Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6241/17.4T8ALM.L2-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: FALECIMENTO DE PARTE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
NEGLIGÊNCIA DA PARTE
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 269º, nº 1, al. a), 270º, nº 1 e 276º, nº 1, al. a), todos do Cód. Proc. Civil, o falecimento de uma parte determina a suspensão da instância (a não ser que, atento o objecto da acção, seja causa de impossibilidade ou de inutilidade superveniente da lide: art. 277º, al. e) daquele diploma), e esta perdura até que seja notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida, nos termos dos arts. 351º e ss daquele diploma legal;
II – Não tendo o Autor e os co-Réus (já citados) impulsionado o processo por mais de seis meses a partir da data em que lhes foi notificado o despacho de suspensão da instância por óbito de uma das co-Rés, através da dedução de habilitação de sucessores, nem tendo apresentado ao tribunal dentro daquele período de tempo qualquer razão de facto que impedisse ou dificultasse tal dedução, estamos perante uma omissão de impulso das partes a qualificar necessariamente como negligente, e que tem como efeito a extinção da instância por deserção, nos termos do art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
A  [ António ……….] intentou a presente acção de impugnação de Deliberação de Assembleia de Condóminos, sob a forma de acção declarativa comum, contra diversos Réus, nomeadamente, B [ Ilda …], peticionando que sejam “anuladas as deliberações identificadas nos Pontos 5 “Apresentação, debate aprovação do relatório e contas do exercício de 2016” e Ponto 7 ” Orçamento para 2017/2018 e quotas de comparticipação dos condóminos”, constantes da acta nº 47, do Condomínio do edifício Varandas do Atlântico, sito na Rua Miguel Torga, nº …, Costa da Caparica”.
Por despacho proferido em 11/06/2018, atento o falecimento da Ré B, foi declarada suspensa a instância.
Por despacho proferido em 09/01/2019, foi declarada extinta a instância por deserção.
Esta decisão foi objecto de recurso pelo Autor, tendo sido, em 6 de Junho de 2019, proferido Acórdão deste Tribunal da Relação, que decidiu: “revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordene a notificação do Autor e dos réus já citados para se pronunciarem sobre a intenção do Tribunal em declarar a deserção da instância nos termos do art.º 281/1, após o que, o Tribunal se pronunciará, aferindo a eventual negligência na promoção do incidente da habilitação nos termos e para os fins do art.º 281, n.ºs 2 e 4.”.
Nesta sequência, foi proferido pelo tribunal a quo despacho a ordenar a notificação do Autor e dos Réus já citados para, no prazo de dez dias, se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de ser declarada deserta a instância em conformidade com o disposto no art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.
Notificados, pronunciaram-se alguns dos Réus notificados e o Autor.
Após, o tribunal a quo proferiu a decisão ora recorrida, que julgou extinta a instância por deserção.
 Inconformado, o Autor recorre desta decisão, requerendo a sua revogação e substituição “por outra que imputa a responsabilidade pela deserção ao A., e co-réus contestantes.”; terminando as suas alegações de recurso com as seguintes Conclusões:
“I – A decisão recorrida, foi proferida em cumprimento do Acórdão da Relação de Lisboa, que revogou a anterior decisão.
II – Que qualificou como decisão surpresa por violação do desposto no artº 6 do C.P.C.
III – Ou seja, por ausência de notificação da cominação, e igualmente por não ouvir as partes.
VI – E que igualmente sancionou que o ónus de impulso processual cabia a todos os sujeitos processuais!
V – Ou seja, A e RR., contestantes.
VI – Ouvidas as partes, o A., resumidamente alegou as diligências por si promovidas.
VII – Os RR., confessaram nada ter promovido.
VIII – Ignorando e contrariando a decisão constante do Acórdão referiu a decisão recorrida que o A., tinha mais interesse em promover a habilitação de herdeiros.
IX – Porque tinha proposto a acção, sem contudo fundamentar tal decisão do ponto de vista processual.
X – Violando assim o principio de igualdade das partes (artº 4 do C.P.C.)
XI – Tanto mais a terminologia “mais interesse” não exonera de responsabilidade dos demais sujeitos processuais, na não promoção do incidente.
XII – Não qualifica igualmente o comportamento dos co-réus.
XIII – Quando ao interesse na procedência do pedido que é igual ao interesse na improcedência da mesma.
XIV – Havendo idêntico interesse, na valoração dos interesses em confronto.
XV – A ausência da promoção do incidente de habilitação de herdeiros, pelo RR., que nada fizeram, constitui uma violação do princípio de cooperação.
XVI – Tanto mais que o A., sumariamente indicou as diligencias promovidas.
XVII – Que só não especificou por não terem documento de suporte face aos avultados custos.
XVIII – Soma aos já suportados com os Agentes de Execução.
XIX – Não se pronunciou da decisão recorrida quanto ao comportamento dos RR, cometendo assim a nulidade de omissão de pronúncia.
XX – A decisão recorrida não tendo fixado prazo para a omissão do dever de promoção do incidente violou o princípio do dever de gestão processual e cooperação.
XXI – Subsidiariamente, ao imputar a responsabilidade da deserção, exclusivamente ao A., violou o comando do Acórdão proferido.
XXII – Que estabeleceu que o ónus de impulso processual era de A., e RR., contestantes.
XXIII – Devendo como tal ser revogada, e substituindo por outro que imputa a responsabilidade pela deserção ao A., e co-réus contestantes.”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil). Porém, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cfr. nº 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, ainda que a delimitação objectiva do recurso possa e deva até ser expressamente indicada no requerimento de interposição do recurso, nos termos do art. 635º, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil, certo é que não deixa de poder ser expressa ou tácita, em função daquilo que for vertido nas respectivas conclusões, ou seja, a restrição do objecto do recurso pode decorrer das questões que são identificadas nas conclusões - cfr. nº 4 do art. 635º do Cód. Proc. Civil.
Assim, o objecto do presente recurso consiste na apreciação das seguintes questões:
a) existência de nulidade da sentença por enfermar da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil - omissão de pronúncia;
b) se a decisão recorrida violou o princípio do dever de gestão processual e cooperação;
c) se a responsabilidade pela deserção da instância deve ser imputada ao Autor e co-Réus contestantes.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da análise das peças processuais desta acção, resultam como provados os seguintes factos:
1 – A intentou a presente acção de impugnação de Deliberação de Assembleia de Condóminos, sob a forma de acção declarativa comum, contra diversos Réus, nomeadamente, B , peticionando que sejam “anuladas as deliberações identificadas nos Pontos 5 “Apresentação, debate aprovação do relatório e contas do exercício de 2016” e Ponto 7 ” Orçamento para 2017/2018 e quotas de comparticipação dos condóminos”, constantes da acta nº 47, do Condomínio do edifício Varandas do Atlântico, sito na Rua Miguel Torga, nº , Costa da Caparica”;
2 - Em 11 de Junho de 2018, sob a Referência Citius nº 377366672, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Atento o falecimento da ré B, declaro suspensa a instância nos presentes autos (art. 270º nº 1 do CPC).
Notifique.”.
3 – O despacho aludido em 2. foi notificado ao Autor e aos co-Réus citados no dia 13 de Junho de 2018;
4 - Em 9 de Janeiro de 2019, sob a Referência Citius nº 382592734, foi proferida decisão com o seguinte teor:
“Respeitam os presentes autos a acção declarativa, que segue os termos do processo comum, em que é autor A e réus José Neves Construções, SA e outros.
Por despacho de 11/6/2018 e atento o falecimento da ré B, foi declarada suspensa a instância nos presentes autos (art. 270º nº 1 do CPC).
Não tendo até ao presente sido promovida a habilitação de herdeiros da ré B, declaro extinta por deserção a instância nos presentes autos (art. 281º nº 1 do CPC).
Custas pelo autor.
Notifique e, oportunamente, arquive.”.
5 – Da decisão aludida em 4. foi interposto recurso de apelação pelo Autor;
6 – O recurso aludido em 5. foi decidido por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 6 de Junho de 2019, que transitou em julgado, com o seguinte teor (na parte com relevância para a presente decisão):
“III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
(…)
III.3. Saber se o prazo de seis meses do art.º 281 não decorreu por ter de se contar a partir do trânsito em julgado desse despacho e se ocorre no despacho recorrido violação art.º 3 da Lei 41/2013, por a deserção da instância, nos termos do novel art.º 281 do CPC ter sido declarada sem o prévio contraditório, notificando-se a Autora para se pronunciar sobre o prosseguimento dos autos sob pena de ser declarada a deserção da instância.
III.3.1. Era maioritária a posição da jurisprudência, no domínio da lei anterior, no sentido de que a interrupção da instância pressupunha a prolação de um despacho, muito embora fosse discutida a natureza declarativa ou constitutiva desse despacho, ou seja se o despacho se limitava a declarar o decurso desse prazo de um ano ou se a prolação e notificação subsequente desse despacho constituíam o termo a quo do remanescente prazo de 2 anos.[2]
III.3.2. Com a entrada em vigor da nova lei de processo foi, como se disse, eliminado a referência à figura jurídica da interrupção da instância, com essa eliminação, eliminado foi o respectivo despacho, não se podendo proferir um despacho que, na lógica da contagem dos prazos, actualmente, deixou de existir.
III.3.3. Deixando de haver aquele despacho judicial que alertava a parte para o facto de se iniciar o remanescente prazo até à deserção e subsequente extinção da instância, é legítimo perguntar, então, se o prazo de seis meses se conta automaticamente a partir da notificação do despacho que suspendeu a instância por morte da referida B e com data de 11/6/2018 o qual foi notificado ao ilustre mandatário do Autor, admitindo-se que a notificação ocorreu em 18/6/2018 considerando a mencionada colocação na plataforma Citius do despacho aos 13/6/2018 e o art.º 248, com términus a 18/12/2018 ou, se pelo contrário tal prazo se conta só a partir do trânsito em julgado desse despacho. A resposta unânime na doutrina e na jurisprudência é que esse prazo se conta a partir do momento em que lhe é notificado o despacho que o alerte para a necessidade do impulso processual, ou seja a partir do despacho judicial.[3] Ultrapassada a questão do termo a quo da contagem do prazo, a dúvida consiste em saber se o Tribunal, tendo agora, forçosamente, que julgar a deserção da instância, ao invés do que acontecia no passado, que se bastava com o decurso dos dois anos sobre a interrupção, deve agora efectuar um julgamento contraditório sobre a negligência, tal como, aparentemente, o impõe o art.º 281/1, e o art.º 3/3.[4]
III.3.4. É absolutamente verdade que dentro do aludido prazo os Autores não trouxeram aos autos nenhuma justificação, nenhuma razão para, dentro do mesmo, não terem promovido a habilitação dos herdeiros da Ré B, entretanto falecida, sendo que as razões que a Autora faz valer, agora, relativamente às dificuldades para apurar quem são os sucessores da Ré, têm a ver com o facto de o advogado do Autor não ser o advogado da falecida ou de qualquer dos seus eventuais sucessores facto esse que determina “recusas sistemáticas no fornecimento de elementos indispensáveis à obtenção de informação relativas aos eventuais herdeiros.”
III.3.7. Mais sustenta o Autor que o processo não esteve parado nesse período de tempo e por se tratar de processo com litisconsórcio necessário passivo existem inúmeros réus, relativamente aos quais se frustrou a citação tendo-se prolongado as diligências para a concretização das citações frustradas, mesmo após a prolação da decisão de suspensão da instância e por iniciativa do próprio Autor e ainda recentemente em Dezembro em conjunto com a gente de execução para promoção de novas diligências. Pergunta-se: a circunstância de continuarem a realizar-se as diligências processuais com vista à citação de outros réus faz com o referido prazo de 6 meses não corra, na medida em que o Autor promoveu diligências com vista à citação dos ouros réus? O despacho que determinou a suspensão da instância transitou em julgado como o próprio autor admite que transitou ainda que só em Setembro de 2018 e, uma vez suspensa a instância, “só podem praticar-se os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável”, como determinado pelo art.º 275/1. As diligências com vista à citação dos réus devem enquadrar-se nessa categoria tanto que produzem efeitos processuais e substantivos são oficiosas e não carecem de despacho de juiz, além do que no caso dos autos não está em causa a validade desses actos, na certeza de que a prática desses actos não produz qualquer interrupção do prazo de seis meses do art.º 281, com reinício de contagem a cada um desses momentos de prática de actos processuais, ainda que relativos a actos urgentes como qualificados pelo art.º 275, mencionado.
Volvamos à questão da automaticidade do despacho de deserção.
III.3.8. No caso dos autos no despacho de 11/6/2018, não consta qualquer expressão de alerta para as consequências prevenidas no art.º 281 e pergunta-se: era indispensável para o julgamento da deserção subsequente? A nível do Supremo Tribunal de Justiça a questão não tem recebido resposta unívoca, uns acórdãos vão no sentido de que o mandatário que conhece a lei não carece de aviso, outros no sentido de que o alerta do art.ºs 281/5 deve ser expresso[5], e nós temos entendido que o alerta deve ser expresso.
Dispõe o art.º 351/1 que a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa para com eles prosseguirem os termos da demanda tanto pode ser promovida por qualquer das partes que sobreviveram como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não sejam os requerentes, o que significa que nos autos não apenas o Autor como os restantes réus poderiam promover a habilitação dos sucessores da co-ré, o que tanto basta para se concluir que o ónus era tanto do Autor como dos outros co-réus, pelo que um correcto julgamento da negligência das partes no prosseguimento do incidente impunha a advertência (que não foi feita) de que a falta de impulso processual importaria a deserção da instância; não se tendo efectuado essa advertência, por forma a aferir da negligência, a decisão de deserção, muito embora fundamentada, constitui uma decisão surpresa porque extingue uma instância judicial com um extenso número de sujeitos processuais muitos deles já citados e que contestaram não se tendo pronunciado sobre a omissão dos actos de habilitação dos herdeiros da co-ré; importa em observância do princípio do contraditório prévio, ouvir as partes (já citadas) sobre esse julgamento.
IV- DECISÃO
Tudo visto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordene a notificação do Autor e dos réus já citados para se pronunciarem sobre a intenção do Tribunal em declarar a deserção da instância nos termos do art.º 281/1, após o que, o Tribunal se pronunciará, aferindo a eventual negligência na promoção do incidente da habilitação nos termos e para os fins do art.º 281, n.ºs 2 e 4.”;
7 - Em 15 de Outubro de 2019, sob a Referência Citius nº 390813870, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Notifique autor e réus já citados para, no prazo de dez dias, se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de ser declarada deserta a instância em conformidade com o disposto no art. 281º nº 1 do CPC.”.
8 – Na sequência da notificação aludida em 7., foram apresentados em 23 e 24 de Outubro de 2019, sob as Referências Citius nºs 24397743, 24402609 e 24411321, requerimentos com os seguintes teores, respectivamente:
- “JOSÉ ….CONSTRUÇÕES, S.A., JOSÉ …., MARIA …., MARIA ASSUNÇÃO …. E ZÉLIA ……,R.R. nos autos supra identificados, notificados do douto despacho de fls…, vêm aos mesmos informar que, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 281.º do C.P.C, deverá ser julgada deserta a instância por ausência de impulso processual dos AA.”;
- …– Gestão e Administração de Condomínios Unipessoal, Lda., (…), na qualidade de Réus e melhor identificados nos autos supra referidos e de Elena (…), na qualidade de Chamados, notificados para os devidos feitos vêm aos presentes declarar que, nos termos do artigo 281.º n.º 1 do Código do Processo Civil, deverá ser julgada deserta a instância por ausência de impulso processual do Autor.”;
- “Nelma …. e António ……, RR. nos autos à margem referenciados, vêm, muito respeitosamente, pronunciar-se no sentido de que seja declarada a deserção da instância, em virtude da ausência de impulso do A. por um período superior a 6 (seis) meses, mais concretamente, por falta de impulso desde 11 de Junho de 2018.”;
9 – Na sequência da notificação aludida em 7., o Autor apresentou em 29 de Outubro de 2019, sob a Referência Citius nº 24447244, requerimento com o seguinte teor:
“1º - O A., diligenciou na tentativa de apurar a identidade dos sucessores da Ré falecida.
2º - Quer nas Conservatórias, quer a nível fiscal, com as limitações decorrentes de não ter mandato, o que as tornou necessariamente morosas e difíceis. Tanto mais que não existem quaisquer dados sobre data, hora e local do falecimento e estado civil da mesma.
3º - Como forma de não promover a habilitação de “Incertos”.
4º -Por outro lado, como bem refere o Acórdão que antecede a responsabilidade pelo impulso processual cabe, neste caso, a todos os sujeitos processuais, A. , e RR., já citados, pelo que foi ordenada a notificação de todos para se pronunciarem .
5º - Ora embora a instância não estivesse estabilizada no momento da sua suspensão, uma vez que os RR., não haviam sido todos citados,
6º - Acaba o desiderato do prazo estabelecido, por não se verificar.
7º - Na medida em que enquanto tal não sucedesse o processo não podia igualmente prosseguir:
Nestes termos e face ao exposto, não houve da parte do A qualquer negligência na não promoção da habilitação do falecido, pelo que deverão os autos prosseguir.”;
10 – Após a junção aos autos destes requerimentos dos Réus e do Autor, foi proferida a decisão objecto deste recurso.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Consta da decisão recorrida, no que para aqui releva:
“Cumpre apreciar:
Dispõe o art. 281º nº 1 do CPC que sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Como resulta do preceito do artº 281º, nº 1 do CPC, a deserção da instância nela cominada, para que opere ope legis depende: em primeiro lugar, do decurso de um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respectivo ónus; que a falta desse impulso seja imputável a negligência activa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.
A “negligência das partes”, segundo a citada previsão legal, pressupõe uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação (neste sentido: Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2018, proferido no proc. 349/14.5T8LRA.C1, versão integral em www.dgsi.pt).
No caso que ora cumpre apreciar, a instância encontra-se suspensa, por virtude de falecimento de uma das rés.
Se é verdade que, atento o disposto no art. 351º nº 2 do CPC, o autor não é a única parte com legitimidade para promover a habilitação de herdeiros do falecido, é evidente que o autor era a parte com mais interesse em promover tal habilitação, uma vez que foi ele que sozinho intentou a presente acção.
Sendo o autor a parte com mais interesse no prosseguimento da acção, para fazer face à suspensão da instância e promover a habilitação dos sucessores da ré falecida, incumbia ao autor diligenciar no sentido de identificar e obter a identidade e morada dos sucessores e, com tais informações, promover a habilitação dos herdeiros.
Sobre a matéria, o réu não concretiza que diligências efectuou, após a prolação do despacho de 11/6/2018, no sentido de apurar os referidos elementos, referindo genericamente a realização de diligências junto de repartições públicas. Admitindo que o autor nas conservatórias e repartição de finanças tentou apurar a identidade dos sucessores, tais diligências, só por si, são insuficientes para que se considere que o autor empregou de uma diligência normal para fazer cessar a suspensão da instância.
As dificuldades do autor no sentido de apurar os elementos necessários poderiam ter sido obviadas caso o autor tivesse suscitado a intervenção deste Tribunal, de harmonia com o disposto no art. 7º nº 4 do CPC, com vista a agir junto de repartições públicas para obter os dados necessários e no limite, em caso de falência de todas as tentativas, poderia o autor intentar o incidente de habilitação de herdeiros contra incertos nos termos do disposto no art. 22º nº 1 do CPC, contudo não o fez tornando-se responsável pela deserção da instância
A teste respeito, escreve-se no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 4/1/2019 “(…)Salvo o devido respeito, a Exequente, não tendo sido notificada de qualquer requerimento ou junção de documentos efectuada pelo referido executado, deveria assumir que a ausência dessa notificação significava que aquele executado nada havia junto ou requerido nos autos a propósito da dita habilitação, cabendo a ela, em face disso, diligenciar, junto do Tribunal, o que tivesse por bem – v.g., requerendo nova notificação do tribunal ao referido executado, para, sob pena de multa, efectuar a junção dos elementos em causa, requerendo que o Tribunal procurasse obter, junto das entidades oficiais, os referidos elementos (v.g., aos serviços tributários, atenta a participação a efectuar nos termos do artº 26º do CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO, etc) – para poder suscitar o incidente da habilitação” (sublinhado nosso, Ac. proferido no proc. 18/17.4T8CVL.C1, versão integral em www.dgsi).
Pelas razões expostas, entendemos que houve negligência do autor ao não promover os termos do processo, designadamente a habilitação de herdeiros da falecida.
Pelo exposto, julgo deserta a instância nos termos do disposto no art. 281º nº 1 do CPC.
Notifique.
Custas pelo autor”.;
Cumpre, então, apreciar as questões a decidir neste recurso pela sua ordem de análise e precedência lógica, começando pela invocada nulidade da decisão recorrida.
O Mmº. Juiz a quo apreciou, nos termos do nº 1 do art. 617º do Cód. Proc. Civil, a referida nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615º, nº 1, al. d) daquele diploma legal, sustentando a decisão proferida e pugnando pela improcedência daquela nulidade - cfr. despacho proferido em 02/03/2020, sob a Referência Citius nº 394717478.
Apreciemos.
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro (material) de julgamento (quer dos factos, quer de direito), sendo a respectiva consequência a sua revogação; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites do poder ao abrigo do qual são decretadas, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615º do Cód. Proc. Civil.
Os fundamentos determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º do Cód. Proc. Civil e reportam-se a vícios puramente intrínsecos e formais desta peça processual, relativos à estrutura ou aos limites, ou seja, à actividade de construção da própria sentença. Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” - Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014, p. 734.
Por sua vez, os erros de julgamento (error in judicando) respeitam a erros quanto ao julgamento da matéria de facto ou quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma deficiente análise crítica das provas produzidas (error facti) ou de uma deficiente aplicação do direito, ou seja, uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto (error juris), sendo que, esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afectam a própria estrutura da sentença (vícios formais), nem aos limites do poder à sombra da qual a sentença é proferida, mas à matéria de facto nela julgada provada ou não provada ou ao mérito da relação controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas antes de error in judicando, atacáveis em via de recurso Ac. STJ, de 08/03/2001, Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.pt.
De acordo com o disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afecta a validade da sentença.
Esta nulidade consubstancia a sanção para a violação do dever processual previsto no art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, que determina que o julgador na sentença (e nos próprios despachos: cfr. art. 613º, nº 3 do Cód. Proc. Civil) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não podendo “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
É entendimento pacífico que a omissão de pronúncia se circunscreve à omissão de questões em sentido técnico, questões de que o tribunal tenha por dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido. A invocação de um facto ou a produção de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal se não tenha pronunciado não pode constituir omissão de pronúncia para efeitos do disposto no preceito legal em referência. O que significa que, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes – cfr., por todos, na Jurisprudência: Acórdão do STJ de 22/06/99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 161; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/02/2004, Ana Grácio, CJ 2004 – I, p. 105; Acórdão da Relação de Lisboa de 04/10/2007, Fernanda Isabel Pereira; e, Acórdão da Relação de Lisboa de 06/03/2012, Ana Resende, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Nas palavras de Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V Vol., p. 143, “(…) são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
O que significa que esta nulidade só se verifica quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas – cfr. Acórdão do STJ de 21/12/2005, Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt.
A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da acção – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 23/04/2015, Ondina Alves, acessível em www.dgsi.pt.
Como bem precisa Tomé Gomes, in “Da Sentença Cível”, p. 41: “(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.”.
Não há, por isso, omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 09/06/2011, Filipe Caroço, acessível em www.dgsi.pt. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui, não ocorrendo nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra – cfr. Acórdãos do STJ de 08/03/2001, Ferreira Ramos, e de 03/10/2002, Araújo de Barros, acessíveis em www.dgsi.pt. O mesmo é dizer que o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente – cfr. Acórdão do STJ de 30/04/2014, Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, é objecto da decisão recorrida o julgamento sobre a existência – ou não –  de fundamento factual para a deserção da instância nos termos do disposto no art. 281º do Cód. Proc. Civil.
De acordo com o art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, considera-se “deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses”.
A deserção da instância é uma das formas de extinção da instância (cfr. art. 277º, al. c) do Cód. Proc. Civil), sendo que, como resulta da leitura do citado art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil e tem sido entendido pela Jurisprudência, está sujeita a um duplo requisito: a negligência das partes em promover o andamento do processo e o decurso do prazo de seis meses.
Na Doutrina, escreve, a este propósito, Paulo Ramos de Faria, in “O julgamento da deserção da instância declarativa/Breve roteiro jurisprudencial”, Julgar, Abril 2015, acessível em file:///c:/users/mj01762.justica/downloads/o-julgamento-da-deser%c3%87%c3%83o-da-inst%c3%82ncia-declarativa-julgar%20(2).pdf, p. 4, que: “Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste.”.
Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil anotado”, Vol. I, Almedina, 2019, p. 328-329, salientam que a “conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou actividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores.”.
De acordo com o disposto nos arts. 269º, nº 1, al. a), 270º, nº 1 e 276º, nº 1, al. a), todos do Cód. Proc. Civil, o falecimento de uma parte determina a suspensão da instância (a não ser que, atento o objecto da acção, seja causa de impossibilidade ou de inutilidade superveniente da lide: art. 277º, al. e) daquele diploma) e esta perdura até que seja notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida, nos termos dos arts. 351º e ss daquele diploma legal.
Esta suspensão da instância tem como efeito a paralisação da tramitação processual, isto é, implica a inviabilidade de serem praticados os actos processuais que se seguiriam ao evento suspensivo, a não ser quando esteja em causa evitar a ocorrência de dano irreparável –  ou seja, enquanto perdurar aquela suspensão, apenas podem ser praticados validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável – tudo, nos termos da 1ª parte do nº 1 do art. 275º do Cód. Proc. Civil.
De acordo com o disposto no art. 351º, nº 1 Cód. Proc. Civil: “A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes.”.
Feitas estas iniciais (mas essenciais para a questão de que ora nos ocupamos) considerações, podemos já concluir que o caso dos autos configura uma situação em que o processo se encontra suspenso por óbito de uma das Rés (cfr. despacho proferido em 11/06/2018: Factos Provados sob o nº 2) e que o devido impulso processual incumbe, nos termos do citado art. 351º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, ao Autor e/ou aos co-Réus já citados – no que para aqui interessa -, não sendo da iniciativa oficiosa do tribunal ao abrigo do art. 6º do Cód. Proc. Civil. Cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. e local já citados e, ainda, a p. 406, onde salientam, de novo, que o incidente de habilitação dos sucessores nunca pode ser suscitado de forma oficiosa, mas, apenas, pelas partes sobrevivas (compartes ou parte contrária) ou pelos sucessores da parte falecida. E, Paulo Ramos de Faria, in ob. e local citados onde afirma que a “promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe.”. A este propósito também se escreve, de forma deveras esclarecedora, no Acórdão do STJ de 20/09/2016, José Rainho, acessível em www.dgsi.pt: “A habilitação de sucessores constitui um incidente da instância. Ora, como resulta claro do nº 1 do art. 293º do CPCivil (“No requerimento em que suscite o incidente…”), terá a parte que suscitar formalmente o incidente. Sem o fazer não existe o incidente./ Acresce que do nº 1 do art. 351º (“A habilitação dos sucessores…pode ser promovida…”) e nº 1 do art. 353º (“…sendo requerida…nos próprios autos da causa…”), ambos do CPCivil, resulta que não há oficiosidade em matéria de habilitação dos sucessores.” (…) “E cabendo às partes o ónus do impulso processual, nada podia o tribunal promover em ordem à dita retoma (v. nº 1 do art. 6º do CPCivil: “…sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes…”).”. Cfr., ainda, neste sentido, Ac. TRC de 06/07/2016, Maria João Areias, acessível em www.dgsi.pt.
Incumbindo legalmente no caso dos autos o impulso processual ao Autor e/ou aos co-Réus já citados (no que para aqui interessa), o julgamento sobre a deserção da instância terá de resultar (para além da apreciação do requisito objectivo do decurso do prazo de seis meses) da apreciação concreta sobre negligência daquelas partes, todas investidas legalmente com o ónus, legitimidade, faculdade em promover o andamento do processo. O mesmo é dizer que, a decisão a proferir sobre a verificação da deserção da instância na situação dos autos tem de se pronunciar, para além do decurso do prazo de seis meses, sobre a negligência das partes a quem é devido o impulso processual, ou seja, tem de apreciar, no caso, a negligência quer do Autor, quer dos co-Réus já citados em promover o incidente de habilitação.
Ora, como se constata da decisão recorrida, tal apreciação sobre a negligência de todas as partes não foi feita.
Na verdade, a decisão recorrida, após descrever o iter processual destes autos e citar as disposições legais entendidas aplicáveis à situação, pronuncia-se no sentido de julgar ocorrer fundamento factual para a deserção da instância nos termos do art. 281º do Cód. Proc. Civil, considerando que, pese embora o Autor não seja “a única parte com legitimidade para promover a habilitação de herdeiros do falecido, é evidente que o autor era a parte com mais interesse em promover tal habilitação, uma vez que foi ele que sozinho intentou a presente acção./ Sendo o autor a parte com mais interesse no prosseguimento da acção, para fazer face à suspensão da instância e promover a habilitação dos sucessores da ré falecida, incumbia ao autor diligenciar no sentido de identificar e obter a identidade e morada dos sucessores e, com tais informações, promover a habilitação dos herdeiros.”, concluindo que existiu negligência do Autor “ao não promover os termos do processo, designadamente a habilitação de herdeiros da falecida”.
Constata-se, pois, que a decisão recorrida, ao apreciar a deserção da instância, apenas se pronuncia sobre a negligência do Autor e não também sobre a negligência dos co-Réus já citados, também eles titulares do ónus, da legitimidade, da faculdade de impulsionar a acção ao requerer o incidente de habilitação de sucessores da co-Ré, como se viu.
Assim sendo, o tribunal a quo não se pronunciou sobre uma questão essencial a apreciar no sentido acima deixado expresso: a negligência dos co-Réus já citados na sua inércia de impulso processual – verificando-se, desta forma, a omissão de pronuncia apontada pelo apelante.
Pelo exposto, a decisão recorrida enferma de nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, o que determina a procedência nesta parte da apelação, e, em consequência, cumpre declarar nula tal decisão.
Com esta declaração de nulidade da decisão recorrida, encontra-se prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados no recurso pelo apelante para sustentar a nulidade de tal decisão, nomeadamente, a alegada violação do anterior acórdão proferido por esta Relação e a consequente violação do princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do Cód. Proc. Civil.
Aqui chegados, importa chamar à colação o disposto no art. 665º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, que dispõe que “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.
Este comando legal pressupõe que os elementos constantes dos autos permitam conhecer do objecto do recurso, e por inerência, do mérito da causa. Na verdade, como refere Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 335, “a anulação da decisão (v.g. (…) por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo quando não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
No caso vertente, o processo contém todos os elementos necessários à apreciação do objecto do recurso, o que passamos a fazer.
Relembrando aqui o que atrás já deixámos exarado: (i) o caso dos autos configura uma situação em que o processo se encontra suspenso por óbito de uma das Rés (cfr. despacho proferido em 11/06/2018: Factos Provados sob o nº 2.), incumbindo o devido impulso processual, nos termos do citado art. 351º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, no que para aqui interessa, ao Autor e/ou aos co-Réus já citados; (ii) como resulta do art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil e tem sido entendido pela Jurisprudência, a deserção da instância está sujeita a um duplo requisito: a negligência das partes em promover o andamento do processo e o decurso do prazo de seis meses.
Analisemos, no caso concreto, a verificação destes requisitos.
Quanto ao decurso do prazo de seis meses, e perante a factualidade provada, dúvidas não existem que desde a data em que se presume a notificação às partes do despacho de suspensão da instância (em 18/06/2018: cfr. Factos Provados sob os nºs 2. e 3. e art. 248º do Cód. Proc. Civil) decorreram mais de seis meses (tendo tal prazo terminado em 18/12/2018: cfr. art. 138º, nº 1 do Cód. Proc. Civil e art. 279º, al. c) do Cód. Civil) sem que se tenha verificado nos autos qualquer actividade processual tendente à instauração do incidente de habilitação de sucessores da Ré falecida.
A propósito da questão sobre desde que data se iniciou nos autos o decurso do prazo de seis meses previsto no art. 281º do Cód. Proc. Civil, já se pronunciou, inclusive, e em termos que não podemos deixar de concordar, o anterior acórdão deste Tribunal proferido neste processo em 06/06/2019, nos seguintes termos (cfr. Factos Provados sob o nº 6.): “III.3.3. Deixando de haver aquele despacho judicial que alertava a parte para o facto de se iniciar o remanescente prazo até à deserção e subsequente extinção da instância, é legítimo perguntar, então, se o prazo de seis meses se conta automaticamente a partir da notificação do despacho que suspendeu a instância por morte da referida Ilda Farinha e com data de 11/6/2018 o qual foi notificado ao ilustre mandatário do Autor, admitindo-se que a notificação ocorreu em 18/6/2018 considerando a mencionada colocação na plataforma Citius do despacho aos 13/6/2018 e o art.º 248, com términus a 18/12/2018 ou, se pelo contrário tal prazo se conta só a partir do trânsito em julgado desse despacho. A resposta unânime na doutrina e na jurisprudência é que esse prazo se conta a partir do momento em que lhe é notificado o despacho que o alerte para a necessidade do impulso processual, ou seja a partir do despacho judicial.[3 LEBRE DE FREITAS, José e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil…”, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2014, pág. 557Anotação ao art.º 281]”. Ultrapassada a questão do termo a quo da contagem do prazo (…)”.
No requerimento de 28/10/2019, alega o apelante que (cfr. Factos Provados sob o nº 9.):
“5º - Ora embora a instância não estivesse estabilizada no momento da sua suspensão, uma vez que os RR., não haviam sido todos citados,
6º - Acaba o desiderato do prazo estabelecido, por não se verificar.
7º - Na medida em que enquanto tal não sucedesse o processo não podia igualmente prosseguir.”.
Parece depreender-se destas alegações, o entendimento do apelante de que, enquanto todos os Réus não estivessem citados, “o processo não podia igualmente prosseguir”, pelo que, não se verifica o requisito temporal do prazo de seis meses. Porém, este argumento não procede, porquanto, na fase processual de citação, enquanto todos os Réus não estão regular e devidamente citados, a acção encontra-se a correr os seus normais trâmites, com a realização dos actos processuais necessários e adequados para concretização das citações em falta, não se verificando, pois, a paragem de qualquer acto processual normal e próprio dessa fase – ao contrário do que sucede com a suspensão da instância por falecimento de uma parte em que só podem ser praticados os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável (cfr. art. 275º, nº 1 do Cód. Proc. Civil).
Por outro lado, a propósito da questão da realização das diligências com vista à citação dos co-Réus ainda não citados, que decorreram no aludido prazo de seis meses, e a virtualidade desse circunstancialismo interromper o decurso de tal prazo para os efeitos previstos no art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, também já se pronunciou e em termos que não podemos deixar de concordar, o anterior acórdão deste Tribunal proferido neste processo em 06/06/2019, nos seguintes termos (cfr. Factos Provados sob o nº 6.):“Mais sustenta o Autor que o processo não esteve parado nesse período de tempo e por se tratar de processo com litisconsórcio necessário passivo existem inúmeros réus, relativamente aos quais se frustrou a citação tendo-se prolongado as diligências para a concretização das citações frustradas, mesmo após a prolação da decisão de suspensão da instância e por iniciativa do próprio Autor e ainda recentemente em Dezembro em conjunto com a gente de execução para promoção de novas diligências. Pergunta-se: a circunstância de continuarem a realizar-se as diligências processuais com vista à citação de outros réus faz com o referido prazo de 6 meses não corra, na medida em que o Autor promoveu diligências com vista à citação dos ouros réus? O despacho que determinou a suspensão da instância transitou em julgado como o próprio autor admite que transitou ainda que só em Setembro de 2018 e, uma vez suspensa a instância, “só podem praticar-se os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável”, como determinado pelo art.º 275/1. As diligências com vista à citação dos réus devem enquadrar-se nessa categoria tanto que produzem efeitos processuais e substantivos são oficiosas e não carecem de despacho de juiz, além do que no caso dos autos não está em causa a validade desses actos, na certeza de que a prática desses actos não produz qualquer interrupção do prazo de seis meses do art.º 281, com reinício de contagem a cada um desses momentos de prática de actos processuais, ainda que relativos a actos urgentes como qualificados pelo art.º 275, mencionado.”.
Temos, assim, por seguro que, no caso dos autos, se verifica o requisito para a deserção da instância de o processo se encontrar “a aguardar impulso processual há mais de seis meses” – cfr. parte final do citado art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.
Vejamos, agora, o requisito respeitante à negligência das partes em promover o andamento do processo.
Quanto ao conceito da mencionada negligência, Paulo Ramos de Faria, in ob. cit., p. 6, esclarece que: “(…) negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro – como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão – ou ao tribunal. Em suma, a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.”.
Porém, esta vontade das partes não é aqui “um elemento relevante da conduta omissiva. Não é necessário que fique demonstrado que a parte teve vontade de permanecer inerte, para que a deserção possa ser julgada; a lei não exige que a omissão seja comandada pela vontade da parte. Muito menos tutela aqui o efeito desejado pela parte (para a sua conduta omissiva). A instância não se extingue porque essa é a vontade das partes; a instância extingue-se por deserção, independentemente da vontade das partes (a ter existido)” - Paulo Ramos de Faria, in ob. cit., p. 6-7.
No caso dos autos, os Réus (citados) antes de se esgotar o prazo da deserção, isto é, dentro do mencionado prazo de seis meses (ou seja, entre 18/06/2018 e 18/12/2018), nenhuma actividade processual desenvolveram no sentido de impulsionar o processo, nada tendo promovido ou requerido em termos de incidente de habilitação de sucessores. Ora, ao não promoverem o andamento do processo e ao não apresentarem, dentro daquele prazo, nenhuma justificação ou razão de facto para o efeito, está verificada uma situação de desinteresse, de inércia, logo, de negligência no sentido acima enunciado, por parte dos Réus citados.
Alega o apelante que “a ausência da promoção do incidente de habilitação de herdeiros, pelo RR., que nada fizeram, constitui uma violação do princípio de cooperação” (cfr. ponto XV das Conclusões das alegações deste recurso).
Porém, este argumento não procede, porquanto o que está em causa com a ausência da promoção do incidente de habilitação de sucessores por parte dos co-Réus (citados) é o não cumprimento do impulso processual relativo ao desenvolvimento da instância que sobre os mesmos também impende legalmente nos termos acima enunciados, cuja consequência processual é – existindo também igual omissão por parte do Autor – a deserção da instância; não existindo, por isto, qualquer dever de cooperação naquele sentido. A este propósito são elucidativas as palavras de Paulo Ramos de Faria, in ob. cit., p. 5, ao afirmar: “(…) embora o termo negligência possa sugerir que a deserção é uma sanção pela violação de um dever de diligência – isto é, pela prática de um ilícito processual –, será mais correto falar-se aqui de uma simples consequência (causal) da paragem do processo por falta de impulso, pois estamos perante um mero ónus processual de atividade subsequente do demandante (arts. 6.º, n.º 1, ressalva, e 7.º, n.º 1). (…)”.
Relativamente ao Autor, resulta, de igual forma, dos autos que, antes de se esgotar o prazo da deserção, isto é, dentro do mencionado prazo de seis meses (ou seja, entre 18/06/2018 e 18/12/2018), nenhuma actividade processual desenvolveu no sentido de impulsionar o processo, nada tendo promovido ou requerido em termos de incidente de habilitação de sucessores. Ora, ao não promover o andamento do processo e ao não apresentar, dentro daquele prazo, nenhuma justificação ou razão de facto para o efeito, está verificada uma situação de desinteresse, de inércia, logo, de negligência no sentido acima enunciado, por parte do Autor.
Após a prolação em 09/01/2019 da decisão de deserção da instância (entretanto revogada), veio o Autor em 08/02/2019 (nas alegações do recurso que interpôs relativamente àquela decisão), em 28/10/2019 (no requerimento apresentado após a notificação determinada pelo acórdão deste Tribunal que apreciou aquele recurso) e em 13/01/2020 (nas alegações desta apelação), invocar que: durante todo este período, o Autor diligenciou na tentativa de apurar a identidade dos sucessores da Ré falecida, quer nas Conservatórias, quer a nível fiscal, com as limitações decorrentes de não ter mandato, o que as tornou necessariamente morosas e difíceis, tanto mais que não existem quaisquer dados sobre data, hora e local do falecimento e estado civil daquela Ré, e como forma de não promover a habilitação de “Incertos”; as deslocações às Conservatórias por parte do A. traduzem-se nas sucessivas deslocações, nomeadamente ao registo predial, para obter e ter acesso a inúmeros documentos aí arquivados, como sejam as escrituras que instruíram as inscrições respeitantes à titularidade do direito de propriedade a favor da falecida Ré, para daí poder apurar nomeadamente qual a sua naturalidade, verificar se havia entretanto ocorrido algum registo de transmissão, e posteriormente na conservatória do registo civil, para em função dos dados obtidos na conservatória do registo predial, tentar obter alguns elementos relativamente a alguma descendência, ou qualquer outro elemento adicional que permitisse apurar a identidade de qualquer descendente, e nas finanças com os elementos antes obtidos, lograr conseguir qualquer tipo de informação apesar de não ser mandatário de nenhum dos interessados; e, a obtenção de certidões são dispendiosas.
Porém, estas razões foram apenas fornecidas ao tribunal muito tempo após o decurso do prazo de seis meses referido no art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil. Na verdade, como se viu, aquele prazo terminou em 18/12/2018 e a primeira vez que o Autor invocou perante o tribunal as razões que alegadamente o impossibilitaram de intentar a habilitação dos sucessores da Ré falecida ocorreu em 08/02/2019, portanto, decorrido que já estava aquele prazo. Por outras palavras, no mencionado prazo de seis meses (de 18/06/18 a 18/12/2018), relevante para a questão da deserção da instância, o Autor nada informou ao tribunal acerca das alegadas dificuldades que teve e que alegadamente o impossibilitaram de intentar a habilitação contra os sucessores (certos) da Ré falecida naquele prazo, nem solicitou a intervenção do tribunal para demover obstáculos ou dificuldades na obtenção de informações tendo em vista a habilitação daqueles (máxime, ao abrigo do art. 7º, nº 4 do Cód. Proc. Civil).
Em situações como a presente, incumbe à(s) parte(s) onerada(s) com o impulso processual, como manifestação do princípio da sua autorresponsabilidade processual, vir atempadamente ao processo - isto é, antes de se esgotar o prazo de seis meses para a deserção - informar as razões de facto que justificam a ausência do seu impulso processual, contrariando assim a situação de negligência aparente espelhada no processo.
A este propósito, da necessidade de aquelas informações terem de ser prestadas dentro do prazo de seis meses, mostra-se pertinente a consideração de que a decisão que declara a deserção da instância tem efeito declarativo e não constitutivo. Conforme refere Paulo Ramos de Faria, in ob. cit., p. 13-14: “A circunstância de a lei estabelecer que determinado facto deve ser judicialmente declarado, isto é, julgado verificado, não converte este julgamento na causa dos efeitos que, na verdade, são produzidos pelo facto declarado. Ou seja, concretizando na deserção da instância, o julgamento desta, isto é, o seu reconhecimento não é, óbvia e logicamente, um seu pressuposto. Os pressupostos da deserção são a paragem do processo, por inércia das partes, e o decurso do tempo; o seu efeito (não o efeito do seu julgamento) é a extinção da instância (art. 277.º, al. c))./ O julgamento da deserção traduz-se no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisito – paragem do processo por inércia das partes – por seis meses e um dia. É aqui que ocorre a deserção; é aqui que os seus pressupostos constitutivos se reúnem. O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do art. 281.º é, neste sentido, meramente declarativo. O facto jurídico processual extintivo da instância não é interpretado (praticado) pelo juiz, ao contrário do que ocorre com o julgamento (art. 277.º, al. a)), resultando tal extinção, sim, diretamente da deserção declarada pelo tribunal – isto é, da deserção julgada verificada, por verificados estarem os seus pressupostos de facto. Confrontando os enunciados das als. a) e c) do art. 277.º, nota-se que a lei não estabelece que a instância se extingue por força do julgamento da deserção, embora ele seja necessário para que esta tenha repercussões processuais./ Desta asserção, que, em boa verdade, nos parece apodítica, retira-se que, após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Tais atos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância. A ideia de que o demandante ainda pode praticar um ato redentor após a deserção, mas antes de ela ser declarada, assim impedindo o seu conhecimento, tem cabimento num sistema que, ao contrário do que ocorre com o nosso, tenha um fundamento subjetivo, apoiando-se na renúncia presumida à lide (vontade de abandono) – presunção esta que é serodiamente ilidida com o referido ato”sublinhado nosso.
Também a jurisprudência aponta claramente neste sentido de, não impulsionando as partes o processo por mais de seis meses através da dedução do processo incidental de habilitação de sucessores, nem apresentando dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção daquela habilitação, verifica-se uma omissão de impulso a qualificar necessariamente como negligente, e que implica a deserção da instância – cfr., neste sentido, por todos, Acórdãos do STJ de 20/09/2016, José Rainho; de 14/12/2016, Salazar Casanova; e de 22/02/2018, Abrantes Geraldes; Acórdão do TRL de 20/12/2016, Luís Filipe Sousa; e Acórdão do TRE de 30/05/2019, José Manuel Carvalho – todos, acessíveis em www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, como se viu, a apresentação das razões de facto para a ausência do seu impulso processual foi realizada pelo Autor após o decurso do aludido prazo de seis meses, não tendo, pois, por isso, a virtualidade de interromper aquele prazo de deserção que já estava consumado, nem constituindo motivo para não se verificar a deserção ou para precludir a sua declaração.
Em suma, na situação dos autos, decorrido que foi o prazo de 6 meses relevante para o efeito, verificou-se que nenhuma iniciativa de habilitação dos sucessores da Ré falecida foi tomada quer pelo A., quer pelos Réus citados, e, além disso, durante o decurso daquele prazo, não foi sequer apresentada por nenhuma daquelas partes perante o Tribunal qualquer dificuldade que porventura existisse quanto à promoção de tal habilitação, nem nada foi requerido nesse sentido. Acresce que, em última instância, e a fim de não se verificar a deserção da instância, a habilitação poderia sempre ser instaurada contra desconhecidos (cfr. art. 355º, nº 1 do Cód. Proc. Civil) durante aqueles seis meses, o que, como se viu, também não aconteceu por iniciativa de nenhuma das partes.
Perante esta constatação do decurso do prazo previsto na lei para a deserção sem que, por falta de impulso processual de qualquer das partes (ou seja, por inércia imputável ao Autor e aos co-Réus citados), se mostrasse iniciado o incidente de habilitação de sucessores, forçoso é concluir pela deserção da instância, nos termos do disposto no art. 281º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, mantendo-se, por isto, nesta parte, a decisão recorrida, pese embora com fundamentação algo diversa.
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Invoca, ainda, o apelante em sede deste recurso que a decisão recorrida “porque efetivamente se trata de uma decisão surpresa, na medida em que notificou a decisão de deserção da instancia sem fixação de um prazo certo para a promoção do ato em causa, deveria ter fixado um prazo especifico para o efeito e como tal, não o tendo feito em obediência ao principio da cooperação e da gestão processual, violou esses mesmos princípios e como tal deve ser revogada”.
Como resulta dos autos, a questão do (in)cumprimento do princípio da cooperação e da gestão processual do tribunal desde a prolação do despacho de suspensão da instância (em 11/06/2018), bem como, a questão do (in)cumprimento do princípio do contraditório, já foi objecto do recurso anterior (cfr. alegações e conclusões do primeiro recurso apresentado em 08/02/2019) e de apreciação e decisão por esta Relação no Acórdão de 06/06/2019 [de onde consta, no que para aqui interessa: “(…) pelo que um correcto julgamento da negligência das partes no prosseguimento do incidente impunha a advertência (que não foi feita) de que a falta de impulso processual importaria a deserção da instância; não se tendo efectuado essa advertência, por forma a aferir da negligência, a decisão de deserção, muito embora fundamentada, constitui uma decisão surpresa porque extingue uma instância judicial com um extenso número de sujeitos processuais muitos deles já citados e que contestaram não se tendo pronunciado sobre a omissão dos actos de habilitação dos herdeiros da co-ré; importa em observância do princípio do contraditório prévio, ouvir as partes (já citadas) sobre esse julgamento.”], que, inclusive, reconhecendo que a decisão (então sob recurso) de deserção da instância configurava uma decisão surpresa, a revogou, determinando “a notificação do Autor e dos réus já citados para se pronunciarem sobre a intenção do Tribunal em declarar a deserção da instância nos termos do art.º 281/1, após, o que, o Tribunal se pronunciará, aferindo a eventual negligência na promoção do incidente da habilitação nos termos e para os fins do art.º 281, n.ºs 2 e 4.” (cfr. Factos Provados sob o nº 6.).
Desta forma, verifica-se a existência de caso julgado relativamente à questão ora em referência, referente ao princípio da cooperação e da gestão processual do tribunal desde a prolação do despacho de suspensão da instância (em 11/06/2018) até à prolação do acórdão desta Relação de 06/06/2019; não se vislumbrando – nem nada alegando em concreto o apelante nesse sentido - que, após a prolação do acórdão desta Relação de 06/06/2019 e, máxime, face ao teor deste Acórdão e do processado que, de seguida, teve lugar nos autos, exista fundamento factual ou legal para o tribunal a quo ter de fixar “prazo para a omissão do dever de promoção do incidente” (Conclusão nº XX das alegações deste recurso) antes de proferir a decisão recorrida.
Assim, improcede a questão ora em análise.
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Quanto às custas:
Não existe norma especial sobre a responsabilidade pelas custas em caso de deserção da instância.
Dispõe a regra geral consagrada no nº 1 do art. 527º do Cód. Proc. Civil, que a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas “a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção quem do processo tirou proveito” entendendo-se, ex vi do estatuído no nº 2 do mesmo preceito, “dar causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.
Este preceito é motivado, como ensina Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 2ª ed., 2009, Almedina, p. 46, “pelo princípio da causalidade a título principal e pelo princípio do proveito resultante do processo a título subsidiário. Com efeito, a regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade, e subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indicado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção.”.
No caso de deserção da instância, não há rigorosamente parte vencida, nem quem do processo tenha tirado proveito.
Daí a necessidade de aplicação a esta situação do referido princípio geral da causalidade, considerando-se, na esteira de Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1946, vol. 3º, p. 451, que, em caso de deserção da instância (mesmo que o impulso processual incumba a todas as partes sobrevivas, como é o caso dos autos), a responsabilidade das custas é do Autor, visto a existência em juízo da acção apenas a este ser imputável, uma vez que a intentou (atendendo-se ao conceito de causalidade como a relação entre um evento, a causa, e um segundo evento, o efeito, em termos de este ser uma consequência daquele).
Assim, as custas deste processo, quer em primeira instância, quer as da presente apelação, são da responsabilidade do Autor/apelante.
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Por todo o exposto, e nos precisos termos enunciados, procede parcialmente a apelação.
V. DECISÃO
Nestes termos, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar o presente recurso parcialmente procedente, e, em consequência:
a) declarar nula a decisão recorrida;
b) confirmar a decisão de deserção da instância, pese embora com fundamentação algo diversa, bem como a condenação do Autor nas custas em primeira instância.
Custas deste recurso pelo apelante.
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Lisboa, 14 de Julho de 2020
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
Dina Maria Monteiro