Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
71/09.4TTVFX.L1-4
Relator: NATALINO BOLAS
Descritores: DIREITO A FÉRIAS
VIOLAÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
ÓNUS DA PROVA
MOBBING
AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - O direito à indemnização pela violação do direito a férias, depende da verificação de dois requisitos essenciais:
- que o trabalhador não tenha gozado férias, e
- que a entidade patronal haja obstado ao seu gozo.
cabendo ao trabalhador o ónus de alegar e provar a verificação destes requisitos, uma vez que os mesmos constituem os elementos de facto constitutivos desse direito;
II - Não é devido pagamento por alegado trabalho suplementar se o trabalhador, para além de não ter provado que a ré tenha determinado expressa e previamente a prestação de trabalho fora do horário normal, também não alegou – nem provou – que a ré tivese conhecimento da prestação de trabalho para além do seu horário.
III - Constitui exercício arbitrário do poder de direcção a entidade empregadora alterar unilateralmente a situação profissional da trabalhadora, esvaziando o seu âmbito funcional e atribuindo-lhe funções inerentes a uma categoria profissional inferior à que detinha, sem motivo justificativo.
Contudo, tal factualidade é, por si só, insuficiente para se concluir que estamos perante uma situação de mobbing, na medida em que a trabalhadora não logrou provar as específicas condutas persecutórias que aponta à sua empregadora, nem a sua intencionalidade.
IV - Cabe à entidade empregadora, nos termos dos arts. 344°, n.° 1 e 350°, n.° 1 do Código Civil, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art. 260° do Código do Trabalho e de valer a presunção do n.° 3 do art.° 249° do mesmo diploma, de que se está perante prestação com natureza retributiva.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

A intentou em 30 de Janeiro de 2009, a presente acção declarativa comum, emergente de contrato de trabalho, contra
B, S.A.
pedindo que seja: (i) declarada nula e de nenhum efeito a determinação da R de abaixamento formal da categoria profissional da A de Gerente de Loja/Gerente comercial para Coordenadora SPV/ARM; (ii) declarado caduco e sem nenhum efeito a partir de 11.07.2008, o acordo de isenção de horário de trabalho celebrado entre A e R, por alteração unilateral por parte da R, dos pressupostos que lhe serviram de base; (iii) condenada a R a reconhecer à A a categoria profissional de Gerente de loja/Gerente comercial desde o dia 14 de Janeiro de 2007 e a colocá-la de imediato em função compatível na Loja de Sintra ou de Setúbal; (iv) condenada a R a pagar à A todas as diferenças salariais que lhe são devidas desde a sua admissão, por acréscimos sucessivos do horário de trabalho contratado, incluindo também os respectivos impactos nas férias, nos subsídios de férias e de Natal; (v) fixada a retribuição base mensal da A em 2.354,13 e a sua retribuição mensal global em €3.134,06, a serem retroactivamente comunicadas à Segurança Social; (vi) condenada a R pagar à A todo o trabalho suplementar e em dias de descanso, complementar e obrigatório e feriados e, bem assim, o relativo a descanso compensatório, não gozado, nem pago, realizado desde a sua admissão por imposição da R e em seu benefício; (vii) condenada a R a pagar à A as quantias de €1.227,13, a título de subsídios de assiduidade em dívida e de € 20.296,77 a título de férias de 2007, que a mesma não permitiu serem gozadas nem as pagou; (viii) condenada a R pela prática continuada, voluntária e dolosa, desde 11 de Julho de 2008, de assédio moral na pessoa da A e, em consequência, condenada a mesma R no pagamento à A de uma indemnização não inferior a €50.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de uma indemnização compensatória diária posterior à interposição da acção de €15,00; (ix) condenada a R na obrigação de reconduzir à legalidade instituída as relações de trabalho com a A, nomeadamente no que respeita à verificação dos seus direitos de personalidade, à eliminação de discriminações e à observância do direito de ocupação efectiva na respectiva categoria profissional; (x) condenada a R no pagamento de juros moratórios e compulsórios se e na medida em que não vier a cumprir o decidido pelo Tribunal.
Alegou para o efeito, e em síntese, que:
- Foi admitida ao serviço da R em 1 de Maio de 2003 para, por sua conta e sob as suas ordens, lhe prestar trabalho remunerado e subordinado a tempo parcial com a categoria profissional de Caixeiro Ajudante do 1° ano, no estabelecimento denominado "X", (…), mediante um horário de trabalho de 30 horas semanais distribuídas de Segunda a Domingo, e uma remuneração mensal de €374,10, acrescida de um subsídio de alimentação de €1,50 durante os dias de semana e de €4,52 aos fins-de-semana e feriados;
- Apesar de contratualmente lhe ter sido estabelecido um horário semanal de 30 horas, certo é que lhe foi exigido o cumprimento de 40 horas semanais, mediante o pagamento da mesma remuneração mensal de €374,10, situação que se manteve até 1 de Agosto de 2005, altura em que foi promovida para a categoria profissional de Coordenadora de Secção (linha castanha) em que a retribuição base mensal passou para €600,00 e o horário exigido continuou a ser de 173,33 horas mensais;
- No início de Setembro de 2005 foi colocada pelo Director de Operações Sul na "X’" em formação profissional para vir a coordenar futuramente a linha branca e, em 7 de Outubro de 2005, voltou a ser transferida para a "X’’" passando à categoria profissional de Coordenadora de Secção (linha branca);
- No dia 14 de Janeiro de 2007, o novo Director de Operações, JS, deu ordens verbais à A para que esta assumisse a gerência da Loja, situação que se manteve posteriormente até 10 de Julho de 2008;
- No dia 1 de Abril de 2008, por insistência da R, deu o seu acordo para que fosse estabelecido o regime de isenção de horário de trabalho através da modalidade da não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho prevista no art. 178°, n.° 1, a), do Código do Trabalho, devendo passar a receber uma retribuição especial correspondente a 25% da retribuição base;
- independentemente da ordem que lhe foi dada em 14 de Janeiro de 2007, a A continuou a ser considerada Coordenadora de Secção com a retribuição base mensal para 130 horas de 600,00 que já vinha auferindo desde Agosto de 2005, situação que se manteve até 31 de Outubro de 2007, tendo a A sido reconhecida pela R como gerente (e ainda assim juvenil) somente a partir do dia 1 de Novembro de 2007, pese embora o director operacional nacional, JS, ter reconhecido em 10 de Junho de 2007 que a A era gerente da loja de X’’ e disso informado toda a empresa;
- Sucede que no dia 11 de Julho de 2008, a A, que se encontrava no gozo de folga em Vieira de Leiria, foi chamada de urgência pelo gestor de vendas à "X’’’l" que lhe transmitiu que o Director de Operações, JS, havia decidido a transferência imediata da A para ali, não como gerente de loja mas para dar apoio ao serviço de pós-venda e armazém.
- O que aconteceu, na realidade, foi que a A, que até hoje não sabe porquê, foi ali colocada de castigo para fazer tarefas de caixa e para, essencialmente, e com o intuito de a envergonhar e humilhar, descarregar no armazém dos camiões de transporte, fogões, frigoríficos, máquinas de lavar, Lcd's, plasmas, computadores, etc., e arrumar e transportar lixo, com um esforço que ultrapassa muitas vezes as 12 horas de trabalho diário;
- A conduta da R tem causado estupefacção e confusão generalizada do pessoal e dos próprios fornecedores e clientes, para além de uma fragilização da posição pessoal e funcional da A que passou, a ter apoio psiquiátrico e psicológico;
- Aliás, tendo surgido em Novembro de 2008 uma vaga de gerente na "X’’’" foi nomeado para a função de gerente de loja pelo Director Operacional, JS, um colega da A sem qualquer experiência anterior de gestão e que até aí era coordenador de secção (linha branca);
- As atitudes da R são discriminatórias, vergonhosas, abusivas e ilegais e têm por objectivo exclusivo afectar a dignidade da A;
- Desde que foi promovida a Coordenadora de Secção, a R deixou de pagar à A o "subsídio de assiduidade" cujo valor mensal é de €29,93;
- À data de 1 de Novembro de 2007, a A auferia a retribuição mensal de €1250,00 para as contratadas 130 horas mensais, retribuição essa que devia ter sido ajustada para €1666,63 (173,33 horas x €1.250,00: 130 horas), acrescida do subsídio mensal de valor fixo e indevidamente pago como ajudas de custo no valor fixo de €687,50, o que perfaz €2.354,13;
- Para além disso, a A também recebia, com caracter permanente e regular uma verba chamada de "prémio de rentabilidade" com o valor mensal de €350,00, quantia que também lhe era paga nas férias, subsídio de férias e de Natal e era declarada à Segurança Social;
- Acresce que a R custeava integralmente os encargos com o telemóvel que estava distribuído à A para seu uso total, pagando-lhe cerca de €100,00 por mês;
- Finalmente, a R também lhe pagava com carácter permanente e regular um subsídio mensal de deslocação no valor de €300,00 mensais, subsídio esse que lhe foi retirado abrupta e indevidamente aquando da decisão da R de pôr a A de castigo;
- Assim sendo, a R devia pagar à A o valor médio mensal de €3.134,06, como contrapartida do seu trabalho;
- A quantidade de trabalho imposta à A impediu-a de gozar de 34 dias úteis de férias vencidas até 31 de Dezembro de 2007, o que se deveu por culpa exclusiva da R, que também não as pagou, pelo que tem direito a receber o triplo da retribuição correspondente;
- Acresce que a R deve à A, a título de diferenças salariais, até 31 de Dezembro de 2008, a quantia global de €39.762,11, a que se terá de deduzir a quantia de €2.100,00 pagos pela R a título de isenção de horário a partir do mês de Julho;
- A R nunca pagou à A a retribuição devida pelas horas de trabalho suplementar, pelas horas em dias de descanso e pelas horas em dias feriados, que determinou e foram sendo prestadas pela A desde que foi admitida;
- A R iniciou com dolo um plano de assédio moral, também designado de mobbing no trabalho mediante a prática de uma atitude sistemática de pressão, exploração, chantagem e desrespeito pela A, discriminando-a relativamente aos colegas, enquanto trabalhadora e mulher;
- A atitude ilícita e culposa da R violou os deveres laborais e de personalidade da A, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais relevantes e merecedores da tutela do direito, pelos quais deve ser ressarcida.
A R. apresentou contestação conforme consta de fls. 179-201 onde, impugnando a versão trazida aos autos pela A, alega, em síntese, que:
- A A não foi contratada nem nunca praticou o horário semanal de 30 horas e apenas lhe foi conferida transitoriamente a categoria de Gerente de Loja, funções que nunca assumiu, em definitivo;
- A A sempre esteve investida em funções de coordenação no serviço de pós venda e no armazém e as fotografias juntas com a petição inicial não retratam as funções da mesma até porque quem descarrega as mercadorias são os transportadores;
- A R nunca forçou a A a fazer o que quer que fosse contra a sua vontade e se nomeou LPP Gerente da Loja X’’’ foi porque o mesmo, que recebeu formação para o efeito, foi considerado mais habilitado que a A;
- Sempre que os funcionários da R passam a exercer as funções de gerência de loja ou de coordenação, deixam de receber o prémio de assiduidade e o prémio de dedicação, e passam a receber o prémio de rentabilidade que tem como limite máximo o valor de €350,00, facto que a A não ignorava;
- A A, por determinação da R, ou com o conhecimento desta, nunca prestou trabalho fora do seu horário de trabalho, sendo certo que a A beneficiava de isenção de horário;
- Os custos do telemóvel tinham um tecto máximo de €60,00 e o mesmo destinava-se a ser usado em serviço;
- Quanto ao subsídio de deslocação, o mesmo destinou-se a compensar a A pelos custos sofridos enquanto, pertencente à Loja de Setúbal, esteve deslocada na Loja de Sintra;
- É verdade que a A tem um crédito de férias de 34 dias à data de 31 de Dezembro de 2008 (e não 2007), mas a R não impediu por qualquer forma o gozo de tais férias;
- A R nada deve à A a título de diferenças salariais e impugna a verificação de qualquer assédio moral, bem como a ocorrências dos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais;
Conclui pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi afirmada a regularidade da instância e foi seleccionada a matéria de facto assente e controvertida (fls. 313-322).
Procedeu-se à realização da audiência e discussão de julgamento e foi dada resposta aos factos constantes da Base lnstrutória, conforme consta de fls. 990-1004, sem reclamações (fls. 1005).

Foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Declaro ilegal e abusiva a determinação da R, formalizada por escrito em 25 de Novembro de 2008, nos termos da qual conferiu à A a categoria profissional de "Coordenadora SPV/ARM";
b) Condeno a R a reconhecer à A a categoria profissional de Gerente de Loja com efeitos desde o dia 14 de Janeiro de 2007;
c) Fixo a retribuição base da A em €1250,00, à qual acrescem, como prestações remuneratórias, as quantias de €687,50 e €350,00 pagas, respectivamente, a título de "ajudas de custo" e de "prémio de rentabilidade", o que perfaz uma retribuição mensal global de €2.287,50;
d) Por referência à retribuição fixada na alínea anterior, condeno a R a pagar à A as diferenças salariais nas retribuições auferidas desde que assumiu as funções inerentes à categoria profissional de Gerente de Loja, ou seja, desde 1,4 de Janeiro de 2007 até Dezembro de 2008, com inclusão de férias, subsídios de férias e de Natal, facto que devera ser comunicado a segurança social, após transito.
e) Condeno a R a pagar a A a quantia de €3.535,23 (três mil quinhentos e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos), referente a 34 dias de férias não gozados e não pagos;
f) Condeno a R a pagar à A juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre as quantias descritas em d) e e) desde a data dos respectivos vencimentos até integral e efectivo pagamento, acrescidos dos juros compulsórios, nos termos e à taxa prevista no n° 4 do art. 829°-A do Código Civil, desde a data do trânsito em julgado desta sentença;
g) Absolvo a R. do demais peticionado pela A.
Custas pelo A e pela R na proporção do respectivo decaimento (art. 446°, do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 1°, n° 2, ai. a), do Código de Processo do Trabalho). Registe e notifique.”

         Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)
Termina pedindo a revogação da sentença
        
         Também a Autora interpôs recurso da sentença cujas conclusões seguem:
(…)
Termos em que
. Deve ser declarada a nulidade da douta sentença recorrida;
.. Devem V. Exas conhecer integralmente da impugnação
supra alegada e seus respectivos fundamentos;
Sendo que, efectuadas as alterações propostas pela recorrente, deverão, também, assim, V.Exas, dar cumprimento ao disposto no n° 2, do art.713°, do CPC, que remete para o n° 2, do art° 659, do mesmo diploma;
....Interpretando e aplicando as correspondentes normas jurídicas à matéria de facto que resultar modificada nesta sede e, em consequência, conhecendo do petitório integral da A„ conforme estabelecido no n° 2, do art° 660°, do mesmo CPC;
...ou mandando repetir o julgamento nos termos requeridos.

         Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, e tendo o Sr. Juiz emitido pronúncia sobre a invocada nulidade da sentença, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
         Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
         Do recurso interposto pela Ré:
          - Se o montante referente a “ajudas de custo” não deve ser considerada retribuição, e, assim, se há que refazer-se as contas do montante devido;
          - se há duplicação na condenação a título de férias não gozadas.
          
Do recurso interposto pela autora:
 - Se a sentença é nula;
 - Se deve ser mandado repetir o julgamento ampliando a Base Instrutória;
 - Se a ré violou o direito a férias da autora;
 - Se a ré deve ser condenada no pagamento de trabalho suplementar:
 - Se a ré deve ser condenada em indemnização pela prática de assédio moral na pessoa da autora.
                  
         II - FUNDAMENTOS DE FACTO
         Os factos considerados provados são os seguintes:
1 - A e R subscreveram o acordo denominado de "contrato de trabalho a termo certo", datado de 01.05.03, com inicio a 01.05.03 e fim a 30.11.03, mediante o qual a A foi admitida ao serviço da R, com a categoria profissional de Caixeiro Ajudante de 1° ano, prestando serviço na X (…), com o horário de trabalho de 30 horas semanais, distribuídas de segunda-feira a domingo, mediante o pagamento da retribuição mensal ilíquida, inicial, de € 374,10, acrescido de € 1,50 por dia efectivo de trabalho, a título de subsidio de alimentação, conforme documento de fls. 70, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A A sempre cumpriu como horário de trabalho, 40 horas semanais.
3. Em 1 de Agosto de 2005, a A foi deslocada para a loja da R de X’’’, por conveniência da A e por conveniência de serviço da R, tendo a A passado para a categoria profissional de Coordenadora de Secção e auferido a retribuição mensal de € 600,00.
4. Em Setembro de 2005, a A foi colocada na loja de Loures, em formação profissional.
             5. Em 07 de Outubro de 2005, a A foi colocada na loja de Sintra (X’’), como Coordenadora de Secção.
6. A partir de 31 de Julho e até 22 de Novembro de 2007, a A foi colocada em Vila Nova de Gaia, para exercer funções nas lojas da R, no Porto, Maia, Gaia e Aveiro.
             7. No dia 23 de Novembro de 2007, por conveniência da R, a A voltou a exercer funções na loja de Sintra (X’’);
8. No dia 1 de Abril de 2008, a A acordou com a R o aditamento ao acordo referido em 1, estabelecendo o regime de isenção de horário de trabalho, na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, conforme documento de fls. 84-85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 1 de Novembro de 2007, a R reconheceu à A a categoria de "gerente juvenil".
10. No dia 11 de Julho de 2008, a A foi chamada de urgência pelo gestor da R à loja de Setúbal (X’’’), onde lhe foi comunicado que a A tinha sido transferida de imediato para aquela loja para dar apoio ao serviço de pós-venda e armazém.
11. À data de 1 de Novembro de 2007, a A auferia a retribuição base mensal de € 1250,00, acrescida de "ajudas de custo", no montante mensal de € 687,50.
12. À data de 31 de Dezembro de 2008, a A não tinha gozado 34 dias de férias.
13. Em Maio de 2004, a R foi promovida a Caixeira Ajudante de 2° ano.
14. No início do ano de 2007, em data não concretamente apurada, a A assumiu a gerência da loja de Sintra (X’’).
15. A A faz, no armazém, descargas dos camiões de transporte de fogões, frigoríficos, máquinas de lavar roupa e loiça e de secar, Lcd's, plasmas, computadores, radiadores e aspiradores.
16. No período de tempo entre 11 de Julho de 2008 e 11 de Janeiro de 2009 a A prestou nos dias assinalados nos registos de marcação de ponto constantes de fls. 104-110 as horas de trabalho também ali descritas sob os itens "entrada" e "saída".
17. O referido em 15, causou estupefacção generalizada de parte do pessoal da R e de pelo menos um cliente.
18. Por causa do descrito em 10 a A sofre de estado depressivo, tem dificuldades em dormir e passou a ter apoio psiquiátrico e psicológico.
19. À A foi conferida a categoria de gerente de loja.
20. Em Novembro de 2008, TC deixou de ser gerente na loja de Setúbal (X’’’)e foi o colega da A, LP, até aí coordenador de secção da linha branca, quem foi nomeado para a função de gerente de loja.
21. A A passou a coordenadora de secção.
22. Foi clinicamente recomendado à A que descansasse.
23. Desde o dia 1 de Agosto de 2005, que a R deixou de pagar à A o "prémio de assiduidade", no valor mensal de € 29,93.
24. A R passou a pagar à A um "prémio de rentabilidade" a partir de Agosto de 2005.
25. A R custeava integralmente os custos com o telemóvel entregue à A. mesmo quando esta o usava fora dos períodos de trabalho.
26. A R pagava à A um subsídio mensal de deslocação, no montante de € 300,00.
27. A R retirou à A o subsídio referido em 26°, na altura referida em 10.
28. Desde a data referida em 1 a A prestou trabalho para além do seu horário normal.
29. O acordo realizado entre A e R, no âmbito do referido em 1, foi de a A prestar trabalho por 40 horas semanais, de 173,3 horas mensais.
30. Era esse o horário de trabalho em vigor, nessa data, no estabelecimento "X".
31. A A esteve em formação até 31.10.2007.
32. O apoio no serviço de pós venda e no armazém são funções de coordenação.
33. O empregado da R, LP, recebeu formação para gerente e já era ele quem substituía a TC, quando necessário.
34. O prémio de assiduidade, é pago pela R para premiar as pessoas que não faltam ao trabalho.
35. Na R, quando os trabalhadores passam a exercer funções de gerência de loja ou de coordenação, deixam de receber o prémio de assiduidade e o prémio de dedicação e passam a receber o prémio de rentabilidade.
36. A A sabia do referido em 34 e 35.
37. O subsídio de deslocação foi pago à A para a compensar pelos custos sofridos quando a mesma esteve na loja de Sintra (X’’).
38. A A está em situação de baixa médica desde 04.02.2009.
Por documento, designadamente através da certidão ordenada juntar imediatamente antes da prolação da presente sentença, considero provado, ainda, o seguinte facto:
39. Por este 2a Juízo do Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, corre termos (…) acção proposta em 12 de Março de 2010 pela A contra a R, nos termos da qual aquela pede, além do mais, que seja reconhecida e declarada a justa causa da resolução do contrato de trabalho referido em 1, formalizada mediante escrito resolutório remetido pela A à R, e por esta recepcionado em 13 de Janeiro de 2010.

         III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
         Uma vez que ambas as partes recorreram e que a autora/recorrente colocou a questão da nulidade da sentença e da repetição do julgamento para ampliação da base instrutória, conheceremos, em primeiro lugar, do recurso interposto pela autora que, a ser procedente, pode conduzir à inutilidade e pronúncia sobre o recurso interposto pela ré.
         Assim
         A – Do Recurso Interposto pela Autora
         A primeira questão que vem suscitada no recurso consiste em saber se a sentença é nula por alegada contradição entre os fundamentos das respostas à matéria de facto dos quesitos 24.º e 29.º da base instrutória e a decisão.
Nos termos do art.º 668.º n.º 1 al. c) do CPC a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
           E a sentença deve, nos termos da lei (art.º 659.º n.º 2 do CPC), ser fundamentada de facto e de direito de modo a que a parte decisória seja uma decorrência lógica da aplicação do direito aos factos apurados.
           Se a decisão proferida for em sentido oposto a um raciocínio lógico expresso na apreciação dos factos e do direito (fundamentação) estaremos perante um vício da decisão (sentença) – oposição entre os fundamentos e a decisão a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC.
           A contradição real entre os fundamentos e a decisão referida na alínea c) do nº 1 do art. 668º do Cód. Proc. Civil diz, pois, respeito à construção lógica da sentença (à contradição “aparente” se refere Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, pág. 671 como resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Neste caso, efectuada por despacho a correcção adequada, nos termos do art.º 667.º, a contradição fica eliminada).
           Como ensina Alberto dos Reis (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 141.), a nulidade só ocorre quando existe no raciocínio do julgador um vício lógico, isto é, quando os fundamentos por ele invocados conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
           Ou, nas palavras de Antunes Varela e Outros, obra e pág. citadas, “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente”.
         No caso dos autos, segundo a recorrente, não estamos perante oposição entre um raciocínio lógico expresso na apreciação dos factos provados e do direito (fundamentação), mas, alegadamente, entre a fundamentação da convicção (e, não, fundamentação da sentença como exige o normativo em causa) do senhor juiz para fixar a matéria de facto e a decisão que veio a tomar.
         Ora, como dissemos, o que gera a nulidade da decisão é a oposição entre os fundamentos – a apreciação da matéria de facto apurada e o direito - que apontam num determinado sentido, e a decisão que concluiu no sentido oposto.
         A eventual discrepância entre a fundamentação da matéria de facto e o facto dado como assente poderá constituir erro de julgamento da matéria de facto, a rectificar eventualmente mediante reapreciação da prova neste tribunal – e, não, nulidade da sentença.
Daí que tenhamos de concluir, desde logo, que, mesmo a existir uma alegada contradição entre os fundamentos da convicção do juiz na fixação da matéria de facto, não estaríamos perante o invocado vício de nulidade da sentença uma vez que, desta, não faz parte a formação da convicção do juiz na fixação da matéria e facto.
Improcede, pois, a alegada nulidade da sentença.
                                               *
Entende a Autora/recorrente que deve ser repetido o julgamento de modo a incluir na base instrutória alguns factos constantes da petição que a autora considera relevantes para a decisão de um dos pedidos efectuados e, mesmo após reclamação, não foram inseridos na base instrutória.
Refere-se, concretamente, ao seguinte:
Na petição inicial peticionou, para além do mais, a condenação da ré no pagamento da quantia de € 50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais passados e já sofridos, acrescida de uma indemnização compensatória diária posterior à interposição da acção, no montante de € 15,00, pela prática continuada, voluntária e dolosa, desde o dia 11 de Julho de 2008 de assédio moral na pessoa da A..
Para caracterizar o quadro de assédio moral e de violação da integridade física e moral do trabalhador alegou diversos factos, entre os quais indica, neste recurso, que não terão sido levados à base instrutória, os seguintes:
 - O "estado" da A. também se reflectiu em profundo sofrimento, gerador de ansiedade e de stress, acompanhado de desgaste emocional;
 - O "estado" da A. também foi determinado pela prática de discriminação relativamente aos colegas;
 -  A situação da A. provocou a fragilização absoluta da sua posição pessoal e funcional;
 - O "estado" da A. provocou que, para além de apoio psiquiátrico e psicológico, ela necessitasse de apoio médico e medicamentoso;
 - O "estado" da A, caracteriza, clinicamente, uma situação de risco, a desenvolver uma depressão com quadro psicossomático associado, isto é: dificuldade de sono e de alimentação, fadiga permanente, tristeza com perturbações gástricas e intestinais frequentes.
         Mais alega que os acima mencionados “estados” constam dos art.ºs 11°, 17°, 20°, 29° 41° e 42° da p.i, que têm a seguinte redacção:
                                                        11.º
A A. é um dos Quadros que, independentemente das orientações dos Directores e da Administração da Ré, que se foi habituando a cumprir, sem questionar, embora num estado de profundo sofrimento, gerador de ansiedade e de stress, acompanhado de desgaste emocional, situação psicológica essa que se foi agravando com o tempo, tais foram as sucessivas exigências da Ré, sempre acompanhadas de atitudes de mera exploração da sua pessoa - à semelhança do que fazia com outros trabalhadores, como os Tribunais Portugueses vão apreciando e constatando- é um dos Quadros que, dizia-se, mais e melhores contributos deu à causa da "B" e maior disponibilidade demonstrou para a servir, a ponto de "anular", praticamente, a sua vida pessoal, uma vez que, nesse período de tempo, o seu marido esteve colocado, sucessivamente, em Monte Real, Viana do Alentejo, Queijas, Monte Real,
17°
tudo isto, pela sua brutalidade, imprevisibilidade e despropósito, tem causado a estupefacção e a confusão generalizada do Pessoal e dos próprios fornecedores e clientes, para além de uma fragilização absoluta da posição pessoal e funcional da A., que passou, para além do apoio médico e medicamentoso que vinha tendo, a ter, também, apoio psiquiátrico e psicológico!...
Aqui chegados,
20.º
Verdade seja dita, o que é facto é que se continuou, aí, embora ainda mais acintosamente, a prática de uma atitude sistemática de pressão, exploração, chantagem, desrespeito pela A. e, também, sua discriminação, relativamente aos colegas, enquanto trabalhadora, mulher, atitude essa que se tem prolongado muito no tempo e se mantêm, cada vez mais gravosamente, chegando ao ponto de configurar, mesmo, regime próximo da escravidão, quando, em contradição absoluta com o comunicado à ACT de Setúbal (docs. nos 43 e 44, que se juntam e que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais) se obriga a A. a trabalhar sem qualquer tipo de folga ao fim de semana durante todo o mês de Janeiro de 2009 (doc. n° 45, que, também se junta e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais) o que tipifica abusos intoleráveis num Estado de Direito, que vão contra a Legislação Internacional, a Constituição da República e o Ordenamento Jurídico – Laboral português!
29.º
e que subsistisse o propósito de ser assegurada a transparência dos termos da contratação individual de trabalho e das condições do seu cumprimento, impedindo todas as situações em que a não atribuição culposa de ocupação plena - entendida esta como a ocupação contratada- e bem assim, toda a discriminação face aos colegas de igual estatuto, que também merece protecção constitucional, tem em vista causar prejuízos ao trabalhador, e tem em vista, também, humilhá-lo e pressioná-lo objectivo, exclusivo, afectar a sua dignidade, tanto mais que mulher e está indefesa...nesta luta. Em boa verdade,
41°
É nesta situação tão recambolesca que a A. agravou de forma irreversível a sua fragilizaçáo física e psíquica e tem estado a fazer contas e contas à sua vida, sem conseguir dormir, em stress evolutivo que fez com que obtivesse recomendação para descanso absoluto e "encharcada" de medicamentos.
42°
…invadida por uma enorme tristeza, que lhe trás à realidade a situação de humilhação permanente a que está a ser submetida... injustamente, caracterizada, clinicamente, "...por estar numa situação de risco, a desenvolver uma depressão com quadro psicossomático associado, isto é: dificuldade de sono e de alimentação, fadiga permanente, tristeza com perturbações gástricas e intestinais frequentes..."!

         Já em reclamação contra a base instrutória, a então autora, ora recorrente, pretendeu que fossem quesitados os mencionados “estados” por entender que eram importantes para a caracterização da situação como de Assédio Moral (cfr. fls. 353 e 354).
         Sobre essa reclamação recaíu o seguinte despacho:
         “… no que se refere aos estados da “autora”, atendendo ao que resulta já do quesitado , entendemos que não é relevante para a decisão a proferir aditar quaisquer outros factos neste âmbito”.
         Conforme consta da base instrutória, os quesitos mencionados no despacho referido que decidiu a reclamação têm a seguinte redacção:
8.º - A R. colocou a A. a fazer o trabalho referido em 5.º a 7.º, para humilhar e envergonhar a autora?
12.º - Por causa disso a autora passou a ter apoio psiquiátrico e psicológico?
19.º - O referido em 16.º e 17.º foi uma atitude deliberada da R. para criar um ambiente humilhante e desestabilizador da A.?
21.º - Por causa disso a situação física e psíquica da A. agravou-se, deixando de conseguir dormir?
22.º - O que determinou que lhe fosse recomendado descanso absoluto?
32.º - Por causa do comportamento da R. a A. sofre de estado depressivo?

         Salvo o devido respeito, a razão não está do lado da recorrente.
         Todos os factos tendentes a estabelecer um nexo causal entre os “estados” da autora e a actuação da ré (nexo causal determinante para a procedência do pedido por danos não patrimoniais) foram quesitados constando dos art.ºs 8.º, 12.º, 19.º, 21.º, 22.º e 32.º da base instrutória, tendo resultado “não provado” o mencionado nexo causal entre a actuação da ré e o “estado” da autora.
         Quer isto dizer que a autora não logrou provar qualquer facto ou comportamento da ré que a humilhasse, que desestabilizasse, que a envergonhasse, que fosse causador da doença de que sofre.
         Daí que não importe, agora, discutir a caracterização dos mencionados “estados” se não ficou provado qualquer facto imputável à ré que possa servir como nexo causal desses alegados “estados”.
         Improcede, assim, esta questão
                                                        *
         Entende a autora que a ré violou o seu direito a férias, devendo, por isso, ser condenada na compensação devida.
Defende, para o efeito, que a violação do direito a férias pode, também, consistir na omissão de diligências do empregador que condicionam a efectivação deste direito.
A sentença absolveu a ré desse pedido com os seguintes fundamentos:
«De acordo com o disposto no art. 222° do Código do Trabalho "caso o empregador, com culpa, obste ao gozo das férias [...], o trabalhador receberá, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta [...]".
O direito à indemnização pela violação do direito a férias, depende da verificação de dois requisitos essenciais:
a) - que o trabalhador não tenha gozado férias, e
b) - que a entidade patronal haja obstado ao seu gozo.
Cabe ao trabalhador o ónus de alegar e provar a verificação destes requisitos, uma vez que os mesmos constituem os elementos de facto constitutivos desse direito.
No caso dos autos, a A. não logrou provar que a R não lhe permitiu o gozo dos aludidos 34 dias de férias em falta, como vinha alegado (cfr. resposta ao art. 28° da base instrutória).
Nessa medida, tem necessariamente de improceder este pedido».
E decidiu bem.
Dos factos assentes não resulta que a ré tenha obstado, com culpa, a que a trabalhadora tenha gozado o seu direito a férias, pelo que, incumbindo à autora a prova dos factos donde se extraísse que foi a ré que obstou, culposamente, ao não gozo das férias, tem de improceder esse pedido.
         Improcede, assim, esta questão.
                                                                  *
         Vejamos, agora, se a ré deve ser condenada no pagamento de trabalho suplementar.
         A recorrente afirma-o por entender que ficou documentado nos autos já em fase de discussão e julgamento a prestação de trabalho, pela trabalhadora, fora do horário normal de trabalho no período compreendido entre 1.5.2003 e 1.4.2008, trabalho de que a ré teve conhecimento, sem oposição, através das picagens do respectivo ponto e, ao não reagir a essa situação, o seu silêncio tem de ser interpretado como não oposição à realização desse trabalho suplementar, pelo que deve ser pago.
         A sentença recorrida fundamentou a absolvição da ré desse pedido com os seguintes fundamentos:
« (…)
Considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho (art. 197°, do Código do Trabalho).
Competia à A alegar e provar que trabalhou para a R para além do seu horário de trabalho normal, indicando e concretizando os dias em que tal sucedeu e as horas concretas de trabalho.
Mais lhe incumbia alegar e provar que a realização de trabalho para além do horário ocorreu por ordem ou instruções da R, ou pelo menos que o trabalho suplementar foi executado, com conhecimento, por interesse, conveniência e sem oposição da R (art. 258.º n° 5 do Código do Trabalho).
Ora, no caso em apreço, apenas se provou que desde a data em que foi admitida a A prestou trabalhou para além do seu horário normal (facto provado n.° 28) e que no período de tempo entre 11 de Julho de 2008 e 11 de Janeiro de 2009 a A prestou nos dias assinalados nos registos de marcação de ponto constantes de fls. 104-110 as horas de trabalho também ali descritas sob os itens "entrada" e "saída" (facto provado n.° 16).
No entanto, a A não logrou provar tivesse trabalhado para além do seu horário de trabalho e nos termos descritos na petição inicial, por determinação prévia e expressa da R (cfr. resposta aos arts. 29°, 30° e 31° da base instrutória), como foi por ela invocado, sendo certo que o pagamento de trabalho suplementar pressupunha a prova desse facto constitutivo do direito do A.
Importará não olvidar, ainda, que a partir de 1 de Abril de 2008 as partes celebraram um acordo de isenção de horário de trabalho na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho (cfr. documento de fls. 84-85), o qual, como vimos supra, não deixou de produzir os seus efeitos a partir de 11 de Julho de 2008 como era pretendido pela A, pelo que nunca esta poderia vir reclamar o trabalho que prestou a partir de então para além do seu horário de trabalho.
Em suma, em face do quadro factual traçado em juízo, designadamente, o que ficou por demonstrar, é forçoso concluir que não estão verificados os pressupostos do direito invocado pela A. no que concerne ao trabalho suplementar e, nessa medida, não pode à mesma ser-lhe conferida a correspondente retribuição, devendo a acção improceder, nesta parte».
         Mais uma vez a sentença fez correcta interpretação dos factos e das normas legais atinentes.
         Tendo em conta os factos assentes não restam dúvidas de que a autora, pelo menos desde a entrada ao serviço da ré em 1.5.2003 e até 1.4.2008 cumpriu um horário de trabalho de 40 horas semanais, horário de trabalho que foi acordado com a ré conforme resulta da resposta dada ao quesito 29.
         É também certo que ficou assente que desde a data em que entrou ao serviço da ré, a A. prestou trabalho para além do seu horário normal.
         À data da entrada da autora ao serviço (1.5.2003) estava em vigor o DL 421/83 de 2 de Dezembro, cujo art. 7.º n.º 4 (introduzido pelo art.º 2.º do Dec. Lei n.º 398/91 de 16.10) estabelecia: “Não é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não tenha sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora”.
         Este normativo vigorou até 1.12.2003, data da entrada em vigor do Código do Trabalho.  
         Estabelece o art. 258.º n.º 5 do CT de 2003, que “É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador”.
         Dos factos assentes não resulta que o trabalho suplementar prestado pela trabalhadora tenha sido “prévia e expressamente” determinada pela entidade empregadora – cfr. resposta ao quesito 29.º que tinha a seguinte redacção: “Por determinação prévia e expressa da ré, desde a data referida em A), a A. prestou trabalho para além do seu horário normal, em média, 48 horas por mês?” e a que o tribunal respondeu da seguinte forma: “Provado apenas que desde a data referida em A) a A prestou trabalhou para além do seu horário normal”.
         Fica, por isso, desde logo afastada a hipótese de pagamento desse trabalho suplementar prestado no período entre 1.5.2003 e 1.12.2003 por força do disposto no n.º 4 do art. 7.º do DL 421/83.
         E fica também afastada a hipótese de pagamento desse trabalho suplementar a partir de 1.12.2003 porquanto, para além de se não ter provado que a ré tenha determinado expressa e previamente a prestação de trabalho fora do horário normal, a A. também não alegou – nem provou – que a ré tivese conhecimento da prestação de trabalho para além do seu horário (cfr. art.º 258.º n.º 5 do CT).
         Esta Relação desconhece se a Mma Juiza poderia, ou não, ter feito uso do estabelecido no art.º 72.º n.º 1 (e não n.º 3) do CPT, normativo agora invocado pela recorrente, pelo que, sobre essa questão, nada há a decidir.
         Improcede, também, a questão do pagamento do trabalho suplementar.
                                                        *
         Entende a recorrente que a ré deve ser condenada em indemnização pela prática de assédio moral na pessoa da autora.
         Sobre esta questão a sentença discerniu, com clareza e apoiada em doutrina e jurisprudência que citou acertadamente, do seguinte modo:
«(…)
A propósito desta matéria, regem os seguintes normativos legais:
«Artigo 22.°
 (Direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho)
1 — Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.
2 — Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião convicções religiosas ou ideológicas e filiação sindical.

Artigo 23.°
(Proibição de discriminação)
1 — O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
2 — Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados o número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 — Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.° 1.

Artigo 24.°
(Assédio)
1— Constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador.
2 — Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no n.° 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
3— […]»

«Artigo 26.°
(Obrigação de Indemnização)
"Sem prejuízo do disposto no Livro 11, a prática de qualquer acto discriminatório lesivo de um trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais. »

A Lei n.° 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou aquele Código, tratou da matéria da igualdade e não discriminação no seu Capítulo V, dispondo, no que aqui importa registar:
«Artigo 32.°
(Conceitos)
1 — Constituem factores de discriminação, além dos previstos no n.° 1 do artigo 23.° do Código do Trabalho, nomeadamente, o território de origem, língua, raça, instrução, situação económica, origem ou condição social.
2 — Considera-se:
a) Discriminação directa sempre que, em razão de um dos factores indicados no referido preceito legal, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar pessoas que se incluam num dos factores característicos indicados no referido preceito legal numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) [...]
d) [..]
3 — Constitui discriminação uma ordem ou instrução que tenha a finalidade de prejudicar pessoas em razão de um factor referido no n.° 1 deste artigo ou no n.° 1 do artigo 23.° do Código do Trabalho.»
«Artigo 35.°
(Extensão da protecção em situações de discriminação)
Em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho, à formação profissional e nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de licença por maternidade, dispensa para consultas pré-natais, protecção da segurança e saúde e de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licença parental ou faltas para assistência a menores, aplica-se o regime previsto no n.° 3 do artigo 23.° do Código do Trabalho em matéria de ónus da prova.»

Através destes normativos o Código do Trabalho e seu Regulamento consagram o essencial do regime vigente sobre igualdade e não discriminação, no que concerne ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, e passou-se a prever, expressamente, o direito à indemnização como decorrência de acto discriminatório.
O assédio moral, também conhecido por mobbing, está contido no art. 24°, é considerado pelo legislador como uma das formas de discriminação, e pode concretizar-se não apenas quando se apura que era objectivo do empregador afectar a dignidade do trabalhador, como também nos casos em que não tendo sido esse o desiderato, o efeito obtido seja o de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador, como expressamente refere a parte final do citado artigo.
Como se pode ler no Ac. TRP de 02.02.2009, disponível em www.dgsi.pt:
"Depois de vários estudos de cariz psicológico e sociológico, que foram desenvolvidos sobretudo na Suécia e nos EUA, onde se constatou a existência, em larga escala, do fenómeno do assédio no local de trabalho - que consiste essencialmente em humilhar, vexar ou desprezar o trabalhador a fim de o afastar do mundo do trabalho, cientes da gravidade dessa realidade e das suas consequências - alguns países têm vindo a consagrar legislação sobre essa matéria. A União Europeia, revelando estar atenta a essa realidade emitiu, a propósito, a Resolução A5-0283/2001, do Conselho, onde, para além do mais, chama a atenção para as consequências devastadoras do assédio moral, quer para o trabalhador quer para sua família, que frequentemente necessitam de assistência médica e terapêutica, e que induz aqueles a ausentarem-se do trabalho ou a demitirem-se; e sublinha que as medidas de luta contra o assédio moral no trabalho devem ser consideradas como um elemento importante dos esforços destinados a melhorar a qualidade do emprego e as relações sociais no local de trabalho, que contribuem também para lutar contra a exclusão
social.
Como tem sido assinalado pela doutrina, as fórmulas mais frequentes de mobbing consistem na marginalização do trabalhador, no esvaziamento das suas funções, desautorização, ataques à sua reputação e assédio sexual."
A respeito das várias formas de assédio moral, Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 2.° Edição, Almedina, Coimbra, 2008, pp. 150/151), assinala o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (art. 24.° n.° 1 do CT) (discriminatory harassement); e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa (mobbing). Considera a referida autora que, perante os termos do art. 24.° do CT, parece difícil integrar esta última forma de assédio no âmbito da tutela conferida pelo princípio da não discriminação, apesar da sua importância e frequência prática. E pondera: "Contudo, crê-se que, mesmo que a tutela por esta via não seja possível, este tipo de assédio cabe no âmbito do art. 18.° do CT, na medida em que constitui um atentado à integridade física e moral do trabalhador ou candidato a emprego".
Por seu turno, Júlio Manuel Vieira Gomes (Direito do Trabalho, Volume 1, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pag. 428 a 430) ensina que, aquilo que caracteriza o mobbing são "três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes. Quanto aos comportamentos em causa, para Leymann tratar-se-ia de qualquer comportamento hostil. Para Hirígoyen, por seu turno, tratava-se de qualquer conduta abusiva manifestada por palavras (designadamente graçolas), gestos ou escritos e muitos outros comportamentos humilhantes ou vexatórios. Daí a referência a uma polimorfia do assédio e, por vezes, a dificuldade em distingui-lo dos conflitos normais em qualquer relação de trabalho. (...) tais comportamentos são, frequentemente, ilícitos, mesmo quando isoladamente considerados; mas sucede frequentemente que a sua ilicitude só se compreende, ou só se compreende na sua plena dimensão atendendo ao seu carácter repetitivo. E esta é a segunda faceta que tradicionalmente se aponta no mobbing... é normalmente o carácter repetitivo dos comportamentos, a permanência de uma hostilidade, que transforma um mero conflito pontual num assédio moral. A terceira nota característica do assédio, pelo menos para um sector da doutrina, consiste nas consequências deste designadamente sobre a saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego. O assédio pode produzir um amplo leque de efeitos negativos sobre a vítima que é lesada na sua dignidade e personalidade, mas que pode também ser objecto de um processo de exclusão profissional, destruindo-se a sua carreira e mesmo acabando por pôr-se em causa o seu emprego..."
E mais adiante, a páginas 431/433, acrescenta Júlio Gomes "O assédio converte-se em meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa, transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa para se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar. (o.). As práticas e os procedimentos para o fazer são praticamente inumeráveis; a título de exemplo, refira-se apenas a mudança de funções do trabalhador, por exemplo, para funções muito superiores à sua experiência e competência para levá-lo à prática de erros graves, a atribuição de tarefas excessivas, mas também, e frequentemente, o seu inverso, como seja a atribuição de tarefas inúteis ou o esvaziamento completo de funções. Como se disse, os meios empregues podem ser os mais diversos: frequentemente adoptam-se medidas para impor o isolamento social do trabalhador, que podem consistir em proibir aos outros trabalhadores que lhe dirijam a palavra, em reduzir-lhe os contactos com os clientes ou mesmo em impor-lhe um isolamento físico...."
Finalmente, na página 442 considera aquele autor, referindo-se ao artigo 24.° do Código do Trabalho, que, embora tal disposição "tenha a vantagem de esclarecer que a intenção ou ânimo nocivo não são um requisito imprescindível já que é suficiente a criação objectiva de um resultado (a lesão da dignidade de outrem ou a produção do ambiente negativo referido) não parece que o seu âmbito abranja todo o tipo de mobbing. Na verdade, a referência restritiva da primeira parte do n.° 2 do artigo 24.° implica que o comportamento indesejado a que esse preceito se reporta tem de estar relacionado com um dos factores enunciados no n.° 1 do artigo 23.0", notando que, quando tal não suceda, "sempre se poderá invocar, no entanto, o disposto no artigo 18.° do Código do Trabalho".
Nesta linha de orientação, insere-se o comentário de Guilherme Dray, em anotação ao já referido artigo 18.° (Código do Trabalho Anotado, 4.a Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 111 — obra colectiva de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guillherme Dray e Luís Gonçalves da Silva), ao observar que tal preceito, «quando conjugado com o artigo 24.° do presente diploma, proscreve a prática de actos vexatórios, hostis, humilhantes ou degradantes para a contraparte, que afectem a sua dignidade como cidadão e respectiva honorabilidade», e «garante a tutela das partes contra o assédio moral, habitualmente denominado por mobbing — prática persecutória reiterada contra o trabalhador, levada a efeito, em regra, pelos respectivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, a qual tem por objectivo ou como efeito afectar a dignidade do visado».
Volvendo ao caso dos autos, ficou demonstrado que no início do ano de 2007, a A assumiu a gerência da loja de Sintra (X’’) funções que exerceu até 11 de Julho de 2008, data em em a A foi chamada de urgência pelo gestor da R à loja de Setúbal (X’’’), onde lhe foi comunicado que a tinha sido transferida de imediato para aquela loja para dar apoio ao serviço de pós-venda e armazém, tendo em Novembro de 2008 lhe sido formalmente comunicado pelo Director Operacional, JS, que a sua categoria profissional era a de coordenadora de secção SPV/Arm (serviço de pós-venda e armazém).
Mais se apurou que, na mesma altura, a funcionária TC deixou de ser gerente na loja de Setúbal  (X’’’) para ir assumir a gerência da loja de Sintra (X’’), tendo sido o colega da A, LP, até então coordenador de secção da linha branca, quem foi nomeado para a função de gerente da loja de Setubal (X’’’).
Igualmente se apurou que a A faz, no armazém da loja de Setúbal (X’’’), descargas dos camiões de transporte de fogões, frigoríficos, máquinas de lavar roupa e loiça e de secar, Lcd's, plasmas, computadores, radiadores e aspiradores, facto que causou estupefacção generalizada de parte do pessoal da R e de pelo menos um cliente que a tal assistiu.
Finalmente, também ficou provado que por causa da descrita situação a A sofre de estado depressivo, tem dificuldades em dormir e passou a ter apoio psiquiátrico e psicológico.
Perante a enunciada factualidade, tendo presente o teor dos n.os 1 e 2 do artigo 24.° e os ensinamentos da doutrina supra transcritos, pode afirmar-se que o assédio moral invocado pela A não deve ser apreciado à luz do quadro legal definido para garantir o princípio da igualdade e da não discriminação, mas sim, à luz das garantias consignadas no artigo 18.°, segundo o qual «[o] empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral».
Com efeito, não resulta da factualidade tida por demonstrada que os apurados comportamentos da R foram determinados, directa ou indirectamente, em razão da ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas, filiação sindical (artigo 23.0, n.° 1, do Código do Trabalho), território de origem, língua, raça, instrução, situação económica, origem ou condição social (artigo 32.0, d.° 1, do Regulamento do Código do Trabalho), ou outros qualitativamente equiparáveis (situações e opções do trabalhador, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, que atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei).
Assim sendo, não se nos afigura que, ao caso, deva aplicar-se o regime especial de repartição do ónus da prova, consignado no n.° 3 do artigo 23.0, onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores — a alegar e demonstrar pelo pretenso lesado —, impondo-se ao empregador a demonstração de factos susceptíveis de ilidir aquela presunção.
É que, fora do domínio da protecção contra a discriminação, e no âmbito da tutela dos direitos de personalidade, não se encontra norma que estatua presunção de causalidade idêntica à referida, daí que o denunciante de uma situação de assédio moral não discriminatório deva, nos termos do artigo 342.0, n.° 1, do Código Civil, suportar o ónus de alegar e provar todos os factos que, concretamente, integram a violação do direito à integridade moral a que se refere o artigo 18.° do Código do Trabalho.
Vejamos, então, se os demonstrados comportamentos da Ré, apreciados isoladamente e no seu conjunto, se revelam susceptíveis de ferir a integridade moral de um trabalhador de sensibilidade normal, colocado na situação da A.
Em nosso entender, a apurada conduta da R traduz-se, sem qualquer dúvida, num exercício arbitrário do poder de direcção, uma vez que, em Julho de 2008, sem apresentar qualquer motivo justificativo, unilateralmente alterou aquela que era a situação profissional da A desde Janeiro de 2007, esvaziando o seu âmbito funcional e atribuindo-lhe funções inerentes a uma categoria profissional inferior à que detinha.
Contudo, tal factualidade é, por si só, insuficiente para que possamos concluir que estamos perante uma situação de mobbing, na medida em que a A não logrou provar as específicas condutas persecutórias que aponta à sua empregadora, nem a sua intencionalidade (cfr. resposta aos arts. 5° a 10°, 13°, 14°, 15°, 19° e 20° da base instrutória).
É que, como escreveu, também Júlio Gomes (ob. citada, pág. 436), "(…) importa também advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um "mobbing", sendo, aliás, importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direcção são necessariamente um "mobbinq", quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante quer porque não são realizados com tal intenção."
Do exposto, e em suma, resulta que, em nosso entender, pese embora a constatada violação, pela R, da garantia a que alude o art. 122°, al. e), do Código do Trabalho, certo é que matéria de facto provada pela A não é suficiente para integrar a figura do mobbing, pressuposto que integra a causa de pedir invocada pela A nesta acção para fundamentar a sua pretensão indemnizatória e à qual nos cabe necessariamente ater. (…)»

         Como já acima fizémos saber, estamos totalmente de acordo com esta apreciação, nada havendo a alterar ou a acrescentar já que a recorrente não conseguiu, com as suas alehgações, pôr minimamente em causa qualquer dos fundamentos da douta sentença.
         Improcede também esta questão.

         O recurso interposto pela autora improcede, assim, na totalidade.

         Cumpre, agora, analisar o recurso interposto pela Ré
Defende a ré que, na condenação não deve ser considerada como retribuição o montante auferido pela autora a título de “ajudas de custo” devendo, por isso, a retribuição mensal da A. ser fixada em € 1.600,00 em vez dos decididos € 2.287,50 e, assim as diferenças salariais existentes entre 17/01/07 e 31/12/08 – ut alínea d) da decisão, devem ser aferidas em função da retribuição mensal de € 1.600,00;
Por outro lado deve ser considerado que, referente aos anos de 2007 e 2008, só estão em débito, por nem pagos nem gozados, os 34 dias referidos na alínea e) da decisão, a que corresponde a quantia de € 2.472.72, que devem considerar-se integrados na alínea d) da decisão, sob pena de duplicação condenatória.
         Vejamos cada uma das questões.
          1 – Da consideração como retribuição das importâncias pagas a título de “ajudas de custo”.
         Como vimos, a ré defende que as quantias pagas a título de ajudas de custo não devem ser consideradas retribuição e, por isso, devem ser refeitos os cálculos dos montantes devidos tendo em conta a retribuição base de € 1.600,00.
         A questão foi esclapelizada na sentença recorrida nos seguintes moldes:
«De acordo com o art. 249° do Código do Trabalho de 2003, no que aqui interessa:
"1. se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4. (…)".
Outrossim, resulta do art. 260°, n.° 1, do mesmo diploma o seguinte:
"1. Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elementos integrante da retribuição ao trabalhador".
Da conjugação dos citados arts. 249°, e 260°, n.° 1, do Código do Trabalho, resulta, em primeiro lugar, que caberá à entidade empregadora, nos termos dos arts. 344°, n.° 1 e 350°, n.° 1 do Código Civil, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art. 260° do Código do Trabalho e de valer a presunção do n.° 3 do art.° 249° do mesmo diploma de que se está perante prestação com natureza retributiva.
Feita essa prova, entra em aplicação a norma especial do n.° 1 do art.° 260° que, como resulta do seu próprio teor literal, ("não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo ..."), se sobrepõe à presunção estabelecida no art. 249°, n.° 3 e ainda ao geral enquadramento previsto no n° 2 do mesmo art. 249°, em caso de regularidade.
E, nos termos desse art.° 260°, só têm natureza retributiva as importâncias pagas a título de ajudas de custo por deslocações frequentes na parte que exceda as respectivas despesas normais e quando tais importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração ao trabalhador.
No caso dos autos a R não alegou e, consequentemente, não provou que a quantia de € 667,50 paga mensalmente à A se revestisse, de facto, a natureza de "ajudas de custo", concretamente não alegou nem provou que aquela importância fosse paga à A para fazer face a eventuais despesas por ela suportadas decorrentes da prestação do trabalho.
Ora, não tendo a R afastado a presunção do art. 249°, n.° 3, do Código do Trabalho, não pode prevalecer-se do estatuído no art. 260°, n.° 1, do mesmo diploma.
A ser assim, em nosso entender, a apurada quantia mensal de €637,50 tem necessariamente de integrar a retribuição da A. (…)”

Também nesta questão estamos de acordo com o decidido.
Efectivamente, em parte alguma dos factos assentes se diz que as importâncias entregues a título de “ajudas de custo” o foram por “… deslocações, novas instalações ou despesas  feitas ao serviço do empregador…” (cfr. art.º 260.º n.º 1 do CT), ou seja, a entidade empregadora não alegou nem provou que as importâncias pagas mensalmente à trabalhadora a título de “ajudas de custo”, constituem verdadeiras ajudas de custo ou seja, se destinam a ressarcir o trabalhador de despesas efectuadas ao serviço ou no interesse da empresa - o que lhe competia (cfr. Ac. desta Relação de 12.03.2009 in www.dgsi.pt).
Assim sendo, bem andou a decisão sob recurso, improcedendo esta questão.

 - Quanto à questão das férias devidas, a sentença condenou a ré/recorrente no pagamento à A. da quantia de €3.535,23 (três mil quinhentos e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos), referente a 34 dias de férias não gozados e não pagos – 34 dias de férias já vencidos em 31.12.2008, conforme consta do facto sob 12.
         Quer isto dizer que, por férias vencidas em:
 - 1.1.2007 (art. 212.º n.º 1 do CT) a autora tinha direito a 25 dias de férias que não gozou, conforme consta do mapa de fls. 166 dos autos, onde consta na coluna “saldo de férias 2007” – 25 dias;
 - 1.1.2008 (art.º 212.º n.º 1) a autora teria direito a 25 dias de férias, tendo gozado 16 dias durante o ano de 2008;  
restando por gozar, em relação às férias vencidas em 1.1.2007 e 1.1.2008, os 34 dias que agora constam – e bem - da sentença, o que, traduzido em retribuição devida, corresponde à condenação da ré/recorrente no montante de € 3.535,23 (€2.237,50: 22 x 34).
         Esta condenação corresponde ao pagamento do trabalho prestado no período em que deveria estar de férias, sendo que a condenação ao abrigo da al. d) da decisão de 1.ª instância abrange o tempo de férias a que a trabalhadora tinha direito.
Daí que não se veja onde poderá estar a duplicação alegada pela recorrente.
         Improcede, também, esta questão.


         IV - DECISÃO
         Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento a ambos os recursos e confirma-se inteiramente a sentença impugnada.

         Custas na proporção do decaimento conforme decidido na 1.ª instância.
        
Lisboa, 13 de Abril de 2011

Natalino Bolas
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Decisão Texto Integral: