Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
643/14.5T8PDL.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
PRINCÍPIO DE ADEQUAÇÃO FORMAL
PRESTAÇÃO EM ESPÉCIE
CONDENAÇÃO PARA ALÉM DO PEDIDO
CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– Quer o juiz do processo, na pendência da ação no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, como as partes, sempre fizeram aplicação do atual Código de Processo do Trabalho de 1999, na sua atual redação e versão, assim como do novo Código de Processo Civil, que começou a vigorar no dia 1/9/2013, no que nos parece ser uma concretização prática, desejável e sensata do princípio da adequação formal previsto no artigo 547.º do NCPC (antigo artigo 265.º-A do CPC/1961) ao cenário vivido nos autos e que levado a um extremo de rigor formal e obediência ao legalmente estabelecido, acarretaria problemas de interpretação, conciliação, conjugação e aplicação dos regimes legais que se foram sucedendo nestes quase 20 anos de pendência dos autos, que não seriam de fácil solução e resposta.

II– Ao abrigo dos conceitos do «fair trial»ou «due proces», é de admitir a possibilidade de ser criada pelo julgador, nos diversos intervenientes de uma determinada e concreta ação, a convicção de que um dado regime adjetivo não se lhe aplica ou foi afastado e de que, nessa medida, se entendeu como regulador da sua tramitação um outro regime processual (um pouco na esteira do que se tem entendido em situações de abuso de direito, aqui de cariz formal ou adjetivo).

III– Muito embora o Autor não tenha pedido, no seu articulado inicial, a prestação em espécie em que a Ré veio a ser condenada (fornecimento e manutenção de material ortopédico), o regime do art.º 74.º do CPT, que possui uma natureza excecional relativamente ao art.º 609.º do NCPC (antigo art.º 661.º do C.P.C./1961) permite que o julgador de trabalho profira uma condenação para além do pedido em tais condições e circunstâncias, atenta a natureza imperativa e absolutamente inderrogável dos direitos emergentes do regime jurídico dos acidentes de trabalho.

IV– A lei, em casos particulares, consente que haja a prestação antecipada de depoimentos ou declarações de parte ou a sua concretização sem a presença de qualquer magistrado judicial mas, salvo melhor opinião, a recolha de declarações/depoimentos efetuada pelo Ministério Público durante a fase conciliatória dos autos emergentes de acidente de trabalho não pode ser reconduzida a qualquer uma dessas exceções.

V– É manifesto que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho (não descaracterizado) que se traduziu na queda em altura da lança de uma grua, quando se encontrava a desmontar a mesma, dentro do seu tempo e local de trabalho, tendo sofrido lesões muitos graves, de que resultaram sequelas permanentes que implicaram para o mesmo uma IPP de 67%, com IPATH, desde 30/4/1999.

VI– Constatando-se, de facto, diferenças quantitativas e qualitativas entre o que o Autor reclamou no final da Sua Petição Inicial e o que o tribunal recorrido determinou no final da decisão recorrida, há que fazer refletir tal parcial improcedência da ação em sede da correspondente condenação das partes em custas.


(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:
***

APELANTE: COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A.
e
APELADO:AAA
***

QUESTÃO PRÉVIA SOBRE O VALOR DA AÇÃO E A ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO:

A Ré Seguradora suscitou, como questão prévia, nas suas alegações de recurso a seguinte problemática jurídica, que se desdobra em duas vertentes, a saber, a da admissibilidade da Apelação por si interposta para este Tribunal da Relação de Lisboa e, por outro, a correta fixação do valor da presente ação, traduzindo-se a correspondente argumentação no seguinte:  
  
I– Questão prévia – Da admissibilidade do Recurso.

1- No despacho saneador proferido em 8 de Setembro de 2016 o Meritíssimo juiz a quo fixou o valor da ação em € 5.000,01. No entanto, na douta sentença de que agora se recorre esse valor foi alterado para € 2.514,07 (dois mil, quinhentos e catorze euros e sete cêntimos), valor coincidente com o da pensão que foi fixada ao sinistrado e em que a Ré, aqui Recorrente, foi condenada. Contudo,
2- Não pode a Recorrente conformar-se com o valor agora fixado, e que impediria o presente recurso, porquanto a fixação desse valor não está em conformidade com as regras do Código do Processo de Trabalho, mormente com o art. 120.º, n.º 1, no qual se fixa como critério de determinação do valor da causa que “Nos processos de acidente de trabalho, tratando-se de pensões, o valor da causa é igual ao do resultado da multiplicação de cada pensão pela respetiva taxa constante das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital da remição, acrescido das demais prestações.” Ora,
3- Nestes termos, a fixação do valor da causa, teria de ter tido em consideração não apenas o valor da pensão, mas também aquele que resultasse da aplicação das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital de remição, constantes da Portaria n.º 11/2000.
4- Assim, e considerando que a data da alta do sinistrado foi o dia 30 de Abril de 1999, e que o mesmo tinha feito anos no dia 14 de Março, será aplicável a taxa de 17,701, porquanto à data da alta o sinistrado tinha 21 anos.
5- Consequentemente, o valor da ação deverá ser de € 44.501,55 (quarenta e quatro mil, quinhentos e um euros e cinquenta e cinco cêntimos)
6- Pelo que se requer desde já a alteração do valor da causa, e, consequentemente a admissibilidade do presente recurso.»

O Autor recorrido respondeu a tal questão prévia nos seguintes moldes:

«I- DA QUESTÃO PRÉVIA SOBRE O VALOR DA CAUSA COM VISTA À ADMISSIBILIDADE DO RECURSO INVOCADA PELA RECORRENTE.

A Ré, ora Recorrente, pugna na sua alegação de recurso, a título de questão prévia, pela alteração do valor da causa ajustado pelo Juiz na Sentença, por entender que tal valor de 2.514,07 euros “impediria o presente recurso”, para a Relação de Lisboa. Assim, a Ré/Recorrente requer a alteração do valor da causa, requerendo seja afinal fixado em 44.501,55 euros.
Tendo em conta tal fundamentação apresentada pela Recorrente, visando a admissibilidade do seu recurso da Sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, torna-se tal questão uma falsa questão. Pois, a Lei desde logo no seu art.º 79.º/b) CPT garante sempre, independentemente do valor da causa e da sucumbência, a admissibilidade do recurso da Sentença de 1.ª instância proferida em processo emergente de acidente de trabalho para o Tribunal da Relação. Pelo que nessa matéria, atenta a fundamentação restrita da Recorrente, é indiferente para o efeito de admissibilidade de recurso da Sentença de 1.ª instância para a Relação, o valor da causa. Pelo que, a nosso ver a Sentença não violou qualquer disposição legal, tendo tido em conta o valor da ação ficado aquando do Despacho saneador e deduzido o valor de subsídio por elevada incapacidade permanente não atribuível pela legislação então em vigor aplicável ao caso.
Sem prejuízo do acima por nós exposto, por mera cautela dir-se-á de qualquer modo que, caso V. Exas. entendam dever ser alterado neste processo o valor da causa nos moldes considerados pela Recorrente, o valor indicado pela Recorrente (44.501,55 euros) careceria de ser completado e aumentado, pois não contém todas as pensões nem as atualizações legais anuais da pensão em que foi condenada, nem os juros de mora vencidos nem as prestações vincendas, que segundo a fundamentação da Recorrente deveriam estar incluídos.»

O tribunal recorrido, a fls. 306 e 306 verso e com data de 2/2/2018, prolatou o seguinte despacho judicial:
«Com a interposição de recurso, a Ré suscita uma questão prévia, relativa, segundo alega, à admissibilidade do recurso, e que se prende com o valor da ação fixado na sentença.
Muito embora esta matéria não condicione a admissibilidade em si do recurso - o qual, por força do art.º 79.º, alínea b), do Código de Processo do Trabalho, é admissível independentemente do valor da causa -, a verdade é que, neste ponto, e naquilo que é essencial, a Ré tem razão, sendo o valor da ação, face ao disposto no art.º 120.º, n.º 1, do mesmo Código, e tendo em atenção a natureza e o valor da prestação fixada na sentença, de € 44.501,55 (nesta parte, sem atender às atualizações posteriores da pensão), sendo de € 2.514,07.
Neste sentido, ao abrigo do art.º 77.º, n.º 3, e 120.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo do Trabalho, fixa-se o valor da ação em € 44.501,55.
Notifique.»  
 
Cumpre decidir.
***

Vamos socorrer-nos aqui dos regimes adjetivos previstos nos atuais Código de Processo do Trabalho e Novo Código de Processo Civil, pelas razões expostas no corpo do Aresto, quanto ao regime adjetivo e substantivo aplicáveis, não obstante a fase conciliatória dos presentes autos ter tido início ainda na vigência do anterior Código de Processo do Trabalho de 1981 e se ter verificado, ao longo da pendência dos mesmos, uma sucessão de diplomas legais de cariz processualista que suscitam inevitáveis e naturais problemas de vigência, conjugação, interpretação e conciliação.  
 
Muito embora a admissibilidade do presente recurso de Apelação para este Tribunal da Relação de Lisboa sempre tenha estado assegurada, independentemente do valor da ação e da sucumbência, por força do disposto no artigo 79.º, alínea b) do CPT (cf., aliás, para afastar quaisquer dúvidas, o número 5 do artigo 74.º do CPT/1981, que ia precisamente nesse mesmo sentido), razão pelo qual o relator proferiu despacho liminar de aceitação do mesmo, seguro é que aquela disposição só garante a impugnação judicial até ao tribunal da 2.ª instância e já não para o Supremo Tribunal de Justiça, funcionando quanto a esse segundo nível recursório as normas dos artigos 80.º, 87.º, número 1 do CP e 629.º do NCPC.

A ser assim e como já acima deixámos aflorado, tal possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça depende do valor da causa, contestando a Ré Companhia de Seguros a sentença judicial na parte em que fixou tal valor em apenas € 2.514,07, por entender que o mesmo foi determinado à revelia do estatuído no artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho, que a mesma transcreve nas suas conclusões de recurso acima transcritas.

Convirá, contudo, não olvidar, no quadro da temática que aqui analisamos, que o tribunal da 1.ª instância, no Despacho Saneador de fls. 158 e seguintes, havia fixado já o valor da ação em € 5.001,00, sendo que, posteriormente à interposição do recurso pela COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., o Tribunal do Trabalho de Lisboa, ao abrigo dos art.ºs 77.º, n.º 3, e 120.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo do Trabalho, veio a alterar o valor atribuído na sentença recorrida para o propugnado pela Apelante: € 44.501,55.  
   
Ora, se olharmos para a parte condenatória da decisão judicial recorrida [[1]], constatamos que o valor da ação que aí se mostra fixado coincide com o valor anual da pensão aí determinado, o que, não está manifestamente em consonância com o estabelecido no referido artigo 120.º do CPT, que, como sabemos, impõe que «o valor da causa é igual ao do resultado da multiplicação de cada pensão pela respetiva taxa constante das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital da remição, acrescido das demais prestações.»

Impõe-se também recordar que o número 3 desse mesmo artigo 120.º do CPT dispõe que «em qualquer altura o juiz pode alterar o valor fixado em conformidade com os elementos que o processo fornecer», o que, em nosso entender, significa que não se formou caso julgado no que toca à fixação do valor da ação em € 5.001,00 no aludido despacho saneador, nada obstando assim que o tribunal da 1.ª instância atribuísse no final da sentença aqui impugnada um outro montante a esse título.

Já o mesmo não se pode dizer quanto ao montante fixado pelo tribunal da 1.ª instância nos termos do despacho judicial de fls. 306, pois se bem que a Apelação da Ré Seguradora tenha obstado à formação de caso julgado formal quanto a tal valor da ação constante da sentença recorrida, certo é que a mesma não radicou a nulidade de tal decisão na incorreção da fixação desse valor da causa mas antes noutros fundamentos nem sequer pediu a sua reforma com esse motivo (não se tratando, finalmente, de um erro de escrita ou de cálculo), o que implicou o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal recorrido quanto à abordagem de tal matéria (n.º 1 do artigo 613.º do NCPC).

Logo, deparamo-nos com um despacho judicial que não pode ser valorado no quadro dos presentes autos, para efeitos da determinação do seu valor processual.   
           
Ora, tendo em atenção que o sinistrado nasceu em 14/3/1978 e que, do acidente de trabalho dos autos, ocorrido em 4/6/1998 [[2]], resultou a alta clínica em 30/4/1999 (cf. fls. 36 e 37), tal significa que a idade mais próxima desta cura clínica é a dos 21 anos, a que corresponde a taxa de 16,854, de acordo com a Tabela para os pensionistas de ambos o sexos prevista na Portaria 760/85, de 4/10, pois afigura-se-nos que a Portaria n.º 11/2000, de 13/1, pela sua estreita conexão com os referidos diplomas de 1997 e 1999 [[3]], só é igualmente aplicável ao universo de acidentes de trabalho que é abarcado por esse novo regime infortunístico laboral.

Ora, a ser assim, caso seja a pensão anual a que o tem direito o Autor aquela calculada pelo tribunal da 1.ª instância, obtemos um valor de ação de € 2.514,07 x 16,854 = € 42.372,13578, ou de € 42.372,14 (por arredondamento), nos termos e para os efeitos do artigo 120.º do atual CPT, mas, como deriva do teor das alegações de recurso da COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., esta última coloca em questão que tal pensão anual seja devida, por força da lei substantiva aplicável (Lei n.º 2127) e da descaracterização do dito sinistro, por negligência grosseira, o que pode não dar lugar à reparação do acidente de trabalho em causa e, nessa medida, à atribuição de qualquer pensão ao Autor, assim como a seu montante, ao cálculo do referido valor da causa, cuja fixação se relega assim para final do Aresto que se irá passar a prolatar de seguida.
     
Custas a cargo do Apelado – artigo 527.º, número 1, do NCPC.

Notifique.
***

I–RELATÓRIO.

AAA, divorciado, nascido em … contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, Ponta Delgada veio instaurar, em 11/07/2016, a presente ação declarativa de condenação emergente de acidente de trabalho com processo especial contra COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., pessoa coletiva com o n.º …, com sede … Lisboa, pedindo, em síntese, o seguinte:

«Nestes termos e nos melhores de direito, deve presente ação ser julgada procedente por provada e, e consequência deve:
a)- Reconhecer-se que o acidente que vitimou o Autor é um acidente de trabalho,
b)- Condenar-se a Ré no pagamento ao Autor de 2.607,77 euros a título de pensão anual e vitalícia, a qual é calculada devida em/desde 30-04-1999, a que acrescerão as legais sucessivas atualizações anuais; procedendo-se a final ao cálculo do respetivo capital de remição a receber pelo Autor; ainda deve ser condenada a Ré no pagamento ao Autor do subsídio nos termos art.º 17.º/1,b) Lei 100/97, no valor de 3.525,60 euros;
c)- Devendo sobre essas quantias acrescer os juros de mora legais desde a citação até integral pagamento,
d)- E ainda condenar-se a Ré nas custas do processo.»         
***

Para tanto, o Autor alegou, em síntese, o seguinte:
- Em 4 de Junho de 1998, encontrava-se admitido por XXX, LDA. para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar as funções de ‘servente’;
- A responsabilidade por acidente de trabalho da sua empregadora encontrava-se transferida, mediante seguro, para a Ré Seguradora;
- Na data acima assinalada, sofreu um acidente (queda de uma grua que se achava a desmontar), na sequência do qual ficou afetado por uma incapacidade temporária absoluta (ITA) e, a partir da consolidação das lesões, por uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 67%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
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Citada a Ré COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A. (fls. 122), esta apresentou a sua contestação (fls. 124 e seguintes), sustentando, em síntese, que o acidente em causa deve ser descaracterizado, sem qualquer direito a reparação, por atuação culposa do trabalhador, sendo certo que, para além do mais, mesmo a admitir essa reparação, a mesma deve ser feita ao abrigo do regime legal na altura em vigor (Lei n.º 2127/65, de 3 de Agosto).

Pede a Ré a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido, ou, caso seja outro o entendimento, a fixação da prestação indemnizatória ao abrigo da legislação aplicável.
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Foi proferido, a fls. 158 e seguintes e em 8/9/2016, despacho saneador que considerou válida e regular a correspondente instância, fixou em 5.000,01 € o valor da ação, tendo ainda procedido à fixação da matéria de facto assente (Alíneas A) a I)] e à elaboração da base instrutória (12 artigos).
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Foram, a fls. 160, admitidos os requerimentos probatórios do Autor e da Ré apresentados no final dos seus articulados, determinada a prestação de declarações de parte pelo Autor e designado data para a realização da Audiência Final [[4]].
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Procedeu-se ao julgamento com observância de todas as formalidades legais, como resulta da respectiva acta, não tendo a prova aí produzida sido objeto de registo áudio (fls. 208 a 210 verso, 213 a 213 verso, 232 a 232 verso e 243 a 244).

A matéria de facto foi decidida por despacho proferido a fls. 245 a 247 e em 17/11/2017, conforme ressalta da Ata de fls. 248, não tendo qualquer uma das partes comparecido à leitura do mesmo.
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Foi então proferida a fls. 249 a 253 e com data de 24/11/2017, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:

“Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a ação procedente, nos seguintes termos:
a)- Fixa-se, em favor do Autor, AAA, uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 67%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH);
b)- Fixa-se, em favor do Autor, uma pensão anual, no valor de € 2.514,07 (sem prejuízo das atualizações legais), devida desde 30 de Abril de 1999;
c)- Condena-se a Ré, … – Companhia de Seguros, SA, a pagar ao Autor a pensão fixada em b), com acréscimo dos juros de mora devidos sobre esta prestação, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
d)- Deverá ainda a Ré garantir ao Autor o fornecimento (e renovação) do material ortopédico adequado a auxiliá-lo na sua marcha.
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Custas a cargo da seguradora.
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Valor: € 2.514,07.
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Registe e notifique.»
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A Ré COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., inconformada com tal sentença, veio, a fls. 258 e seguintes, arguir a sua nulidade e interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 306 e 306 verso e 313 dos autos, como de Apelação, a subir, de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
***

A Apelante apresentou, a fls. 253 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
***

O Apelado Autor apresentou contra-alegações de recurso, dentro do prazo legal e na sequência da sua notificação para o efeito, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 291 e seguintes):
(…)
***

O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 326 e 327), não tendo as partes se pronunciado dentro do prazo legal de 10 dias acerca de tal parecer, apesar de notificadas para o efeito.
***

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS.

O tribunal da 1.ª instância deu como provados e não provados os seguintes factos:

 «Consideram-se provados os seguintes factos:

1.- No dia 4 de Junho de 1998, e desde o ano de 1997, AAA exercia funções no interesse e sob as ordens, direção e fiscalização de XXX, LDA., com a categoria profissional de ‘servente de construção civil.
2.- Recebendo uma retribuição mensal, à moeda de então, de Esc. 58.900$00.
3.- Na data assinalada em 1., para lá das 17:00 horas, o Autor, no exercício das suas funções, encontrava-se a auxiliar um técnico, …, na desmontagem de uma grua-torre (grua fixa) que se encontrava no estaleiro de construção de um edifício no Loteamento … (Rua …,).
4.- Pretendia-se, então, retirar os elementos da grua (lança, contra lança, coluna) com o auxílio de uma grua telescópica móvel.
5.- Na altura, a lança da grua já tinha sido descida até uma altura compreendida entre 15 a 18 metros do solo, através do sistema de telescopagem.
6.- O Autor, na altura, trazia preso, na cintura, um cinto de segurança.
7.- Nessas circunstâncias, o Autor deslocava-se na contra lança da grua.
8.- E ajudava o técnico … na remoção das cavilhas de sustentação do lastro que havia sido retirado da grua móvel.
9.- Para o efeito, o Autor levava na mão direita uma ‘chave inglesa’.
10.- E segurava-se com a sua mão esquerda no vértice superior da contra lança.
11.- Nesse momento, o Autor escorregou.
12.- E caiu no chão de uma altura de, pelo menos, quinze metros.

13.– Como consequência do descrito nos números anteriores, o Autor:
a)-Perdeu os sentidos’;
b)- Foi, no mesmo dia, transportado para o Hospital … de …, onde permaneceu em coma durante uma semana;
c)- De seguida, foi transferido para os Hospitais de Lisboa, onde foi submetido a cirurgias à coluna e aos pés;
d)- Sofreu fratura de L4 com instalação de paraplegia incompleta, fratura do pilão tibial à direita, fratura do astrágalo, calcâneo e maléolo interno à esquerda;
e)- Esteve hospitalizado 174 dias;
f)- Esteve, depois, internado no Centro … de …, de 9 de Fevereiro a 23 de Abril de 1999;
g)- Esteve sujeito a um período de incapacidade temporária absoluta (ITA), de 5 de Junho de 1998 a 29 de Abril de 1999 (data da alta);
h)- Após a alta, ficou com uma incapacidade permanente parcial (IPP) com o coeficiente de 67%, com incapacidade absoluta para o trabalho habitual (IPATH).

14.– Ainda como consequência desta queda, o Autor, até ao presente:
a)- Não consegue ficar muito tempo de pé;
b)- Não consegue ficar muito tempo a andar;
c)- Não consegue correr;
d)- Custa-lhe levantar ‘pesos’;
e)- Custa-lhe fazer qualquer movimento de flexão;
f)- Não consegue fazer qualquer movimento de extensão / alongamento com as pernas e pés;
g)- Custa-lhe fazer qualquer movimento que envolva a coluna e os membros inferiores.

15.– E ficou a usar material ortopédico para o auxiliar na marcha, com a compensação de equino à esquerda e compensação de altura à direita, fazendo pouco esforço no membro inferior esquerdo e com hiperextensão ligeira do joelho esquerdo.

16.– Na data assinalada em 1., A. XXX, LDA tinha a sua ‘responsabilidade emergente de acidente de trabalho’ transferida para DDD, SA, com denominação atual de … – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, através da apólice n.º ….

17.– AAA nasceu no dia ….
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O tribunal da 1.ª instância respondeu de forma negativa ou restritiva aos seguintes artigos da Base Instrutória:
«3.º - Para o efeito, o Autor levava na mão direita um martelo e uma “chave inglesa”? – Resposta: Provado (com exceção de “um martelo”).
7.º- Nas circunstâncias descritas em D), E), F) e G), o Autor, para aceder à contra lança e remover as cavilhas dos blocos de cimento que lá se encontravam, em vez de subir pela grua torre, segurou-se pelos braços aos cabos e ao gancho da grua telescópica móvel? Resposta: Não Provado.
8.º - Segurando-se pelos braços aos cabos e ao gancho da grua móvel, assim o Autor ia subindo em direção à contra lança da grua-torre, onde se encontrava …? Resposta: Não Provado.
9.º - No meio dessa subida, o Autor, sem conseguir alcançar a contra lança, acabou por cair? Resposta: Não Provado.
10.º - O Autor, em momento anterior, havia acedido à contra lança da grua através da sua torre em vez de o fazer pela grua móvel? Resposta: Não Provado.»
***

III–OS FACTOS E O DIREITO.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
***

A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.
Importa, antes de mais, atentar na situação particular e anómala que é vivida no seio dos presentes autos e que cria dificuldades acrescida de aplicação e conjugação dos diversos regimes adjetivos que se foram sucedendo no tempo, quer no plano específico do processo de trabalho como também ao nível do processo comum, bastando pensar que a participação do acidente de trabalho teve lugar no dia 17/5/1999 e que a sua complexa e atribulada fase conciliatória durou até 20/6/2000 (com a realização, nessa mesma data, de uma Tentativa de Conciliação inconclusiva), vindo posteriormente a sua instância a ser judicialmente suspensa por despacho de 12/7/2000 e assim se mantido ao longo de 16 longos anos, até que, finalmente, por influência e pressão dos magistrados do MP e judicial, foi apresentada pelo Autor, em 11/7/2016, a correspondente Petição Inicial, que ressuscitou os autos e desencadeou a sua normal tramitação nesta sua fase contenciosa. 

Na pureza dos princípios, dado a instância desta ação se ter iniciado no longínquo dia 17/5/1999, logo, na vigência ainda do CPT/1981, e se ter mantido – ainda que latente, durante o seu longo sono suspenso de 16 anos – até agora, deveriam ser as regras daquele Código de Processo do Trabalho (face ao disposto nos artigos 3.º do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9/11, que aprovou o CPT/2000, e 6.º do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que aprovou a revisão desse mesmo Código de Processo de Trabalho, com início de vigência em 1/1/2010) que deveriam ser chamadas à colação nesta sede.

Verificamos, contudo, que, quer o juiz do processo, na pendência da ação no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, como as partes, sempre fizeram aplicação do atual Código de Processo do Trabalho de 1999, na sua atual redação e versão, assim como do novo Código de Processo Civil, que começou a vigorar no dia 1/9/2013, no que nos parece ser - ainda que sob a forma de um entendimento espontâneo e implícito de todos os referidos intervenientes processuais, se bem que não muito consciente de todas as suas implicações -, uma concretização prática, desejável e sensata do princípio da adequação formal previsto no artigo 547.º do NCPC (antigo artigo 265.º-A do CPC/1961) ao cenário vivido nos autos e que levado a um extremo de rigor formal e obediência ao legalmente estabelecido, acarretaria problemas de interpretação, conciliação, conjugação e aplicação dos regimes legais que se foram sucedendo nestes quase 20 anos de pendência dos autos, que não seriam de fácil solução e resposta (pense-se, desde logo, na existência de duas espécies recursórias assim como de duas formas da ação declarativa, ainda que o artigo 7.º, número 1 da Lei n.º 41/2013, de 26/6, que aprovou o atual CPC pudesse ajudar a ultrapassar a primeira objeção referida).

Logo, fazendo a leitura da tramitação que foi dada a esta ação emergente de acidente de trabalho, na sua fase contenciosa, pelo tribunal recorrido, como uma manifestação permitida e correta de tal princípio da adequação formal (até por força da diferença qualitativa entre as duas fases adjetivas em confronto, dado apenas a segunda ser litigiosa, controvertida e judicial, e também da enorme distância temporal que se interpôs entre ambas), iremos valorar as diversas questões de cariz adjetivo à luz dos
dois regimes processuais acima identificados.                                                        
Pensamos que poderíamos mesmo chamar à colação, como forma de defender e sustentar, ainda que numa outra perspetiva, tal conduta processual, a posição jurisprudencial que, em torno dos conceitos do «fair trial» ou «due process»,conhece direta expressão em alguns Arestos do nosso mais alto tribunal.

Tal tese admite a possibilidade de ser criada pelo julgador, nos diversos intervenientes de uma determinada e concreta ação, a convicção de que um dado regime adjetivo não se lhe aplica ou foi afastado e de que, nessa medida, se entendeu como regulador da sua tramitação um outro regime processual (um pouco na esteira do que se tem entendido em situações de abuso de direito, aqui de cariz formal ou adjetivo).

Vai nesse preciso sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2016, Processo n.º 1185/13.1T2AVR.P1.S1, relatora: Ana Paula Boularot, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte Sumário:
«I.- Decorre diretamente do regime legal aplicável, se e quando o processo é urgente, sem qualquer necessidade de tal natureza ser objeto de uma declaração liminar do Tribunal, defluindo dos princípios básicos da tramitação preordenada, neste caso, que as regras aplicáveis à contagem dos prazos são diversas, como diversas são as consequências da sua não observância, como decorre do disposto no artigo 144.º, n.º 1 do C. P. Civil.
II.- Se o primeiro grau embora tivesse atentado que se estava perante um processo urgente, aceitou a contestação e o articulado subsequente, apresentados após o prazo legal contínuo para o feito, tendo a decisão, favorável à Ré, sido baseada na defesa extemporânea desta, indevidamente considerada pelo Tribunal, que não teve em atenção que a contagem do prazo não havia sido contínua, como se impunha, atenta a natureza urgente do processo, há que aceitar a interposição do recurso em prazo compatível com um processo não urgente.
III.- O não conhecimento do recurso interposto pelo Autor por banda do Tribunal da Relação, face à extemporaneidade da impugnação recursiva, agora constatada, faz impender unicamente sobre aquele a responsabilidade no cometimento de irregularidades processuais, igualmente imputáveis ao Tribunal de primeira instância, sendo que o não conhecimento do recurso, nestas precisas circunstâncias, constituiria uma violação inadmissível dos princípios da cooperação, da boa-fé processual, da tutela da confiança, da igualdade e da autorresponsabilização quer das instituições quer das partes.
IV.- O «fair trial» e/ou «due process», integra vários vetores, sendo que o principal é enformado pela confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual, não podendo os interessados sofrer quaisquer limitações, exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem, sequer, vir a ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar, o que aconteceu na espécie, com o não conhecimento, inopinado, do objeto do recurso de Apelação, por extemporaneidade da apresentação das alegações, num processo que embora sendo urgente, até então, os prazos não haviam sido contabilizados em função de tal qualificação.»     
  
Pode ler-se, a título de argumentação, numa dada parte de tal Aresto, o seguinte:
«O Tribunal deveria saber, e tal conhecimento era mister tê-lo por via do exercício das suas funções, que estávamos, como estamos, em sede de procedimento urgente, e o mesmo conhecimento se deveria impor aos intervenientes processuais, o que nos poderia levar à aplicação estrita ao principio da auto responsabilização das partes o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inatividade e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os atos a praticar o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas.
Só que, neste preciso conspectu, estaríamos a fazer sobrepor o aludido princípio aos princípios da cooperação e da boa-fé processual, bem como ao princípio da proteção da confiança o qual tem vindo a assumir, na jurisprudência constitucional portuguesa, um conteúdo normativo preciso, que faz depender a tutela da confiança legítima dos cidadãos da verificação de alguns requisitos ou testes cumulativos, os quais pressupõem o escrutínio da consistência e a legitimidade das expectativas dos cidadãos afetados por uma alteração das regras aplicáveis, havendo de concluir-se que aquela existe quando o órgão judicial tenha encetado comportamentos capazes de gerar nestes cidadãos expectativas de continuidade, essas expectativas sejam legítimas, justificadas, fundadas em boas razões, e as partes tenham moldado a sua atuação processual tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento do órgão jurisdicional, cfr. inter alia a propósito do princípio da proteção da confiança, os Acs. Tribunal Constitucional 128/2009 de 12 de Março de 2009 (Relatora Maria Lúcia Amaral); 413/2014 de 30 de Maio de 2014 (Relator Carlos Fernando Cadilha); 408/2015 de 23 de Setembro (Relatora Maria de Fátima Matamouros), in www.dgsi.pt.» [[5]] 

Logo, pelos fundamentos antes expostos, não obstante a presente ação, na sua fase conciliatória - cf. artigos 27.º, número 2 e 102.º, número 1 do CPT de 1981 e 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999 - ter dado entrada em tribunal em 17/05/1999, ou seja, na vigência do anterior Código de Processo do Trabalho (1981), a fase contenciosa da mesma será regulada pelas alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, independentemente do seu artigo 6.º determinar que só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, dever-se-á considerar regulada pelo Novo Código de Processo Civil, ainda que a sua entrada em vigor se tenha verificado no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2017 e Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2018 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  
     
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho - 4/06/1998 - terem todos ocorrido na vigência das normas constantes da Lei n.º 2127 de 3 de agosto de 1965 e Decreto n.º 360/71, de 21 de agosto.  

B–NULIDADE DE SENTENÇA.
A Recorrente veio nas suas alegações arguir – pelo menos formalmente - as nulidades de sentença que se mostram vertidas no número 1, alíneas d) e) do artigo 615.º do Novo Código de Processo Civil (“É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”), convindo ainda visitar, por um lado, os artigos 72.º do Código do Processo do Trabalho [[6]] e 5.º, números 2 e 3 do NCPC (“2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a)- Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b)- Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c)- Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”) e, por outro, os artigos 608.º, número 2 e 609.º, número 1 do NCPC, quando, respetivamente, estatuem que, “2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” e «1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir», tudo sem prejuízo da regra excecional que se mostra prevista no artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho [[7]].   

A Ré Seguradora, para fundamentar tais nulidades de sentença, vem desenvolver a seguinte argumentação jurídica:

«I– Da nulidade da sentença.
1.- Nos termos do disposto no art.º 77.º do Código do Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2.- Entende a Recorrente que a sentença proferida pelo Meritíssimo juiz a quo enferma de nulidade desde logo por violação do dever de pronúncia sobre todas as questões que devesse apreciar, previsto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do Código do Processo Civil, por remissão do art. 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo de Trabalho.
3.- A douta sentença objeto de recurso condenou a Ré ao pagamento de uma pensão anual devida por uma incapacidade parcial permanente (IPP) de que o Autor terá ficado afetado na sequência de um acidente de trabalho sofrido em 4 de Junho de 1988.
4.- A douta sentença condenou ainda a Ré a garantir ao Autor o fornecimento (e renovação) do material ortopédico adequado a auxiliá-lo na sua marcha.
5.- Contudo, o fornecimento, ou renovação, deste material não foi objeto do pedido formulado pelo Autor na sua P.I. Com efeito,

6.- Na douta P.I. que é apresentada pelo Autor são formulados os seguintes pedidos:
“a.- Reconhecer-se que o acidente que vitimou o Autor é um acidente de trabalho;
b.- Condenar-se a Ré no pagamento ao Autor de 2.607,77 euros a título de pensão anual e vitalícia, a qual é calculada e devida em/desde 30-04-1999, a que acrescerão as legais e sucessivas atualizações anuais, procedendo-se a final ao capital do respetivo capital de remição a receber pelo Autor; e ainda ser condenada a Ré no pagamento ao Autor do subsídio nos termos do art. 17.º/1/b) Lei 100/97, no valor de 3.525,60 euros;
c.- Devendo sobre essas quantias acrescer os juros de mora legais desde a citação da Ré até integral pagamento;
d.- E ainda condenar-se a Ré nas custas do processo

7.- Resulta, pois, dos pedidos formulados pelo Autor que não foi reclamado o fornecimento de qualquer material ortopédico pelo que ao condenar a Ré no seu fornecimento, o Meritíssimo juiz a quo condenou-a em prestações não abrangidas pelo pedido formulado.
8.- Nos termos previstos no art. 609.º do Código do Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art. 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo de Trabalho estabelece que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
9.- O que determina que a douta sentença ao condenar a Ré no fornecimento de material ortopédico fê-lo em manifesta violação daquele preceito legal, o que determina a nulidade da mesma, pelo menos nesta parte, nos termos do disposto no art. e) do art.º 615.º, n.º 1, do Código do Processo Civil.
10.- Pelo que deve ser decretada a nulidade da sentença na parte em que condena a Ré ao fornecimento (ou substituição) de material ortopédico.
(...)

Nestes termos requer-se, nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. suprirá que:
i)- Seja declarada nula e revogada a sentença nos termos previstos no art. 615.º, n.º 1.º, al. e) do Código do Processo Civil, por remissão do art. 1.º, n.º 2, al. a) do Código do Processo de Trabalho, na parte em que condena a Ré ao fornecimento (ou renovação) de material ortopédico;
ii)- (…) assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!»
O Autor veio responder a tal arguição de nulidades de sentença nos seguintes moldes:

«II– QUANTO À ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA INVOCADA PELA RECORRENTE NO SEU REQUERIMENTO DE RECURSO

No seu requerimento de recurso dirigido ao Tribunal “a quo”, a Ré Recorrente invoca a pretensa nulidade da Sentença por, a seu ver, a mesma ter condenado a Ré a “garantir ao Autor o fornecimento (e renovação) de material ortopédico adequado a auxiliá-lo na sua marcha” (alínea d) do Dispositivo da Sentença) - o que no ver da Recorrente alegadamente ultrapassaria o objeto do poder decisório do Mm.º Juiz.

Primeiramente cabe dizer que, sempre faltaria razão à Ré/Recorrente, uma vez que estamos no âmbito do processo laboral, neste caso ação especial emergente de acidente de trabalho, em que impõe o art.º 74.º CPT: “O Juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código do Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

Ora, tendo a Decisão de facto e a Sentença dado por provado que o Autor, como consequência do acidente que consistiu em queda, “sofreu fratura de L4 com instalação de paraplegia incompleta, fratura do pilão tibial à direita, fratura do astrágalo, calcâneo e maléolo interno à esquerda” (Ponto 13./d) da matéria de facto dada por provada na Sentença), e até ao presente o Autor:
a)- Não consegue ficar muito tempo de pé;
b)- Não consegue ficar muito tempo a andar;
c)- Não consegue correr;
d)- Custa-lhe levantar “pesos”;
e)- Custa-lhe fazer qualquer movimento de flexão;
f)-Não consegue fazer qualquer movimento de extensão/alongamento com as pernas e pés;
g)- Custa-lhe fazer qualquer movimento que envolva a coluna e os membros inferiores.”- conclui-se que bem andou a Sentença a o condenar a Ré.

Além disso, a Sentença considerou a matéria de facto dada por provada e descrita sob o seu ponto 15: “E ficou a usar material ortopédico para o auxiliar na marcha, com a compensação de equino à esquerda e compensação de altura à direita, fazendo pouco esforço no membro inferior esquerdo e com hiperextensão ligeira do joelho esquerdo.

Perante esta concreta matéria de facto dada por provada e assente, e não impugnada sequer pela Recorrente no seu recurso, a Sentença aplicou, e bem, a Lei e os preceitos inderrogáveis desta, mormente o referido art.º 74.º CPT e a imposição prescrita na Base IX/a) da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965 aplicável que refere expressamente: “o direito à reparação compreende as seguintes prestações: a) Em espécie-prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida ativa.”

Sendo a situação do Autor/Sinistrado grave, pois ficou com IPP de 67% até ao fim da sua vida, é razoável que não tenha constrangimentos nem que seja prejudicado face aos outros sinistrados em que as Seguradoras também são devidamente condenadas nessas prestações em espécie por ser de Lei e justiça. A condenação em prestações em espécie, como por ex. fornecimento e renovação de material ortopédico, é uma imposição “ope legis” a determinar pelo Tribunal e sem necessidade de requerimento do trabalhador sinistrado.

Sendo certo que, os direitos decorrentes de acidentes de trabalho são indisponíveis para o sinistrado, o Juiz do julgamento deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, podendo ainda resolver as questões quando a Lei lhe impõe e possibilita esse conhecimento oficioso, o que ocorre, designadamente, nos casos de aplicação de preceitos legais inderrogáveis, em que a condenação pode até exceder ou ir além do pedido pelo sinistrado (por estarem em causa direitos indisponíveis do trabalhador-sinistrado, que existem independentemente de requerimento deste).

Nestes autos, as supra referidas normas jurídicas inderrogáveis impuseram essa concreta condenação da Ré, tal como proferida pela Sentença recorrida, a qual nenhum preceito legal violou, tendo antes cumprido integralmente todos os preceitos legais inderrogáveis e ainda reconhecido, em face da matéria dada como provada, todos os direitos indisponíveis que o sinistrado/Autor nestes autos tem e que respeita a matéria subtraída à disponibilidade das partes.

Em segundo lugar, mas fundamentalmente, sendo o objeto do recurso da Recorrente delimitado pelas suas conclusões, constata-se que a Ré nem nas suas alegações nem nas conclusões do seu recurso pugna pela alegada nulidade da Sentença, seja a que título for.

Ora, não constando das alegações nem das suas conclusões do recurso interposto ora pela Ré/Recorrente qualquer invocação ou menção expressa de alegada nulidade contra a Sentença recorrida, o objeto do recurso não abrange esta alegada matéria.

Pois, sendo a Sentença recorrível para a Relação, as nulidades são invocáveis em sede de eventual recurso (cfr. art.º 615.º/4 CPC), não tendo o recurso da aqui Recorrente como alegado fundamento qualquer alegada nulidade da Sentença recorrida, já que nem nas suas alegações nem nas suas conclusões de recurso invoca qualquer nulidade da Sentença nem sequer qualquer norma jurídica nesse sentido.

Assim, conclui-se facilmente que a Ré ao não ter invocado como alegado fundamento do seu recurso, nas alegações ou sequer conclusões, qualquer alegada nulidade da Sentença recorrida, deve ter-se por aceite a Sentença de 1.ª instância pela Recorrente no que diz respeito a essa concreta matéria, ou seja, a Sentença não apresenta tais alegadas nulidades que a Recorrente apenas no seu requerimento de recurso dirigido ao Juiz “a quo” infundadamente suscita, porém não merecendo qualquer deferimento ou procedência.

A Sentença recorrida não apresenta quaisquer vícios processuais ou materiais, nem contem qualquer nulidade p. art.º 615.º/1 CPC- que aliás a Recorrente nem invoca nas alegações ou conclusões do seu recurso- e deve pois ser mantida no seu todo, devendo manter-se a sua Decisão condenatória da Ré em toda a sua extensão e amplitude.»

Chegados aqui, impõe-se, desde logo e antes de mais, atentar na regra especial, de índole formal, que, no quadro do direito processual laboralista, vigora nesta matéria e que se acha contida no número 1 do artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho:   

Artigo 77.º
Arguição de nulidades da sentença
1– A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2– (…)

Ora, se compulsarmos as alegações de recurso da Apelante verificamos que a mesma dá cumprimento mínimo a tal exigência legal específica do regime adjetivo juslaboralista, pois invoca, de forma autónoma, no quadro conjunto do requerimento de interposição do recurso e respetivas alegações, as irregularidades em questão e depois carreia para as conclusões do recurso a essência das mesmas.

Ultrapassado esse obstáculo formal e muito embora a Ré Seguradora invoque dois tipos de nulidades de sentença, o cenário adjetivo que lhes subjaz é único e unívoco, traduzindo-se, numa palavra, na consideração por parte do tribunal da 1.ª instância, com base nos Pontos de Facto n.ºs 13 e 15, da carência de material ortopédico pelo sinistrado e na condenação da Ré Seguradora nesse tipo de prestação em espécie (d) Deverá ainda a Ré garantir ao Autor o fornecimento (e renovação) do material ortopédico adequado a auxiliá-lo na sua marcha), não obstante não ter sido reclamada expressa e especificamente pelo Autor na Petição Inicial.

Afigura-se-nos assim que está fundamentalmente em causa a irregularidade de sentença contemplada na alínea e) do número 1 do artigo 615.º do NCPC, ou seja, a condenação da aqui recorrente em objeto diferente do peticionado pelo Autor.

Será, de facto, assim?

A resposta teria de ser necessariamente positiva, caso tivéssemos como pano de fundo legal apenas o regime processual geral ou comum acima transcrito, pois o sinistrado não incluiu no seu petitório final a referida condenação da Ré na mencionada prestação em espécie (material ortopédico), o que, de acordo com as disposições adjetivas do NCPC antes reproduzidas, vedaria ao julgador do tribunal da 1.ª instância tal condenação.

Movemo-nos, contudo, no quadro de um regime processual especial que contém uma regra normativa como a constante do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho. 
       
C–ARTIGO 74.º DO CÓDIGO DO PROCESSO DO TRABALHO

O artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho possui a seguinte redação:

Artigo 74.º
Condenação extra vel ultra petitum
O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

Este art.º 74.º do C.P.T., que tem de ser confrontado com o art.º 609.º do NCPC, consagra um dever funcional, uma obrigação e não de uma faculdade que o julgador, convenientemente, pode ou não usar.

Esta disposição de natureza excecional tem de ser enquadrada dentro das fronteiras estabelecidas pela causa de pedir alegada por autor ou réu, dado a sua aplicação, ainda que implique, dentro das circunstâncias definidas na mesma, a ultrapassagem do pedido, em termos de quantidade ou qualidade, não poder ir para além dos fundamentos de facto e de direito que sustentam a ação [[8]].

Tem de ser respeitado o princípio do contraditório, relativamente à parte que irá ser alvo dessa condenação [[9]]/[[10]].

Os factos sobre os quais se suporta a condenação «em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele» são os que foram dados como provados pelo tribunal bem como aqueles de que ele pode conhecer nos termos do atual art.º 412.º do NCPC - factos notórios (os que são de conhecimento geral) e os factos de que o tribunal tenha tido conhecimento por virtude do exercício das suas funções, devendo juntar ao processo documento comprovativo dos mesmos -, devendo a remissão feita para o art.º 514.º do C.P.C. de 1961 considerar-se atualisticamente efetuada para aquele dispositivo legal.

Finalmente, o que são «preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho»?                   
A este respeito, refere o Dr. ALBERTO LEITE FERREIRA [[11]] que “preceitos inderrogáveis são apenas aqueles que o são absolutamente, isto é, que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar, como será o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho ou de doença profissional ou de direito ao salário na vigência do contrato”.
O Professor RAUL VENTURA [[12]], refere o seguinte: «A inderrogabilidade aí referida (no art.º 69.º do C.P.T., hoje 74.º) pode querer significar: a impossibilidade de afastamento da sua aplicação pela vontade das partes no plano jurídico ou a impossibilidade de afastamento da sua aplicação pela vontade das partes no plano prático.
Há preceitos com feito cuja aplicação no plano jurídico, mas pode sê-la no plano prático. (…) O direito ao salário é de existência necessária mas não de exercício necessário. É como, no plano do direito de família, o direito a alimentos.
Em contraste temos os direitos cuja existência e exercícios são necessários, como é o caso do direito a indemnização por acidentes de trabalho ou doença profissional. A lei quer que o direito exista, e quer que o direito seja exercido: num e noutro plano a vontade das partes é irrelevante, e os preceitos são inderrogáveis.
A necessidade de exercício do direito não se traduz em sanções ao titular que o não exerça, mas atua de outra forma: através do suprimento dessa omissão pela atividade oficiosa dum órgão do Estado, normalmente o Ministério Público, mas aqui o juiz.
A disposição do art.º 69.º do C.P.T. só se justifica realmente concebendo a condenação ultra ou extra petita como o suprimento pelo juiz, de um direito de exercício necessário imperfeitamente exercido pelo seu titular (ou seu representante)».
O Prof. CASTRO MENDES, pelo seu lado, em “Curso de Direito Processual do Trabalho”, págs. 132 e 133, sustentava que “se o autor... pede uma indemnização insuficiente, o juiz deve suprir esse exercício (e como a sua atividade é de suprimento dum pedido insuficiente ainda parece que o pedido - nas suas consequências legais, cft. art.º 604.º do C.C. - pode continuar a considerar-se objeto do processo) e condenar ultra vel extra petita - então estamos na presença dum preceito que poderíamos chamar absolutamente inderrogável e só a estes, segundo creio, se refere o artigo 69.º do Código de Processo de Trabalho” - cf. demais doutrina e jurisprudência citados por ABÍLIO NETO em «Código do Processo do Trabalho Anotado», 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Janeiro de 2011, EDIFORUM, páginas 192 a 202, bem como as anotações ao artigo 69.º constantes dos Códigos de Processo do Trabalho anotados dos Drs. CARLOS ALEGRE (Almedina) e do Dr. MOITINHO DE ALMEIDA (Coimbra Editora); ver, ainda, a propósito do novo Código de Processo de Trabalho e do artigo 74.º, o Dr. ALBINO MENDES BATISTA, “Código de Processo do Trabalho Anotado”, QUID JURIS, LDA, Lisboa, 2000, págs. 145 a 148 e que cita o seguinte Aresto: Ac. STJ de 13/05/98, AD, 444, 1998, 1612 -, bem como os autores e jurisprudência citados por tal autor.     
  
Chegados aqui, impõe-se igualmente perguntar o seguinte: um cenário como o que é apresentado nos presentes autos mostra-se ou não abarcado por tal regime do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho? 

Face à génese, razão de ser e fins prosseguidos pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho e à inerente (e já referida) natureza indisponível e irrenunciável dos direitos dele emergentes, existe uma quase unanimidade doutrinal e jurisprudencial no que respeita à recondução de tais direitos ao quadro daqueles que são de exercício e de execução necessários e, em função dessa índole particular, abrangidos pela normas excecional do artigo 74.º do C.P.T.

Não se ignora, naturalmente, que o Autor não pediu, no seu articulado inicial, a aludida prestação em espécie, mas tal não é impeditivo da aplicação da norma em causa, de natureza excecional relativamente ao art.º 609.º do NCPC (antigo art.º 661.º do C.P.C./1961) e que desde logo possui como epígrafe a expressão latina que significa essa precisa condenação para além do pedido formulado pelas partes.

Chegados aqui, impõe-se então, por referência ao disposto no artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho e atenta a natureza imperativa e absolutamente inderrogável dos direitos emergentes do regime jurídico dos acidentes de trabalho, indeferir a nulidade da sentença arguida pela Ré Seguradora.  

D–IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
(…)
Logo, há que julgar improcedente o recurso de Apelação interposto pela Seguradora COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., nesta sua segunda vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, por se considerar inexistirem fundamentos de cariz probatório que imponham a alteração da Matéria de Facto dada como Provada e Não provada pelo tribunal da 1.ª instância nos moldes perseguidos pela Apelante. 
       
G–ACIDENTE DE TRABALHO - QUESTÕES DE DIREITO.
Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas pela recorrente, verificamos que o que é questionado pela mesma é a circunstância do tribunal da 1.ª instância não ter considerado existir violação das regras da segurança por parte do sinistrado, bem como de não ter encarado como juridicamente descaracterizado o acidente que vitimou aquele por entender que o mesmo não foi devido a negligência grosseira do trabalhador.
Julgamos despiciendo analisar as questões que a montante da problemática em análise habitualmente se colocam, em face do acordo existente entre as partes no que toca à existência de uma relação de trabalho subordinada e remunerada entre a vítima do acidente dos autos e a sua empregadora (XXX, LDA.), achando-se a responsabilidade infortunística laboral desta última transferida para a Companhia de Seguros aqui demandada.  
   
Também as Bases V da Lei n.º 2127 e 10.º a 12.º do Decreto n.º 360/71 – convindo realçar as presunções contidas no número 4 daquela Base e no número 1 do artigo 10.º do segundo diploma legal indicado (reconhecimento da lesão a seguir a um acidente, verificado no tempo e local de trabalho como sendo consequência do mesmo) –, quando devidamente conjugadas com a matéria de facto dada como assente, permitem concluir, sem margem para dúvidas, pela ocorrência de um evento imprevisto e agressivo, verificado no local e tempo de trabalho do Autor e suscetível de produzir, diretamente, lesão corporal que implicou sequelas permanentes para a mesma (cf., quanto aos diversos elementos que integram o conceito de acidente de trabalho, Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição, Fevereiro de 2000, Almedina, páginas 34 e seguintes ainda que em anotação ao artigo 6.º da Lei n.º 100/97, de 13/9).

É manifesto que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho que se traduziu na queda em altura da lança de uma grua quando se encontrava a desmontar a mesma, dentro do seu tempo e local de trabalho, tendo sofrido lesões muitos graves, de que resultaram sequelas permanentes que implicaram para o mesmo uma IPP de 67%, com IPATH, desde 30/4/1999.

Se analisarmos a factualidade dada como provada e não provada e a cruzarmos com o disposto na Base VI da Lei n.º 2127 e o artigo 13.º do Decreto n.º 360/71, concluímos, fácil e inequivocamente, que não existem factos mínimos que nos permitam descaracterizar o acidente de trabalho dos autos por força do funcionamento de qualquer uma das realidades tipificadas na Base VI da Lei n.º 2127 e 13.º da sua regulamentação.    
        
Importa também realçar nesta sede que possíveis questões ligadas à violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora do trabalhador sinistrado, ainda que pudessem ser suscitadas em tese e em abstrato na economia do presente Aresto, não lograriam qualquer resultado prático ou jurídico, dado a ação ter sido construída pelas partes fora desse específico palco (v. g., o da Base XVII da Lei n.º 2127, de 3/8/1965 e do artigo 54.º do Decreto n.º 360/71, de 21/8), dado o Autor só ter proposto a mesma contra a Ré COMPANHIA DE SEGUROS e já não também a sua entidade patronal e a Seguradora, em termos de defesa por exceção, não ter alegados factos tendentes a radicar a responsabilidade culposa e causal da empregadora na verificação do sinistro e a sua chamada aos autos, de nada valendo, em tal cenário, a invocação da norma excecional do artigo 74.º do CPT.     
          
Sendo assim, tem este recurso de Apelação da COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., de ser julgado improcedente nesta sua outra vertente jurídica, com a confirmação da sentença recorrida, no que toca às consequências jurídicas decorrentes do acidente de trabalho dos autos.

H–VALOR DA AÇÃO.

Conforme ficou previsto no despacho prévio proferido em momento anterior ao presente Aresto e tendo em atenção a total improcedência do recurso da Companhia de Seguros, quer em termos fácticos, como em termos jurídicos, impõe-se então fixar o valor da presente ação emergente de acidente de trabalho.

Repetindo aqui o que já acima afirmámos, tendo em atenção que o sinistrado nasceu em 14/3/1978 e que, do acidente de trabalho dos autos, ocorrido em 4/6/1998 [[13]], resultou a alta clínica em 30/4/1999 (cf. fls. 36 e 37), tal significa que a idade mais próxima desta cura clínica é a dos 21 anos, a que corresponde a taxa de 16,854, de acordo com a Tabela para os pensionistas de ambos o sexos prevista na Portaria 760/85, de 4/10, pois afigura-se-nos que a Portaria n.º 11/2000, de 13/1, pela sua estreita conexão com os referidos diplomas de 1997 e 1999 [[14]], só é igualmente aplicável ao universo de acidentes de trabalho que é abarcado por esse novo regime infortunístico laboral.

Logo, sendo a pensão anual a que o tem direito o Autor aquela calculada pelo tribunal da 1.ª instância e a Portaria que se impõe aqui considerara aquela acima indicada -, obtemos um valor de ação de € 2.514,07 x 16,854 = € 42.372,13578, ou de € 42.372,14 (por arredondamento), nos termos e para os efeitos do artigo 120.º do atual Código de Processo de Trabalho.   
   
I–CONDENAÇÃO EM CUSTAS.  
            
A Ré suscita uma última problemática nas suas alegações/conclusões de recurso: 

«XX– Caso assim não se entenda, o que não se admite, mas à cautela se equaciona e uma vez que a Recorrente não foi condenada na totalidade do pedido formulado pelo Autor Recorrido, pois este pedia a sua condenação ao pagamento de uma indemnização por elevada incapacidade, a qual não é admissível à luz da legislação aplicável ao tempo do acidente, não pode a Recorrente conformar-se em ser a única responsável pelo pagamento das custas judiciais, pelo que atendendo à regra da proporcionalidade do art.º 527.º, n.º 2 do CPC, a Recorrente apenas poderá ser condenada em 40,92% das custas, por ser essa a proporção da condenação, pelo que deverá ser alterada a sentença nesses termos.»

O Autor formulou as seguintes pretensões no final da sua Petição Inicial:
«Nestes termos e nos melhores de direito, deve presente ação ser julgada procedente por provada e, e consequência deve:
a)- Reconhecer-se que o acidente que vitimou o Autor é um acidente de trabalho,
b)- Condenar-se a Ré no pagamento ao Autor de 2.607,77 euros a título de pensão anual e vitalícia, a qual é calculada devida em/desde 30-04-1999, a que acrescerão as legais sucessivas atualizações anuais; procedendo-se a final ao cálculo do respetivo capital de remição a receber pelo Autor; ainda deve ser condenada a Ré no pagamento ao Autor do subsídio nos termos art.º 17.º/1,b) Lei 100/97, no valor de 3.525,60 euros;
c)- Devendo sobre essas quantias acrescer os juros de mora legais desde a citação até integral pagamento,
d)- E ainda condenar-se a Ré nas custas do processo.»

A sentença condenatória e recorrida decidiu o litígio aqui em presença nos seguintes moldes:
«“Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a ação procedente, nos seguintes termos:
a)-Fixa-se, em favor do Autor, AAA, uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 67%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH);
b)-Fixa-se, em favor do Autor, uma pensão anual, no valor de € 2.514,07 (sem prejuízo das atualizações legais), devida desde 30 de Abril de 1999;
c)-Condena-se a Ré, …– COMPANHIA DE SEGUROS, SA, a pagar ao Autor a pensão fixada em b), com acréscimo dos juros de mora devidos sobre esta prestação, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
d)-Deverá ainda a Ré garantir ao Autor o fornecimento (e renovação) do material ortopédico adequado a auxiliá-lo na sua marcha.
***
Custas a cargo da seguradora.
***
Valor: € 2.514,07.
***
Registe e notifique.»

Constata-se, de facto, que entre o que o Autor reclamou no final da Sua Petição Inicial e o que o tribunal recorrido determinou no final da decisão recorrida verificam-se diferenças a dois níveis:
- No valor da pensão anual, vitalícia e atualizável a que o Autor tem direito (€ 2.514,07 em vez de € 2.607,77);
- No subsídio nos termos art.º 17.º/1, b) da Lei 100/97, no valor de 3.525,60 euros, aqui inaplicável, por o regime legal vigente não o prever.

Não se nos afigura, contudo, que, ainda assim, se possa falar numa situação de improcedência parcial da ação, pois o trabalhador logrou obter o que, na essência, procurava com a propositura da mesma e que se radica no reconhecimento jurídico da existência de um acidente de trabalho reparável que lhe causou lesões pelas quais vai receber a correspondente pensão anual e vitalícia, assim como a prestação em espécie oficiosamente ordenada pelo Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, tendo o valor tributário antes fixado segundo o disposto no artigo 120.º do Código de Processo de Trabalho, segundo o que os elementos disponíveis nos autos lhe permitiam, refletido precisamente essa realidade.

O valor da ação corresponde precisamente à condenação da Ré no que respeita aos valores pecuniários nela referidos, depois de se lhe aplicar a Tabela para os pensionistas de ambos o sexos prevista na Portaria 760/85, de 4/10. 

Importa, aliás, recordar que a posição assumida pela Seguradora nestes autos, quer na sua fase conciliatória (cfr. Auto de Tentativa de Não Conciliação de fls. 143 a 145, realizada em 20/6/2000, onde a Ré aceitou a verificação do acidente, a retribuição auferida assim como a incapacidade atribuída ao sinistrado, mas pugnou pela descaracterização daquele), quer na sua fase contenciosa (e isso tanto na contestação apresentada no tribunal da 1.ª instância, como no recurso interposto para este tribunal da 2.ª instância), foi sempre e fundamentalmente a da descaracterização do dito acidente de trabalho, o que nunca logrou provar, como sabemos, com o seu natural e subsequente integral decaimento quanto a tal matéria de exceção de cariz substantivo.   
    
Logo, a correspondente tributação em custas, nos termos e para os efeitos do artigo 527.º, número 1, do NCPC, deve recair totalmente sobre a Apelante, como consta da sentença impugnada.
Sendo assim, deve o recurso de Apelação da Ré Seguradora ser julgado totalmente improcedente, com a inerente confirmação da sentença recorrida.

IV–DECISÃO.
Por todo o exposto, nos termos dos artigos 79.º e 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de Apelação interposto por COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., com a inerente confirmação da sentença recorrida. 
***
Custas da Apelação a cargo da COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A. – artigo 527.º, número 1, do Novo Código de Processo Civil.
Valor da ação: € 42.372,14
Registe e notifique.



Lisboa, 23 de maio de 2018

     

(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)



[1]«Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a ação procedente, nos seguintes termos:
a)- Fixa-se, em favor do Autor, AAA, uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 67%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH);
b)- Fixa-se, em favor do Autor, uma pensão anual, no valor de € 2.514,07 (sem prejuízo das atualizações legais), devida desde 30 de Abril de 1999;
c)- Condena-se a Ré, … – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, a pagar ao Autor a pensão fixada em b), com acréscimo dos juros de mora devidos sobre esta prestação, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
d)- Deverá ainda a Ré garantir ao Autor o fornecimento (e renovação) do material ortopédico adequado a auxiliá-lo na sua marcha.
*
Custas a cargo da seguradora.
*
Valor: € 2.514,07.
*
Registe e notifique.»   
[2]Convindo realçar que a descaracterização perseguida pela recorrente não lhe retira essa precisa natureza jurídica mas afasta apenas o direito à reparação dos danos sofridos como consequência do mesmo – cf. Base VI da Lei n.º 2127, de 3/8/1965, que é o regime legal aplicável ao sinistro dos autos, dado a Lei n.º 100/97, de 13/09 e o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4, que a regulamentou, só terem entrado em vigor em 1/1/2000 e para acidentes de trabalho verificados após tal data.
[3]Não apenas o artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4 estabelece que «serão fixadas por portaria do Ministro das Finanças as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões, bem como as tabelas práticas de cálculo dos capitais de remição», como o Preâmbulo da dita Portaria n.º 11/2000, de 13/1 afirma o seguinte: «Tendo sido publicada a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que estabelece as bases do novo regime jurídico de acidentes de trabalho e doenças profissionais, regulamentada, no âmbito dos acidentes de trabalho, pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, torna-se necessário aprovar as bases técnicas, bem como as respetivas tabelas práticas, aplicáveis:
a)- Ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho;
b)- Aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado.
Foram ouvidas a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, a União Geral de Trabalhadores, as confederações patronais, a Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho e a Associação Portuguesa de Seguradores.
Assim:
Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças, ao abrigo do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, o seguinte: (…)»      
[4]O Autor veio, a fls. 168 a 170, aditar o seu requerimento probatório, que veio a ser admitido por despacho judicial de fls. 176. 
[5]Cita-se aí o último ponto do Sumário do Aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/2013, Processo n.º 6961/08.4TBALM-B.L1.S1, relatora: Ana Paula Boularot, publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte texto:
«VII. Os princípios anti formalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte.»
Refere-se, finalmente, no Acórdão acima transcrito o Aresto do STJ de 9 de Julho de 2014 (Relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt e a anotação ao mesmo efetuada por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in http://blogippc.blogspot.pt/search?updated-min=2013-12-31T16:00:00-08:00&updated-max=2014-095T16:33:00%2B01:00&max-results=50&start=111&by-date=false.   
[6]Que possui a seguinte redação, na parte que para aqui releva:
Artigo 72.º
Discussão e julgamento da matéria de facto
1– Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2– Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3– (…)
4– Findos os debates, pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa.
[7]Cujo texto reproduziremos mais à frente, no Ponto seguinte deste Aresto.  
[8]Cfr., quanto a esses limites legais do regime excecional do art.º 74.º do C.P.T., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/4/2008, Processo n.º 07S3905, Relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt (Sumário parcial):
«III - O uso do poder de condenação extra vel ultra petitum, consagrado no artigo 74.º do CPT não permite ao tribunal, ainda que esteja em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, alterar ou substituir os factos jurídicos invocados como fundamento do pedido, de modo a apreciar e decidir um pedido com fundamento numa causa de pedir que não foi submetida à sua decisão.»
[9]JOÃO CORREIA E ALBERTINA PEREIRA, no seu “Código de Processo do Trabalho – anotado à luz da reforma do processo civil”, março de 2015, Almedina, a págs. 153, em anotação ao art.º 74.º do C.P.T. (Nota 3), fazem menção aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 644/94, de 13/1 e 605/95, de 8/11, publicados em www.tribunalconstitucional.pt , que se pronunciaram, em termos afirmativos, relativamente à constitucionalidade de tal preceito. 
[10]Cfr. PAULO SOUSA PINHEIRO “Curso Breve de Direito Processual do Trabalho”, junho de 2014, 2.ª Edição revista e atualizada, Coimbra Editora, págs. 50 a 64, num texto muito interessante e com largas referências doutrinárias e jurisprudenciais acerca desta «condenação extra vel ultra petitum».
Ver também JOANA VASCONCELOS, numa perspetiva nova relativamente ao mecanismo excecional contido no art.º 74.º do C.P.T. expressa no seu estudo “Condenação extra vel ultra petitum – um mecanismo ultrapassado?” publicado em Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, “Ciclo de Conferências sobre Processo do Trabalho”, Volume VI, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, março de 2012, Almedina, págs. 191 a 204.
Esta mesma Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Católica (Escola de Lisboa) aborda esta mesma problemática a páginas 89 a 99 do seu recente livro «Direito Processual do Trabalho», junho de 2017, Edição da Universidade Católica Portuguesa.     
[11]No seu “Código de Processo de Trabalho” Anotado, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 355, nota IV ao artigo 69.º.
[12]Em “Curso de Direito Processual do Trabalho”, 1964, pág. 131 a 133.
[13]Convindo realçar que a descaracterização perseguida pela recorrente não lhe retira essa precisa natureza jurídica mas afasta apenas o direito à reparação dos danos sofridos como consequência do mesmo – cf. Base VI da Lei n.º 2127, de 3/8/1965, que é o regime legal aplicável ao sinistro dos autos, dado a Lei n.º 100/97, de 13/09 e o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4, que a regulamentou, só terem entrado em vigor em 1/1/2000 e para acidentes de trabalho verificados após tal data.
[14]Não apenas o artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4 estabelece que «serão fixadas por portaria do Ministro das Finanças as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões, bem como as tabelas práticas de cálculo dos capitais de remição», como o Preâmbulo da dita Portaria n.º 11/2000, de 13/1 afirma o seguinte: «Tendo sido publicada a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que estabelece as bases do novo regime jurídico de acidentes de trabalho e doenças profissionais, regulamentada, no âmbito dos acidentes de trabalho, pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, torna-se necessário aprovar as bases técnicas, bem como as respetivas tabelas práticas, aplicáveis:
a)- Ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho;
b)- Aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado.
Foram ouvidas a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, a União Geral de Trabalhadores, as confederações patronais, a Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho e a Associação Portuguesa de Seguradores.
Assim:
Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças, ao abrigo do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, o seguinte: (…)»