelo recorrente, pelo que improcedem, não obtendo provimento.
Improcede assim “in totum” o recurso interposto pelo arguido, sendo este manifestamente improcedente, o que se declara.
III.
1.Pelo exposto rejeita-se em substância o recurso interposto, pelo arguido, por ser manifestamente improcedente, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.
2. Custas, a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (3 UC + 3UC) art.º 420º nº 3, e demais encargos legais.
3. Notifique e D.N.

Lisboa, 6 de Março de 2023
(elaborado em computador e integralmente revisto pela Juíza Desembargadora signatária nos termos do disposto no art.º 94º nº 2 do C.P.P.)
Filipa Costa Lourenço