Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
233/21.6T8VFX.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
PANDEMIA COVID-19
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I.É impossível a manutenção da relação laboral por motivo imputável ao trabalhador quando essa manutenção deixa de poder exigir-se ao empregador, inexistindo outra sanção suscetível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamento.

II.É esse o caso quando o trabalhador de uma distribuidora de produtos farmacêuticos num dia se ausenta do local de trabalho antes da hora da saída e depois vai fumar para a área de outro grupo de trabalhadores que a empregadora decidira laborarem separadamente para minimizar riscos de contágio Covid19, e noutro dia urina numa parede, à entrada do parque de mercadorias da empregadora, à vista de trabalhadores que se encontravam no exterior, não obstante se encontrar a 2 minutos de instalações sanitárias; tanto mais que já tinha antecedentes disciplinares.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


A)Autor (designado abreviadamente também por A.) e recorrente: AAA;
Ré (R.): BBB,

Não tendo havido acordo na audiência de partes, a R. apresentou articulado de motivação do despedimento em que alegou, em síntese, que a sua decisão foi determinada pela prática, em duas ocasiões distintas, de comportamentos do trabalhador que desrespeitando procedimentos e directivas por si estabelecidas na execução da prestação laboral, configuram ilícitos disciplinares e colocam em causa a sua confiança futura no cumprimento pelo trabalhador das regras que regem a actividade que desenvolve. Tal sucede não apenas pela objectiva desobediência do determinado, mas também pelo facto de os comportamentos ocorrerem no contexto das regras que estabeleceu por via da pandemia Covid-19, no desrespeito de regras que são essenciais à manutenção da actividade desenvolvida. Foi instaurado procedimento disciplinar o qual foi tramitado com observância de todas as formalidades legais e que junta aos autos. Conclui pela improcedência da acção.
Notificado veio o trabalhador contestar, reconhecendo a prática das duas condutas que lhe são imputadas, mas considerando que não têm a relevância que a empregadora lhes atribui, atento o contexto que descreve.

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Saneados os autos e efetuado o julgamento o Tribunal a quo julgou não provado e improcedente o pedido de declaração da ilicitude do despedimento decretado pela empregadora, considerando-o lícito e regular com a consequente cessação do contrato celebrado entre as partes.

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O A. não se conformou e recorreu, concluindo:
1-Os factos imputados ao recorrente pela recorrida devem ser avaliados, para os efeitos do art.º 351º, n.º 1, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, de acordo com as circunstâncias temporais que se viviam na época, uma fase agressiva e como que incontrolável da pandemia que a todos atingiu.
2-Sendo absolutamente inaceitáveis, por quase para-concentracionárias, as limitações dos trabalhadores ao contacto urgente do seu agregado familiar, devendo, pelo contrário, ser obrigada a entidade patronal (para mais em épocas de pandemia quase que descontrolada) a ter um ponto de contacto para solicitações externas garantido a cada trabalhador (e não é nada difícil tal organizar) ou então admitir livre acesso em caso de cônjuges, descendentes menores e ascendentes a cargo.
3-E se, no caso da segunda atitude imputada, se reconhece como censurável e releva, até em termos sociais, de falta de equilíbrio e ponderação, senão mesmo de educação, esta deveria ser avaliada no quadro geral da perturbação provocada pela pandemia, aqui agravada pelo facto, que terá escapado à escrupulosa e meticulosa seleção de factos, de ser um dos locais destinados a utilizar pelos trabalhadores como casa de banho alternativa o mesmo onde a entidade empregadora colocava os trabalhadores suspeitos de infeção por Covid19.
4-Daí que, ainda que não isenta de censura, deveria o comportamento em causa merecer a devida apreciação atenuante atribuível à situação de quase pânico social com o vírus que na altura (sem controle, nem vacinas) se vivia e que permite excluir a aplicação, por causa dela e da outra, de sanção expulsiva, cuja repercussão familiar e social carece de mais alertas;
5-Assim não tendo entendido, violou a douta decisão recorrida os artigos 351º-1 e 381º b), do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02, na atual redação.
Rematou impetrando que seja dado provimento ao recurso e julgado inexistir a justa causa para o seu despedimento.

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A R. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso, sem formular conclusões.

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O DM do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Não houve resposta ao parecer.

Foram colhidos os competentes vistos.

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II
A)É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC. Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se não há justa causa de despedimento.
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Factos assentes:
1.-Em 18-6-2013 trabalhador e empregadora celebraram contrato de trabalho nos termos do qual o primeiro se obrigou, mediante o pagamento de uma remuneração mensal, ao desempenho das funções inerentes à categoria de operador de logística estagiário, sob as ordens direcção e fiscalização da segunda.
2.-Em setembro de 2020 o trabalhador executava as funções de operador de logística II, nas instalações da empregadora sitas na (…).
3.-Em contrapartida de tal prestação o trabalhador auferia uma remuneração mensal de 770,00 €, acrescida de subsídio de alimentação diário.
4.-No dia 28-9-2020, pelas 17 horas, o trabalhador encontrava-se nas instalações da empregadora, em período de pausa, gozando a mesma no exterior do armazém.
5.- Mantendo o equipamento/vestuário que utilizava na execução da sua prestação e que o identificava como trabalhador da empregadora.
6.-Encontrando-se junto a um espaço exterior de estacionamento, dentro das instalações e sito junto ao muro, que delimita estas das propriedades confinantes, o trabalhador virou-se para o muro e urinou.
7.-O parque de estacionamento onde o trabalhador urinou situa-se junto à entrada de mercadorias.
8.-Sendo a conduta do mesmo observada por outros trabalhadores da empregadora que se encontravam no exterior das instalações.
9.-No interior do armazém existiam instalações sanitárias.
10.-Às quais o trabalhador podia aceder a partir do local onde se encontrava em cerca de dois minutos.
11.-A empregadora rege-se por um Código de Conduta e de Ética Empresarial, cuja última revisão é de datada de 8-5-2020, no qual estabelece normas de funcionamento da sua actividade e de execução da mesma pelos seus/com os seus trabalhadores.
12.-O referido Código é do conhecimento dos trabalhadores da empregadora.
13.-No mesmo consta expressamente que os trabalhadores devem “ajudar a garantir que o seu ambiente de trabalho seja saudável e seguro, e de manifestar cuidado com a sua própria saúde e segurança, assim como com a saúde e segurança de todos os que podem ser afetados pelo seu comportamento”.
14.-O referido Código e as suas regras eram do conhecimento do trabalhador.
15.-A empregadora dedica-se à distribuição de produtos farmacêuticos, regendo-se por normas de qualidade, higiene e segurança que são objecto de certificação oficial e de cujo cumprimento depende a prossecução da sua actividade.
16.-No dia 7-10-2020 o trabalhador terminava a sua prestação às 19 horas.
17.-Por volta das 18h30m o trabalhador abandonou o seu posto de trabalho no interior do armazém.
18.-O que fez sem dar conhecimento ou solicitar permissão a qualquer superior hierárquico.
19.-Tendo saído para o exterior das instalações onde esteve ao telefone e a fumar.
20.-Já depois das 19 horas comunicou ao seu superior que se ausentara para ir aos sanitários e, entretanto, tinha recebido uma chamada telefónica que terminara depois da sua hora de saída.
21.-O trabalhador sabia que a ausência do seu posto de trabalho durante o horário da sua prestação está sujeita a autorização do superior imediato.
22.-O trabalhador sabia que a empregadora não permite a utilização de telemóvel durante o desempenho da actividade laboral.
23.-As normas e padrões de funcionamento da empregadora em matéria de qualidade, higiene e segurança foram objecto de maior exigência e controle com a declaração de pandemia Covid-19.
24.-A qual determinou o estabelecimento e aplicação de plano de contingência direccionado à prevenção e mitigação de riscos de transmissão da doença Covid-19.
25.-Para o que foram formadas equipas de trabalhadores, espaços de trabalho/circulação e horários que visavam evitar o cruzamento de trabalhadores das diversas equipas.
26.-O referido plano de contingência foi explicado a todos os trabalhadores e publicitado em espaços de acesso dos mesmos.
27.-Em 9 de outubro de 2020 a empregadora instaurou processo disciplinar com intenção de despedimento ao trabalhador.

28.-No dia 12 de outubro de 2020, a empregadora elaborou Nota de Culpa da qual fez constar os seguintes factos:
1-O Arguido foi admitido ao serviço da Arguente em 18 de junho de 2013.
2-O Arguido exercia as funções correspondentes à sua categoria profissional de “Operador de Logística II”, nas instalações da Arguente, nomeadamente no seu armazém de (…).
3-O Arguido, pelas 17h00 do dia 28 de setembro de 2020, no parque automóvel das instalações do armazém de Alverca, saiu da viatura onde se encontrava e começou a urinar, visivelmente contra a parede interna do muro que delimita a área das instalações da Arguente, junto à entrada de mercadorias.
4-O local da prática dos factos situa-se no parque automóvel da Arguente, utilizado por colaboradores, fornecedores e clientes, junto à entrada de mercadorias.
5-O Arguido não se preocupou em ocultar ou disfarçar a sua atuação dos colegas de trabalho, dos trabalhadores das empresas fornecedoras que se encontravam a descarregar mercadoria, ou de clientes que, igualmente, utilizam o parque.
6-À altura da prática dos factos o Arguido envergava a farda da Arguente, sendo, como tal, perfeitamente identificável como seu funcionário.
7-Atento o local da prática dos factos, no parque automóvel junto à entrada de mercadorias, o Arguido não podia deixar de saber que seria visto por clientes, fornecedores e colegas, tal como realmente aconteceu.
8-O Arguido foi observado a urinar por todos os que se encontravam naquele local, nomeadamente pelo Diretor Técnico e Diretor Regional de Operações Sul, Dr. (…), e pelo Supervisor de Infraestruturas Sul, Eng.° (…) e, ainda, pelo Técnico de Infraestruturas Sul, Senhor (…).
9-Acresce que, o Arguido se encontrava a gozar o seu intervalo de descanso, ou seja, não se encontrava a realizar qualquer tarefa que, eventualmente, não pudesse interromper, nem se conhece qualquer condição fisiológica que o impedisse de se dirigir atempadamente às instalações sanitárias que a Arguente coloca à disposição dos seus colaboradores.
10-Com efeito, as instalações sanitárias mais próximas encontram-se, por excesso, a 2 minutos do local da prática dos factos.
11-A atuação do Arguido foi indecorosa, atentatória da moral e dos bons costumes, violadora quer das disposições do Código de Conduta e de Ética Empresarial, de ora em diante “Código de Conduta”, que o Arguido bem conhece, quer de deveres acessórios de conduta que advém do princípio geral de boa fé e do clima de mútuo respeito em que devem decorrer as relações de trabalho.
12-Tal como previsto no referido Código de Conduta, todos os trabalhadores da Arguente são obrigados a cumprir as disposições do mesmo, independentemente do local onde se encontrem.
13-A conduta do Arguido viola claramente o disposto no referido Código, em especial o plasmado no ponto 2.2. que atribui aos trabalhadores da Arguente a responsabilidade de ajudar a garantir que o seu ambiente de trabalho seja saudável e seguro, e de manifestar cuidado com a sua própria saúde e segurança, assim como com a saúde e segurança de todos os que podem ser afetados pelo seu comportamento.
14-Ora, a atitude de urinar ostensivamente contra a parede interna do muro que delimita a área das instalações da Arguente, além de revelar falta de higiene e de dar origem a maus cheiros, doenças e insetos, revela uma evidente ausência de princípios por parte do Arguido, sendo um profundo desrespeito para com a Arguente, sua empregadora.
15- Desrespeito este que o Arguente tem vindo reiteradamente a manifestar nestes últimos tempos.
16-Além disso, esta conduta indecorosa, obscena e imoral, violadora do dever de urbanidade para com a entidade patronal, colegas e terceiros, viola, ainda, o dever de salvaguarda da boa imagem da Arguente perante trabalhadores, fornecedores e clientes, a qual o Arguido prejudicou com a sua atuação, tendo em conta que era perfeita e facilmente identificável como trabalhador da Arguente pela farda que naquela altura envergava,
17-Lesando, assim, a reputação da Arguente, ativo intangível que concorre para a criação de valor comercial, confiança e legitimidade social.
18-A Arguente é uma empresa que se dedica à distribuição de produtos farmacêuticos e que ao longo dos anos granjeou o respeito e o reconhecimento não só dos seus stakeholders, mas da sociedade em geral.
19-E que sempre pautou a sua atuação pelos mais elevados padrões de qualidade, nomeadamente no que se refere a higiene, saúde e segurança, sendo certificada pelas várias Normas de Sistema de Gestão.
20-Estes cuidados, já por si exigentes, foram agora reforçados por força da pandemia COVID-19, não podendo a Arguente ter uma atitude complacente para com comportamentos que os violam.
21-Ora, o Arguido, cometeu atos que agrediram o normal decoro e afetaram a desejável e necessária moralidade geralmente aceite que deve enformar o ambiente de qualquer empresa, para além de serem atentatórias ao bom nome e influírem negativamente na reputação da Arguente.
22-Acresce que, no dia 7 de outubro de 2020, pelas 18h30, em pleno horário laboral, o Arguido abandonou o seu posto de trabalho no armazém da Arguente, sem ter pedido permissão a qualquer um dos Chefes de Turno, Senhor (…) ou Senhor (…), que na altura se encontravam no mesmo local, isto é, no armazém, onde o Arguido exerce as suas funções.
23-Tendo o Arguido sido visto, por volta das 18h50, pelo Supervisor de Infraestruturas Sul, Eng.º (…), a fumar no exterior do armazém, junto a porta do segurança.
24-E nesse dia, não mais voltou ao seu posto de trabalho, tendo sim, ido para o seu veículo, estacionado no parque automóvel das instalações da Arguente, onde ficou até as 19 horas, hora em que terminaria o seu turno, tendo após essa hora saído das instalações da R.
25-O Arguido, só depois das 19 horas, contactou por telefone o Senhor (…), tendo referido que se havia ausentado para ir à casa de banho e que, entretanto, tinha recebido um telefonema da sua tia, sendo que, quando terminou já seriam horas de saída.
26-Além de ter abandonado o posto de trabalho indevidamente, o Arguido facilitou o contacto com outros trabalhadores que não integram a sua equipa, desrespeitando o Plano de Contingência da Arguente, implementadas por força da pandemia COVID-19, que o Arguido bem conhece e que não pode ignorar.
27-O Arguido colocou em causa todos os esforços da Arguente de prevenção e mitigação dos riscos decorrentes da pandemia da doença COVID-19, nomeadamente a possibilidade de controlar possíveis cadeias de transmissão, a segurança dos outros trabalhadores, dos seus familiares e dos que com estes tenham contacto, e mesmo a manutenção da atividade da Arguente.
28-Enquanto trabalhador da Arguente o Arguido não só deve respeitar as regras internas de funcionamento da Arguente, como os deveres gerais do trabalhador, pelo que se impõe que na prestação do trabalho, e em geral no seu comportamento, enquanto trabalhador, a adoção de modelos de conduta e procedimentos tendentes à eficiência do sistema de saúde, higiene e segurança em funcionamento na empresa, cuja exigência de cumprimento se encontra acrescida face ao período de pandemia que se vive.
29-Ao atuar como atuou, o Arguido, culposamente, violou a sua obrigação de contribuir para a melhoria das condições de saúde, segurança e higiene no seu local de trabalho, na respetiva dimensão individual desta obrigação, inerente à execução do contrato de trabalho.
30-Violou, igualmente, o dever de colaboração na obtenção da maior produtividade da empresa.”.
29.-A nota de culpa foi entregue por mão própria ao trabalhador no dia 12-10-2020, juntamente com a comunicação da intenção de proceder ao despedimento com justa causa e de o suspender preventivamente do trabalho, com efeitos imediatos, sem perda de remuneração.
30.-Mais foi informado que lhe era concedido o prazo de 10 dias úteis, contados a partir da recepção da aludida comunicação, para, querendo, consultar o processo e responder à Nota de Culpa, podendo apresentar e solicitar os meios de prova que considerasse relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, nomeadamente arrolando testemunhas e juntando documentos.
31.-O trabalhador apresentou resposta à Nota de Culpa, nos 10 dias úteis concedidos para o efeito e requereu a inquirição de duas testemunhas.
32.-Foi designado o dia 5-11-2020 para a inquirição das testemunhas indicadas pelo trabalhador.

33.-Em 11-11-2020 foi elaborado o Relatório Final no qual foram considerados os seguintes factos:
a)-A empregadora BBB, em 18 de Junho de 2013, admitiu ao seu serviço, mediante contrato de trabalho. O trabalhador AAA, sob a sua autoridade e direcção, nomeadamente no seu armazém, de Alverca, sitas na (…), as funções inerentes à categoria profissional de Operador de Logística II.
b)-No dia 28 de setembro de 2020, pelas 17h00, no parque automóvel das instalações do armazém de Alverca, o Trabalhador-Arguido saiu da viatura onde se encontrava e começou a urinar, visivelmente, contra a parede interna do muro que delimita a área das instalações da Arguente, junto à entrada de mercadorias.
c)-À altura da prática dos factos, o Trabalhador-Arguido envergava a farda da Arguente, sendo, como tal, perfeitamente identificável como seu funcionário.
d)-O local da prática dos factos, situa-se no parque automóvel da Arguente, utilizado por colaboradores, fornecedores e clientes, junto a entrada de mercadorias.
e)-O Trabalhador-Arguido foi observado a urinar por todos os que se encontravam naquele local, nomeadamente pelo Diretor Técnico e Diretor Regional de Operações Sul, Dr. (…), e pelo Supervisor de Infraestruturas Sul, Eng.° (…) e, ainda, pelo Técnico de Infraestruturas Sul, Senhor  (…) e pelo seu colega  (…).
f)-O Trabalhador-Arguido encontrava-se a gozar o seu intervalo de descanso, ou seja, não se encontrava a realizar qualquer tarefa que, eventualmente, não pudesse interromper, nem se conhece qualquer condição fisiológica que o impedisse de se dirigir atempadamente às instalações sanitárias que a Arguente coloca à disposição dos seus colaboradores.
g)-O Código de Conduta e de Ética Empresarial da Arguente no seu ponto 2.2. atribui aos trabalhadores da Arguente a responsabilidade de ajudar a garantir que o seu ambiente de trabalho seja saudável e seguro, e de manifestar cuidado com a sua própria saúde e segurança, assim como com a saúde e segurança de todos os que podem ser afetados pelo seu comportamento.
h)-A Arguente é uma empresa que se dedica a distribuição de produtos farmacêuticos e que ao longo dos anos granjeou o respeito e o reconhecimento não só dos seus stakeholders, mas da sociedade em geral.
i)-A Arguente que sempre pautou a sua atuação pelos mais elevados padrões de qualidade, nomeadamente no que se refere a higiene, saúde e segurança, sendo certificada pelas várias Normas de Sistema de Gestão.
j)-Por força da pandemia COVID-19 reformulou os cuidados de higiene, saúde e segurança e implementou um Plano de Contingência, que é bem conhecido de todos os trabalhadores.
k)-No âmbito desse Plano de Contingência, forma definidas 2 equipas, distinguíveis pela cor dos coletes que usam (verde ou vermelho) e alocadas zonas diferentes a cada equipa.
l)-O Trabalhador-Arguido integra a equipa dos coletes vermelhos
m)-Os trabalhadores conhecem bem as normas do Plano de Contingência e sabem que as devem cumprir.
n)-no dia 7 de outubro de 2020, em pleno horário laboral, o Trabalhador-Arguido abandonou o seu posto de trabalho, no armazém, sem ter pedido permissão a qualquer um dos Chefes de Turno que se encontravam no mesmo local.
o)-Pelas 18h50, o Trabalhador-Arguido encontrava-se a fumar numa zona exclusiva da equipa dos coletes verdes, facto presenciado pelo, Eng.º (…)
p)-E que nesse dia, não mais voltou ao seu posto de trabalho.
q)-Só depois das 19 horas, contactou por telefone o Sr. (…), Chefe de Turno.
r)-O Trabalhador-Arguido desrespeitou o Plano de Contingência da Arguente.
s)-Os trabalhadores sabem que se pretenderem sair do armazém, fora do seu intervalo de descanso, terão de pedir previa autorização ao superior hierárquico.
t)-O Arguido não se encontrava num intervalo de descanso.
u)-As casas de banho dos trabalhadores da equipa dos coletes vermelhos encontram-se dentro do armazém.
v)-O Trabalhador-Arguido tinha consigo, dentro do armazém, o telemóvel.
w)-O Procedimento implementado relativo a “normas de saúde, higiene, vestuário e segurança no armazém” (PRO-29G) determina que a utilização de telefones moveis dentro dos armazéns é exclusiva a fins profissionais e que é expressamente proibida a entrada e utilização de telefones moveis pessoais nos armazéns da Arguente.
x)-Existem nas instalações da Arguente, cacifos nos quais os trabalhadores devem deixar os seus pertences pessoais antes de entrarem no armazém, nomeadamente telemóveis.
y)-O uso de telemóveis no interior do armazém encontra-se interdito, exceto se previamente autorizado, e esta interdição é conhecida de todos os trabalhadores”.

34.-Em 17-11-2020, a empregadora, com base no teor do relatório final, proferiu decisão de despedimento do trabalhador.
35.-A qual foi enviada a este por correio registado com aviso de recepção, no mesmo dia, juntamente com cópia do relatório final.
36.-Sendo recepcionada pelo trabalhador em 23-11-2020.
37.-O trabalhador foi alvo de um procedimento disciplinar em Janeiro de 2020, no âmbito do qual foi acusado de, no contexto da distribuição de lembranças de Natal – por referência a Dezembro de 2019 – ter dito, quer à assistente que lhe tentou entregar a lembrança, quer posteriormente a outros colegas, o seguinte: “Não quero essa merda, eles que a metam no cú!”.
38.-Tendo-lhe sido aplicada uma sanção de repreensão registada.
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C)De Direito

I.Da Justa causa de despedimento
Como escreve Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, 4.ª Edição - Revista e Atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012 -, Dezembro de 2012, páginas 817 e ss., que para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1 do CT (…) de verificarão cumulativa:
- Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
- A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa);
- A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador (…)
Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. (…)
i)-A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.º 1, mas constitui um pressuposto geral do con­ceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (…) 
ii)-O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso.
iii)-O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (…) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.

(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não é, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.

Naturalmente, porém, a impossibilidade a que alude o art.º 351, n.º 1[1], do Código do Trabalho, densificando aliás o disposto no art.º 53 da Constituição[2], não é física ou legal[3], constituindo antes uma inexigibilidade: verifica-se quando nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamento, quando seja irremediável a rotura, o que ocorre quando não se possa impor a um “bonus pater famílias”, um “empregador normal”, a manutenção do contrato. Dito de outro modo, quando o interesse do trabalhador na estabilidade laboral, protegido constitucionalmente pelo referido art.º 53, deva, ante uma sã valoração, ceder o passo, mercê da sua própria conduta incorrecta, ao interesse do empregador na extinção daquele vínculo (que também não é alheio a valorações constitucionais, nomeadamente em sede de liberdade de empresa); quando, em suma, o comportamento do prestador da actividade faz com que a pretensão da manutenção daquela situação laboral redunde numa insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo exagerada e violentamente a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador. “A gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa”. (…) “Uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável (Jorge Leite, cfr. “Colectânea de Leis do Trabalho”, pág. 250).

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A sentença recorrida, depois de perorar longamente sobre os deveres do trabalhador no contrato laboral, considerou:

"Os factos, como referido, reportam-se aos dias 28-9-2020 e ao dia 7-10-2020.
No primeiro dia a conduta do trabalhador consistiu em ter urinado no parque de estacionamento da empregadora.
No segundo dia o trabalhador abandonou o seu posto de trabalho cerca de 30 minutos antes, saiu para o exterior das instalações e aí esteve a telefonar e a fumar.
Tais condutas não podem, na valoração aqui em causa, deixar de ser consideradas no concreto contexto de execução da prestação laboral.
Daí que não se possa deixar de ser ponderado o objecto de actividade da empregadora, as regras de funcionamento da organização da mesma e o contexto histórico em que os mesmos tiveram lugar.
Relativamente ao objecto de actividade da empregadora a mesma é uma empresa que se dedica à distribuição de produtos farmacêuticos.
Esta actividade é, como se tem por natural, se não mesmo por necessariamente exigível, pautada por normas de qualidade, higiene e segurança que são objecto de certificação oficial e de cujo cumprimento depende a prossecução da sua actividade.
Daí que a empregadora tenha um Código e Conduta e de Ética Empresarial, cuja última revisão é de datada de 8-5-2020, no qual estabelece normas de funcionamento da sua actividade e de execução da mesma pelos seus/com os seus trabalhadores.
No mesmo consta que os trabalhadores devem “ajudar a garantir que o seu ambiente de trabalho seja saudável e seguro, e de manifestar cuidado com a sua própria saúde e segurança, assim como com a saúde e segurança de todos os que podem ser afetados pelo seu comportamento”.
O referido Código é do conhecimento dos trabalhadores da empregadora e as suas regras eram conhecidas do trabalhador.
Os factos ocorreram em Setembro e Outubro de 2020, num espaço temporal de pouco mais de uma semana, sendo o ano de 2020 aquele em que teve lugar, em Março, declaração pela Organização Mundial de Saúde de estado de emergência em matéria de saúde pública (pandemia) com referência à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e doença Covid-19.
Tal situação determinou e determina incontornáveis alterações de toda a vivência social, tendo tido incontornável impacto na actividade económica e na organização dos contextos laborais.
A empregadora, como se tem por evidente, em face da actividade exercida não só não pode deixar de exercer a sua actividade, como o exercício da mesma se tornou ainda mais relevante no contexto de saúde pública.
Acompanhando e acautelando as necessidades decorrentes da situação epidemiológica a empregadora procedeu a revisão das suas normas e padrões de funcionamento em matéria de qualidade, higiene e segurança no sentido de uma maior exigência de funcionamento e controle de riscos.
Para tal estabeleceu e implementou plano de contingência direccionado à prevenção e mitigação de riscos de transmissão da doença Covid-19, com formação de equipas de trabalhadores, espaços de trabalho/circulação e horários que visavam evitar o cruzamento de trabalhadores das diversas equipas.
O plano de contingência era do conhecimento dos trabalhadores, nos quais se incluía o trabalhador dos autos, o qual sabia ainda que a ausência do seu posto de trabalho durante o horário da sua prestação está sujeita a autorização do superior imediato. Mais sabia que a empregadora não permite a utilização de telemóvel durante o desempenho da actividade laboral.
Inseridas as condutas dos dias 28-9 e 7-10 no descrito contexto de organização e funcionamento da empregadora não se pode deixar de considerar que as mesmas violam directamente os deveres de urbanidade e respeito, de obediência e de lealdade, sem prejuízo de reflexamente atingirem outros deveres.
A violação dos deveres de urbanidade, na sua dimensão de regra de funcionamento social, e de lealdade, na sua dimensão mais ampla, mostra-se violado pelo facto de o trabalhador ter urinado em espaço de estacionamento.
Na sociedade actual e fruto de evolução da própria organização social a implementação de estruturas de saneamento básico que servem a comunidade e que servem as instalações sanitárias dos espaços, habitacionais ou não, utilizados na vida social é uma realidade incontornável, constituindo-se mesmo como dimensão quer do direito à habitação e urbanismo, quer do direito ao ambiente e qualidade de vida, valores com respaldo constitucional (cfr artºs 65º e 66º da Constituição da República Portuguesa).
O trabalhador tinha instalações sanitárias a dois minutos do local onde se encontrava, não obstante urinou no parque de estacionamento.
O conhecimento da desconformidade da sua conduta com as regras de convivência social tem-se por manifesto. A utilização de instalações sanitárias para satisfação de necessidades fisiológicas é tão evidente que nem carece de constar de qualquer prescrição de comportamento de uma qualquer organização.
Igualmente se tem por incontornável a desconformidade com as regras de funcionamento da empregadora. Uma empresa que se dedica à distribuição de medicamentos -- diga-se o mesmo para qualquer outra actividade -- que estabelece regras para prevenção de contágio com sistemas de funcionamento de turnos desfasados ou em bolha, não pode tolerar que os seus trabalhadores utilizem para satisfação daquelas necessidades outros espaços que não as instalações sanitárias.
Entende-se que o facto de estas se encontrarem a cerca de dois minutos em nada afasta ou desculpabiliza a conduta do trabalhador.
O mesmo não é uma criança sem controlo dos esfíncteres, sendo um homem adulto que já terá, há muito, atingido a capacidade de controle dos mesmos, sendo certo que nada foi invocado que permita considerar que se tratou de uma emergência e incontrolável.
Acresce que a conduta ocorreu num momento de gozo de pausa, ou seja, não ocorreu quando o trabalhador se encontrava a executar a sua prestação, no seu posto de trabalho e sujeito a um cumprimento da mesma que obstava à sua saída do local em tempo útil, nem se seguiu a uma concreta e específica prestação funcional que colocou em causa a sua capacidade, enquanto adulto, de controle da situação – realidade de facto que, com respeito por leitura diversa, afasta qualquer paralelismo com a situação de facto do aresto invocado pelo trabalhador na sua contestação (disponível em www.dgsi.pt/jtrl com o nº de processo 670/15.5T8VFX.L1-4).
A conduta teve lugar em local aberto, no exterior das instalações da empregadora, sendo visto em tal acto por outros trabalhadores.
Ainda que se admita que o trabalhador não procurou ser visto por outros trabalhadores, o local onde o fez, por não ser um local reservado como uma instalação sanitária, potenciava tal situação o que não podia desconhecer.
Quando o trabalhador urinou encontrava-se fardado, com o equipamento que utilizava na sua prestação de trabalho, o que, para além da sua presença num local da empregadora, potenciava a associação da conduta a esta.
O facto de o trabalhador se encontrar no gozo de uma pausa em nada afecta a conclusão de violação dos referidos deveres já que, para além do que decorre das regras de convivência e comportamento social, o dever de lealdade abrange o comportamento correcto do trabalhador do ponto e vista dos interesses da organização para além do específico momento de execução da prestação.
Seja por a determinação de utilização de instalações sanitárias ser algo que, no actual contexto de evolução da vida comunitária, não carece de ser determinado em regras de funcionamento de qualquer organização empresarial, seja por as regras que a empregadora estabeleceu no plano de contingência Covid-19 reforçarem as necessidades de garantir a segurança sanitária, entende-se que a conduta do dia 28-9 se mostra contrária as regras de funcionamento da empregadora e no contexto da organização e funcionamento desta configura igualmente uma violação do dever de obediência acima descrito.
Este dever é igualmente violado no dia 7-10 quando o trabalhador abandona o seu posto de trabalho pelas 18h30m e se desloca para o exterior das instalações, onde esteve ao telefone e a fumar.
Tendo a empregadora estabelecido um sistema que visava evitar cruzamento de equipas de trabalhadores, afigura-se evidente que tal implicava, desde logo, um rigoroso cumprimento de horários de saída e entrada e de circulação nos espaços.
Acresce que nas regras de funcionamento da empregadora a saída do local de trabalho fora das horas previamente determinadas se encontrava sempre sujeita autorização superior e que a utilização de telemóvel se encontra proibida durante a prestação da actividade laboral.
Não obstante o trabalhador saiu das instalações sem solicitar autorização – comunicou a saída já depois de terminar a sua jornada de trabalho – e fê-lo para utilizar um telemóvel que as regras da empregadora impedem que seja utilizado durante a prestação laboral, autorização e proibição que eram do seu conhecimento.
Na versão do trabalhador foi a necessidade de efectuar chamada telefónica que determinou a sua saída do posto de trabalho.
Concede-se que as consequências praticas da omnipresença de equipamentos de contacto pessoal, como os telemóveis, na vivência social actual, para além dos deveres básicos de respeito e urbanidade para com o outro, imponha no contexto organizacional e de funcionamento de uma qualquer actividade regras de utilização que obstem à sua simultaneidade com a realização de uma qualquer actividade.
Admite-se que, considerando a duração de uma jornada de trabalho, existam situações em que necessidades pessoais dos elementos da organização de acessibilidade aos equipamentos sejam incompatíveis com a duração dos períodos da jornada de trabalho, certo é que o trabalhador não fez qualquer prova do motivo de urgência inadiável que invocou e que o determinou ao incumprimento das regras da empregadora quanto à ausência/saída do posto de trabalho – o uso do telemóvel ocorre já fora deste.
Concluindo, o trabalhador, nas referidas situações, executou as suas funções em desobediência às regras estabelecidas, demonstrando indiferença pela organização e modelo de funcionamento implementado pela empregadora.
Com o seu apurado comportamento, com a forma como o mesmo traduz a execução da sua prestação laboral, o trabalhador incorreu na previsão de justa causa de despedimento do art.º 351º nº 2 al a) e h) do Código do Trabalho".

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O trabalhador insurge-se, louvando-se mormente no contexto excepcional de pandemia.

Refere, designadamente, que
"É difícil de aceitar ou sequer justificar normas que excluam a possibilidade de a um trabalhador ser transmitido um contacto de emergência sobre pessoas a seu cargo, ainda para mais um filho menor, isto numa ordem jurídica que postula a promoção da paternidade (e maternidade) e a conciliação do trabalho e da vida familiar. Não se provou que a recorrida se preocupasse com isso e tivesse estabelecido um meio alternativo de contacto de emergência, por intermédio de pessoas com poderes, meios e capacidade de avaliar a urgência ou mesmo emergência do contacto. (...) A proteção dos trabalhadores (...) tem mesmo de passar por norma específica expressa, obrigando a empresa neste a ter um ponto de contacto externo garantido a cada trabalhador (e não é nada difícil tal organizar) ou então admitir livre acesso em caso de cônjuges, descendentes e ascendentes a cargo. Basta lembrar que é cada vez mais negado a quem trabalha por conta de outrem o direito a «desligar», isto é a não ser obrigado a receber ordens e instruções ou meras informações da entidade patronal fora do horário de trabalho, sendo cada vez mais evidente que terá de haver, para tal, norma expressa Note-se que se vivia (e vive) um momento agudo da crise pandémica que se a todos afetou, a uns, como é natural, afetou mais que outros, na reação ao que lhe foi acontecendo E é este quadro que deveria ter relevado na apreciação que foi feita da primeira situação imputada ao recorrente que justificou o despedimento.
Mas também quanto à segunda, pois, se quanto a esta, o comportamento do recorrente é censurável e releva, até em termos sociais, de falta de equilíbrio e ponderação, senão mesmo de educação esta deveria ser avaliada no quadro geral determinado pelo artigo 351º-1 do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02, a saber o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequência, torne pratica e imediatamente impossível a manutenção da relação de trabalho. Não se esconde o ridículo que é ficcionar a existência de uma plateia hierárquica que tudo segue e vê, mas lamenta-se mais que não tenha sido dado relevo que um dos locais de utilização pelos trabalhadores para essa prática era o mesmo onde a empresa colocava os trabalhadores que se receava infetados pelo vírus que todos temiam (na altura, não havia vice-almirante, nem vacinas para acalmar as hostes)".
A R. chama a atenção de que o A. pretende socorrer-se de factos não provados.

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O que está em causa é, pois, como reconhece o recorre, a proporcionalidade da sanção.

Ainda neste ponto, a sentença recorrida, depois de ponderar a culpa do trabalhador, considerou:
"Considerando o elenco de sanções disciplinares previstas no art.º 328º e tendo presente que a “graduação das sanções disciplinares deve ser feita de tal modo que, ao menos tendencialmente, a margem de disponibilidade das medidas disciplinares conservatórias se equipare à margem de viabilidade da relação de trabalho (do contrato, portanto) ” – vd. Monteiro Fernandes in loc. cit. a pág. 586 – a questão que se coloca é a de saber se a relação de confiança entre o trabalhador e a empregadora está absoluta ou profundamente quebrada. Isto porquanto “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória” – ult aut e loc. cit.
(...) Em qualquer das actuações o trabalhador revela indiferença pelas regras de funcionamento estabelecidas pela empregadora, com violação do mesmo núcleo de deveres funcionais. (...) A observância das regras de funcionamento estabelecidas, colocada em causa nas condutas do trabalhador, é relevante para o funcionamento da organização empresarial e para a manutenção da actividade, designadamente por via do controle de instituições oficias e da certificação da actividade.
Ambas as condutas tiveram lugar num espaço temporal de pouco mais de uma semana. O trabalhador não nega as condutas que configuram das regras da empregadora, mas este reconhecimento desacompanhado da demonstração de qualquer justificação objectiva, salvo melhor opinião, apenas revela a sua indiferença pela organização e o seu funcionamento.
O trabalhador possui antecedentes disciplinares tendo sido sancionado uma sanção de repreensão registada por factos ocorridos em Dezembro de 2019.
Ponderada a repetição de condutas de indiferença pelas regras de funcionamento da organização da empregadora, vista a relevância dessas regras no referido funcionamento e no contexto de condicionantes históricas, ponderado o curto espaço de tempo entre as duas condutas afigura-se que a confiança que necessariamente tem de existir entre trabalhador e empregador se mostra profundamente e irremediavelmente abalada no caso dos autos e no que respeita à relação do trabalhador com a empregadora.
Neste contexto não se afigura exigível a empregadora que volte a confiar no trabalhador para o desempenho de tarefas na actividade económica por si desenvolvida e nos termos em que a mesma tem lugar.
A sanção de despedimento, a mais grave das legalmente previstas, mostra-se a única aplicável à situação dos autos".

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Pois bem.
Há que notar que a conduta do trabalhador tem de ser apreciada em conjunto, já que o seu todo é superior à mera soma das partes. Quer dizer: nenhuma delas é, só por si, suficiente para decretar o seu despedimento. Com efeito, abandonar a atividade antes do termo previsto no horário não é, seguramente, motivo para uma tal reação, ainda que mereça alguma censura; e mesmo o ato de urinar nos termos em que o fez, conduta evidentemente merecedora de reprovação, não será, em principio, suficiente para que um trabalhador com vários anos de antiguidade, que não tivesse antecedentes e sem outro comportamento censurável, deva ver terminada a situação laboral.
Porém, não se trata de uma única situação digna de censura, mas de duas. E o A. tem antecedentes disciplinares, visto que já antes foi sancionado por uma conduta ilícita.
Globalmente ponderada, não vemos que a apreciação da sentença recorrida mereça ser censurada.
É efetivamente grave a conduta do trabalhador de uma empresa de distribuição de produtos farmacêuticos que, apesar de dispor de instalações sanitárias a dois minutos, opta por urinar contra um muro do parque de estacionamento sito à entrada das mercadorias, sendo visto por outros elementos da empresa. Com isto põe em crise elementares regras de higiene, especialmente relevantes desde logo atenta área de intervenção da empregadora, mas também relativas a segurança, mormente no que tange a eventuais colegas e clientes do sexo feminino, que não é de supor sentirem-se à vontade num ambiente onde podem ser confrontadas com alguém a utilizar sem pejo áreas de passagem e logradouro como se casa de banho fossem. E importa ter presente que a R. está obrigada a proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista moral (art.º 127/1/c, do Código do Trabalho), o que significa que, a fazer vista grossa à existência de trabalhadores que urinam contra os muros à entrada das mercadorias ou até de trabalhadores que dizem à assistente "não quero essa merda, eles que a metam no cu" (e não, como seria de esperar, ao diretor ou a algum superior masculino com quem - se é essa a ideia - pudesse ter uma discussão viril), sujeita-se a ser responsabilizada civilmente no dia em que alguma trabalhadora resolva fazer valer o seu lídimo direito a um ambiente laboral moralmente saudável. Há que notar ainda que não se conhece nenhum problema de saúde ao A. que o impeça de se deslocar à casa de banho ou sequer lho dificulte; e que no âmbito da empregadora existe um "Código de Conduta e de Ética Empresarial", conhecido do A., que vincula os trabalhadores a prosseguirem um ambiente saudável e seguro.

O episódio da saída antes da hora é menos grave, embora não colha minimamente a argumentação do autor, que parte de pressupostos fácticos por demonstrar. Aliás, o que se provou milita em sentido contrário, porquanto perto das 19:00 horas ainda se encontrava na empresa, a fumar, o que sugere que afina não havia urgência alguma; e de todo o modo, a fazê-lo numa área em que não devia andar, devido às restrições impostas no âmbito da pandemia Covid 19.

Tendo em conta os episódios em causa ocorridos nos dias 28.9 e 7.10.20 (que são os que estão em causa, dando-se conta do anterior apenas no que releva quanto aos antecedentes), não vislumbramos que se possa exigir à R. que mantenha a relação laboral com o A., e nem que outra sanção seja suficiente, tanto mais que existe o antecedente descrito, cuja sanção não se revelou eficaz.

Ou seja: há justa causa de despedimento, não sendo a sanção, pois, desproporcionada.
Deste modo, conclui-se que a sentença recorrida não merece censura
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III.
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.


Lisboa, 12 de janeiro de 2022

                              
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega



[1]Artigo 351.º (Noção de justa causa de despedimento): 1 – Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Por outro lado, 3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
[2]Art.º 53.º (Segurança no emprego): É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (sublinhado nosso).
[3]Os casos de impossibilidade física são causa de caducidade do contrato e não fundamento de revogação – art.º 343/2.