Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
850/07.7TMLSB-B.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALTERAÇÃO DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores configura uma prestação social substitutiva, com natureza subsidiária, adquirindo este, na medida da satisfação dada ao direito do menor, credor de alimentos, os poderes que ao mesmo competiam perante o devedor, nos termos da sub-rogação, regulada nos artigos 592º e 593º do Código Civil).
2. O valor da prestação a fixar não poderá ser superior àquele a que ficou obrigado o devedor principal no âmbito do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais.(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

            I-RELATÓRIO

          O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, interveniente acidental nos presentes autos, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (FGADM), vem interpor recurso da decisão proferida em 14 de janeiro de 2013, cujo conteúdo consiste em manter o pagamento da prestação, nos precisos termos em que tinha sido decidida por sentença de 4-12-2008.

          Esta decisão apresentava o seguinte dispositivo: “julgo procedente o presente incidente de incumprimento e, em consequência: declaro vencidas e em dívida as prestações de alimentos devidas ao menor desde julho de 2007, estando por isso aquele em situação de incumprimento, nos termos do disposto no artigo 181.º n.º4 da Organização Tutelar de Menores e fixo a título de pensão de alimentos devida ao menor I…, a quantia de € 250 (duzentos e cinquenta euros) mensais, da responsabilidade de L…. e a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.”

           Inconformado com tal decisão, o Apelante formulou, no essencial e em resumo, as seguintes conclusões:

           O Estado somente assegura a obrigação do devedor obrigado judicialmente que se encontre em incumprimento enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta.

           A intervenção do FGADM reveste natureza subsidiária, visto que é a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, que a legitima.

           Depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe pois lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.

           Tal significa que o FGADM assume a posição do devedor dos alimentos em incumprimento, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o mesmo.

           Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do art.º 10.º do Decreto- Lei n.º 164/99.

           Não tem qualquer suporte fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM muito superior à fixada inicialmente ao progenitor pai que ficou obrigado a pagar € 100,00 (cem euros) para o menor, logo, deveria o FGADM ser obrigado a pagar essa mesma prestação em substituição do progenitor em incumprimento.

           Assim, termina, “deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão ora recorrida, proferindo-se nova onde seja fixada prestação de alimentos de valor igual ou idêntico ao progenitor incumpridor, e, consequentemente deduzida a prestação assegurada pelo FGADM, nos termos legais mencionados

           A Digna Magistrada do Ministério Público, pronunciou-se no sentido de “ em sintonia com a argumentação expendida pelo IGFdSS, justifica-se proceder à redução do montante mensal da prestação a cargo do FGADM, de €250,00 para € 100,00.         

            II-OS FACTOS

           A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório, destacando-se ainda os elementos seguintes, constantes dos autos:

            1-I… nasceu a 01-03-2001.

            2-É filho de A… e de L….

           3-Por decisão proferida em 13 de Julho de 2007, foi homologado o acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal, constando da cláusula 4.ª do acordo dos pais o seguinte:

            “Atendendo a que o pai tem a profissão de mecânico, mas está desempregado há seis anos, sendo doente, este contribuirá a título pensão de alimentos para o menor, com a quantia de €100,00 (cem euros), que entregará ou depositará em conta bancária da mãe até ao dia 5 do mês a que diz respeito.”

           4-Em 12 de Novembro de 2007, a mãe do menor requereu que fosse accionado o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, perante o incumprimento do pai em relação ao pagamento da pensão de alimentos.

           5-Por decisão proferida em 4-12-2008, foi decidido julgar procedente o incidente de incumprimento e, em consequência, foram declaradas vencidas e em dívida as prestações de alimentos devidas ao menor, desde Julho de 2007, estando por isso aquele em situação de incumprimento, nos termos do disposto no artigo 181.º n.º4 da OTM e foi fixada a título de pensão de alimentos, devida ao menor I…, a quantia de €250 da responsabilidade de L… e a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

            6-Desta decisão, não foi interposto recurso.

           7-O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social informou o Tribunal, por ofício datado de 18 de Fevereiro de 2009, que “iniciou no dia 21 do mês de Fevereiro do ano de 2009, com referência a 01 de Janeiro de 2009, o pagamento da prestação de alimentos no montante de 250,00 Euros, referente ao menor I…”, conforme documento de fls.22.

            8-Por decisão proferida em 28 de Março de 2011, ao abrigo do disposto no art.º 14.º n.º 2 do D.L. n.º 70/2010 de 16 de Junho, foi determinada a suspensão do pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do FGADM.

           9-Por decisão proferida em 23-05-2011, tendo a mãe do menor apresentado os documentos que permitiram a reavaliação extraordinária das condições de recursos, cessou a suspensão e, em consequência, determinou-se manter a prestação atribuída cujo pagamento é assegurado pelo FGADM.

           10-Em 24 Abril de 2012, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social veio requerer a redução da prestação assegurada pelo FGADM para o valor de € 100,00, quantia idêntica à devida pelo progenitor incumpridor.

           11-Sobre tal requerimento incidiu a decisão, ora sob recurso, e com o teor seguinte:

            “ I… nasceu em 01-03-2001 (cf. fls. 5 dos Autos Principais de Regulação).

No âmbito do acordo reflectido na Acta que faz fls. 40/41 desses autos, o progenitor masculino e aqui requerido, L…, vinculou-se a contribuir para o sustento daquele com «…a quantia mensal de € 100…».

 Constatado o incumprimento do pagamento da prestação alimentícia judicialmente estabelecida, e não se vislumbrando possível efectivar o pagamento daquela prestação, tal qual aludem os arts. 189.º da Organização Tutelar de Menores, 1.º da Lei n.º 75/98, de 19-11, e 3.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 164/99, de 13-05, mostrando-se reunidos os pressupostos de que depende a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores, foi fixado, a título de pensão de alimentos devida àquele, o valor mensal de € 250 (duzentos e cinquenta euros), da responsabilidade do requerido, mas a suportar pelo referido Fundo – cf. fls. 43 a 47, mantida por despacho constante de fls. 66/67.

 Posteriormente, tal pagamento foi suspenso (fls. 95 a 97), mas voltou a ser retomado (fls. 122 a 126).

 É chegado o momento de proceder à revisão daquela decisão, tendo a requerente, A…, na qualidade de mãe, a cargo de quem I… se encontra, junto a documentação pertinente.

O Tribunal é o competente.

Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra ou deva conhecer-se nesta sede.

Apesar da disparidade entre os valores, o inicialmente acordado e o fixado judicialmente, o certo é que não foi interposto recurso.

Valorando o montante aposto no recibo de remuneração, o atestado da junta de freguesia, e a circunstância do requerido não ter situação laboral activa, na ponderação aritmética dos rendimentos do agregado familiar, entende-se permanecerem inalterados os pressupostos fácticos e jurídicos que determinaram a atribuição ao Estado (via Fundo de Garantia), de assegurar o pagamento dessa prestação de alimentos (arts. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98, 9.º, n.º 1, do DL n.º 164/99, ambos já citados, e 5.º do DL n.º 70/2010, de 16-06).

Por conseguinte, decide-se manter o pagamento dessa prestação, nos seus precisos termos.” 

            III-      O DIREITO

            Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas e que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a questão que importa averiguar consiste em saber se o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (FGADM) poderá ser condenado a pagar uma prestação de valor superior à fixada aos devedores originários.

           Conforme resulta da factualidade supra referida, foi instaurado pela mãe do menor, incidente de incumprimento em relação ao pagamento da pensão de alimentos a favor do mesmo, a cargo do pai da criança, no valor de € 100,00 mensais. Sucede que esse incidente de incumprimento foi julgado procedente tendo sido decidido que seria o Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores (FGADM) quem suportaria a pensão de alimentos mensal que, no mesmo incidente, se alterou para € 250,00.

            Não obstante o FGADM ter passado a pagar essa quantia, a verdade é que veio requerer ao Tribunal que o pagamento fosse reduzido ao valor inicialmente fixado, uma vez que só relativamente a esse valor poderá exercer o seu direito a ser reembolsado contra o devedor.

            Quid juris?

           Dispõe o artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro: “Quando uma pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto -Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie, nessa medida, de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

           Prevê, por sua vez, o artigo 2º, nº1 do mesmo diploma: “as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UCs”, que, na determinação desse montante, “atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.
De acordo com o artigo 6º, nº3 da mesma Lei, “
O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso”.

              Por sua vez, o Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio, que veio regulamentar a referida lei, definindo no seu artigo 3º os pressupostos de que depende a garantia de atribuição dos alimentos a menores por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, estabelece:

                 “1. O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro;
b) o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;
(…) 5. As prestações a que se refere o nº 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor (…
)”.

     Com base neste enquadramento legal, a jurisprudência tem divergido quanto à resposta a dar à questão que ora nos ocupa:

        Uma orientação jurisprudencial entende que o único limite da obrigação que recai sobre o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores é o que resulta dos artigos 2º, nº1 da Lei nº 75/98 e do artigo 3º, nº5 do Decreto-Lei nº 164/99, designadamente, quanto a este último determina que as prestações a suportar pelo referido Fundo “…não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores”, nada obstando que excedam o valor das prestações incumpridas, desde que não ultrapasse aquele limite legal[1].

         Outra corrente jurisprudencial vem entendendo que,
tendo em conta  a função substitutiva e subsidiária do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores,
a obrigação deste nunca pode exceder a obrigação incumprida.

        É o entendimento que defendemos[2], pelas razões que infra elencamos:

     Em primeiro lugar, como resulta do art.º 6º, nº3 da Lei n.º 75/98 “O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.

  Os termos da lei demonstram claramente que a obrigação do FGADM é apenas de substituir o devedor originário, garantindo a subsistência do menor, face ao incumprimento do obrigado a alimentos, mas não passa o Fundo a ser obrigado a prestar alimentos. A sua obrigação tem o mesmo conteúdo da obrigação do devedor originário. Só assim se pode tornar efectivo o direito ao reembolso consagrado na lei. O Fundo tem direito a ser reembolsado pelo devedor de tudo o que pagou e não apenas de parte do que despendeu. Logo, a sua prestação não pode ser superior àquela que seria exigível do progenitor.

       Em segundo lugar é indicado como argumento para a defesa da tese oposta, a norma constitucional programática constante do artigo 69.º da Lei Fundamental segundo a qual “todas as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”.

    Decorre, pois, do referido normativo que o Estado deve prosseguir políticas tendentes à protecção das crianças com necessidades específicas, de modo a proporcionar-lhes o mínimo necessário ao seu desenvolvimento integral e à sua formação. Em concretização das mencionadas normas da lei fundamental, a fim de proporcionar a satisfação das necessidades básicas de sustento, a Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, estabeleceu um regime de garantia da prestação de alimentos devidos a menores. Visou, pois, a garantia do direito a prestações de alimentos a menores, em caso de incumprimento do correspondente dever judicialmente fixado por parte dos obrigados, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores[3].
Com efeito, ela prescreve, por um lado, que o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189° do Decreto-Lei n° 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentando não tenha rendimento líquido
superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (artigo 1º).

     E, por outro, que as prestações atribuídas nos termos desta Lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta (artigo 2º, n° 1).

    E, finalmente, que para se determinar o aludido montante deverá o tribunal atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor (artigo 2º, n° 2).

     Do regime legal, concluem os defensores da tese oposta àquela que aqui defendemos, que a natureza e a função da obrigação atribuída ao Estado, prosseguida através do FGADM, justificam a conclusão de que não se exige que a obrigação atribuída ao referido Fundo se contenha dentro dos limites da prestação fixada para o primitivo devedor. Na verdade, defendem, trata-se de prestações bem diferentes, aquela a cargo do Fundo e a prevista no Código Civil, com critérios bem diferenciados, sendo que o montante da prestação fixada pelo Tribunal apenas constitui um dado a ponderar na fixação do novo valor.

      Entendemos que o regime legal, efectivamente, não impõe tal interpretação, ou seja, tal regime consente perfeitamente o entendimento que deixamos aqui expresso.

     Da própria designação do FGADM se retira que se trata de um fundo de garantia dos alimentos devidos. Criou-se, portanto, um fundo para garantir uma prestação, não se criou uma nova prestação social administrativa independente daquela, fixável pelos tribunais judiciais e não reembolsável, que é o resultado a que chega a tese contrária. Todo o regime jurídico desta garantia impõe a conclusão de que se trata de uma garantia da obrigação pre - definida judicialmente e não outra. Veja-se a sub-rogação, o reembolso ou a cessação da prestação a cargo do FGADM, a partir do momento em que o obrigado a alimentos comece o pagamento das prestações.

      Por outro lado, a imposição de realização de diligências probatórias para averiguar das efectivas necessidades dos menores quando o FGADM é accionado, que é o principal argumento da tese contrária[4],cremos que a lei visa tão só, “prevenir as múltiplas hipóteses de conluio entre os progenitores, em prejuízo dos dinheiros públicos, com fixação de prestações alimentares que ultrapassem os montantes necessários. Por isso, quando os fundos públicos são chamados a pagar a prestação, tem que se averiguar, com novas diligências de prova, se as necessidades dos menores correspondem de facto à prestação fixada (repare-se que a mesma é fixada por acordo, ou com base em prova testemunhal oferecida pelas partes)”[5].

   O que acaba de ser dito tem igualmente suporte no regime da sub-rogação previsto nos artigos do 592.º e 593.º do Código Civil. O objectivo da lei  não foi criar uma prestação social a cargo do FGADM. O objectivo foi criar um mecanismo de garantia da dívida do condenado na prestação de alimentos, tendo o FGADM direito a ser reembolsado daquilo que pagou, por via da sub-rogação. Como refere Tomé Ramião[6] o Estado, através do FGADM “não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efectivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado com o reembolso dessa prestação”

     Poderia colocar-se a questão de saber se haveria algum obstáculo processual à alteração da prestação a pagar pelo FGADM, uma vez que não foi interposto recurso da decisão proferida em 04-12-2008, em que inicialmente se fixou o valor de € 250,00 a pagar pelo FGADM, por tal decisão estar abrangida pelo caso julgado formal. Ora, tal obstáculo não existe visto que estamos no âmbito dos processos de jurisdição voluntária em que as decisões “podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração”, conforme art.º 986.º do CPC.E nos termos da lei “dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.”Ora, no caso em apreço, parece-nos que o facto de o FGADM estar obrigado a cumprir a obrigação em termos que contrariam as normas legais aplicáveis, constitui uma circunstância que embora já existisse à data em que a decisão foi proferida, não foi alegada nessa altura, por motivo que se admite estar ligado à incerteza sobre o tratamento jurídico mais adequado a dar a esta mesma questão. Para tanto não será alheia a própria divergência jurisprudencial sobre a matéria. Considera-se, portanto, que a condenação do FGADM no pagamento de € 250,00 a título de prestação de alimentos ao menor, poderia e deveria ter sido alterada na decisão recorrida, motivo pelo qual, procedendo as conclusões do Apelante se impõe a revogação da mesma.

            IV-DECISÃO

    Face ao exposto, procedendo o recurso interposto e aderindo igualmente ao parecer do Ministério Público, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em revogar a decisão recorrida e determinar que, a partir da data desta decisão, o montante mensal da prestação a cargo do FGADM, seja reduzido de € 250,00 para € 100,00.

   Custas pelo Apelado, L…, por ser quem deu causa à presente acção.

            Lisboa, 20 de março de 2014

Maria de Deus Correia

Maria Teresa Pardal (vencida conforme voto que junta)

Carlos de Melo Marinho

VOTO DE VENCIDO.

Votei vencida porque entendo que a obrigacão do FGADM ë autónoma, apesar de

subsidiária da obrigacão do primitivo devedor, assentando em prernissas diferentes, como é reconhecido nos fundamentos do AUJ n°12/2009 de 7/7 (relativo ao mornento a partir do qual são devidas as prestacões do Fundo) e como resulta da redaccão dos artigos 2° da Lei 75/98 de 19/11 e 3° e 4° do DL 164/99 de 11/5, bem como da sua finalidade, pelo que é possível fixar o seu montante em valor diferente e superior ao da pensão do devedor incumpridor, o que não obsta ao direito de reembolso do FGADM.

Teria, portanto, confirmado a sentença recorrida.

Maria Teresa Pardal                  


[1] Neste sentido acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.06.2009, (com um voto de vencido do Conselheiro Salvador da Costa);embora este acórdão não trate exactamente da questão aqui em análise. Trata sim da questão de saber se o limite de 4UC previsto no art.º 2 n.º1 da Lei n.º 75/98 se aplica independentemente do número de menores beneficiários da prestação de alimentos. Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2011, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
A título meramente exemplificativo, mencionam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2013,do Tribunal da Relação do Porto de 28-11-2013( com voto de vencido do Desembargador Pedro Martins), do Tribunal da Relação de Coimbra de 3-12-2013, todos em www.dgsi.pt

[2] É o entendimento que foi seguido nos Acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2012 (Relator - Aguiar Pereira e de 19-12-2013 (Relatora- Fernanda Isabel Pereira), ambos proferidos nesta mesma secção. Ainda no mesmo sentido acórdão desta mesma Relação de Lisboa de 12-12-2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-06-2009, (Relatora – Maria dos Prazeres Beleza – com voto de vencido de Salvador da Costa), disponível em www.dgsi.pt.
[4] Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos devidos a menores, 2.ª edição, pp.237-239.
[5] Seguimos de perto o entendimento constante do voto de vencido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-11-2013, in www.dgsi.pt.
[6]Vide “Organização Tutelar de Menores – Anotada e Comentada – Jurisprudência e Legislação Conexa” – 10ª edição a página 200.