Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10501/19.1T8LSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: GREVE
COMUNICAÇÃO
DIRIGENTE SINDICAL
SANÇÃO DISCIPLINAR
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1. Durante a greve (lícita) o contrato de trabalho suspende-se, não se encontrando o trabalhador sujeito ao dever de assiduidade, não lhe cabendo, por conseguinte, justificar a ausência ao serviço, visto a greve não se traduzir em qualquer falta ao trabalho.
2. Uma vez que a Associação Sindical (…) emitiu os pertinentes pré-avisos de greve relativamente ao trabalho prestado em dia feriado, que por escala seja dia normal de trabalho - como sucedia com o autor -  sendo este dirigente de sindicato inscrito na referida Associação Sindical, é de considerar que a ré teve  conhecimento da realização da greve no 25 de Abril de 2018, não ignorando a mesma ou pelo menos não podendo a mesma deixar de o pressupor, que a ausência do autor (representante sindical) enquanto electricista em regime de turnos, nesse mesmo dia feriado, se devia à sua adesão à greve.
3. À luz dos princípios que regem o direito à greve e do que vem sendo maioritariamente entendido, não constitui dever, nem obrigação do trabalhador comunicar à entidade patronal a intenção de fazer greve. A greve constitui um direito constitucional e exercer livremente pelo trabalhador, sem sujeição a qualquer tipo de pressões ou condicionamentos.
4. Não se demonstrando, no presente caso, a prática pelo autor de qualquer infração disciplinar, carece de fundamento a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, podendo a mesma ser encarada como um ato que implica coacção ou prejuízo para o trabalhador por motivo de adesão à greve.
(Pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Por se sentir prejudicada com a decisão singular proferida nestes autos, vem a Ré, BBB, reclamar para a conferência, requerendo que nos termos do art.º 652.º do Código de Processo Civil seja proferido acórdão.
Refere que embora não esteja em causa o direito à greve, que o autor pretendia exercer e exerceu, há limites que não foram respeitados, em particular, o direito ao trabalho dos colegas que o pretendiam exercer. Era exigível ao requerido que adoptasse uma conduta de acordo com padrões de diligência, lealdade, companheirismo. Enfim, como pessoa de bem, em particular para com os seus colegas de trabalho e ainda que a sua conduta fosse de acordo com a sua conduta anterior, pois nada fazia prever que não comparecesse para trabalhar, como já tinha acontecido em situações anteriores.
É manifesta a atitude contraditória do autor – venire contra factum proprium – que conduz à evidência do seu abuso de direito.
Não consta que o autor tenha apresentado resposta.
II – A decisão reclamada foi no seguinte teor:
“1. Relatório
1.1. AAA intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a f3orma do processo comum contra BBB, pedindo que seja revogada a sanção disciplinar aplicada pela R. ao autor, com a consequente condenação desta a suprimir a mesma do registo disciplinar do autor, e bem assim que esta seja condenada a pagar a quantia de €2.000 devidos a título de danos não patrimoniais que alega ter sofrido em virtude de tal conduta. Para tanto alegou, em síntese, ser trabalhador da ré, como electricista, desde 1991, e dirigente sindical. Refere que num dia de greve faltou ao serviço e a entidade empregadora aplicou-lhe falta e a consequente sanção disciplinar de repreensão por não ter avisado, nem justificado a sua falta.
Realizou-se audiência de partes não tendo sido lograda a obtenção de acordo.
Citada a ré, contestou esta a acção referindo que o autor era o único electricista de turno na empresa e que esta não pode laborar sem um electricista pelo que a sua falta, não justificada, e sem aviso prévio só não impediu a fábrica de laborar porque recorreram a um outro electricista. Concluiu pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, tendo-se dispensando a realização de audiência prévia, a selecção da matéria de facto assente e a fixação da base instrutória.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual acordaram as partes à matéria de facto, tendo ainda o autor desistido do pedido relativo à indemnização por danos não patrimoniais.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência revogo a sanção disciplinar aplicada pela ré ao autor de repreensão, em virtude da adesão à greve do AUTOR no dia 25 de Abril de 2018, devendo a mesma ser retirada do registo disciplinar.”
1.2. Inconformada com a decisão dela recorre a ré, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões:
A) Na sentença entende-se que o autor não faltou injustificadamente ao trabalho, uma vez que se limitou a exercer o seu direito à greve, regularmente convocada, o que não implica justificação ou aviso prévio à empregadora;
B) Mas o autor faltou ao trabalho, sabendo que ia deixar todos os seus colegas, cerca de 40, sem condições para trabalharem, como pretendiam, num dia feriado, demonstrando falta de consideração e desinteresse pelo cumprimento, com a diligência devida, das suas obrigações enquanto trabalhador e colega do autor
C) O autor é electricista e era o responsável pela garantia da segurança da instalação, pelo que a sua ausência não programada leva à paragem da fábrica até que seja garantida substituição;
D) O autor, por respeito e consideração aos seus colegas e à empresa, em particular aos primeiros, tinha a obrigação de comunicar prévia e atempadamente que ia exercer o seu direito, inquestionável, à greve, por forma a também não afectar o exercício pelos seus colegas do respectivo direito ao trabalho;
E) A greve é uma atitude frontal, leal e global que os trabalhadores, no exercício do respectivo direito, se libertam do dever das prestações a que estão obrigados, suspendendo para isso o contrato de trabalho;
F) Na greve, corno em tudo, exige-se boa-fé, lealdade e franqueza o que, no caso em apreço, não se verificou;
G) O comportamento do autor de natureza culposa, foi grave, uma vez que pôs em causa o direito ao trabalho e à segurança no mesmo, em relação aos seus colegas;
H) Se o autor quer que o seu direito seja respeitado, tem que começar por respeitar o direito dos outros;
I) O Tribunal a quo não podia, assim, ter deixado de concluir que o autor cometeu uma infracção disciplinar e que a sanção mínima que lhe foi aplicada se ajustava ao seu comportamento culposo;
J) Actua com evidente má-fé, e em manifesto abuso de direito, por ser ilegítimo o seu exercício, quem não procedeu de um modo honesto e leal, mantendo a palavra dada e a confiança;
 K) A falta de aviso do autor representa, clamorosamente, o exercício abusivo de um direito que excede, manifestamente, o fim social ou económico do mesmo ou que, com a sua pretensão, viola expectativas incutidas na contraparte e, mais ainda, nos colegas de trabalho;
L) Decidindo em contrário, como se viu, a sentença recorrida fê-lo em violação do disposto nos artigos 334º, do Código Civil, 128º do Código do Trabalho, 58º e 59 da Constituição da República.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. se dignarem suprir deverá ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a ré do pedido de anulação da sanção disciplinar de repreensão registada, Só assim se fará JUSTIÇA!
 1.3. O autor contra-alegou, nos seguintes termos:
 I. Não há que alterar a decisão recorrida quanto à matéria de Direito relacionada com a natureza jurídica da ausência ao trabalho resultante da adesão a uma greve regularmente convocada;
II. Ao contrário do que sucede em relação às faltas, que configuram a violação do dever de assiduidade, que podem ser qualificadas como justificadas ou injustificadas e cuja qualificação como justificadas pressupõe sempre, entre outros requisitos, a comunicação da ausência, as ausências ao trabalho dadas por efeito à adesão a uma greve regularmente qualificada têm sempre como efeito a suspensão do contrato de trabalho, sem dependência de qualquer comunicação prévia ou posterior;
III. No âmbito da adesão a uma greve regularmente convocada, não existe nenhuma norma a impor ao trabalhador qualquer dever de comunicar a sua ausência ao trabalho;
IV. As faltas pressupõem a violação do dever de assiduidade e o exercício do direito à greve em nada interfere com esse dever, dado que a greve suspende, no que diz respeito aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os do dever de assiduidade;
V. Estando desvinculado desse dever, o trabalhador que aderiu à greve não falta ao trabalho, pois só falta quem tem o dever de estar presente e não está”.
VI. Não existindo qualquer obrigação de comunicar previamente a adesão a uma greve regularmente convocada, não poderia a recorrente ter instaurado contra o requerido qualquer procedimento disciplinar e, muito menos, poderia ter-lhe aplicado qualquer sanção disciplinar;
VII. É totalmente irrelevante a argumentação da recorrente relacionada com as características da actividade desempenhada pelo recorrido, na medida em que era à recorrente que cabia acautelar, de forma correta e atempada, qualquer situação susceptível de vir a afectar a sua actividade, na sequência da adesão à greve de alguns dos seus trabalhadores;
VIII. O mesmo é dizer que tem aqui plena aplicação a máxima latina “sibi imputet, si, quod saepius cogitare poterat et evitare, non fecit (Codex Iustiniani 4.29.22.1).
 IX. Na situação sub judice, e tal como muito bem foi decidido pelo Tribunal a quo, é manifesta a inexistência de qualquer actuação imputável ao recorrido com idoneidade, ainda que mínima, para preencher o conceito de infracção disciplinar, razão pela qual não poderia ter-lhe sido aplicada qualquer sanção disciplinar, o que se reafirma, com todas as consequências daí resultantes;
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado e, por via disso, ser mantida a Douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA
2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e das não apreciadas pela solução dadas a outras, ainda não decididas com trânsito em julgado - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” do art.º 1.º n.º 2 al a), do Código de Processo do Trabalho. Assim, as questões a apreciar por este Tribunal consistem em aquilatar se deve manter-se a sanção disciplinar aplicada ao autor, ora recorrido, e a ser assim,  se este agiu com abuso de direito.
3. Fundamentação de facto
3.1.Encontra-se provada a seguinte matéria de facto:
a) O autor foi admitido ao serviço da R. em 5 de agosto de 1991;
b) Colocando-se desde então sob a sua autoridade e direcção;
c) Actualmente, igualmente sob a autoridade e direcção da ré exerce as funções correspondentes à categoria de electricista de mais de três anos;
d) E aufere mensalmente uma retribuição base no valor de €1.672,61;
e) Através de comunicação datada de 11 de maio de 2018 o autor foi notificado de uma nota de culpa relacionada com o facto de não ter comparecido ao trabalho no dia 25 de abril de 2018;
f) O autor respondeu a esta nota de culpa alegando, em síntese, que o sobredito dia 25 e abril correspondeu a um dia de greve decretada pela (…), onde se encontra inscrito o sindicato que o representa;
g) Greve a que o autor aderiu;
h) Não obstante tal resposta, decidiu a R. encerrar o processo disciplinar, comunicando ao autor a respectiva decisão final em 8 de agosto de 2018, correspondente à sanção disciplinar de repreensão registada;
i) Tal sanção foi averbada no cadastro disciplinar no autor que até então se encontrava impoluto;
j) O autor é dirigente sindicado do (…);
k) No dia 25 de Abril de 2018, o autor era o electricista de turno na respectiva escala de rotação em regime de laboração continua, faltou ao trabalho sem aviso prévio do AUTOR e sem justificação posterior;
l) O electricista é o responsável pela garantia da segurança da instalação e a sua ausência não programada leva à paragem da fábrica até que seja garantida substituição, por ser indispensável à assistência à central de amoníaco;
m) No dia 25 de Abril de 2018 encontravam-se na fábrica 40 trabalhadores sendo o autor o único electricista de turno;
n) No dia 25 de Abril de 2018 atenta a ausência do autor a ré chamou um colega do autor, electricista que se encontrava em dia de descanso, o qual se disponibilizou para substituir o AUTOR
4. Fundamentação de Direito
4.1. Da manutenção da sanção disciplinar aplicada ao autor
Com vista à manutenção da sanção disciplinar aplicada ao autor (repreensão registada), sustenta a ré,  nomeadamente, que o autor, por respeito e consideração aos seus colegas e à empresa, em particular aos primeiros, tinha a obrigação de comunicar prévia e atempadamente, que ia exercer o seu direito, inquestionável, à greve, por forma a também não afetar o exercício pelos seus colegas do respectivo direito ao trabalho.
Vejamos
Como é sabido, a greve constitui um direito fundamental dos trabalhadores tutelado pela Constituição da República Portuguesa (CRP), em cujo art.º 57.º se prescreve:
“1.É garantido o direito à greve.
 2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
 3. A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.
Referem, a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I Volume, 4.ª edição, Coimbra Editora,  2007, pág. 753, “a noção constitucional de greve exige dois elementos fundamentais: “(a) uma acção colectiva e concertada; (b) a paralisação do trabalho (com ou sem abandono dos locais de trabalho) ou qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho”. O preceito constitucional “não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento (desde que não se traduzam em dano de direitos ou bens constitucionalmente protegidos de outrem, para além do resultante da própria paralisação laboral”.
Assim, constituindo a greve um direito fundamental do trabalhador, a Lei Fundamental reconhece a este o poder de recusar a prestação laboral contratualmente devida, sem que tal acarrete qualquer consequência jurídica desfavorável na sua esfera jurídica. Tal-qual se encontra consagrado no art.º 57.º da CRP, o direito à greve pode ser caracterizado como um “direito ao não impedimento da conduta pelos seus titulares” o que abrange, pois, não só a proteção do trabalhador contra todos os impedimentos que possam obstar em absoluto à realização da greve, mas, também, igualmente, todos os comportamentos que possam dificultar o exercício daquele direito. Podendo, assim, concluir-se “(…) que o conteúdo do direito fundamental à greve é a pretensão de não impedimento do exercício de uma conduta chamada greve”. O enquadramento deste direito no contexto dos direitos fundamentais implica uma caracterização do mesmo como um direito subjectivo negativo «não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve, nem podendo ser compelidos a pôr-lhe termo». Cfr. Sara Arrábida Marques “Do Direito à Greve e Da Obrigação de Prestar Serviços Mínimos: Uma Tentativa de Delimitação”, Universidade de Lisboa, 2018, pág. 15 e segs. “Também o Tribunal Constitucional tem destacado esta perspectiva, referindo que o direito à greve «apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: a liberdade de recusar a prestação de trabalho contratualmente devida, postulando a ausência de interferências, estaduais ou privadas, que sejam susceptíveis de a pôr em causa». «Enquanto direito dos trabalhadores, a greve corresponde à categoria de direito subjectivo, tanto da titularidade das associações sindicais ou do conjunto dos trabalhadores que a decretem, como da titularidade de cada trabalhador individual que a ela adere. Trata-se, naturalmente, de um direito potestativo, uma vez que se impõe ao empregador, alterando unilateralmente a sua esfera » (Cfr. Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2009, www.dgsi.pt).
No Código do Trabalho, o direito à greve encontra-se regulado no art.º 530.º e seguintes, estipulando aquele preceito: “A greve constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores”;  “Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve” e que  “O direito à greve é irrenunciável” (n.ºs  1, 2 e 3).
Regendo, por seu turno, o art.º 536.º que: “A greve suspende o contrato de trabalho de trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade”; “Durante a greve, mantêm-se, além dos direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho, os direitos previstos em legislação de segurança social e as prestações devidas por acidente de trabalho ou doença profissional”. “O período de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade e não prejudica os efeitos decorrentes desta”. (art.º n.ºs 1 a 3).
Conforme resulta do exposto, embora nem a Lei nem a Constituição fornecem um conceito de greve, esta tem pressuposta a ideia de conflito, de abstenção colectiva e concertada de prestar trabalho, através da qual um grupo de trabalhadores pretende exercer pressão com vista a obter a realização de certo interesse ou objectivo comum. O prejuízo, a perturbação, o incómodo ou transtorno, causados ao empregador e aos utentes do serviço paralisado são, pois, inerentes à própria noção de greve.
Durante a greve, o contrato de trabalho suspende-se, não se encontrando o trabalhador, nesse contexto, sujeito ao dever de assiduidade, não lhe cabendo, por conseguinte, justificar a ausência ao trabalho por motivo de greve (lícita), visto esta não se traduzir em qualquer falta ao trabalho.
É também sabido que o direito à greve, embora constituindo um direito fundamental dos trabalhadores, não é um direito absoluto, estando sujeito a algumas restrições previstas na lei. Referimo-nos, designadamente, à obrigação de prestar serviços mínimos. Com efeito, nos termos do art.º 537.º do Código do Trabalho:
1 - Em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, empresa ou estabelecimento que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis o que se integra em algum dos seguintes sectores:
a) Correios e telecomunicações; b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos; c) Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
e) Abastecimento de águas;
f) Bombeiros;
g) Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;
h) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respectivas cargas e descargas;
i) Transporte e segurança de valores monetários.
3 - A associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações.
4 - Os trabalhadores afectos à prestação de serviços referidos nos números anteriores mantêm-se, na estrita medida necessária a essa prestação, sob a autoridade e direcção do empregador, tendo nomeadamente direito a retribuição”.
 É também sabido que a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações (art.º 536.º n.º 1 e 2).
Sendo certo que, por força do art.º 535.º n.º 2 do Código do Trabalho, a tarefa a cargo de trabalhador em greve não pode, durante esta, ser realizada por empresa contratada para esse fim, salvo em caso de incumprimento dos serviços mínimos necessários à satisfação das necessidades sociais impreteríveis ou à segurança e manutenção de equipamento e instalações e na estrita medida necessária à prestação desses serviços”.
No caso em análise, a Associação Sindical a que pertence o sindicato do autor, procedeu ao aviso prévio da greve para o período onde se inclui o dia (feriado) em que o autor fez greve (25 de Abril de 2018).
Consta, efectivamente, de tal pré-aviso: “(…) torna-se público a todos os interessados que os trabalhadores das empresas do âmbito acima referido e representadas pelas organizações signatárias ficam abrangidas pelo presente pré-aviso de greve, que se inicia às 00,00 horas do dia 01-01-2018 e termina às 24 horas do dia 31-12-2018 a concretizar nos seguintes termos:
Não realização de trabalho em dia feriado que, por escala, seja dia normal de trabalho.
O período de paralisação atras referido poderá ser prolongado ou antecipado, nomeadamente nos horários de turnos, cujo efeito do presente pré-aviso de greve se prolongará até ao final do turno que termina no dia seguinte ou se antecipará para o início do turno que começa no dia anterior (doc. de fls. 8).
A mesma Associação Sindical emitiu pré-aviso de greve “AO TRABALHO SUPLEMENTAR”, “entre as 00,00 horas do dia 01-01-2018 e as 24 horas do dia 31 de Dezembro de 2018”, relativamente às mesmas entidades e trabalhadores, quanto à “Não realização de trabalho suplementar em todas as situações possíveis, nomeadamente prolongamento ou antecipação do horário normal de trabalho, dias de folga, feriados (...).” (doc. de fls. 8 verso).
O autor é dirigente do sindicado do (…). 
E no dia 25 de Abril de 2018, o autor era o electricista de turno na respectiva escala de rotação em regime de laboração continua.
Conforme resulta do exposto, foram oportunamente divulgados pela (…), os pertinentes pré-avisos de greve relativamente ao trabalho prestado em dia feriado que por escala seja dia normal de trabalho (como sucedia com o autor), bem como relativamente ao trabalho suplementar prestado em dias feriados. Sendo ainda de relembrar que o autor é dirigente de sindicato, inscrito na referida Associação Sindical – factos esses que a ré não colocou em causa.
O trabalhador tem, pois, a faculdade de aderir à greve, interrompendo a prestação de trabalho, sem que possa ser contratualmente responsabilizado, antes determinando, mediante uma opção pessoal, o desencadeamento do mecanismo jurídico da suspensão do vínculo laboral estabelecido no art.º 537.º do CT (Vd. Ac. do TRP de 05-03-2018, proc. 2292/16.4T8VFR.P1). Sendo que a adesão à greve presume-se pela ausência do trabalhador no local de trabalho no período previsto para a greve (Cfr. José João Abrantes, “Direito do Trabalho II – Direito à greve”, pág. 88, Almedina 2012).
Perante essas circunstâncias, é de considerar ter tido a ré conhecimento da realização da greve no 25 de Abril de 2018, não ignorando a mesma ou pelo menos não podendo a mesma deixar de o pressupor, que a ausência do autor (representante sindical) enquanto trabalhador electricista em regime de turnos, nesse mesmo dia feriado, se devia à sua adesão à greve.
Importa salientar, à luz dos princípios que regem o direito à greve e do que vem sendo maioritariamente entendido, que o exercício do direito de greve não pressupõe da parte do trabalhador a sua prévia comunicação à entidade empregadora. Na verdade, não constitui dever, nem obrigação do trabalhador comunicar à entidade patronal a intenção de fazer greve. A greve, como se disse, constitui um direito constitucional e exercer livremente pelo trabalhador, sem sujeição a qualquer tipo de pressões ou condicionamentos (Cfr. nesse sentido, António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pág. 854). 
Ora, por via do referido pré-aviso, como já dito, ficou a ré inteirada da realização da greve para o período em questão e tipo de trabalho referido.
Manifestando-se o exercício do direito à greve, pela ausência ao serviço do trabalhador, não havendo qualquer dúvida de que o autor não exerceu as suas funções de electricista no dia 25 de Abril de 2018, a que acresce o facto de não haver também qualquer dúvida de que a greve estava convocada para aquela altura – e, especificadamente para a não realização de trabalho em dias feriados nas condições de laboração aplicáveis ao autor - sendo o autor dirigente sindical, outra atitude não seria de esperar do que ter o mesmo aderido à greve, como meio de defender e reivindicar os direitos que entenderia ser seus e dos demais trabalhadores. Circunstâncias essas, como já vimos, que a ré conhecia, não poderia ignorar e/ou era suposto saber.
No caso em análise, no pré-aviso de greve, existe menção aos serviços mínimos e à segurança e manutenção dos equipamentos. Todavia, não alegou nem demonstrou a ré se estava a mesma sujeita à sua observância, e que tipo de diligencias fez para que os mesmos fossem observados, tendo-se limitado a afirmar que o autor era o único electricista de turno na respectiva escala - quando essa será a situação normal de trabalho – e não a que decorre, como visto, de uma situação de greve em que tais serviços, em conformidade com os termos legais deverão ser assegurados. Conforme se referiu na sentença recorrida, “em caso de incumprimento dos serviços mínimos necessários à satisfação de satisfação de necessidades sociais impreteríveis, à segurança e manutenção dos equipamentos pode o empregador contratar uma empresa para esse fim (e só nessa circunstância). Donde referir que a empresa tem de parar pelo facto de um trabalhador fazer greve é uma falsa questão. Ou não foram acautelados o correctamente os serviços mínimos ou se estes foram incumpridos pode a empresa contratar terceiros. O legislador assim o permite. O que não permite é coarctar o exercício do direito de um direito constitucional por força do seu interesse e direito a não encerrar uma fábrica”.
Não deve ignorar-se, outrossim, que nos termos do art.º 540.º do Código do Trabalho, “É nulo o acto que implique coacção, prejuízo ou discriminação de trabalhador por motivo de adesão ou não a greve; Constitui contra-ordenação muito grave o acto do empregador que implique coacção do trabalhador no sentido de não aderir a greve, ou que o prejudique ou discrimine por aderir ou não a greve”. (n.ºs 1 e 2).
No caso vertente, a ré sancionou o autor por ter faltado injustificadamente ao trabalho, sem aviso prévio, nem justificação posterior e porque, em seu dizer, a paragem da produção só não ocorreu porque um colega que estava a cumprir um dia de descanso se disponibilizou para prestar trabalho suplementar.
Já vimos que tendo o autor, enquanto representante sindical, aderido à greve (devidamente convocada), no dia 25 de Abril de 2018, não estava o mesmo obrigado a comunicar à ré previamente esse facto, nem tão pouco sujeito ao dever de justificação da sua ausência, visto não estar sujeito ao dever de assiduidade. Também já se viu que a ré não demostrou terem sido observadas, no caso, as formalidades respeitantes à observância dos serviços mínimos - pelo menos, na dimensão da segurança e manutenção do equipamento. Sendo certo que esta foi assegurada por colega substituto do autor, não tendo sido postas em causa tais aspectos estruturais da ré.
Desta feita, salvo o devido respeito, afigura-se-nos, carecer de fundamento a aplicação da sanção disciplinar de que foi alvo o autor, pois se não demonstra a existência de infracção disciplinar. Para além disso, nos termos em que se apurou ter tido lugar a sua aplicação, tal sanção poderá ainda ser encarada como um “ato que implica coacção ou prejuízo do trabalhador por motivo de adesão à greve”. Como se referiu no Acórdão do STJ de 29-01-2020, proc. 2065/16.4T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt, a propósito do art.º 540.º n.º 1 do Código do Trabalho (“É nulo o acto que implique coacção, prejuízo ou discriminação de trabalhador por motivo de adesão ou não a greve”), “visa-se com este dispositivo salvaguardar a liberdade de adesão ou de não adesão do trabalhador a uma greve, impedindo-se que essa liberdade possa ser constrangida por qualquer forma. Deste modo não só são proibidas quaisquer formas de discriminação de trabalhadores por motivo de adesão ou recusa de adesão a uma greve, como são proibidas igualmente quaisquer formas de perturbação da liberdade do trabalhador na decisão de aderir ou não a uma greve, seja por coacção directa ou indirecta. A sujeição dos trabalhadores a prejuízos decorrentes da adesão a uma greve, seja qual for a forma que assumam, e desde que sejam juridicamente relevantes, é igualmente proibida nos termos deste dispositivo, por ter aptidão para afectar a autodeterminação dos trabalhadores face à greve”.
Perante este quadro, como é bom de ver, não pode manter-se a sanção disciplinar aplicada ao autor, a qual deve ser anulada a retirada do seu registo individual. Termos em que procede, sem mais, a presente questão.
4.2. Do abuso de direito do autor
Pretende a ré que a falta de aviso do autor (de que ia fazer greve) representa o exercício abusivo do seu direito, excedendo manifestamente o fim social e económico do mesmo, violando com a sua pretensão expectativas incutidas na contraparte e nos seus colegas de trabalho.
Nos termos do art.º 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso de direito pressupõe a existência do direito; só que o seu exercício, porque excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é considerado ilegítimo.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 297, “a nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que deve ser exercido.”. Segundo Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 1979, Almedina, pág. 58-59 ocorrerá tal figura quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social. De acordo com Vaz Serra, «há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se não tivesse direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito contratual», e de acordo com o mesmo autor, quanto a saber quando haveria «ofensa clamorosa do sentimento jurídico», existindo duas orientações fundamentais: «a subjectiva, segundo a qual há abuso quando o direito é utilizado com o propósito exclusivo de prejudicar outrem (ato emulativo); a objectiva, segundo a qual o abuso se manifesta, objectivamente, na grave oposição à função social do direito, no facto de se exceder o uso normal do direito ou em circunstâncias mais ou menos equivalentes.
O Código Civil adoptou a concepção objectiva, por via da qual, como se viu, não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito - basta que se excedam esses limites.
Como tem vindo a ser assinalado, o referido instituto constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostra intolerável face aos referidos limites, designadamente a boa-fé, seu pilar fundamental, que tem diversas manifestações e são causa quer de efeitos diversos, designadamente de deveres de conduta exigíveis em cada caso de acordo com a natureza da relação jurídica e com a finalidade visada pelas partes, quer de limitação do exercício de um direito ou de qualquer outro poder jurídico.
O abuso de direito, constitui, pois, um princípio fundamental da ordem jurídica, qual seja o de que o exercício dos direitos tem limites, pelo que a titularidade de um direito não confere um complexo de poderes absolutos inerente ao seu exercício. Por um lado, o exercício dos direitos está limitado pela boa-fé e pelos bons costumes, e, por outro lado, pelas finalidades de natureza económica e social subjacentes à conformação desse direito.
O “exercício do direito não deve exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico» pelo que «os sujeitos de determinada relação jurídica devem agir como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuírem, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica» Assim, «serão excedidos limites impostos pela boa-fé, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objectivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito», e «outro tanto se poderá dizer dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta no meio social onde se mostram integradas». Conforme se esclarece no Ac. do STJ de 30-03-2006, proc. 3921/05, da 4.ª Secção, o abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, «caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. Como refere Baptista Machado, o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”. Todavia, para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis». (Cfr. Acórdãos do STJ de 03-10-2019, proc. 3722/16.0T8BG.G1.S1, de 27-04-2017, proc. 1192/12.1TVLSB.L1.S1 e de 17-05-2017, proc. 309/07.2TBLMG.C1.S1, www.dgsi.pt).
(…)
(…)  porque nada se apurou relativamente ao comportamento do autor que nos permita afirmar  que a ré legitimamente contava (confiava) que o mesmo no dia 25 de Abril de 2018 compareceria ao serviço (antes pelo contrário, como acima se disse), não vislumbramos qualquer abuso de direito na greve a que o autor aderiu  no dia em questão. Improcede, deste modo também e sem mais considerandos, a presente questão.
 5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.”
(…)
Nenhum comportamento anterior do autor se provou que criasse na ré a confiança e a legítima expectativa de que trabalhador não faria greve no referido dia. Pelo contrário, tendo em conta o tipo de greve decretada, as tarefas desempenhadas e o horário praticado pelo autor, e sua qualidade de dirigente sindical, tudo devia levar a ré (e colegas) a supor que seria expectável e natural que autor fizesse greve.
(…)
Assim, uma vez que não se vislumbra a prática pelo autor de qualquer conduta contraditória, susceptível de integrar a aludida figura do abuso de direito, apenas nos resta concluir pela manutenção da decisão singular.
III – Em face do exposto, confirma-se a decisão singular, desatendendo-se a presente reclamação.
Custas pela ré.

Lisboa, 2020-11-25
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro