Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15/11.3PEALM.L4-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: DEVER DE OBEDIÊNCIA AOS TRIBUNAIS SUPERIORES
CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE OBSERVAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO O RECURSO INTERLOCUTÓRIO
Sumário: Incumprindo o já determinado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o tribunal recorrido viola, simultaneamente, a autoridade do caso julgado do acórdão do Tribunal da Relação e o dever de acatamento das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais Superiores.
É o que resulta nomeadamente do disposto nos artigos 4.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e 4º, número 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais Portugueses.
Tal vício é gerador de constituir uma nulidade insuprível.
 (sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO 
1.1. Por despacho proferido em 8.06.2018 (referª 377339229), no processo comum coletivo nº 15/11.3PEALM, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Almada - Juiz 4, foi indeferida a nulidade requerida pelo arguido/recorrente AM____ a fls. 2233 e seguintes, do despacho proferido a 6 de Abril de 2018, que indeferiu a junção aos autos dos protocolos das provas e exames/testes que serviram de base à emissão do relatório pericial.
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1.2. O arguido AM____ não se conformou com o teor do mencionado despacho e interpôs recurso interlocutório (datado de 25.06.2018)  expendendo as seguintes conclusões:
A) De acordo com o douto despacho proferido, ora recorrido, inexiste a invocada nulidade e indefere-se o requerido.
B) Baseia a sua decisão, em síntese, o Mm.º Juiz do Tribunal “A quo” no facto de em seu entender o relatório não se encontrar completo.
C) O relatório de 04 de Julho de 2013, é só um relatório preliminar, o qual foi completado pelo relatório de avaliação da personalidade.
D) E que não existe nulidade por preterição dos direitos de defesa do Arguido, porque o despacho proferido está em consonância com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que determinou a inquirição da testemunha MP____ , para confronto da mesma, em termos técnico-científicos, com o resultado da perícia.
E) Salvo o devido respeito, não concorda o ora Recorrente com tal entendimento, pois
F) Pelo Venerando Tribunal da Relação foi ordenada a baixa do processo para inquirição da médica psiquiatra que acompanhou o Arguido desde a sua detenção e que ainda continua a acompanhá-lo.
G) Entendeu o douto Tribunal da Relação que a inquirição da referida médica “embora não configure prova pericial enforma prova testemunhal qualificada na medida em que extravasa a mera opinião comum, erguendo-se ao nível do juízo técnico-científico o qual (…) requer um especial cuidado na abordagem do seu conteúdo e principalmente no afastamento da sua relevância probatória”.
H) Mais adiante no douto acórdão refere “o certo é que seria proficiente o confronto da mesma (técnica) com o resultado da perícia ora realizada … em ordem a poder confrontar em termos técnico-científicos as conclusões ali incertas, cumprindo assim plenamente o contraditório”.
I) Terminando por conceder provimento ao recurso e determinada a chamada a depor como testemunha da “Sra. Dra. MP____ , restrita à matéria ora em discussão, onde se abarca a crítica técnica e científica da perícia médico-legal entretanto realizada”.
J) Ora, não se entende como é que a testemunha cientificamente abalizada consoante resulta do douto acórdão poderia proceder à crítica técnico-científica da perícia médico-legal senão é confrontada com os exames, testes psicotécnicos ou quaisquer outros que tenham sido efetuados e que serviram de base a essa perícia, pois o acórdão do Tribunal da Relação é expresso e claro quando afirma que a mesma deveria ser ouvida entre outros fundamentos médicos à análise crítica, técnico-científica da perícia.
K) Indeferindo-se a junção aos autos os exames/testes efetuados ao Arguido, está-se a violar o que foi doutamente decidido.
L) A inquirição da testemunha sem a confrontação dos meios de diagnóstico (ou sua inexistência) que levaram à perícia médico-legal inviabilizaram que fosse pela testemunha feita uma análise crítica às técnicas utilizadas nessa mesma perícia.
M) Não o fazendo, a inquirição da testemunha sem a confrontação direta com os exames que serviram de base à perícia, viola o claramente ordenado, sendo em consequência nulo todo o processado a partir da data do indeferimento do oportunamente requerido, nulidade que face à posição já assumida por este Tribunal se invocou
N) Ao não se admitir a junção aos autos dos exames/testes ou a confirmação de que os mesmos nunca chegaram a ser realizados está-se a exaurir o direito que o Arguido tem de impugnar o relatório pericial.
O) Quando o acórdão da Relação é claro no sentido de que a audição da Médica Psiquiátrica tem por objeto “a crítica técnica e científica da perícia médico-legal entretanto realizada”.
P) Sendo em consequência nulo todo o processado a partir do douto despacho proferido, nulidade que foi arguida pelo ora recorrente, tendo sido indeferida a sua pretensão
Q) Pelo exposto deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente declarado nulo todo o processado a partir da data do indeferimento do oportunamente requerido pelo ora recorrente, ordenando a junção aos autos dos exames, testes psicotécnicos ou quaisquer outros que tenham sido efetuados pelo Arguido e que serviram de base à perícia, bem como a repetição da audição da médica psiquiatra afim da mesma poder ser confrontada com tal prova pericial e se poder pronunciar sobre a mesma.
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1.3. Este recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 18.06.2021, a subir com o recurso interposto da decisão final (referª 406547185), após prolação da decisão sumária proferida por este Tribunal ad quem em 18.05.2021.
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1.4. O MP veio responder ao recurso interlocutório com as seguintes conclusões:
 A ) O arguido/recorrente requer que seja declarado nulo todo o processado a partir do indeferimento do requerido pelo arguido / recorrente, ordenando a junção aos autos dos exames, testes psicotécnicos e outros que tenham sido efetuados pelo arguido e que serviram de base à perícia.
B ) Porém, o arguido / recorrente bem sabe que TODOS os elementos clínicos relativos ao arguido já se mostram juntos aos autos.
C ) O arguido / recorrente bem sabe que a perita médica do HGO realizou duas entrevistas (verbais) ao arguido não tendo este feito testes ou questionários.
D ) E com base nessas duas entrevistas elaborou a perícia médica relativa ao arguido e que se encontra junta aos autos.
E ) Inexistem quaisquer outros documentos clínicos relativos ao arguido (ligados a esta ocorrência) que não estejam nos autos.
F ) O arguido discorda do teor do relatório pericial e das suas conclusões (apelidando-o de incompleto). Porém, teve oportunidade de o contraditar através da inquirição da testemunha arrolada.
G ) Não foram, minimamente, beliscados os direitos de defesa do arguido.
H ) Pelo que não deve ser dado provimento ao recurso.
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1.5. A assistente DS_____ respondeu ao recurso interlocutório expendendo as seguintes conclusões:
A) Acompanha a Assistente na integra o teor da resposta do Ministério Público ao recurso apresentado pelo arguido do despacho proferido em 08.06.2018.
B) Todos os elementos clínicos relativos ao arguido já se encontram juntos aos autos.
C) Não existindo quaisquer exames, testes psicotécnicos, ou outros que tenham sido efetuados pelo arguido, suscetíveis de serem juntos aos autos, bem andou o Tribunal ao proferir tal despacho.
D) A médica que tem acompanhado o arguido, a Dra. MP____ , cuja inquirição o arguido requer já teve oportunidade de se pronunciar e ser confrontada com todos os elementos clínicos constantes dos autos relativos ao arguido no depoimento que prestou na sessão de 08.06.2018.
E) Não foram preteridos quaisquer direitos de defesa do arguido.
F) E não merece o recurso qualquer provimento.
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1.6. O acórdão datado de 14.06.2018 tem a seguinte parte decisória:
Pelo exposto e em conformidade decide este tribunal coletivo, julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada a pronúncia e procedente, por provado o pedido de indemnização civil e, em consequência:
A) Condenar o arguido AM_____ pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p., pelos artigos 131 °, 132°, n° 2, als. a) e e), e 22°, do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;
B) Condenar o demandado AM____ no pagamento à demandante da quantia de € 104.251,80, a título de danos patrimoniais já liquidados e de danos morais sofridos.
C) Vai ainda o demandado condenado no pagamento das quantias que se liquidarem em sede de execução de sentença e relativas aos danos sofridos pela demandante e supra mencionados.
D) Declara-se perdida, a favor do Estado, a arma apreendida ao arguido - art. 109°, n° 1, do Cód. Penal.
E) Condenar o arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 (quatro) UC e os encargos do processo — artigos 513.°, 514.°, do Código de Processo Penal e artigo 8°, n°. 5, do Regulamento das Custas Judiciais a tabela III anexa ao mesmo;
F) Custas cíveis pelo demandado (cfr. artigo 446°, n°s. 1 e 2, do C.P.C., ex vi do artigo 523° do C.P.P.).
Após trânsito, emita os competentes mandados de detenção do arguido para subsequente condução ao Estabelecimento Prisional, a fim do mesmo cumprir a pena de prisão em que aqui vai condenado, à qual será descontado o tempo de detenção e prisão preventiva sofridos — artigo 80°, n°. 1, do Código Penal.
Determina-se a recolha de ADN do arguido, nos termos dos artigos 8°, n°. 2, 15°, n°. 1, al. e) e 18°, n°. 3, todos da Lei n°. 5/2008, de 12 de Fevereiro.
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1.7. O arguido AM____ interpôs recurso deste acórdão, tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões:
A) De acordo com a douta sentença agora proferida foi o Arguido condenado pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, P. e P. pelos art.ºs 131, 132, nº 2 al. a) e e) e 22 do C.P. na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.
B) Pena essa que o Arguido entende ser extremamente gravosa e pesada face não só à matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, pelos motivos que abaixo se expõem.
C) Como ainda face à forma com foi determinada a medida da pena, isto ainda que se entenda que o Arguido praticou o crime de homicídio qualificado, na forma tentada P. e P. pelos art.ºs 131, 132, nº 2 al. a) e e) e 22 do C.P., o que não se concede como adiante se verá.
D) Deu como não provado a douta sentença proferida, de entre outros factos que antes dos factos, a pistola usada pelo Arguido se encontrava sobre uma cómoda colocada no hall de entrada.
E) Que o Arguido à data dos factos sofria de uma perturbação depressiva major, com ideação delirante de abandono e ciúme o que diminuía a sua imputabilidade, dando antes como provado que o quadro clínico do Arguido, à data da prática dos factos era compatível com um diagnóstico de episódio depressivo major, episódio simples, de grau leve a moderado, sem sintomas psicóticos, e sem prejuízo da sua capacidade de se autodeterminar e do seu juízo crítico em relação ao ato que praticou.
F) Que disparou contra a filha em grande momento de desespero e sob forte comoção.
G) Entende-se que tais factos teriam, obrigatoriamente, que ter sido dado como provados face à prova produzida quer em sede de Audiência de Julgamento, quer atendendo aos elementos agora apurados em sede de nova Inquirição à Médica Psiquiatra que consultou o Arguido logo após a sua detenção e que o continuou a acompanhar durante um longo período após a sua libertação, pois
H) No que concerne ao estado psicológico do Arguido e face ao relatório clínico junto aos autos, elaborado pela Psiquiatra que acompanhou o Arguido desde a sua detenção no estabelecimento prisional.
I) No qual se pode ler: “o doente AM_____ à data do crime, sofria de uma perturbação depressiva major, com ideação delirante de abandono e ciúme o que claramente diminuía a sua imputabilidade para o facto de que é acusado”.
J) A acrescer a este relatório está o declarado pela sua filha PM___  em sede de elaboração do relatório social do Arguido que se encontra também junto aos autos e onde a mesma declara que: “apercebeu-se da perturbação do pai, chegando a temer que atentasse contra a sua própria vida”.
K) A confirmar o estado perturbado do Arguido no momento da prática dos factos existem ainda os depoimentos da Psicóloga e da Psiquiatra que seguiram o Arguido após a sua detenção no estabelecimento prisional, prestado em sede de primeira Audiência de Julgamento.
L) No que respeita ao depoimento prestado pela Psicóloga CS___ que acompanha o Arguido desde que o mesmo deu entrada no Estabelecimento Prisional, não teve a mesma qualquer dúvida em afirmar que, na primeira consulta ao Arguido: “apresentou-se como um Síndroma Depressivo, triste com toda a situação” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 11:41:27 a 12:18:24 em 00:59 a 01:12).
M) Para, além disso, acrescentou ainda a Psicóloga: “Após a entrevista apercebi-me que precisava de ajuda nível psiquiátrico” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 11:41:27 a 12:18:24 em 01:90 a 02:19).
N) E que “Existia uma obsessão” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 11:41:27 a 12:18:24 em 05:40 a 05:46).
O) Acrescentando ainda que o Arguido “Não estava bem tinha um pensamento obsessivo” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 11:41:27 a 12:18:24 em 07:28 a 07:50).
P) Ora não se encontrando o Arguido bem a nível psicológico como ressalta bem das declarações prestadas pela Psicóloga, é óbvio que o mesmo estaria com a sua capacidade de autocontrolo diminuída, pois como também afirmou a Psiquiatra MP____  no seu depoimento, “A depressão é um estado que altera tudo na nossa pessoa, o nosso olhar sobre a vida é diferente mais negro menos positivo é completa mente diferente, altera todo o nosso estado de consciência da perceção do mundo”. (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 17:19 a 17:42) (1º Depoimento).
Q) Se estivermos bem psicologicamente, conseguimos refrear esse impulso, temos força psicológica para o fazer, à pessoa que está a viver em estado depressivo falta-lhe essa força.
R) Estando essa ideia espelhada nas palavras da Psiquiatra quando diz: “A imputabilidade estava claramente diminuída do meu ponto de vista” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 05:56 a 06:11).
S) “A imputabilidade diminuída não só naquele dia, mas naquele período” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 14:54 a 15:16) (1º Depoimento).
T) Acrescentando ainda: “Na imputabilidade diminuída o juízo critico esta diminuído para os factos não é que o indivíduo não saiba o que é bem e o que é mau, do meu ponto de vista, ele sabe, mas por um conjunto de fatores interiores não consegue funcionar com este conjunto de valores” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 16:38 a 16:59) (1º Depoimento).
U) “Neste caso muito especifico não consegue controlar os impulsos” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 18:10 a 18:15) (1º Depoimento).
V) No depoimento agora prestado, a Médica Psiquiatra acrescentou que seguiu o Arguido entre 2013 e 2016 (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 02:07 a 02:27).
W) Refere ainda: “Refere que não comia, dormia mal, sentia-se abandonado pela filha. A tristeza naquele momento, o ciúme e abandono por a filha preferir o namorado e a sua família (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 05:35 a 06:43).
X) “Aos 14 anos a filha vem viver com ele e ele dedica-se inteiramente a esta filha, ele faz o almoço e o jantar e cuida da filha” (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 07:29 a 07:36).
Y) “O AM_____ ocupa-se de uma neta com um ou dois anos de idade e neste período ele deixou de ser capaz de cuidar da criança, isso são sintomas de um fenómeno depressivo” (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 10:57 a 11:34).
Z) “Na primeira sessão tentei saber o que se passava, depois fui apurando os sintomas, a depressão foi logo apurada na primeira sessão” (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 12:18 a 12:47).
AA) “Estava triste ainda independentemente do que se passou ele adorava a filha, ele melhorou quanto ao ciúme” (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 13:17 a 13:46).
BB) “Nunca deixou de estar medicado com antidepressivos e antipsicóticos” (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 14:22 a 14:36).
CC) Todos estes factos são relatados pela Médica Psiquiátrica e corroboram e sustentam o resultado apresentado no seu relatório, de que o Arguido sofria no momento da prática dos factos de uma perturbação depressiva major, com ideação delirante de abandono e ciúme.
DD) Facto que com a Médica Psiquiatra também afirmou lhe diminuía a imputabilidade.
EE) Sendo de salientar, mais uma vez, por ser deveras relevante que foi esta Médica Psiquiatra quem primeiro observou o Arguido e em momento muito próximo à data dos factos, quando o mesmo não estava ainda medicado
FF) Contrariamente ao que ocorreu com os relatórios efetuados pela perícia que são realizados dois anos após os factos e quando o Arguido já se encontrava medicado, não podendo assim apreciar, com toda a certeza e segurança, qual o estado clínico do Arguido à data da prática dos factos.
GG) Quanto a tais relatórios periciais, a Médica Psiquiatra, no depoimento agora prestado, afirma que: “O relatório da Dra. está bem feito mas eu acho que ela não conseguiu apanhar o mesmo que eu na altura. Tratava-se de uma depressão não suave moderada mas moderada grave e com comportamento psicótico” (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 30:06 a 30:40).
HH) A Médica Psiquiatra voltou a afirmar que à data em que observou o Arguido pela primeira vez, o mesmo se encontrava em funcionamento psicótico em função de todo o stress decorrente daquilo que o Arguido estaria a viver naquela altura (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 32:47 a 32:58).
II) Afirma ainda que aquilo foi uma situação aguda (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 42:20 a 42:51).
JJ) Acrescenta que o Arguido demonstrava ruminações obsessivas sobre o que se tinha passado naquela altura, a crítica para a situação era relativa, sentindo-se muito atacado e muito desvalorizado (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 42:20 a 42:51).
KK) Refere ainda a Médica Psiquiatra que no momento da primeira consulta não havia grau de culpabilidade que o mesmo surge depois, é como se o sentido crítico estivesse diminuído (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 44:28 a 45:28).
LL) Sem qualquer dúvida a Médica Psiquiatra afirma que o Arguido se encontrava com uma depressão grave, a funcionar de uma forma delirante, um delírio limitado a questões de ciúme e de abandono, estando já diferente umas semanas depois, após ter sido medicado (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 44 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 41 minutos de 54:50 a 55:35).
MM) Face ao depoimento agora prestado pela Médica Psiquiatra que em primeiro lugar observou o Arguido, logo após a prática dos factos, só vem o mesmo reforçar o sempre defendido pelo Arguido, ou seja, que se encontrava a viver um quadro depressivo agudo, tendo agido debaixo de grande desespero e emoção violenta.
NN) Sendo assim inaceitável que o douto Acórdão ora proferido, mantenha como não provado que o Arguido à data da prática dos factos, sofria de uma perturbação depressiva major com ideação delirante de abandono e ciúme, o que diminuía a sua imputabilidade.
OO) Não se aceitando assim o que é afirmado no Acórdão ora proferido, quando refere que o prejuízo causado pelo estado clínico vivido pelo Arguido não apresentou tal dimensão que verdadeiramente se revelasse suscetível de ser tomado em consideração, no caso concreto.
PP) Alguém que se dedica a outro ser humano com o grau de dedicação que o Arguido, se dedicou à filha, mesmo sendo pai, tem que estar verdadeiramente mal a nível psíquico para sequer a magoar fisicamente, quanto mais para a atingir com um tiro.
QQ) Deste modo não se entende como face aos dois depoimentos prestados pela Psiquiatra, ao depoimento prestado pela Psicóloga, pelo que as mesmas escreveram nos seus relatórios, pelo que está escrito no relatório social onde consta o depoimento da sua outra filha PM___ , a corroborar o mau estado psíquico do Arguido, o Tribunal “A quo” dá como não provado que o Arguido à data dos factos sofria de uma depressão e que disparou contra a filha em grande momento de desespero e forte comoção.
RR) Isto quando ficou provado que quando o Arguido disparou foi no momento em que estava a discutir com a filha, estando, nesse momento, necessariamente com os ânimos exaltados e sob forte comoção.
SS) No entanto, tal não se compreende nem se aceita, pois a Psiquiatra não teve dúvidas em afirmar que o quadro clínico apresentado pelo Arguido na primeira consulta, já era anterior aos factos, dizendo: “À data da primeira observação do que dei conta era um indivíduo que apresentava um quadro depressivo grave, severo, do meu ponto de vista, com intuição suicidárias, e com ideias delirantes de rejeição” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 01:02 a 01:55) (1º Depoimento).
TT) “Com emagrecimento seis meses antes, com insónia um mês antes, foi-me contado e estava de acordo com a observação psiquiátrica” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 02:00 a 02:24) (1º Depoimento).
UU) Situação que acaba por ser confirmada pela filha PM___  no relatório social quando diz que se apercebeu da perturbação do pai, chegando a temer que este atentasse contra a sua própria vida.
VV) De salientar ainda quanto à sua filha PM___  que a mesma pediu ao Arguido que cuidasse da filha, o que o mesmo fez desde meses de idade até à idade de 3 (três) anos e pouco tempo antes dos acontecimentos aqui em causa, o Arguido disse que não se sentia em condições de cuidar da neta.
WW) Facto que também é confirmado pela irmã do Arguido que se apercebeu da sua ansiedade e mau estar, constando esse facto do relatório social.
XX) Face aos factos supra expostos, dúvidas não restam que o Arguido vivia um quadro depressivo que se foi agravando e que tudo indica que se tenha iniciado com a ida da filha para Évora.
YY) Ao longo do tempo, o Arguido, sem se aperceber dado que a sua capacidade de perceção ia ficando cada vez mais afetada pela depressão, foi ficando cada vez mais doente.
ZZ) Por tudo isto entende-se ter o Tribunal “A quo” feito uma errada avaliação da prova junta aos autos e dos depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento, no que diz respeito ao estado psicológico do Arguido à data dos factos.
AAA) Concedendo uma maior relevância aos relatórios periciais que foram realizados dois anos após a ocorrência dos factos, com o Arguido já medicado e com um quadro clínico totalmente diferente.
BBB) No douto Acórdão ora proferido, é mantida a ideia do Arguido ser manipulador e estar a levar as profissionais a acreditar numa depressão inexistente, situação que inclusive se refletiu de novo no Julgamento, onde é novamente referido o facto da Médica Psiquiatra se referir ao Arguido como “O AM_”.
CCC) A Médica Psiquiatra respondeu claramente na primeira sessão de Julgamento: ”Não tem possibilidade de serem manipuladoras este tipo de pessoas as estruturas obsessivas não são nada manipuladores, pelo contrário, são pessoas com quem é difícil empatizar à primeira por serem tão rígidas” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 26:26 a 26:42) (1º Depoimento).
DDD) Tendo acrescentado: “O que eu vi naquela altura foi um indivíduo que estava deprimido” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 27:30 a 27:42) (1º Depoimento)
EEE) Isto após ter dito: “Este homem estava de cabeça perdida, a sentir-se rejeitado, a sentir que a filha se está a afastar sem perceber porquê, sem perceber a sua própria contribuição para esta situação num momento impulsivo e tudo acontece” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 20:10 a 20:37) (1º Depoimento).
FFF) “Isto não é meramente perder a cabeça, de há um mês aquela parte este homem tinha emagrecido 6 kg (seis quilos), não dormia, pensava em morrer, sentia-se profundamente rejeitado, sentia-se trocado” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 21:00 a 21:13) (1º Depoimento).
GGG) Tendo a Médica Psiquiatra terminado por dizer: “Eu estou aqui fui eu que me ofereci para vir aqui ao AM_____ (Arguido) disse eu acho que você não estava bem naquela altura, fiz um relatório, isto parte de mim, não do AM_____ (Arguido), eu estou a defender uma pessoa que eu acho que estava doente naquela altura” (gravado através de sistema de integração digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 28:12 a 28:23) (1º Depoimento).
HHH) Denotando assim uma clara segurança e convicção naquilo que havia afirmado ao Tribunal, ou seja, que o Arguido à data dos factos sofria de grande depressão, o que lhe diminuiu a capacidade de autocontrolo, estando numa situação de imputabilidade reduzida.
III) O Arguido agiu debaixo de grande desespero e emoção violenta, os quais, devido à doença de que padecia não teve capacidade para controlar.
JJJ) Outro facto que o confirma é o facto do mesmo, sendo pessoa treinada com armas ter dado um dos tiros para o teto.
KKK) Ora, tendo sido dado como provado que na altura dos disparos, o Arguido se encontrava a cerca de um metro da Ofendida, caso o mesmo estivesse no domínio dos seus atos como se explica que um dos tiros tenha ido parar ao teto.
LLL) Ao Tribunal “A quo” cabe julgar os factos de forma justa, isenta e de acordo com a lei, sem se deixar levar pelas emoções, mas por um juízo crítico e objetivo que é aquilo que não transparece desta sentença, pois o Tribunal “A quo” viu no Arguido um pai que dá um tiro a uma filha, sem dar qualquer atenção aos motivos que poderão um pai tão extremoso e interessado a fazer aquilo à filha.
MMM) O Tribunal “A quo” ignorou simplesmente os relatórios clínicos da Psicóloga e da Psiquiatra e o relatório social, fez deles letra morta.
NNN) Pelo exposto, dúvidas não restam assim que o Tribunal “A quo” deveria ter dado como provado que o Arguido à data dos factos sofria de uma perturbação depressiva major, com ideação delirante de abandono e ciúme o que diminuía a sua imputabilidade e que disparou contra a filha em grande momento de desespero e sob forte comoção.
OOO) Condenando assim o Arguido pela prática de um crime de homicídio privilegiado, na forma tentada, P. e P. pelo artº 133º, 22 e 23 do C.P e não pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.
PPP) Também se entende que julgou mal o Tribunal “A quo” ao não dar como provado que a arma usada pelo Arguido se encontrava sobre uma cómoda no hall de entrada e não numa gaveta do quarto, pois
QQQ) Nenhum dos depoimentos prestados em sede de julgamento contrariaram esse facto, nem mesmo o da Ofendida, sendo perfeitamente aceitável a justificação apresentada pelo Arguido, para ter ali a arma que foi a de que levou consigo a arma na viagem ao Norte e ainda não a havia guardado.
RRR) Pelo exposto e em conclusão entende-se que deveria o Tribunal “A quo” ter dado como provado que antes dos factos, a pistola usada pelo Arguido se encontrava sobre uma cómoda colocada no hall de entrada.
SSS) Que o Arguido à data dos factos sofria de uma perturbação depressiva major com ideação delirante de abandono e ciúme o que diminuía a sua imputabilidade.
TTT) Que disparou contra a filha em grande momento de desespero e sob forte comoção
UUU) Devendo assim o Arguido ser condenado pela prática de um crime de homicídio privilegiado na forma P. e P. pelo artº 133, 22 e 23 do C. P.
VVV) No entanto e caso assim não se entenda dever o Arguido ser condenado pela prática de um crime de um homicídio privilegiado na forma tentada P. e P. pelo artº 133, 22 e 23 do C. P., mas sim pelo crime pelo qual foi condenado homicídio qualificado na forma tentada P. e P. pelos art.ºs 131, 132, nº 2 al a) e a), 23 e 73 do C. P.
WWW) Ainda assim se entende ser demasiado gravosa a pena aplicada, pois em virtude do crime ter sido praticado na forma tentada tem pena máxima e mínima aplicável a redução de 1/3 (um terço) ficando a moldura penal fixada em 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses de prisão.
XXX) Entendeu o Tribunal “A quo” proceder à agravação desses limites em 1/3 (um terço) por aplicação do nº 3 do artº 86 da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, ficando com uma moldura penal de 3 (três) anos 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de prisão a 22 (vinte e dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de prisão.
YYY) Ora, no caso vertente o crime em causa foi praticado com uma arma, na al. g) do artº 132 do C. P. uma das circunstâncias que levam à punição por homicídio qualificado e o de praticar o facto utilizando meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum.
ZZZ) Sendo uma arma um perigo particularmente perigoso e que se traduz na prática de um crime de perigo comum, entende-se já o Arguido estar a ser condenado pela utilização da arma ao abrigo do disposto no artº 132 do C. P.
AAAA) Não podendo a moldura penal obtida ser agravada em 1/3 (um terço) pela aplicação da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, já que isso se traduz numa dupla agravação da pena que penaliza injustificadamente o Arguido.
BBBB) Devendo assim o Arguido, quanto muito, ser condenado dentro de uma moldura penal situada entre os 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses de prisão, isto por aplicação do disposto no artº 132 do C. P.
CCCC) E ainda que assim não se entenda sempre se dirá que a pena aplicada ao Arguido, face ao supra exposto é demasiado gravosa face aos meios de determinação da medida da pena elencadas no artº 71 do C. P., pois desde logo não corresponde à verdade que o Arguido tenha agido de forma fria e calculista, não manifestando qualquer respeito pela vida, pois o Arguido estava doente e diminuído nas suas capacidades o que não lhe permitia controlar as suas emoções e desespero.
DDDD) Não é verdade que o Arguido continue a atribuir à Ofendida condutas que demonstram ingratidão e desrespeito para consigo.
EEEE) A Médica Psiquiatra no seu primeiro depoimento diz que ele se mostra nas consultas: “Com um profundo arrependimento antes tivesse sido eu” (gravado através de sistema de integração digital, disponível n aplicação informática em uso neste tribunal de 15:49:56 a 16:20:52 em 10:40 a 11.00).
FFFF) Tudo isto, devidamente ponderado, dá, claramente uma pena mais reduzida ao Arguido.
GGGG) É necessária aplicação de uma pena que seja efetivamente justa após ponderação de todos os factos que tiveram relevância na sua conduta.
HHHH) No douto acórdão ora proferido só foi ponderada a culpa do Arguido e não todos os fatores que efetivamente o conduziram à prática do ato, o que acaba por violar o disposto no artº 71 do C. P.
IIII) Face ao exposto e em conclusão, entende-se que a douta sentença ora recorrida viola o disposto nos art.ºs 133, 22 e 23 todos do C. P.
JJJJ) Ou caso, assim não se entenda sempre viola o disposto na al g) do nº 2 do artº 132 e o disposto no artº 71 todos do C. P.
KKKK) Quanto ao pedido cível voltou o Tribunal “A quo” a apreciar o pedido cível, deduzido, sucede porém que o mesmo já transitou em julgado, dado que o Arguido não recorreu dessa parte.
LLLL) Pelo exposto deve ser dado provimento ao presente recurso e alterada a douta sentença proferida nos termos supra expostos, condenando-se o Arguido, sim, mas pela prática de um crime de homicídio privilegiado P. e P. pelo artº 133, 22 e 23 do C. P. ou caso assim não se entenda deve sempre a pena aplicada ser reduzida, nos termos e pelos motivos supra exposto.
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1.8. Admitido o recurso (referª 379562817), o MP apresentou resposta, na qual concluiu:
A) O recurso não merece provimento.
B ) Não ocorreu qualquer vício.
C ) Não há violação do princípio do "in dúbio pro reo".
D ) O douto acórdão da i a instância não merece qualquer reparo.
E) Pelo que tal decisão deverá ser mantida
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1.9. A Assistente DS_____ respondeu ao recurso interposto pelo arguido do acórdão condenatório aderindo à resposta do MP.
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1.10. Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Ex.ª. Sr.ª. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer sufragando os fundamentos invocados na resposta do MP.
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1.11. Cumprido o preceituado no art.º 417º nº 2 do CPP, o arguido/recorrente veio responder reiterando a pretensão da “nulidade de todo o processado a partir do indeferimento do que foi por si requerido, ou seja, que se ordenasse a junção aos autos dos exames, testes psicológicos e outros elementos que serviram de base à perícia, pois tem o arguido o direito a ter acesso a todos os elementos de prova que serviram de base à sua condenação, ainda que se conclua que a referida perícia foi realizada com base apenas em entrevista verbal, o requerido pelo arguido tem que ser admitido e depois, face à resposta, procederá o Arguido como melhor entender, para a sua defesa.”.
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1.12. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência prevista nos art.ºs 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
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1.13. Consigna-se que em 12-05-2021 estes autos, em conformidade com o despacho nº 28/2021, datado de 12/05/2021, da Ex.ª. Senhora Presidente do TRL, Sr.ª. Dr.ª. Guilhermina Freitas, foram remetidos por transferência eletrónica para distribuição/redistribuição, tendo sido distribuído ao presente Relator.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afetem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito[1].
Umas e outras definem, pois, o objeto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior[2].
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
A - Do recurso interlocutório:
1 - Saber se o despacho judicial recorrido proferido em 15.04.2016, com a referª 346442300,[3] não viola o determinado no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 15.12.2015, e consequentemente os direitos de defesa do arguido.
B – Do recurso da decisão final:
1. Erro de julgamento, nos termos do art.º 412º do CPP;
2. Do homicídio privilegiado na forma tentada;
3. Medida da pena.
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2.2. Fundamentação de facto
2.2.1. Do recurso Interlocutório
2.2.2. O despacho recorrido proferido em 8.06.2018 (referª 377339229) tem o seguinte teor:
Vem o arguido a fls. 2233 e seguintes arguir a nulidade do despacho proferido em 6 de Abril de 2018, que indeferiu a junção aos autos dos protocolos das provas e exames/testes que serviram de base à emissão do relatório pericial.
Para fundamentar a sua pretensão, refere o arguido que o exame médico-legal realizado pela Sr.ª Perita Psiquiátrica, em 04/07/2013, foi realizado sem ter em consideração o relatório de avaliação psicológica que só foi efetuado em 13/08/2013 e que, caso tivesse tomado em consideração tal relatório, teria chegado à mesma conclusão que a Sr.ª Psicóloga que elaborou o relatório de avaliação psicológica.
Assim, é sobre este exame médico-legal incompleto, no entender o arguido, e completado posteriormente pela avaliação da psicóloga, que o Tribunal da Relação determinou que fosse ouvida a médica psiquiatra, Dr.ª MP____ , para a confrontar em termos técnico-científicos com o resultado da perícia.
Mais refere o arguido que o Tribunal, ao negar que a testemunha tenha acesso aos protocolos/testes/exames que levaram avaliação psicológica está a prejudicar e inviabilizar o direito de defesa do arguido.
Cumpre decidir.
Ao invés do invocado pelo arguido, o relatório pericial junto aos autos não se encontra incompleto. Na verdade, o relatório médico-legal datado de 04/07/2013 foi, tão só, um relatório preliminar o qual, após a realização do relatório de avaliação à personalidade de fls. 1415 a 1423, foi completado e finalizado tal como resulta do seu teor, de fls. 1473 e segs., tendo a Sr.ª Perita reiterado a conclusão a que chegara no relatório preliminar realizado antes da realização da perícia à personalidade, consignando que a avaliação da personalidade não identificou patologia que sugerisse estarmos perante de um caso imputabilidade em grau diminuído.
Por outro lado, inexiste a invocada nulidade – preterição dos direitos de defesa do arguido – porquanto o despacho proferido mostra-se em consonância com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que determinou a inquirição da testemunha MP____  para confronto da mesma, em termos técnico-científicos, com o resultado da perícia, assim como a reinquirição da mesma para que o seu depoimento ficasse audível, não tendo tal testemunha, até ao momento, invocado ou deixado transparecer em Tribunal qualquer dificuldade para avaliação técnico-científico por ela realizada.
Concluímos assim que o direito de defesa do arguido em nada foi prejudicado.
Ainda assim diremos, tal como já foi determinado no aludido despacho, que ficou acautelada a possibilidade do Tribunal fazer do preceituado no artigo 340.º do C.P.P. na eventualidade de se revelar necessária a prestação de esclarecimentos adicionais.
Em face do exposto inexistindo a invocada nulidade, indefere-se o requerido.
Notifique.”
Por sua vez, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa[4], a que o despacho recorrido faz referência, decidiu o seguinte:
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso intercalar interposto pelo arguido, em consequência do que se admite a inquirição como testemunha da Sra. psiquiatra, acima identificada, que acompanhou clinicamente o recorrente após a data dos factos.
Do texto do mencionado acórdão é de atentar, também, no seguinte:
Ora, sem embargo da limitação da repetição do julgamento ao concretamente definido pelo Tribunal da Relação e do valor probatório reforçado da prova pericial - arts. 126° e 151° e ss. C. P. Penal, corretamente determinada pelo tribunal recorrido, o certo é que, mostrando-se correto o indeferimento do requerido no que se refere a realização de nova perícia, da instituição que procedeu ao exame — Hospital Garcia de Horta — e audição como perita daquela psiquiatra, pelos motivos legais expendidos, aos quais aderimos plenamente, já no nos parece correta a não admissão daquela clínica como testemunha nesta repetição, uma vez que, como refere o arguido aquela psiquiatra acompanha-o desde data próxima da prática dos factos e emitiu parecer desconforme a perícia ora realizada. Como tal, embora, a prova documental e testemunhal decorrente da opinião daquela se mantenha nesta fase do julgamento, o certo é que seria proficiente o confronto da mesma como o resultado da perícia ora realizada - contrária aos interesses da defesa — em ordem a poder confrontar, em termos técnico-científicos as conclusões ali insertas, cumprindo assim plenamente o contraditório.
Como tal, entendemos que coartar ao arguido a possibilidade de criticar, em termos técnico-científicos, embora ao nível da prova testemunhal, as conclusões da perícia, colide com o seu direito de defesa, e os princípios da inocência e do contraditório, constitucionalmente consagrados no art. 32°, 2 e 5, CRP (cfr. Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada Tomo I, 2005, pgs. 354, 359, 360; Gomes Canotilho - Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4 ed. pgs. 516 e 523; G. Marques da Silva, Curso de Processo Penal, pgs. 312, 313; II, 1993, pgs. 89, 90, 98,99, 152, 153; vol. III, pgs. 229, 230, 241, 242; P. Pinto de Albuquerque, Comentário, 2 ed., pg 807).
Destarte, concede-se provimento ao recurso intercalar interposto pelo arguido, em consequência do que deve ser admitida a depor como testemunha a Sra. Dra. MP____ , restrita a matéria ora em discussão, onde se abarca a crítica técnica e científica da perícia médico-legal entretanto realizada.
Face ao exposto, diremos:
Da leitura deste acórdão retira-se o facto insofismável de que se considerou imprescindível para os direitos da defesa confrontar o teor da perícia médico-legal com o depoimento a prestar pela Sra. Dra. MP____ . E não nos oferecem dúvidas que abrindo a discussão técnico e cientifica do relatório da perícia ao exterior, que não aos próprios peritos no sentido de prestarem esclarecimentos, ela abrangerá não somente o seu teor mas também os pressupostos em que assentou, mormente os documentos que lhe serviram de fundamento.
Não podemos deixar de corroborar o entendimento explanado pelo recorrente quando afirma que “não se entende como é que a testemunha cientificamente abalizada consoante resulta do douto acórdão poderia proceder à crítica técnico-científica da perícia médico-legal senão é confrontada com os exames, testes psicotécnicos ou quaisquer outros que tenham sido efetuados e que serviram de base a essa perícia, pois o acórdão do Tribunal da Relação é expresso e claro quando afirma que a mesma deveria ser ouvida entre outros fundamentos médicos à análise crítica, técnico-científica da perícia.”.
E mais à frente:
A inquirição da testemunha sem a confrontação dos meios de diagnóstico (ou sua inexistência) que levaram à perícia médico-legal inviabilizaram que fosse pela testemunha feita uma análise crítica às técnicas utilizadas nessa mesma perícia.”.
Ou seja:
Ao se ter decidido como imprescindível, ao direito de defesa do arguido, assegurar em relação à prova pericial os direitos processuais de contraditar através de terceiros, ainda que qualificados, no sentido de que é através daquele direito de defesa que poderá conhecer o percurso seguido na análise dos elementos que fundamentam as conclusões do relatório, contraditando-o e, dessa forma, contribuir para o aperfeiçoamento do relatório pericial, com reflexos positivos nesse meio de prova, significa que terá de dar cumprimento à audição da testemunha com acesso aos elementos que enformaram a elaboração do relatório pericial.
Ao indeferir tal acesso, efetivamente, o despacho recorrido viola o determinado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Ou seja, viola a autoridade do caso julgado do acórdão do Tribunal da Relação e, simultaneamente, viola o dever de acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos Tribunais superiores. Tal vício é gerador de constituir uma nulidade insuprível.[5]
Na verdade, está consagrado pelas leis de processo e de organização judiciária um dever de acatamento por parte dos tribunais inferiores das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores, segundo o qual aqueles ficam subordinados à decisão do tribunal superior no âmbito do processo em que a decisão é proferida.
É o que resulta nomeadamente do disposto nos artigos 4.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e 4º, número 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais Portugueses, donde emerge com a clareza do que não pode nem deve nunca ser posto em causa «o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores
Ou seja, não pode a primeira instância deixar de aceitar, neste processo, que a inquirição da testemunha MP____  seja efetuada com o acesso aos exames, testes psicotécnicos ou quaisquer outros que tenham sido considerados e que serviram de base a essa perícia.
Pelo exposto, o recurso interlocutório terá de obter provimento, e basta a apreciação desta questão para se decidir deste recurso, ficando prejudicada a apreciação do recurso da decisão final.
E mais não releva enunciar, até porque as questões decididas no acórdão proferido por esta Relação datado de 15.12.2015, também se nos impõem, pela força do caso julgado, não sendo mais possível no processo renovar a discussão sobre elas.
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3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interlocutório, revogando o despacho recorrido e ordenando que se cumpra na primeira instância o determinado no acórdão de 15.12.2015, em conformidade com o aqui exposto, após o qual deve ser elaborado novo acórdão em conformidade.
Sem custas.
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Tribunal da Relação de Lisboa, data e assinatura eletrónica
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (art. 94°, n.º 2 do C.P.P.)

Lisboa, 22-09-2021
Alfredo Costa
Rosa Vasconcelos
_______________________________________________________
[1] Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005
[2] Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061
[3] Entendeu não existir qualquer pertinência na junção aos autos dos elementos clínicos, com os quais a defesa pretendia confrontar com a Srª testemunha na qualidade de Psiquiatra que acompanhou o arguido quando este deu entrada no Estabelecimento Prisional.
[4] Datado de 15.12.2015, 5ª seção
[5] Neste sentido vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 57/04.5IDLSB.L3-3, datado de 15.04.2015.