Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
111/11.7TBPDL-A.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: LIVRANÇA
TÍTULO EXECUTIVO
APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-As alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (posteriormente artº 685º-B e, actualmente, artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
II-Nem tudo o que é mencionado pelas testemunhas tem que merecer o acolhimento do Tribunal. A apreciação da prova pelo julgador é muito mais profunda, merecendo um tratamento de decifração sério, objectivo e inequívoco, distanciada do interesse subjectivo da parte.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.



IRelatório:



1-“A. – Sociedade Hoteleira, Ldª” e A. R. M. O. deduziram oposição à execução comum para pagamento de quantia certa que o “Banco Comercial Português, S.A.” lhes moveu.

Alegam, em resumo, que o exequente não é portador de título executivo.  Com efeito, no âmbito da empreitada de construção do “Hotel T.”, o empreiteiro, “Construções C. M.”, interpelou a executada “A., Ldª”, para efectuar o pagamento de facturas no valor total de 450.000 €.

Uma vez que a executada não dispunha daquele valor e o empreiteiro estava em incumprimento junto da exequente, foi acordado, entre todos os envolvidos, que a executada apresentaria uma proposta de financiamento ao abrigo do programa regional SIDER, obtendo, por sua vez, junto da exequente, até à conclusão de tal financiamento, um crédito de 450.000 €, com uma livrança como garantia, para pagamento imediato ao empreiteiro.

Este crédito foi concretizado em 24/4/2009, sendo o respectivo montante transferido, na mesma data, para a conta bancária de “Construções C. M.”, com vista ao pagamento das referidas facturas.

Entretanto, em 2/7/2009, a executada celebrou com a Administração Regional um contrato de concessão de incentivos, no montante global de 971.164,62 €, correspondendo 467.885,57 € ao subsídio não reembolsável, e 503.279,06 € ao subsídio reembolsável, sem juros, a ser concedido pelo exequente “Banco Comercial Português, S.A.” nos termos e condições constante do protocolo celebrado para o efeito.

Em Outubro de 2009, a executada, por necessitar de dispor dos montantes a receber a título de incentivo não reembolsável, acordou com a exequente que a liquidação dos aludidos 450.000 € seria feita através da modalidade de empréstimo reembolsável, e não na modalidade de incentivo não reembolsável.

Porém, a partir da mesma altura, a Administração Regional começou a autorizar o pagamento dos incentivos, comunicando e instruindo a exequente no sentido de libertar o montante reembolsável, sem que esta última, no entanto, apesar de interpelada, e violando o que foi acordado, formalizasse com a executada o respectivo contrato de incentivo e disponibilizasse qualquer montante ao abrigo do empréstimo reembolsável.

Só em Maio de 2010 é que a exequente apresentou uma proposta de financiamento, alegadamente ao abrigo do SIDER, mas a mesma violava os termos do contrato de incentivos celebrado ao abrigo deste programa e não cumpria os requisitos estipulados no protocolo outorgado com a Administração Regional, levando à oposição da parte da sociedade executada, e constituindo esta matéria facto modificativo e extintivo da obrigação aqui em causa, não havendo dívida dos executados, nem juros a calcular.

Para além do mais, a livrança apresentada como título executivo apenas foi entregue à exequente como garantia de antecipação do pagamento do subsídio não reembolsável, no âmbito do crédito acima aludido, não constituindo ou reconhecendo qualquer obrigação pecuniária por parte do opoente.

Esta livrança, por outro lado, foi assinada em branco, o mesmo acontecendo com o seu aval, não sendo dada pelos opoentes qualquer autorização para o seu preenchimento, sendo o mesmo abusivo.

Tal livrança foi reformada, sendo que, equivalendo a reforma ao seu pagamento, não pode a exequente demandar os opoentes quanto à mesma.  A livrança de reforma, de resto, nunca chegou a ser assinada e apresentada aos opoentes, não sendo a exequente portadora de qualquer título executivo.

Assim, pedem os opoentes a improcedência da execução, com a sua extinção por falta de título e a procedência das restantes excepções invocadas.

2-Notificado o exequente para contestar, veio o mesmo a fazê-lo defendendo a improcedência da oposição à execução.

3-Foi proferido despacho saneador, sem selecção da matéria de facto assente e da que carecia de prova a produzir.

4-Seguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo.

5-Foi proferida decisão sobre a matéria de facto e posteriormente foi proferida Sentença a julgar a oposição à execução improcedente, constando da mesma, na parte  decisória :
“Assim, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados nos autos se aplicam, julga o Tribunal a presente oposição à execução, deduzida por A. – Sociedade Hoteleira, Lda. e A. R. M. O. contra Banco Comercial Português, SA, improcedente, prosseguindo a execução, oportunamente, os seus devidos termos.
Custas a cargo dos opoentes (cfr. art. 446º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique”.

6-Desta decisão interpuseram os executados/opoentes recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :

“1. Como decorre dos Factos Provados, sob o nº 20 da douta sentença:
“20. No âmbito de tais negociações, mencionadas em 13) e seguintes, a oponida, pelo menos a partir de um certo momento, não concretamente determinado, por conta da liquidação do financiamento através do incentivo reembolsável, manifestou vontade na constituição, por parte da oponente, de “hipoteca” sobre bens da empresa que não se encontrassem onerados com garantia constituída em favor de outrem”.
E, sob o nº 21, em ligação com a questão anterior consta: “21. Ao que a opoente não veio a corresponder”.
Ora, em primeiro lugar, terá de ser tido em conta o depoimento da testemunha dos opoentes I...M..., na sessão da audiência de julgamento de 21-03-2013, cujo depoimento está gravado no sistema áudio sob o registo com início às 10:33:5 e fim às 11:05:59.
Esta testemunha disse que por muitas vezes insistiu com o BCP para que este dissesse quais as condições em que aceitava conceder à oponente um empréstimo ao abrigo do SIDER e do contrato celebrado com a Região Autónoma dos Açores, no valor do subsídio reembolsável já aprovado e cuja concretização fora sempre comunicada à oponida em simultâneo com a informação do pagamento das parcelas do subsídio não reembolsável, e cujo produto serviria para liquidar o empréstimo titulado pela primeira livrança assinada em 24/04/2009. E esse pedido de informação foi feito por escrito e com indicação da urgência na resposta do Banco, logo em 06 /11/2009, como consta do doc. 35-A,  junto pela oponente com a petição da oposição.
2. E a única resposta escrita dada pelo BCP, aqui oponida, a este pedido formal data de 12/05/2010, a qual consta dos autos como doc. 37 junto com a petição. Essa proposta impunha, entre outras condições designadamente quanto a garantias, que o empréstimo a celebrar teria o prazo de 8 anos e que o período de carência de capital seria de 6 meses.
3. Como consta do depoimento da testemunha Dr. A...M..., cujo depoimento está gravado no sistema áudio sob o registo com início às 10:33:58 e fim às 11:05:59 – o SIDER previa que os bancos concedessem aos empresários cujos projectos tivessem sido aprovados para efeitos daquele sistema de apoios financeiros ao investimento, empréstimos pelo prazo de 10 anos, com carência de capital de 3 anos, cujos juros eram suportados pela Região Autónoma dos Açores. E o BCP tinha aderido ao sistema celebrando um Protocolo com a Região Autónoma dos Açores ao abrigo do SIDER.
Esta matéria consta ainda dos artigos 41º a 43º da oposição e que foi aceite pela oponida no artigo 39º da sua contestação.
4. Mau grado a proposta do BCP de 12/05/2010 acima referenciada não satisfazer estas condições de prazo do empréstimo e de período de carência de capital, previstas pelo SIDER aceites pelo próprio BCP o ora recorrente respondeu duas semanas depois, confirmando aceitar que o prazo do empréstimo fosse de apenas 8 anos em vez dos 10 previstos no SIDER, e que o prazo de carência de capital fosse de apenas 6 meses em vez dos 3 anos previstos nos referido sistema, o que por si só constituía um prejuízo sério para a oponente, que ficava com um prazo mais curto para pagar, implicando prestações de valor mais elevado, e deixando de beneficiar do empréstimo à taxa zero de montante superior a 500.000,00€ durante 2 anos.
4. E nessa comunicação a oponente também respondeu à exigência do BCP de garantias reais: o imóvel sobre o qual o banco pretendia hipoteca de 1º grau era impossível de cumprir porque o imóvel já se encontrava onerado com hipoteca a favor do anterior proprietário para garantia do valor de 125.000,00€, e havia uma proposta de compra e venda em curso.
5. Por outro lado, a testemunha Dr. A...M... acima já referenciada, também declarou ter tido vários contactos com o BCP no sentido de obter da parte deste banco uma resposta sobre a celebração ou não com a oponente do contrato de empréstimo pelo montante do subsídio reembolsável, que ficava custo zero para a oponente, em face das dificuldades que esta estava a passar por falta desse empréstimo. E declarou que nunca obteve resposta por parte do Banco.
6. Por outro lado a testemunha I...M..., cujo depoimento já se encontra acima referenciado, também mencionou as várias diligências feitas junto da Região Autónoma dos Açores e do Banif, que eram beneficiários de hipotecas incidentes sobre o imóvel do Hotel T., no sentido de estes autorizarem a constituição sobre o mesmo de uma nova hipoteca a favor do BCP, o que não foi aceite por estes.
7. Além disso, os oponentes não tinham outros imóveis sobre os quais pudessem constituir hipoteca a favor do BCP, facto que era do total conhecimento deste banco, e que não tinha sido obstáculo à concessão, em quinze dias, do empréstimo de 450.000,00€ destinado a ajudar a “tapar o buraco” do Eng. C. M., em situação de insolvência iminente, em Setembro de 2009.
8. Entendem, pois, os recorrentes que o Tribunal não pode dar como provado que a opoente não tenha correspondido à exigência do BCP de garantias reais de 1º grau, porque o que esta fez foi esclarecer que estava impossibilitado de dar essa garantia. E o modo como está redigido o facto descrito sob o nº 21 indicia o contrário: que a oponente não aceitou a proposta da oponida por acto de sua livre vontade, e não por impossibilidade objectiva de a ela corresponder.

9. Entendeu ainda o Tribunal, sob o nº 40, em relação à mesma proposta de financiamento apresentada pelo Recorrido o seguinte:
“40. A oponente não aceitou esta proposta, apresentada pela oponida”.
10. A propósito deste facto, aplicam-se integralmente os argumentos e as considerações desenvolvidos quanto ao ponto antecedente, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.
11. Na verdade, o modo como este se encontra redigido parece indiciar que a oponente não aceitou a proposta por sua livre opção, e não por impossibilidade total de satisfazer as condições nela impostas, designadamente quanto às garantias reais exigidas, e ignora que a oponente aceitou parte dessas condições, mesmo as que contrariavam o regime do SIDER, e que lhe acarretavam graves prejuízos financeiros, concretamente quanto à perda de dois anos no prazo de reembolso do empréstimo sem juros, e à perda de dois anos e meio de período de carência de capital, que lhe eram tão necessários nas condições difíceis em que s encontrava, e que não acarretavam qualquer prejuízo para o Banco pois a Região Autónoma dos Açores pagava a totalidade dos juros correspondentes.
12. Em consequência a prova produzida em sede de julgamento importava decisão diversa da decisão que foi proferida quanto à matéria de fato.
13. Considerando a matéria constante dos artigos 41º a 43º da oposição e aceite no artigo 39º da contestação da oponida, deveria ser complementada a resposta ao nº 40 da matéria de facto nos seguintes termos: “40. A oponente não aceitou esta proposta, apresentada pelo oponida, porque a proposta de financiamento não estavam conformes com o Protocolo celebrado entre o Recorrido e o Governo Regional dos Açores, nem com o Contrato de Incentivos nº 84/2009 que havia sido concedido à Recorrente, nomeadamente no que concerne ao prazo do empréstimo e ao período de carência do capital”.
14. Como decorre da factualidade apurada, a Livrança foi aceite como condição intercalar, tendo em vista a sua resolução através do incentivo/financiamento (subsídio não reembolsável e subsídio reembolsável) a obter junto do Governo Regional dos Açores e que seria processado através do Banco Recorrido.
15. Existindo um processo negocial em curso entre o Banco Recorrido, a Recorrente A., Lda. e o Governo Regional dos Açores com vista ao processamento do incentivo/financiamento atribuído por esta à A., através do Branco, não estavam assim reunidas as condições de exequibilidade da Livrança, dada a dependência da mesma do processo negocial, uma vez que não ocorreu o facto gerador do direito do exequente, ora Recorrido, preencher e apresentar a livrança dos autos (artigo 10º da LULL), o que retira à mesma a natureza de título executivo (artigos 45º e seguintes do CPC).
16. Sempre que é emitida uma letra ou uma livrança em branco tem de haver um acordo prévio ou simultâneo, expresso ou tácito, quanto ao critério de preenchimento, que é uma convenção extracartular, o chamado pacto de preenchimento (neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, 1997, pág. 62/63, Ac. do STJ de 6/3/2003 - Proc. 038103 e Ac do STJ de 3/5/2005 - Proc. 05A1086, ambos in www.dgsi.pt).
17. Desde logo verificou-se Inexistência de Convenção Extracartular Expressa dado que o Exequente, ora Recorrido, não demonstra por documento idóneo a convenção de preenchimento nem as cláusulas integradoras de tal convenção/pacto, a qual constitui não só o fundamento do preenchimento da livrança como essencialmente a razão do direito alegado pelo exequente, bem como o modo qual o critério e modo de cálculo dos juros debitados, o que viola o artº 10º da LULL.
18. Do mesmo modo, verificou-se Violação da Convenção Extracartular Tácita por parte do Banco Recorrido.
19. Esta Convenção Extracartular Tácita era constituída pelo acervo de declarações negociais estabelecidas entre o Banco Recorrida e os Recorrentes conducentes ao processamento do incentivo/financiamento atribuído por esta à A., através do Branco Recorrido, bem como à liquidação da Livrança através das verbas a receber do Governo Regional dos Açores, a título de subsídio reembolsável.
20. As declarações negociais estabelecidos entre o Banco recorrido e o Governo Regional dos Açores e as expectativas criadas pelo banco Recorrido junto dos Recorrentes com vista ao processamento do subsídio reembolsável e não permitiam ao banco Recorrido preencher e executar a Livrança nos moldes em que o fez.
21. O artigo 227º do C. Civil dispõe: “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
22. A boa-fé tem aqui um significado ético – Pires de Lima e A. Varela Cód. Civ. Anot. – é o comportamento, honesto, consciencioso, leal. Constituem-se assim, como violadores da consciência ético-jurídica os comportamento da parte que viola a expectativa e a confiança criada na outra parte acerca da concretização do negócio.
23. Como resulta do nº 38 da matéria de facto, o Banco Recorrido nunca informou a Recorrente, nem o Governo Regional dos Açores (Secretaria Regional da Economia) de que não ia conceder à Recorrente as quantias correspondentes ao subsídio reembolsável.
24. O Banco Recorrido tinha plena consciência (até porque instado por diversas vezes pelos Recorrentes) da que era de crucial importância receber o subsídio reembolsável atribuído pelo Governo Regional dos Açores, sendo certo que, em consequência desta actuação do Banco Recorrido, a Recorrente A., Lda., não conseguiu beneficiar do subsídio reembolsável, já contratualizado com o Governo Regional dos Açores, sob a forma da concessão de crédito sem juros, no valor de €503.279,06.
25. A douta sentença recorrida não fez correcta valoração da prova nem interpretação das normas legais aplicáveis violado o disposto no artº 607 nºs. 4 e 5 do C.P.C.
Requer-se para os devidos efeitos a reapreciação da prova gravada com vista à alteração da decisão proferida sobre a matéria de fato nos termos do disposto no artº 662 do C.P.C
Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Ex.as, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue procedente da oposição deduzida pelos executados, ora recorrentes com todos os efeitos legais.
Porque só assim se fará Justiça”.

7- O exequente/recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões :

“1. No item I. das alegações propriamente ditas, resumiram-se os factos dados como provados que o Banco recorrido considera absolutamente essenciais e para os quais se remete nestas conclusões.
2. Resulta da matéria de facto dada como provada (cfr. o ponto IV.4.a) da sentença) que, em 24.04.2009, a A. Ldª e o BCP ajustaram a celebração de um financiamento desta Instituição Bancária à Recorrente, pelo prazo de seis meses, pelo valor de € 450.000,00, com a subscrição pela Recorrente de uma livrança por esse valor.
3. Por isso, o negócio subjacente à livrança foi esse mútuo concedido pelo Banco à Recorrente A., Ldª.
4. É certo que foi ajustado pelas partes que o valor financiado seria liquidado através de um programa regional de incentivo/financiamento não reembolsável.
5. Porém, foi a própria recorrente A. Ldª que comunicou ao BCP que precisava de dispor (ou seja, de utilizar) os montantes a receber a título de incentivo não reembolsável (cfr. o ponto IV. 13 da Sentença).
6. Ou seja, foi a própria mutuária quem se afastou do anteriormente acordado, pretendendo que a liquidação dos € 450.000,00 se fizesse através do incentivo reembolsável.
7. Perante isso, o Banco apenas admitiu prorrogar o prazo de vencimento da livrança, em primeiro lugar, por um mês e, em segundo lugar, por mais três meses, jamais se tendo dado como provado que o banco anuiu à proposta apresentada pela A., Ldª, no sentido de que a liquidação do mútuo se faria através do incentivo reembolsável.
8. Por isso, a livrança titula o mútuo concedido, tendo a mesma “funcionado” como garantia do bom pagamento dos € 450.000,00.
9. O Banco Comercial Português disponibilizou, financiou ou mutuou € 450.000,00 à executada A.,Lda. que ficou sem o dinheiro e está sem o dinheiro.
10. A livrança executada nasceu para salvaguardar a liquidação do capital mutuado, independentemente da forma ou método como a Mutuária obteria tal quantitativo.
11. Os Recorrentes pretendem dizer que a obrigação exequenda existiu sob condição. Ora, isso não foi dado como provado e, se as partes o quisessem, bem isso poderiam ter convencionado.
12. Pretendem ainda os Recorrentes dizer que o Banco recorrido não demonstrou por documento idóneo a convenção de preenchimento da livrança e que, a não ter havido convenção expressa, o Banco violou a convenção tácita.
13. É manifesto o equívoco, na medida em que se provou, no Ponto IV. 18 da Sentença, que em 30.12.2009, procedeu-se a nova reforma da livrança, pelo capital de € 450.000,00, com data de vencimento para 23.02.2010, preenchida e assinada pelos Executados.
14. Ou seja, a livrança executada foi preenchida e assinada pelos Executados.
15. Finalmente, os Recorrentes defendem que foi por culpa do BCP que a A., Ldª não conseguiu beneficiar do subsídio reembolsável de € 503.279,06.
16. Tal subsídio reembolsável haveria de ser concretizado da seguinte forma: - através da concessão de crédito, sem juros, pelo BCP, nos termos e condições constantes do protocolo celebrado entre a Secretaria Regional da Economia e o Banco.
17. Esse protocolo havia sido outorgado em 07.05.2008 e tinha como objecto a fixação das condições que o BCP se comprometeu a observar no financiamento, sob a forma de mútuo bancário, da parte reembolsável dos incentivos aprovados no quadro do SIDER.
18. Sucede que uma das cláusulas de tal protocolo (a 4ª nª 1) plasmou que “Os empréstimos, atento o disposto no presente protocolo, são negociados pelos promotores directamente com a IC (Instituição de Crédito)”, no caso, o BCP.
19. Isto quer significar que as condições dos empréstimos (com algumas condicionantes) sempre haveriam de ser negociadas entre os pretensos mutuários e o Banco.
20. Ora, em 12.05.2010, por escrito (via mail), o BCP apresentou à A., Ldª uma exacta e concreta proposta de financiamento, a qual abrangia o montante a financiar (justamente os € 503.279,06), o prazo, a carência de capital, a forma de reembolso, os juros, as garantias exigidas, etc. (cfr. o ponto IV. 39 da sentença e cfr. ainda com os pontos IV. 20 e IV. 21 da mesma).
21. A A., Ldª não aceitou tal proposta (cfr. o ponto IV. 40 da sentença).
Termos em que o recurso interposto não deve obter provimento”.

*  *  *

IIFundamentação.

a)  A matéria de facto dada como provada em primeira instância foi a seguinte :
1- Nos autos de execução que correm sob o nº 111/11.7 TBPDL, instaurada por “Banco Comercial Português, S.A.” contra “A. – Sociedade Hoteleira, Ldª” e A. R. M. O., foi apresentado pela ora oponida, e identificado como “título executivo”, escrito denominado de “livrança”, com a inscrição do valor de “450.000,00 €”, com a data de vencimento em “2010.02.23”, subscrito pela opoente, “A., Ldª”, com menção, no verso, de “aval” dado pelo opoente, A. O..
2- Em Abril de 2009, “Construções C. M.”, na qualidade de empreiteiro das obras de ampliação e renovação do “Hotel T.”, na sequência da execução dos trabalhos, instou “A., Ldª”, dona dessa unidade hoteleira, entidade contratante, ao pagamento do valor de 450.000 €, por conta destes trabalhos e das respectivas facturas entretanto emitidas.
3- Na altura indicada no número anterior, “A., Ldª” não dispunha desse montante, ao passo que, na mesma altura, “Construções C. M.” encontrava-se com pagamentos por liquidar junto do “Banco Comercial Português”.

4- Nestas circunstâncias, e mediante iniciativa de Victor C. M., legal representante de “Construções C. M.”, este último e A. O., sócio-gerente de “A., Ldª”, dirigiram-se ao “Banco Comercial Português, S.A.”, sucursal da Matriz, Ponta Delgada, ajustando “A., Ldª” e a instituição bancária, em 24/4/2013, o seguinte :
a)  O Banco concedia um financiamento à sociedade “A., Ldª”, a “curto prazo” (seis meses), pelo valor de 450.000 €, com a subscrição por esta última de uma livrança por esse valor, tendo em vista a liquidação das facturas de “Construções C. M.”.
b)  Este valor seria liquidado pela opoente, junto do Banco, tendo como meio a desencadear para o efeito a obtenção de um incentivo/financiamento do Governo Regional dos Açores, não reembolsável, no âmbito do programa SIDER (Sistema de Incentivos para o Desenvolvimento Regional dos Açores).

5- Na altura, foi solicitado pela opoente a transferência deste montante financiado para a conta de depósitos à ordem nº 45261766260, titulada por “Construções C. M.”.
6- Em Maio de 2009, “A., Ldª” finalizou junto da Secretaria Regional da Economia, Direcção Regional de Apoio ao Investimento e à Competitividade, o processo de candidatura ao programa de desenvolvimento do turismo, com vista ao pagamento das obras de ampliação e renovação do “Hotel T.”.

7- Em 2/7/2009, “A., Ldª” celebrou com a Região Autónoma dos Açores um contrato de concessão de incentivos financeiros, no âmbito do SIDER (contrato nº 84/2009), por força do qual foi atribuído à opoente um incentivo financeiro no valor total de 971.164,62 €, em duas modalidades :
a) Subsídio não reembolsável, no valor de 467.885,57 €.
b) Subsídio reembolsável, no valor de 503.279,06 €, através da concessão de crédito, sem juros, pela instituição bancária “Banco Comercial Português, S.A.”, “nos termos e condições constantes do protocolo celebrado para o efeito entre a Secretaria Regional da Economia e a referida instituição de crédito (IC)”.

8- Em 7/5/2008, a Região Autónoma dos Açores e o “Banco Comercial Português, S.A.” haviam celebrado um “Protocolo de Financiamento no Âmbito do Sistema de Incentivos para o Desenvolvimento Regional dos Açores (SIDER)”, tendo como objecto “a fixação das condições que a IC se compromete a observar no financiamento, sob a forma de mútuo bancário, da parte reembolsável dos incentivos aprovados no quadro do Sistema de Incentivos para o Desenvolvimento Regional dos Açores (…)”.
9-  Segundo a cláusula 3ª, alíneas b), c) e f), deste protocolo : “O prazo de cada operação é de 10 anos, incluindo um período de carência de reembolso de capital de 3 anos, e é contado a partir da data do primeiro pagamento do incentivo”; “O prazo de reembolso de capital, de 7 anos, pode ser reduzido, caso o mutuário solicite à DRACE a antecipação da amortização total ou parcial da componente reembolsável do incentivo” ;  “As garantias são prestadas pelo mutuário à IC, podendo revestir qualquer das modalidades admitidas em direito”.
10- De acordo com a cláusula 4ª, nº 1, deste protocolo : “Os empréstimos, atento o disposto no presente protocolo, são negociados pelos promotores directamente com a IC, ficando sujeitos ao preçário praticado a clientes, em vigor a cada momento”.
11- E, de acordo com a cláusula 8ª, nº 1, deste protocolo :  “A IC obriga-se a comunicar à DRACE, no prazo de 15 (quinze) dias úteis após a formalização dos empréstimos, quem exerce as funções de interlocutor junto da mesma, para efeitos de execução do presente protocolo”.
12- As prestações relativas a este apoio seriam entregues a “A., Ldª” por transferência bancária para a conta de depósitos com o NIB 00330000010913718, titulada pela opoente, junto do “Banco Comercial Português, S.A.”, Sucursal da Matriz, Ponta Delgada.
13- Em Outubro de 2009, a opoente informou o oponido de que precisava de dispor dos montantes a receber a título de incentivo não reembolsável, nos termos definidos em 7. e 8., para manter a gestão o “Hotel T.”.
14- E propôs ao oponido a liquidação do financiamento de 450.000 € através das verbas a receber a título de incentivo reembolsável, nos termos definidos em 7. e 8..
15- No âmbito destas negociações, definidas nos dois números anteriores, o oponido aceitou prolongar o prazo de pagamento do valor financiado, por um mês.
16- E, na sequência do referido, procedeu-se à “reforma” da livrança identificada em 4., fixando-se, como nova data de vencimento, o dia 23/11/2009.
17- Para o efeito, os opoentes entregaram ao oponido uma nova livrança, pelos mesmos subscrita e com declaração de “aval”.
18- Em 30/12/2009, procedeu-se a nova “reforma” da livrança, pelo capital de 450.000 €, com data de vencimento fixada para 23/2/2010, preenchida e assinada pelos opoentes.
19- O oponido informou a opoente da “reforma” da livrança subscrita em Abril de 2009, pelo prazo de três meses.
20- No âmbito de tais negociações, mencionadas em 13. e seguintes, o oponido, pelo menos a partir de um certo momento, não concretamente determinado, por conta da liquidação do financiamento através do incentivo reembolsável, manifestou vontade na constituição, por parte da opoente, de “hipoteca” sobre bens da empresa que não se encontrassem onerados com garantia constituída em favor de outrem.
21- Ao que a opoente não veio corresponder.
22- O oponido nunca cativou, para sua compensação, os montantes que a opoente recebia a título de incentivo não reembolsável.
23- Por ofício datado de 27/10/2010, a Direcção Regional de Apoio ao Investimento e à Competitividade comunicou à opoente que, por decisão de 23/10/2009, nos termos definidos em 7. e 8., foi autorizado o pagamento de um incentivo reembolsável no montante de 199.312,06 €.
24- E comunicou/instruiu o oponido no sentido de libertar este montante, a ser concedido nos termos definidos em 7. e 8..
25- Não obstante o ora descrito, o oponido não celebrou com a opoente o contrato de financiamento, nos termos definidos em 7. e 8., para entrega do montante inscrito por conta do incentivo reembolsável.
26- E não disponibilizou este montante à opoente.
27- Por conta do financiamento mencionado em 4., a opoente pagou, a título de juros :  19.845,50 €, em 10/9/2009;  10.341,50 €, em 10/12/2009 ; 14.962,38 €, em 23/2/2010;  9.599,03 €, em 26/5/2010 ;  1.950 €, em 28/7/2010.
28- Mas o débito do valor de 10.341,50 €, acima indicado, veio a ser anulado, sendo creditado, de novo, na conta da opoente, no dia 10/11/2009.
29- Por ofício datado de 19/1/2010, a Direcção Regional de Apoio ao Investimento e à Competitividade comunicou à opoente que, por decisão de 16/1/2010, nos termos definidos em 7. e 8., foi autorizado o pagamento de um incentivo não reembolsável no valor de 64.951,47 € e de um incentivo reembolsável no montante de 76.442,79 €.
30- E comunicou/instruiu o oponido no sentido de libertar este montante, a ser concedido nos termos definidos em 7. e 8..
31- Não obstante o ora descrito, o oponido não celebrou com a opoente o contrato de financiamento, nos termos definidos em 7. e 8., para entrega do montante inscrito por conta do incentivo reembolsável.
32- E não disponibilizou este montante à opoente.
33- Por ofício datado de 23/3/2010, a Direcção Regional de Apoio ao Investimento e à Competitividade comunicou à opoente que, por decisão de 20/3/2010, nos termos definidos em 7. e 8., foi autorizado o pagamento de um incentivo não reembolsável no valor de 81.536,57 € e de um incentivo reembolsável no montante de 95.962,15 €.
34- E comunicou/instruiu o oponido no sentido de libertar este montante, a ser concedido nos termos definidos em 7. e 8..
35- Não obstante o ora descrito, o oponido não celebrou com a opoente o contrato de financiamento, nos termos definidos em 7. e 8., para entrega do montante inscrito por conta do incentivo reembolsável.
36- E não disponibilizou este montante à opoente.
37- Pelo menos em 25/11/2010 e 28/1/2011, a opoente instou o oponido a celebrar o contrato de financiamento, nos termos definidos em 7. e 8., para entrega do montante inscrito por conta do incentivo reembolsável.
38- O oponido nunca informou a opoente e a Secretaria Regional da Economia de que não ia conceder à primeira o empréstimo reembolsável, nos termos definidos em 7. e 8..
39- Em 12/5/2010, por “e-mail”, o oponido apresentou à opoente uma proposta de financiamento, com o seguinte teor :
“-Montante:  503.279,06 € ;
-Finalidade: Candidatura ao Subsistema de Apoio ao Desenvolvimento Local do SIDER ;
-Prazo :  8 anos, que inclui 6 meses de carência de capital ;
-Reembolso:  90 prestações mensais, postecipadas, sucessivas e iguais de capital e juros ;
-Juros:  mensais durante o período de carência de capital ;
-Garantias: Contrato e livrança de caução subscritos pela empresa com aval do Sócio-Gerente maioritário Sr. A.R.M.O., acrescendo Hipoteca em 1º Grau a constituir sobre edifício em que o r/c é destinado ao comércio e o 1º e 2º andares a habitação, contíguo ao Hotel T. e que pertence ao cliente, garantindo responsabilidade até ao valor da avaliação a efectuar pelo Banco, que não poderá ser inferior a 250 mil euros ;

-Outras condições :
a) Compromisso escrito de que o remanescente do subsídio não reembolsável no valor de 233.383,00 € continuará domiciliado neste Banco e será integralmente utilizado na amortização da livrança em curso no valor actual de 450.000,00 €, ou se ela já tiver sido liquidada, na amortização antecipada deste financiamento ;
b) Compromisso escrito de que o remanescente do subsídio reembolsável no valor de 131.238,80 € (503.279,06 € - 371.755,26 €), 53.279,00 € serão aplicados em CDA em nome da proponente sobre a qual incidirá Penhor a favor do Banco, que se manterá até à integral liquidação do financiamento”.

40- A opoente não aceitou esta proposta, apresentada pelo oponido.
b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.

Perante as conclusões da alegação dos recorrentes as questões em recurso são :
-Saber se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
-Saber se há lugar à procedência da oposição à execução.

c)  Decidindo:

Vejamos, então, se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.

Ora, de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :

-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (posteriormente artº 685º-B e, actualmente, artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.

De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artº 607º nº 5 do Código de Processo Civil (anteriormente consagrado no artº 655º), o qual dispõe que “o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, pelo que a convicção do Tribunal não é, em princípio, sindicável.  Este princípio não pode, nem deve, ser subvertido pelo exercício de duplo grau de jurisdição.

d)  No caso em apreço, impugnaram os recorrentes os Factos 21. e 40., supra.
Ambos versam, em resumo, sobre a não aceitação, por parte dos apelantes, de condições negociais apresentadas pelo recorrente.
Em relação ao primeiro dos apontados factos os recorrentes, se bem interpretamos as suas alegações, defendem que o mesmo não se mostra provado.

Quanto ao segundo dos factos indicados, apontam os apelantes para a seguinte redacção alternativa :

“40. A oponente não aceitou esta proposta, apresentada pelo oponida, porque a proposta de financiamento não estava conforme com o Protocolo celebrado entre o Recorrido e o Governo Regional dos Açores, nem com o Contrato de Incentivos nº 84/2009 que havia sido concedido à Recorrente, nomeadamente no que concerne ao prazo do empréstimo e ao período de carência do capital”.

Em ambos os casos invocam os apelantes os depoimentos prestados pelas testemunhas I...M... e A...M....
No entanto, há que referir que as testemunhas F...P... e R...C..., ambos quadros do recorrido, acompanharam de perto o processo de financiamento da empresa apelante e confirmaram a apresentação das propostas e a não aceitação por parte dos recorridos.

No entanto, há que salientar que a própria testemunha I...M... referiu, a propósito das negociações que envolveram as partes, que não participou nas reuniões, que “o Sr. A. é que ia ao Banco e trazia os problemas resolvidos”, sendo mesmo confusa a sua referência à inexistência de um pedido de garantia real.

Aliás, o Facto 21. é a enunciação de uma realidade.  O recorrido fez a proposta prevista no Facto 20. e os recorrentes não aceitaram. Nada mais do que isto se pode considerar como provado, ou seja, trata-se de um facto objectivo, certo e inequívoco.

Quanto ao Facto 40. O mesmo está provado por via documental, sendo redundante estar a trazer à liça qualquer depoimento testemunhal.

Aliás, há que ter em consideração que nem tudo o que é mencionado pelas testemunhas tem que merecer o acolhimento do Tribunal.  A apreciação da prova pelo julgador é muito mais profunda, merecendo um tratamento de decifração sério, objectivo e inequívoco, distanciada do interesse subjectivo da parte.

Ora, através do documento de fls. 300 e 301 (não impugnado pelos recorrentes) está provado que o recorrido fez aos apelantes uma proposta de financiamento cujo teor se transcreve no Facto 39..

E a verdade é que a mesma não foi aceite pelos recorrentes (eles próprios o aceitam).

Pretendem, porém, que se acrescente que não a aceitaram por não estar a mesma conforme com o Protocolo celebrado entre o Recorrido e o Governo Regional dos Açores, nem com o Contrato de Incentivos nº 84/2009 que havia sido concedido à Recorrente, nomeadamente no que concerne ao prazo do empréstimo e ao período de carência do capital.

Mas a verdade é que o recorrido e a Região Autónoma dos Açores celebraram um “Protocolo de Financiamento no Âmbito do Sistema de Incentivos para o Desenvolvimento Regional dos Açores (SIDER)”, tendo como objecto “a fixação das condições que a IC se compromete a observar no financiamento, sob a forma de mútuo bancário, da parte reembolsável dos incentivos aprovados no quadro do Sistema de Incentivos para o Desenvolvimento Regional dos Açores (…)”.

Segundo a cláusula 3ª, alíneas b), c) e f), deste protocolo : “O prazo de cada operação é de 10 anos, incluindo um período de carência de reembolso de capital de 3 anos, e é contado a partir da data do primeiro pagamento do incentivo”; “O prazo de reembolso de capital, de 7 anos, pode ser reduzido, caso o mutuário solicite à DRACE a antecipação da amortização total ou parcial da componente reembolsável do incentivo” ;  “As garantias são prestadas pelo mutuário à IC, podendo revestir qualquer das modalidades admitidas em direito”.

Mas, e isto releva para a questão aqui em análise, segundo a cláusula 4ª, nº 1, desse protocolo : “Os empréstimos, atento o disposto no presente protocolo, são negociados pelos promotores directamente com a IC, ficando sujeitos ao preçário praticado a clientes, em vigor a cada momento”.  Ou seja, as condições dos empréstimos teriam sempre de ser negociadas entre os mutuários e o apelado, sendo que o protocolo fixava limites máximos que, por acordo entre as partes poderiam ser alterados de acordo cum esta última citada cláusula.

e) Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou o Tribunal de 1ª instância na decisão sobre a matéria de facto, pelo que não vemos razão para alterar a mesma, improcedendo nesta parte o recurso.
É, pois, com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo” que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.

f) Vejamos, então, se existem motivos para julgar a oposição à execução procedente.
Defendem os recorrentes que a livrança dada à execução foi aceite como condição intercalar, tendo em vista a sua resolução através do financiamento (parte reembolsável e parte não reembolsável) a obter junto do Governo Regional dos Açores e que seria processado pelo apelado. Estando a decorrer o processo negocial entre estas duas últimas entidades e os recorrentes, “não estavam (…) reunidas as condições de exequibilidade da livrança”.
Porém, como se assinala na decisão sob recurso, a obrigação titulada pela livrança nasceu com a celebração de um contrato de mútuo (no qual o recorrido emprestou à sociedade recorrida o montante de 450.000 €, pelo prazo de seis meses) com a subscrição pela apelante/devedora de uma livrança (que corresponde ao título dado à execução).
Mais se apurou que esse valor seria liquidado através de um programa regional de financiamento, na sua componente não reembolsável (SIDER).

E salienta-se na decisão sob recurso :
“Ora, para além de este montante não ter sido liquidado, também se apura que, na sequência da posterior concretização deste programa de incentivo/financiamento (com uma componente reembolsável, mediante contrato a celebrar com o BCP, e uma outra não reembolsável), “A., Ldª”, afastando-se do que havia sido anteriormente acordado, vem a solicitar à exequente a liquidação do crédito através das verbas a receber através do incentivo reembolsável (uma vez que necessitava de dispor do montante não reembolsável para manter a gestão do Hotel)”.
Ora, apurou-se que o recorrido aceitou prolongar o prazo de pagamento do valor emprestado, pelo menos por um mês, sendo que, na sequência da reforma da aludida livrança, procedeu-se à emissão de novo título, subscrito pelos recorrentes, pelo mesmo valor de 450.000 €, com data de vencimento fixada para 23/2/2010 (sendo essa a livrança apresentada como título executivo).
Ou seja, a livrança em causa titula o mútuo concedido pelo recorrido que disponibilizou aos recorrentes a quantia de 450.000 €. Tudo isto, independentemente da forma como o recorrido obteria tal quantitativo.

g) Nem se diga que houve violação da convenção tácita de preenchimento da livrança.
Com efeito, apurou-se que o recorrido aceitou prolongar o prazo de pagamento do valor financiado e, na sequência de tal, procedeu-se à reforma da livrança, com nova data de vencimento.
Os recorrentes entregaram ao recorrido uma nova livrança, pelos mesmos subscrita e com declaração de “aval”.
Deste modo, a livrança foi apresentada à execução devidamente preenchida.

h) Por fim, referem os recorrentes que, em consequência da actuação do apelado, não conseguiram beneficiar do subsídio reembolsável já contratualizado com o Governo Regional dos Açores.
É certo que o contrato de financiamento a ser firmado entre as partes, no âmbito do SIDER, mediante o qual seria disponibilizada a verba reembolsável deste programa de incentivo, não chegou a ser celebrado.
Mas esse facto não modifica nem extingue a obrigação exequenda.
Como se refere na Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” :
“Desde logo nem se apura que, de forma expressa e inequívoca, tenha havido aceitação por parte da exequente da proposta da sociedade executada, no sentido de a prestação exequenda ser liquidada com o valor reembolsável, por força do SIDER.
Para além disso, no âmbito deste programa, a oponida, na sequência das negociações acima referidas, acabou por apresentar uma proposta de financiamento, a qual veio a ser recusada pela opoente.  Alega esta última que tal proposta viola os termos do protocolo que, no âmbito do SIDER, a própria oponida havia celebrado com a administração regional, com a consagração de prazos de empréstimo e de carência de reembolso de capital diferentes dos previstos. Mas não é isso que, no presente entendimento, se apura. Na verdade, o contrato de concessão de incentivos celebrado com “A., Ldª” prevê um subsídio reembolsável, através da concessão de um crédito por parte do BCP, “nos termos e condições” do protocolo celebrado por esta instituição bancária com a administração regional. E, por sua vez, segundo este protocolo, tal empréstimo sempre ficaria sujeito às condições fixadas pela instituição de crédito (preçário, garantias). O que aqui sucedeu, tendo a exequente, face à interpelação da executada no sentido de disponibilizar a parte não reembolsável do incentivo de uma outra forma (que não com a liquidação do crédito de € 450.000,00 aqui em causa), encetado negociações com esta última (dilatando o prazo de pagamento e procedendo à reforma da livrança, com a subscrição daquela que aqui é dada à execução), manifestado vontade na constituição, por parte da executada, por conta da liquidação do crédito, de hipoteca sobre bens da empresa que não se encontrassem onerados (o que a opoente não veio corresponder) e, na sequência de tudo isto, apresentado a proposta acima realçada, dentro da margem negocial de que dispunha, mesmo no âmbito do protocolo firmado ao abrigo do SIDER (o que, de novo, não mereceu anuência da parte da opoente)”.

Mas nada permite imputar ao apelado qualquer facto modificativo ou extintivo da obrigação exequenda.

Sempre se dirá, ainda, que se apurou, e isso é que releva “in casu”, que a livrança foi apresentada como garantia do financiamento bancário concedido pelo recorrido à sociedade apelante, de forma a salvaguardar a liquidação do montante mutuado, independentemente da forma como esta última obtinha tal quantitativo.  É verdade que tal liquidação seria feita através do valor a receber por via do incentivo não reembolsável, mas, repetimos mais uma vez, o que a livrança garantia, unicamente, era o cumprimento da prestação exequenda.
De resto não faz sentido invocar a liquidação do valor mutuado através do subsídio não reembolsável, quando foram os próprios recorrentes quem, junto do recorrido, manifestaram intenção de encaminhar essa quantia para um outro destino (no âmbito da gestão do Hotel), distinto da liquidação do empréstimo concedido pelo apelado.

i) Improcedem, pois, as conclusões do recurso, sendo de manter a Sentença recorrida.

j) Sumário :
I-  As alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (posteriormente artº 685º-B e, actualmente, artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
II- Nem tudo o que é mencionado pelas testemunhas tem que merecer o acolhimento do Tribunal.  A apreciação da prova pelo julgador é muito mais profunda, merecendo um tratamento de decifração sério, objectivo e inequívoco, distanciada do interesse subjectivo da parte.

*  *  *

IIIDecisão.

Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas: Pelos recorrentes (artº 527º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator.


Lisboa, 26 de Janeiro de 2016


(Pedro Brighton)
(Teresa Sousa Henriques)
(Isabel Fonseca)