Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3809/17.2T8SNT.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I.–  Os indícios de laboralidade apurados com recurso ao método tipológico ou indiciário devem ser valorados globalmente, tendo em conta que o seu peso individual relativo é variável e que só em conjunto pode obter-se uma visão correta.

II.–  Se o prestador recebe ordens do credor da atividade, e, ainda para mais, há elementos que fazem presumir a laboralidade do contrato, nos termos do art.º 12 do CT, é de concluir pela existência de contrato de trabalho.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Autora AAA(A):.

Ré  BBB (R.) e recorrente: BBB, IP.

A A. alegou que em 08.09.2014 celebrou com o Réu um contrato escrito, denominado de “prestação de serviços”, mas na realidade de trabalho, renovado duas vezes, para exercer funções de desenvolvimento de orientação, reconhecimento e validação de competências, o qual cessou em julho de 2016. Foi ilícita a cessação operada pelo Réu.Com estes fundamentos pediu que:
a)- seja declarado nulo o denominado contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes;
b)- seja reconhecido que, desde outubro de 2014 a julho de 2016, vigorou um contrato de trabalho entre a Autora e o Réu;
c)- seja declarada a ilicitude da cessação do contrato, por falta de fundamento legal;

d)- o Réu seja condenado a pagar-lhe:
–  as retribuições que deixou de auferir desde o seu despedimento, em 31 de julho de 2016, até à data da notificação da contestação do Réu;
–  € 6.804,00 (seis mil oitocentos e quatro euros), a título de subsídios de férias e de Natal de 2014, 2015 e 2016; 
–  os juros de mora à taxa legal, sobre as quantias supra referenciadas até integral pagamento, contabilizados desde a data de vencimento de cada uma das retribuições;
e)- o Réu seja condenado a reintegrar a Autora na sua estrutura organizativa, nas funções que desenvolveu até julho de 2016.
***

Contestando, a Ré defendeu-se por exceção e impugnou a existência de uma relação laboral. Pediu a improcedência da acção.

Efetuado o julgamento o Tribunal julgou a ação parcialmente procedente e:

Declarou a existência de um contrato de trabalho vigente entre a Autora AAA e o Réu BBB, IP., entre 08.09.2014 e 29.07.2016;

Declarou ilícito o despedimento da Autora efetuado pelo Réu;

Condenou o R. a pagar à A.:
a)- € 6.840,00 a título de créditos laborais vencidos (subsídios de férias e de Natal dos anos de 2014, 2015 e 2016);
b)- todas as retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da presente ação, ou seja, desde 24.01.2017, até ao trânsito em julgado desta decisão, incluindo subsídios de férias e de Natal, com referência ao salário mensal, deduzidas as importâncias a que aludem as alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 390º do Código do Trabalho;
c)- € 5.103,00 a título de indemnização pelo despedimento ilícito;
d)- os juros de mora vencidos e vincendos, sobre as importâncias referidas em a) e b), à taxa legal supletiva aplicada aos juros civis, desde o vencimento de cada prestação, até efetivo e integral pagamento.
***

Não se conformando a R. apelou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1-4.- A sentença qualificou incorretamente a relação jurídica. As características indiciadoras de um contrato de trabalho entre a A. e o R. não estão inequivocamente demonstradas. Com efeito, dada a especificidade do trabalho realizado, quer pelo R. quer pelo Técnico de ORVC, não é a utilização de equipamentos, programas informáticos ou instalações suficiente para indiciar a existência de um contrato de trabalho. Porquanto a especificidade presente neste contrato de prestação de serviço implica, de per si, a utilização dos equipamentos, dos programas informáticos e das instalações do R. para o exercício cabal da atividade contratada.
5-6.- Por outras palavras: a descontinuidade dos contratos de prestação de serviço, a inexistência de uma relação de hierarquia, a inexistência de um controlo de assiduidade e a inexistência de um pagamento de uma quantia certa, conforme se demonstrou, são características mais que reveladoras da inexistência de um contrato de trabalho. Sendo, outrossim, indiciadoras da existência de um contrato de prestação de serviço, devidamente celebrado pelo recorrente em obediência aos normativos legais a que se encontra obrigado.
Pede que seja absolvido da instância, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 576.º e na al. a) do art.º 577.º, ambos do CPC, ex vi al. a) do n.º 2 do art.º 1.º do CPT, com as legais consequências.
***

Contra-alegou a A. formulando estas conclusões:

12.- A sentença não merece censura, pois apreciou a prova produzida e decidiu conforme o direito aplicável, com fundamentação clara. Ao qualificar a questão controvertida como contrato de trabalho o juiz a quo apreciou e fixou definitivamente a matéria de facto, após ter ponderado devidamente todos os depoimentos produzidos e o conteúdo dos documentos juntos aos autos.

3.–  O que de relevante se provou para que a qualificação tenha sido de contrato de trabalho foi, entre outros factos, que:
- a A. foi admitida ao serviço do R. para trabalhar nas suas instalações, usando equipamentos e consumíveis desta;
- a A. tinha horário de trabalho fixo, ainda que alterável de acordo com as exigências de comparência, variando diariamente o horário conforme as necessidades do R.;
- o R. remunerou a A. com retribuição fixa mensal pelo horário acordado, com referência ao tempo, às presenças e ao trabalho feito e não o resultado do trabalho ou da atividade;

4.–  Todos estes elementos são indícios claros de uma relação de trabalho subordinada e só quem detém poder de autoridade, direção e disciplina sobre outrem pode agir como o R.
5.–  O R. não contratou a A. para que lhe prestasse serviços em função do resultado obtido, e toda a prova produzida no Tribunal a quo foi de molde a poder-se qualificar o contrato como de trabalho.
6.–  Em favor da tese da A. vejam-se os arestos da Secção Social do STJ, entre os quais o referente ao proc. n.º 0752911, disponível em (www.dgsi.pt).” Por outro lado,

7-8.–  Se o R. pretendia a apreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, então teria de observar determinadas regras e ónus processuais, como disposto no art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, entre os quais a especificação dos concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, por fim, a decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Não o fazendo, não se entende possível a alteração da matéria de facto, estando fixados os factos demonstrados nos autos em primeira instância, uma vez que o R. não colocou em causa nenhum meio probatório constante do processo.

9-10.–  O R. limitou-se a apreciar os factos, desconsiderando-os como indícios da existência de um contrato de trabalho. A cominação por essa omissão deveria ser, inclusive, a rejeição imediata do recurso.
11-12.– Contrariamente ao alegado pela R. verifica-se que a fundamentação da decisão da matéria de facto encontra-se em total concordância com a prova produzida, tanto a testemunhal como a documental. Em face da factualidade dada por provada a juiz do Tribunal a quo qualificou como contrato de trabalho a relação contratual estabelecida entre o R. e a A., fundamentando com a verificação de diversos indícios que apontavam para a verificação do vínculo de subordinação jurídica.

13.– Cabia à A. o ónus de alegar e provar factos que demonstrassem a invocada existência de contrato de trabalho – pressuposto necessário da procedência da ação -, e cabia ao R., já em sede de recurso, invocar e demonstrar que os factos apresentados pela A. não se mostravam suficientes para demonstrar a existência de indícios para o reconhecimento de um contrato de trabalho.
14.–  A partir desses factos-índice essencialmente emergentes da fase de execução do contrato, como o local de trabalho, o horário de trabalho, a modalidade da remuneração, a titularidade dos instrumentos de trabalho, a eventual situação de exclusividade do prestador de serviços, é possível demonstrar a subordinação jurídica, característica principal da relação laboral, como prevê o art. 12.º CT, conformando-se essa avaliação com a existência de elementos indiciários para demonstração da relação laboral, considerando que a verificação de alguns deles bastará para a inferência da subordinação jurídica.
15.– Tratando-se de uma presunção juris tantum cabia ao R. provar que a situação não constitui um contrato de trabalho, antes revestindo as características de um contrato de prestação de serviços, dada a autonomia com que é exercida.
16.–  Ficou demonstrado, entre outros factos, que os instrumentos utilizados pela A. eram propriedade do R., que prestava a sua atividade em instalações deste, com uso e equipamentos e instrumentos fornecidos pelo empregador, que estava sujeita a um horário de trabalho definido pelo R. através de uma “folha de assiduidade”, que estava sujeita a ordens e instruções do R., estando a A. obrigada a cumprir metas com números mínimos impostos pelo R., recebendo ainda uma retribuição mensal calculada com base num valor por cada hora de trabalho;
17.– Estando em causa a qualificação substantiva da relação jurídica estabelecida é aplicável a esta o regime jurídico do contrato individual de trabalho.
18.– E no recurso veio novamente o R. fazer a invocação dos factos, a nosso ver sem sucesso, justamente por não impugnar a matéria de facto dada por provada, apresentando justificação para os factos dados por provados, invocando que não se verifica nenhum dos indícios para que se reconheça a existência de contrato de trabalho.
19-20.– Pelo exposto, é patente a ocorrência na execução do contrato de trabalho de vários indícios que, ocorrendo em simultâneo, demonstram a existência de contrato, logrando a A. provar que prestou a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, que esteve sujeita ao exercício do respetivo poder disciplinar e, resultando ainda provado que exercia a sua atividade sem autonomia e em exclusividade, estará suficientemente demonstrada a possibilidade de concluir que, entre as partes, vigorou um contrato de trabalho.
21-22.– Sendo a prova sobre os elementos fácticos de onde resultam os elementos caracterizadores da subordinação jurídica, essencial para a identificação da relação laboral, não soube o R. afastar a produção dos mesmos, que neste processo, reproduzem integralmente os elementos definidores do contrato de trabalho, não conseguindo no Tribunal a quo, nem agora, demonstrar que os indícios coexistentes, num juízo global, não demonstram a existência de uma relação laboral.
Remata pedindo que seja considerada a inadmissibilidade do presente recurso por falta de cumprimento do normativo legal aplicável; caso assim não se entenda, seja julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO.
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se entre as partes existiu uma relação laboral e com que consequências.
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A A. defende ainda que o recurso deveria ser rejeitado, seja por o R. não impugnar validamente a matéria de facto, seja por não indicar os objetivos do recurso.

Mas sem razão. Claramente, o recorrente não impugnou a matéria de facto dada por assente, pelo que não pode ser censurado por não observar os ónus de impugnação da matéria de facto.

Por outro lado, a própria A. cita que o R. afirma que a sentença “qualificou incorretamente a relação jurídica em causa”, como, aliás, se extrai imediatamente das primeiras conclusões do recurso.

É, pois, este o objeto do recurso e o que cumpre apreciar.
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São, pois, estes os factos apurados nos autos:
1)- Ao Réu estão acometidas as atribuições descritas no artigo 81º da contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidas – cfr. resposta ao artigo 81º da contestação.
2)- Com data de 04.09.2014 a Autora e o Réu subscreveram o contrato cuja cópia foi junta como doc. nº 1 da petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. resposta ao artigo 20º da p.i..
3)- Após, Autora e Réu celebraram ainda os contratos juntos como documentos nºs 4, 5 e 6 da contestação, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos – cfr. resposta ao artigo 102º da contestação.
4)- A aquisição de serviços visava a contratação de um técnico com competências para o desenvolvimento de processos de orientação, reconhecimento e validação de competências – cfr. resposta ao artigo 21º da p.i..
5)- A atividade prestada pela Autora, designada no contrato por ORVC – Orientação, Reconhecimento e Validação de Competências - desenvolveu-se no CENTRO PARA A QUALIFICAÇÃO E O ENSINO PROFISSIONAL (COEP) integrado no CENTRO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE …, com sede em …  – cfr. resposta ao artigo 22º da p.i..
6)- Como refere a cláusula terceira do Contrato, denominada Local de Execução dos Serviços – “A prestação de serviços objecto do presente contrato é executada no COEP integrado no Centro de Emprego e Formação Profissional.– cfr. resposta ao artigo 23º da p.i..
7)- A atividade a prestar pela Autora era cumprida exclusivamente na Quinta da …, no edifício do …, em que a Autora possuía um gabinete conjunto com outros técnicos no 1.º andar do Edifício C – cfr. resposta ao artigo 24º da p.i..
8)- A Autora prestava a sua atividade no gabinete com o n.º 2972 e tinha um telefone direto, com o nº 21 910 86 56 – cfr. resposta ao artigo 25º da p.i..
9)- A Autora tem como habilitações académicas a licenciatura em Psicologia, sendo titular de certificado de aptidão pedagógica emitido pelo Sistema Nacional de Certificação Profissional – cfr. resposta ao artigo 27º da p.i..
10)- A Autora exercia as suas funções com uso de equipamentos e instrumentos disponibilizados pelo Réu – cfr. resposta ao artigo 28º da p.i..
11)- À Autora competia inscrever os jovens e adultos no SIGO – Sistema Integrado de Informação e Gestão da Oferta Educativa e Formativa – cfr. resposta ao artigo 29º da p.i..
12)- Promover sessões de orientação e informação sobre ofertas de educação e formação, mercado de emprego, saídas profissionais e oportunidades, de acordo com formação ministrada pela Ré – cfr. resposta ao artigo 30º da p.i..
13)- Desenvolver ações de divulgação e de informação sobre o papel dos COEP e as oportunidades de qualificação, designadamente a oferta de cursos de dupla certificação – cfr. resposta ao artigo 31º da p.i..
14)- A Autora utilizava o conjunto de aplicações técnicas e procedimentos fornecidos pelo Réu de acordo com as instruções que lhe foram ministradas – cfr. resposta ao artigo 33º da p.i..
15)- Tendo como equipamentos, o computador, endereço e-mail, secretária, fotocopiadoras, linha telefónica direta e demais utensílios proporcionados pelo Réu – cfr. resposta ao artigo 34º da p.i..
16)- Refere o Contrato em causa – Cláusula Quinta n.º1 - “Considerando que o horário de funcionamento do COEP integrado nos serviços de formação do IEFP, IP está dependente do fluxo de candidatos, as actividades objecto do presente contrato são prestadas, predominantemente, no período entre as oito e as vinte horas” e – n.º 2 – “Para efeitos do desenvolvimento das actividades previstas na cláusula 2.ª, a prestação de serviço do Segundo Outorgante corresponde a uma carga horária média semanal de trinta horas.” – cfr. resposta ao artigo 35º da p.i..
17)- No nº 3 da Cláusula 5ª do Contrato ficou consignado que “O ajustamento da prestação de serviços à duração média mensal, prevista no número anterior, deve ser efetuado trimestralmente, tendo em atenção o fluxo de candidatos” – cfr. resposta ao artigo 37º da p.i..
18)- O controlo da assiduidade e da pontualidade dos trabalhadores do Réu é efetuado por relógio de ponto, procedendo cada um ao respetivo registo, através de cartão fornecido para o efeito – cfr. resposta ao artigo 134º da contestação.
19)- A Autora assinava um documento designado “Folha de Assiduidade”, com hora de entrada e hora de saída, no qual apunha a sua assinatura – cfr. resposta ao artigo 38º da p.i..
20)- O Réu liquidava à Autora o montante de € 13,50/hora – cfr. resposta ao artigo 40º da p.i..
21)- A Autora auferia a retribuição com carácter mensal – cfr. resposta ao artigo 41º da p.i..
22)- A Autora desempenhava as suas funções integrada nas equipas do Réu – cfr. resposta ao artigo 46º da p.i..
23)- A Autora desenvolvia as atividades descritas nos documentos nºs 13, 14 e 15 juntos com a petição inicial – cfr. resposta ao artigo 50º da p.i..
24)- A Autora seguia instruções e ordens impostas pelo Réu – cfr. resposta dada ao artigo 51º da p.i..
25)- A Autora recebia ordens diretas do Diretor do CEFP (Centro de Emprego e Formação Profissional) – cfr. resposta ao artigo 52º da p.i..
26)- A Autora fornecia dados ao Diretor do Centro – cfr. resposta ao artigo 53º da p.i..
27)- À Autora, à semelhança dos demais colaboradores do Réu, eram impostas metas com números mínimos de relatórios de avaliação – cfr. respostas dadas aos artigos 54º e 55º da p.i..
28)- A Autora desenvolvia ações de formação com empresas – cfr. resposta dada ao artigo 56º da p.i..
29)- O Réu não liquidou à Autora os montantes descritos nos artigos 79º e 80º da petição inicial – cfr. respostas dadas aos artigos 79º e 80º da p.i..
30)- O Réu liquidou à Autora os valores indicados na tabela descrita no artigo 141º da contestação, que aqui se são por reproduzidos – cfr. resposta ao artigo 141º da contestação.
31)- O contrato entre as partes cessou no dia 30.07.2016 – cfr. resposta ao artigo 103º da contestação.
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A qualificação do contrato, no que ao foro laboral respeita, depende não daquilo que as partes lhe chamaram, e nem sequer do que tiveram em mente aquando da sua celebração, mas sobretudo da forma como a relação foi configurada enquanto subsistiu.

O regime com que as partes podiam contar ao celebrarem o convénio é o atual, que estava em vigor em 2014 (neste sentido cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-03-2013, relator Cons. Gonçalves da Rocha: “à qualificação de uma relação jurídica constituída antes de 1 de Dezembro de 2003 – data da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 –, não resultando da matéria de facto uma mudança essencial na configuração dessa relação antes e depois daquela data, é aplicável o regime constante da LCT.”).

Aplica-se, pois, designadamente, o disposto no art.º 12º do Código do Trabalho, e nomeadamente a presunção de laboralidade aí contida.

Resulta da noção de contrato de trabalho vertida no art.º 11 do CT que está em causa o trabalho subordinado.

Elemento característico e definidor deste contrato é a subordinação jurídica do trabalhador, o qual se encontra numa situação de dependência do empregador, sob a sua “autoridade e direcção”. É este o sentido do art.º 1152 do Código Civil, como nota o Prof. Romano Martínez, in Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., 92. Subordinação jurídica porquanto está sujeita à heterodeterminação da sua prestação laboral, quer na sua génese quer durante toda a vida do vínculo jurídico, feita potestativamente pela entidade patronal, desde logo quanto ao lugar e ao momento da sua efectivação[1].

(por todos cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 29.1.1992, Colectânea de Jurisprudência, I-200: “I - O critério diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços é o de subordinação jurídica. II - No contrato de trabalho promete-se um trabalho uma actividade, sob a direcção e fiscalização da entidade empregadora, enquanto que na prestação de serviços se promete apenas um resultado”; de 19.02.97, Colectânea de Jurisprudência, I-183: “I - Constitui subordinação económica no contrato de trabalho o facto de o trabalhador receber da entidade empregadora remuneração mensal. II - Traduz subordinação jurídica o facto de um trabalhador ter acordado com uma empresa de radiodifusão prestar-lhe a sua atividade consistente no apoio a um realizador de rádio, antes, durante e após determinadas emissões de radiodifusão, mediante um horário por ela estipulado, sendo ela que ordenava as funções que pretendia que ele desempenhasse).  

A sentença recorrida considerou que
“(…) Os elementos fundamentais do contrato de trabalho são o vínculo de subordinação económica (atividade remunerada) e o vínculo de subordinação jurídica (autoridade e direção de pessoas a quem a atividade é prestada). A subordinação jurídica tem que definir-se com bastante latitude e flexibilidade de modo a abranger vários graus. Para que se dê a subordinação jurídica basta que o trabalhador seja integrado no círculo da esfera do domínio/autoridade da entidade patronal. (…) A subordinação jurídica pode não transparecer em cada momento da prática de certas relações de trabalho. Podem ser objeto de contrato de trabalho atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta de autonomia técnica e científica do trabalhador. A subordinação jurídica existirá sempre que ocorra a mera possibilidade de ordens e direção, bem como quando a entidade patronal possa de algum modo orientar a atividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.

Na situação importa atender aos seguintes factos provados:
- a Autora foi contratada pelo Réu consistindo as suas funções no desenvolvimento de processos de orientação, reconhecimento e validação de competências;
- a Autora prestada a sua atividade em instalações do Réu, com uso de equipamentos e instrumentos disponibilizados pelo Réu e, bem assim, com utilização de aplicações técnicas e procedimentos fornecidos pelo Réu;
- a Autora estava sujeita a um horário de trabalho definido pelo Réu, sendo que a assiduidade e a pontualidade eram controlados pelo Réu através de uma “Folha de Assiduidade” que a Autora assinava;
- a Autora esteve sempre sujeita a ordens e instruções impostas pelo Réu e reportava ao Diretor do Centro, de quem recebia ordens diretas e a quem fornecia dados relativos à sua prestação;
- a Autora estava obrigada a cumprir metas, com números mínimos impostos pelo Réu;
- como contrapartida do exercício das funções que exercia a Autora recebia uma remuneração mensal fixa, calculada com base num valor por cada hora de trabalho;
- o Réu não pagou à Autora quaisquer quantias referentes a férias, subsídio de férias ou subsídio de Natal.
Em face desta factualidade somos de entendimento que é de qualificar como de contrato de trabalho a relação contratual (…). Na verdade, embora a Autora desempenhasse as suas funções com alguma autonomia técnica – o que se compreende dada a natureza das funções – todos os demais indícios apontam para a verificação do vínculo de subordinação jurídica. O que releva na verdade é que a Autora estava integrada na estrutura organizacional do Réu, Réu que manifestava a sua posição de supremacia ao definir o local de trabalho da Autora, ao definir o seu horário de trabalho e fiscalizar o seu cumprimento, ao definir os procedimentos que a Autora tinha que observar no cumprimento das suas funções e ao disponibilizar todos os instrumentos de trabalho. A Autora auferia ainda uma remuneração mensal fixa.
É certo que poderia argumentar-se que, pelas tarefas desenvolvidas, a Autora não poderia exercê-las se não estivesse no Centro de Emprego, no horário fixado, a trabalhar com os equipamentos e aplicações disponibilizadas pelo Réu. Sucede que todo o trabalho da Autora era organizado, orientado e controlado pelo Réu, integrando-se a Autora nas equipas definidas pelo Réu.
Deste modo e não obstante as partes terem apelidado os diversos contratos que formalizaram de Contratos de Aquisição de Serviços, cumpre qualificar a relação contratual em apreço como contrato de trabalho (…) com início no dia 09 de setembro de 2014”.
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Pois bem. Vista a matéria de facto provada verifica-se que existia um local de trabalho (cfr. n.º 7 e 8 dos factos provados), que os instrumentos utilizados pela A. pertenciam ao R. (n.º 10, 14 e 15), que existia um controlo de assiduidade e de pontualidade (n.º 19), que o pagamento assentava no cálculo da quantidade de horas prestadas e era efetuado mensalmente (20 e 21).

O local de trabalho e instrumentos do credor da atividade são típicos do trabalho subordinado, embora a sua valoração deva ser feita globalmente, dado que há casos de trabalho autónomo em que se verificam estes elementos.

De todo o modo, se lançarmos mão do método indiciário, deparamos com indícios negociais internos e externos da existência de contrato de trabalho tais como estes[2]:

a)- internos 
1.–  o local onde é exercida a atividade (se ocorre em instalações do empregador ou em local por este indicado);
2.–  a existência de horário de trabalho fixo;
3.–  a utilização de bens ou utensílios fornecidos pela contraparte;
4.–  a remuneração tomando como unidade o tempo de trabalho (e não a tarefa), e ainda com pagamento de subsídios de férias e de natal;
5.–  a realização da atividade pelo sujeito obrigado, com impossibilidade, em regra, de recurso a colaboradores (visto a natureza “intuito personae” do contrato de trabalho);
6.–  a assunção do risco pelo destinatário da atividade;
7.–  o modo de execução do contrato, mormente cumprindo o credor da prestação da atividade obrigações específicas do contrato de trabalho como o direito a férias ou a prestação de informações impostas pelo art.º 106 do Código do Trabalho;
8.–  a inserção do prestador da atividade numa estrutura produtiva.

b)- externos
1.–  o desenvolvimento da atividade apenas para um beneficiário da prestação;
2.–  o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade e a sua inscrição como trabalhador dependente;
3.–  a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente (mormente nas folhas do beneficiário da atividade);
4.–  a sua sindicalização[3].  
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Como referimos, os indícios de laboralidade devem ser apreciados globalmente. É perfeitamente possível que um monitor de natação, um enfermeiro ou outro profissional prestem a atividade em local e horários definidos e com instrumentos do credor e não sejam trabalhadores (a atividade exige bens e equipamentos, bem como certos tempos próprios para a prestação do serviço: por exemplo, a disponibilidade de uma piscina, ginásio ou máquinas de cuidados de saúde, em determinadas horas). Como também podem ser trabalhadores subordinados, desde que, globalmente ponderados, se verifique a existência de subordinação jurídica.

Por outro lado, nem todos os indícios têm o mesmo valor: os externos (por ex. estar o prestador coletado nas finanças e emitir "recibos verdes”, não estar inscrito na segurança social) são menos relevantes que, vg, cumprir horários e estar inserido numa organização produtiva. Na verdade, se existe uma relação laboral encoberta, é de esperar que o empregador não vá inscrever o trabalhador, como tal, na segurança social, descobrindo dessa forma aquilo que pretendia esconder (o mesmo se passará com o eventual não pagamento de subsídios de férias e natal).

Mesmo entre os indícios internos nem todos têm o mesmo peso, como vimos na situação exemplificada, em que o local de trabalho e o horário podem não ser decisivos, mas pressupostos da prática da atividade.
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Revertendo ao caso, é claro que os descritos elementos (local de trabalho, instrumentos, controlo de assiduidade e pontualidade – sendo que havia uma carga horária média semanal de 30 horas, n.º 16) indiciam a existência de contrato de trabalho.

Acrescem outros elementos: a inserção na organização do R. (a A. desempenhava as suas funções integrada nas equipas do R., n.º 22), o pagamento em tranches mensais (e calculada em função do tempo prestado, e não de resultados, n.º 20 e 21).

Estes elementos preenchem a presunção do art.º 12, n.º 1, al. a, b e c, do Código do Trabalho (“1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma”).

Esta presunção sui generis, que permite a ilação não de um facto mas de uma figura jurídica – a existência de contrato de trabalho – verifica-se nos autos, pelo que cabe doravante ao R. elidi-la (“Compete ao trabalhador provar os elementos constitutivos do contrato de trabalho, ou seja, que se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigo 11º do CT). II. Face às dificuldades que existem na prova de determinados factos, o legislador previu a existência de presunções (art.º 349.º do C.C.). III. Estas presunções (ilações legais ou de direito) são as que têm assento na própria lei, ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto, o que significa que quem tiver a seu favor uma presunção dessa natureza escusa de provar o facto a que a mesma conduz, embora a presunção possa ser ilidida mediante prova em contrário, diz-se então que a presunção é iuris tantum, exceto nos casos em que a lei o proibir, casos em que a presunção é denominada iuris et de iure (art.º 350.º do C.C.). IV. No caso, o legislador previu no artigo 12º do CT uma presunção de laboralidade, cuja finalidade não pode deixar de ser facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação. V. Assim, tendo o trabalhador dificuldade em provar todos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, pode lançar mão da presunção estabelecida no artigo 12º do CT. Este normativo, estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento de pelo menos dois dos cinco requisitos aí elencados, a saber: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. VI. Provados pelo menos dois desses cinco requisitos, presume-se que estamos perante um contrato de trabalho, incidindo sobre a outra parte, a prova de factos que contraírem esta presunção. (…)” - ac. RP de 10.10.2016.

Só que ainda existem outros factos provados que não só não a elidem, como, pelo contrário, mostram mais assertivamente a existência de um contrato de trabalho.

Senão, repare-se: provou-se que a A. recebia instruções e ordens da R. (n.º 14, 24 e 25), a qual até lhe fixava metas a atingir (n.º 27). As ordens estão no amago do contrato de trabalho, constituindo a manifestação mais evidente da subordinação jurídica. Não é por acaso que na prestação de serviços autónoma o prestador não pode ser compelido a seguir as ordens do credor da atividade (veja-se, por exemplo o caso da empreitada, em que só perante o resultado final se pode discutir o incumprimento do contrato, art.º 1207, 1208, 1209/1 e 1218/1, Código Civil). Ao contrário, no trabalho subordinado – e sem prejuízo da eventual autonomia técnica do trabalhador – o credor pode conformar a própria atividade do prestador. Ora, é exatamente isso que acontece: a A. recebia ordens e instruções impostas pela R. (24), sendo-lhe dadas ordens diretamente pelo diretor do centro (25).

O R. nada alega que possa pôr em crise o exposto. Globalmente não existe nada que afaste de alguma maneira a conclusão exposta, sendo que o caso até nem é de fronteira, como por vezes sucede: a A. recebia ordens, pelo que há contrato de trabalho. E beneficia da presunção do art.º 12, não subsistindo, pois, duvida alguma sobre a natureza da relação jurídica.

O facto de o R. ter natureza pública em nada afasta esta conclusão, e nem os corolários, bem extraídos pela sentença recorrida.

Improcede, pois, o recurso.
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DECISÃO.
Pelo exposto este Tribunal julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo R.


Lisboa, 6 de junho de 2018


Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega


[1]Subordinação que não se confunde com a económica (ou mesmo social ou técnica), já que muito embora amiúde o trabalhador viva dos proventos da sua atividade profissional dependente, não tem de ser assim, podendo ter fontes de rendimentos que lhe permitam até viver sem os rendimentos do trabalho por conta de outrém (nota Bertrand Russel, in A Conquista da Felicidade, citado por António Gustavo da Mota, “A Evolução da Técnica e da Organização do Trabalho”, ed. Almedina, 1996, 38, que o trabalho é desejável como antídoto contra o aborrecimento e como fator de êxito pessoal - o que mostra que está para além da mera necessidade de obtenção de meios de sobrevivência).
[2]Seguimos a lição do Prof. Romano Martínez, Direito do Trabalho, 309 e ss. Outras sistematizações são possíveis, como é o caso proposta pela Mestre Isabel Parreira.
[3]Com pertinência cita-se a lição da Prof.ª Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, pág 29, 31, 32, 34 a 36:
«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)
Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:
i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)
ii) Pode ser meramente potencial (…), para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)              
iii) (…) Pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)
iv) É jurídica e não técnica (…) é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)
v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…)é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)