Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
715/13.3TTVFX.L1-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: TEMPO DE TRABALHO
TEMPO DE DISPONIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: O tempo de disponibilidade não é tempo de trabalho pelo que a sua remuneração não é retribuição, porque não remunera nem trabalho nem tempo de trabalho.
         (Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

      Relatório

AA instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra BB, S.A. pedindo a condenação da ré a pagar as seguintes quantias:
a) 3617,00 a título de retribuição pela falta de gozo de descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de Março de 2002 a Agosto de 2012, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; e
b) 7312,36 a título de remuneração de férias, subsídios de férias e Natal, relativos aos anos de 2002 a 2012, no que diz respeito à média dos pagamentos do trabalho suplementar e trabalho noturno, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
      Para fundamentar a sua posição alegou, em síntese, que desde Março de 2002 realizou trabalho suplementar que a ré sempre pagou como tal, porém não lhe deu a gozar o respetivo descanso compensatório remunerado que deveria ter sido gozado nos 90 dias seguintes à realização do trabalho suplementar. Acrescentou que a ré sempre pagou ao autor as férias, subsídios de férias e de Natal, somando o valor do salário base com as diuturnidades e o subsídio de agente único, todavia, não incluiu nesses pagamentos as médias da remuneração do trabalho suplementar, do subsídio noturno (ou trabalho noturno) e das ajudas de custo, que pela sua regularidade integram o conceito de retribuição.
      Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi determinada a apensação de duas ações movidas por outros dois trabalhadores da ré, por estarem reunidos os pressupostos da coligação, as quais passaram a constituir os apensos A e B.
      Assim, no apenso A, o autor CC pede a condenação da ré no pagamento das seguintes quantias:
a) 1416,88 a título de retribuição pela falta de gozo do descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de Maio de 2009 a Agosto de 2012, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento; e
b) 3797,37 a título de remuneração de férias, subsídios de férias e Natal, relativos aos anos de 2009 a 2012, no que diz respeito à média dos pagamentos do trabalho suplementar e trabalho noturno, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
      Alegou, em síntese que desde Maio de 2009 realizou trabalho suplementar que a ré sempre pagou como tal, porém, não lhe deu a gozar o respetivo descanso compensatório remunerado que deveria ter sido gozado nos 90 dias seguintes à realização do trabalho suplementar. Acrescenta que a ré sempre pagou ao autor as férias, subsídios de férias e de Natal, somando o valor do salário base com as diuturnidades e o subsídio de agente único, todavia, não incluiu nesses pagamentos as médias da remuneração do trabalho suplementar, do subsídio noturno (ou trabalho noturno) e das ajudas de custo, que pela sua regularidade integram o conceito de retribuição.
No apenso B o autor, DD pede a condenação da ré no pagamento das seguintes quantias:
a) 5096,32, a título de retribuição pela falta de gozo do descanso compensatório devido pela realização de trabalho suplementar de Julho de 2002 a Agosto de 2012, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
b) 11 614,80 a título de remuneração de férias, subsídios de férias e Natal, relativos aos anos de 2003 a 2012, no que diz respeito à média dos pagamentos do trabalho suplementar e trabalho noturno, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento; e
c) 218,88 a título de indemnização pela sanção abusiva aplicada pela ré ao descontar indevidamente a retribuição do dia do seu aniversário, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
Sustentou, para o efeito, que, desde julho de 2002 realizou trabalho suplementar que a ré sempre pagou como tal, porém, não lhe deu a gozar o respetivo descanso compensatório remunerado que deveria ter sido gozado nos 90 dias seguintes à realização do trabalho suplementar. Acrescentou que a ré sempre pagou ao autor as férias, subsídios de férias e de Natal, somando o valor do salário base com as diuturnidades e o subsídio de agente único, todavia, não incluiu nesses pagamentos as médias da remuneração do trabalho suplementar, do subsídio noturno (ou trabalho noturno) e das ajudas de custo, que pela sua regularidade integram o conceito de retribuição. Disse ainda ser prática habitual na ré que os seus trabalhadores não prestassem trabalho no dia do seu aniversário, considerando a ré essas faltas justificadas e pagando-as, conforme previsto na cláusula 39.ª do Acordo de Empresa utilizado na Rodoviária Nacional aplicável à relação entre as partes mas que, tendo o autor comunicado que iria faltar no dia 19.08.2013, dia do seu aniversário, a ré descontou-lhe esse dia, retirando-lhe da retribuição o total de 21,88, pelo que tem direito a indemnização não inferior a 10 vezes o montante da retribuição descontada, nos termos da cláusula 67.ª alínea b) do AE aplicável.
      A ré contestou por exceção - exceção de prescrição de parte dos juros reclamados relativos às diferenças salariais na remuneração do período de férias, subsídio de férias e de Natal, atentas as datas a que respeitam, a data da citação, e o prazo previsto no art. 310.º alínea d) do Cód. Civil e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação com a sua absolvição.
Impugnando, alegou, para tal, que o Acordo de Empresa invocado pelos autores não é aplicável às partes uma vez que nenhum dos trabalhadores era trabalhador da Rodoviária Nacional à data da sua cisão ocorrida em 31.01.1991 e que a ré é associada da ANTROP e tendo celebrado com a FESTRU que representou, entre outros, o sindicado de que os autores são associados, às relações de trabalho entre autores e ré é aplicável o CCT celebrado entre a ANTROP e a FESTRU, e sucessivas alterações.
Acrescentou que a forte pendularidade da atividade da ré, associada aos instrumentos de regulação coletiva aplicáveis, leva a que seja inevitável o recurso à prestação de trabalho para além da 8ª hora, excluindo o tempo do intervalo mas que contudo, tal não significa que o trabalhador preste trabalho efetivo durante todo esse tempo, pois em média encontra-se inativo por períodos superiores a duas horas diárias.
Elencou, relativamente a cada um dos autores, os diversos períodos de inatividade diária nos anos de 2008 a 2012, com menção do período de inatividade que foi pago com acréscimo de trabalho suplementar, em dias em que a amplitude do horário foi superior a 8 horas.
  No contexto descrito, defendeu a ré que no âmbito do CCT aplicável, o regime do descanso compensatório apenas se aplica ao trabalho prestado em dia de descanso semanal ou em dia feriado se passado no estrangeiro. Por outro lado, o regime dos descansos compensatórios decorrente dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 é incompatível com a especificidade do sector do transporte rodoviário e por isso inaplicável aos contratos de trabalho dos autor, além de que, enquanto subsistir a relação de trabalho, é lícito ao empregador conceder os dias de descanso compensatórios, mesmo que já tenham decorrido 90 dias sobre o vencimento respetivo, com base no tempo de exercício efetivo da atividade contratada que excedesse o período normal de trabalho diário.
No que tange à imputação da remuneração por trabalho suplementar e noturno no mês de férias e subsídios de férias e Natal, alegou a ré que nas importâncias que pagou como horas extra haverá sempre que distinguir o que foi pago para remunerar o exercício efetivo da atividade contratada para além do período normal de trabalho diário, do que foi pago para compensar a simples disponibilidade, que não tem natureza retributiva, sendo que o acréscimo pelo trabalho noturno visa compensar o trabalhador pelas condições mais penosas do desempenho da sua atividade não sendo um correspetivo da prestação da atividade. Como tal, por não integrarem o conceito de retribuição, tais prestações não devem ser tidas em conta no cálculo da remuneração das férias, subsídios de férias e Natal.
      Finalmente, a respeito da falta dada pelo autor CC no dia de aniversário, referiu que o CCT aplicável não prevê o direito dos trabalhadores faltarem no respetivo aniversário, sendo em todo o caso nula tal disposição.
      Não foi apresentada resposta.
Foi proferido despacho saneador no qual foi julgada parcialmente procedente a exceção de prescrição, considerando-se prescritos parte dos juros peticionados pelos autores AA e CC relativos a remunerações de férias, subsídios de férias e Natal.
      Foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
      Procedeu-se a julgamento.
      Em julgamento a ré requereu que dois artigos da contestação fossem considerados não escritos, porquanto o CCT aplicável considera a falta dada no aniversário com uma falta justificada, sem prejuízo da arguição da nulidade feita na contestação a este propósito.
      A final foi proferida sentença cujo dispositivo se transcreve:
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
a) condena-se a Ré a pagar ao Autor, AA, as seguintes quantias:
1. a quantia que se vier a apurar em liquidação posterior correspondente a 678,9375 horas de trabalho, a título de compensação pela falta de gozo de
descanso compensatório relativamente ao trabalho suplementar prestado entre Dezembro de 2003 e Julho de 2012, a calcular em função da retribuição horária auferida em cada um dos meses em que deveria ter sido gozado o descanso compensatório, acrescendo juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data limite de 90 dias, subsequentes ao vencimento de cada período de descanso compensatório, até integral pagamento;
2. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respectivos subsídios pagos nos anos de 2002 a 2012, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, acrescida de juros de mora desde 31/10/2008 até integral pagamento;
3. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nos subsídios de Natal pagos nos anos de 2002 e 2003, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, acrescida de juros de mora desde 31/10/2008 até integral pagamento
b) condena-se a Ré a pagar ao Autor, CC (apenso A), as seguintes quantias:
1. a quantia que se vier a apurar em liquidação posterior correspondente a 388,6875 horas de trabalho, a título de compensação pela falta de gozo de descanso compensatório relativamente a trabalho suplementar prestado entre Maio de 2009 e Julho de 2012, a calcular em função da retribuição horária auferida em cada um dos meses em que deveria ser gozado o descanso compensatório, sendo devidos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data limite de 90 dias, subsequentes ao vencimento de cada período de descanso compensatório até integral pagamento
2. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respectivos subsídios pagos nos anos de 2009 a 2012, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos,  acrescida de juros de mora desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento;
c) condena-se a Ré a pagar ao Autor, DD (apenso B), as seguintes quantias:
1. a quantia que se vier a apurar em liquidação posterior correspondente a 1.135,0625 horas de trabalho, a título de compensação pela falta de gozo de descanso compensatório relativamente ao trabalho suplementar prestado entre Dezembro de 2003 e Julho de 2012, a calcular em função da retribuição horária auferida em cada um dos meses em que deveria ter sido gozado o descanso compensatório, acrescendo juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data limite de 90 dias, subsequentes ao vencimento de cada período de descanso compensatório, até integral pagamento;
2. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respectivos subsídios pagos nos anos de 2003 a 2012, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, acrescida de juros de mora desde 03/12/2008 até integral pagamento;
3. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, no subsídio de Natal pago no ano de 2003, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tal pagamento, acrescida de juros de mora desde 03/12/2008 até integral pagamento.
d) Absolve-se a Ré do demais peticionado.
*
  A responsabilidade pelo pagamento das custas das acções (principal e apensadas) é das partes na proporção do decaimento respectivo relativamente a cada uma das acções, fixada, provisoriamente, em 25% para os AA e 75% para a Ré, sem prejuízo
da isenção de gozam os AA (cfr. art. 527º nºs 1 e 2 do N.C.P.C.).
      Inconformada com a decisão da mesma interpôs a ré recurso, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
      (...)
Os autores contra-alegaram pugnando pela manutenção do julgado.
  Nesta Relação, o Exmo. Magistrado do M.P. teve vista nos autos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 87.º, nº 3 do Cód. Proc. Trab..
      Colhidos os demais vistos legais cumpre apreciar e decidir.
   Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
      Tratando-se de recurso a interpor para a Relação este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, e assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3a ed., pág. 148).
      As questões colocadas no recurso delimitado pelas respetivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 635.º, nº 3 e 639.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil – consistem em saber se:
1.ª - para efeitos de cálculo dos dias de descanso compensatório só poderá contar o tempo de exercício efetivo da atividade que exceda o período normal de trabalho diário, não podendo ser considerados os períodos de simples disponibilidade do trabalhador;
2.ª – a substituição do descanso compensatório por trabalho remunerado só é admissível se houver acordo nesse sentido entre o trabalhador e o empregador, sendo lícito ao empregador, uma vez que os contratos de trabalho subsistem, conceder-lhes ainda os dias de descanso compensatório;
3.ª – as importâncias pagas pelo tempo de disponibilidade não têm natureza retributiva não devendo, por isso, a respetiva média integrar a remuneração das férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal (neste caso até ao que foi pago em 2003).
                   Fundamentação de facto
      Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objeto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas nos nºs 1 e 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil.
      Por conseguinte, face ao disposto nos artigos 663.º, nº 6 do Cód. Proc. Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do objeto do recurso.
      Fundamentação de direito
      Quanto à 1.ª questão:
      Entendeu-se na decisão sindicada que, para efeitos de cálculo dos dias de descanso compensatório, contava não só o tempo de exercício efetivo da atividade que excede o período normal de trabalho diário mas também os períodos de simples disponibilidade do trabalhador.
      A recorrente insurge-se contra tal entendimento pelas razões que constam das conclusões do recurso.
      Vejamos, então, de que lado está a razão.
      Ficou provado que:
- a ré é uma empresa que se dedica à atividade industrial do transporte rodoviário de mercadorias e passageiros, sendo a sua atividade marcada por uma forte pendularidade, com uma forte concentração de meios humanos e materiais em dois períodos do dia: o primeiro na ponta da manhã (06h30m/10h00) e que corresponde às deslocações casa/emprego e o segundo, na ponta da tarde (16h30m/20h30m) e que corresponde às deslocações empre-go/casa;
- nestes períodos a ré tem de empregar todos os motoristas e autocarros disponíveis para satisfazer as necessidades de transporte das populações mas fora desses períodos a ré apenas necessita de afetar 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, dependendo da hora e da zona de tráfego;
- a ré remunera aos seus motoristas todas as horas compreendidas entre o início e o termo dos respetivos horários de trabalho, ressalvados os tempos de refeição e intervalo de descanso, quer se trate de tempo durante o qual eles exercem efetivamente a atividade de motorista, quer se trate de temo durante o qual nenhum trabalho de condução ou de outra natureza lhes é solicitado: remunera as primeiras 8 horas ao valor normal da hora, sem qualquer acréscimo e as horas seguintes ao valor da hora normal com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar, mesmo que tenham ocorrido períodos durante os quais eles não exerceram nem lhes foi solicitada qualquer atividade;
- a ré organiza a atividade diária dos autores e demais motoristas por escalas de serviço,  as quais mencionam, além do mais, as horas de início e termo da jornada de trabalho, os intervalos de descanso e os serviços de transporte que os trabalhadores devem assegurar, com indicação dos respetivos horários;
- as escalas de serviço são comunicadas aos motoristas em regra, com pelo menos, um dia de antecedência e os serviços da segunda feira são comunicados à sexta feira;
- pela consulta da escala os autores e demais motoristas ficam a saber a que horas iniciarão e terminarão o trabalho diário, em que período gozarão o intervalo de descanso, quais os serviços de transporte que deverão realizar e quaisquer outras tarefas que lhes sejam exigidas e em que períodos do dia, para além do intervalo de descanso, não terão qualquer tarefa atribuída, de condução ou outra;
- durante os períodos em que não terão qualquer tarefa atribuída, os autores e demais motoristas sabem que podem ser chamados para ocorrer à realização de qualquer serviço que não esteja previsto mas que seja necessário assegurar, e só excecionalmente deixam as imediações das paragens ou se ausentam das estações, ainda que a ré os não obrigue a aí permanecer (factos provados 1. e 11. a 21.).
      A questão que se coloca consiste, pois, em saber se o descanso compensatório de deve circunscrever ao tempo em que ocorreu efetiva prestação de trabalho, obstando, assim, aquela inatividade ao gozo do descanso compensatório.
Como decorre do respetivo preâmbulo, o Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de junho procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte rodoviário.
      O art. 5.º deste diploma dispõe que o tempo de disponibilidade previsto na alínea c) do art. 2.º não é considerado tempo de trabalho.
E a alínea c) do art. 2.º define “Tempo de disponibilidade” como qualquer período, que não seja intervalo de descanso, descanso diário ou descanso semanal, cuja duração previsível seja previamente conhecida pelo trabalhador, nos termos previstos em convenção colectiva ou, na sua falta, antes da partida ou imediatamente antes do início efectivo do período em questão, em que este não esteja obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da actividade em caso de necessidade, bem como, no caso de trabalhador que conduza em equipa, qualquer período que passe ao lado do condutor ou num beliche durante a marcha do veículo.
      Não se acompanha a decisão sindicada quando defende que facto de o tempo de disponibilidade não ser considerado tempo de trabalho, para efeitos do citado diploma, não significa que esse tempo não conte para a concessão de descanso compensatório.
      De facto, ainda que se aceite que o escopo de diploma é definir os limites de duração do trabalho semanal e intervalos de descanso não se vê como abstrair da definição contida na alínea c) do referido art. 2.º, da qual decorre que, o tempo de cada trabalhador por conta de outrem não se divide apenas em duas grandes categorias dicotómicas - tempo de trabalho e tempo de descanso: pelo menos para os trabalhadores de transporte rodoviário, como os autores, existe também um tempo de disponibilidade.
O tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregadora e no exercício da sua atividade ou das suas funções – nº 1 do art. 2.º da Diretiva nº 93/104CE do Conselho de 23 de novembro, art. 155.º do Cód. Trab. de 2003 e 197.º, nº 1 do Cód. Trab. de 2009; o tempo de descanso obtém-se por exclusão, de onde decorre que o respetivo conceito pressupõe a prévia e necessária integração da primeira modalidade (tempo de trabalho).
      Como se vem entendendo na nossa jurisprudência, sem vozes discordantes conhecidas, se o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece disponível ou acessível para trabalhar mas fora do seu local de trabalho ou do local controlado pelo empregador (por exemplo, no seu domicílio), podendo ainda que de forma limitada, gerir os seus interesses e desenvolver catividades à margem da relação laboral, apesar de se encontrar disponível para trabalhar, esse período de tempo não pode em regra considerar-se tempo de trabalho não podendo, por conseguinte, entender-se como tempo de trabalho o chamado “tempo de localização”, ou seja, aquele em que o trabalhador não tinha que estar presente fisicamente na empresa, mas apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto (Acs. do STJ de 2.11.2004 e de 23.2.2005, respetivamente nas revistas nºs 340/04 e 3164/04, disponíveis nos Sumários do STJ de 2004 e 2005 e de 19.11.2008 doc. nº SJ200911190009304, disponível em www.dgsi.pt).
      No caso em apreço, os autores sabiam previamente quais os períodos em que não teriam qualquer tarefa atribuída embora pudessem ser chamados para ocorrer à realização de qualquer serviço que não previsto mas que fosse necessário assegurar e embora só excecionalmente deixassem as imediações das paragens ou se ausentassem das estações, a verdade é que a ré não os obrigava a permanecer no local de trabalho.
      Os períodos de tempo em que não houve trabalho suplementar propriamente dito são tempos de disponibilidade na definição da lei e o tempo de disponibilidade não é tempo de trabalho – citados arts. 2.º, alínea c) e 5.º do Decreto-Lei nº 237/2007.
      Entendemos, pois, que, no caso, não há lugar à concessão de descanso compensatório, reservado para a realização de trabalho suplementar propriamente dito, procedendo, quanto a esta questão, as conclusões do recurso.
      Quanto à 2.ª questão:
Esta questão está prejudicada pela solução dada à anterior questão.
      Efetivamente, se o tempo de disponibilidade não confere direito a descanso compensatório, torna-se ocioso saber se a substituição do descanso compensatório por trabalho remunerado só é admissível se houver acordo nesse sentido entre o trabalhador e o empregador ou se é lícito ao empregador, uma vez que os contratos de trabalho subsistem, conceder ainda os dias de descanso compensatório.
      Quanto à 3.ª questão:
      Decorre da conclusão a que chegámos aquando da análise da 1.ª questão que o tempo de disponibilidade não é tempo de trabalho e daí que as quantias pagas como compensação por esses períodos não revistam a natureza de retribuição, na definição dada pelos arts. 249.º do Cód. Trab. de 2003 e 258.º da Cód. Trab. de 2009, visto que não remunera nem trabalho nem tempo de trabalho, não devendo, por isso, a respetiva média integrar a remuneração das férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal (neste caso até ao que foi pago em 2003).
Procedem, pois, também quanto a esta questão, as conclusões do recurso.
De exposto resulta que, por estarmos na presença de horas pagas como trabalho suplementar mas que correspondem a tempo de disponibilidade tal como deixámos definido, não devem integrar a remuneração das férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal (neste caso até ao que foi pago em 2003):
- quanto ao autor AA: as 2.715,75 horas pagas em relação ao período compreendido entre Dezembro de 2003 e Julho de 2012;
      - quanto ao autor CC: 1.554,75 horas, pagas em relação ao período compreendido entre Maio de 2009 e Julho de 2012;
      - quanto ao autor DD: as 4.540,25 horas pagas em relação ao período compreendido entre Dezembro de 2003 e Julho.
      Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente, alterando a sentença recorrida e ficando a ré condenada:
a) a pagar ao autor, AA:
1. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respetivos subsídios pagos nos anos de 2002 a 2012, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio noturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, com exceção das 2.715,75 horas pagas em relação ao período compreendido entre Dezembro de 2003 e Julho de 2012 acrescida de juros de mora desde 31.10.2008 até integral pagamento;
3. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nos subsídios de Natal pagos nos anos de 2002 e 2003, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio noturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, acrescida de juros de mora desde 31.10.2008 até integral pagamento
b) a pagar ao autor, CC:
1. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respetivos subsídios pagos nos anos de 2009 a 2012, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio noturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, com exceção das 1.554,75 horas, pagas em relação ao período compreendido entre Maio de 2009 e Julho de 2012, acrescida de juros de mora desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento;
c) a pagar ao autor, DD:
1. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respetivos subsídios pagos nos anos de 2003 a 2012, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio noturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, com exceção das 4.540,25 horas pagas em relação ao período compreendido entre Dezembro de 2003 e Julho, acrescida de juros de mora desde 03.12.2008 até integral pagamento;
3. a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, no subsídio de Natal pago no ano de 2003, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio noturno e trabalho suplementar nos 12 meses que antecederam tal pagamento, acrescida de juros de mora desde 03.12.2008 até integral pagamento.
      Custas pelos recorridos.

      Lisboa, 17 de dezembro de 2014

Isabel Tapadinhas
Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro
Decisão Texto Integral: