Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
287/14.1T8SCR.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: INSCRIÇÃO MATRICIAL
COLONIA
BENFEITORIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - As inscrições matriciais têm uma finalidade essencialmente fiscal, não tendo potencialidades para atribuir o direito de propriedade sobre os prédios, muito menos sujeitá-los ao regime de colonia.
- Para que um colono possa exercer o direito à remição de benfeitorias, pagando o valor da terra para adquirir a propriedade do solo ou pedindo o seu justo valor, mediante o pagamento das benfeitorias pelo senhorio, tem de demonstrar a existência de uma relação de colonia entre os sujeitos, para que então se possa falar de “colono” e de “senhorio”.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo especial de remição de colonia, apresentado em 30-04-1987, M..., por si e em representação de outros e ainda de A..., na qualidade de colonos, vieram requerer a remição do terreno pertencente a J..., casado com M..., inscrito na Matriz Cadastral da Repartição de Finanças de Machico sob o artigo 12 da Secção BT da mesma freguesia, omisso no Registo, o qual confronta, a norte, com J... e herdeiros de F...; a sul com o Ribeiro; a Leste, com a Vereda e a oeste com o caminho do Larano.
Em síntese, alegaram que em tal terreno se encontra implantada uma porção de benfeitorias rústicas que, por si e pelos seus antecessores sempre agricultaram, inscritas na matriz cadastral do Serviço de Finanças de Machico sob o artigo 12/1 da secção “BT” da freguesia do Machico e omissas no registo.
J... e mulher, M..., vieram suscitar, na fase administrativa, nos termos do artº 9º do Decreto Regional nº 16/79/M de 14-09, com as alterações do Decreto Regional nº 7/80/M de 20-08, o incidente através do qual pedem que sejam absolvidos do pedido de remição de colonia efectuado pelos requerentes, por estes não serem colonos e, por isso, não terem direito que se arrogam na remição – Cfr fls 539 a 546.
Alegaram que os requerentes do presente processo de remição de colonia, M..., por si e em representação de M... e marido, A...; M..., casada com J... e de M..., casado com M..., todos ausentes no Brasil, e ainda A..., casada com H..., não são colonos da porção de terra do prédio a remir nem donas de benfeitorias, porque nunca foram proprietários ou possuidores de quaisquer benfeitorias rústicas sobre a porção do prédio dos aqui requerentes e também nunca agricultaram tais terras ou trabalharam nem lhes colheram frutos ou produtos que, consequentemente, nunca dividiram ou partilharam com os respectivos proprietários e nunca houve qualquer contacto com os proprietários ou ante-proprietários das terras a propósito ou respeito de algum contrato de colonia.
Ainda que assim não fosse, sustentaram também que as requerentes do processo de colonia não têm poderes para pedir ou requerer em nome de terceiros qualquer remição de colonia, por não terem a maioria exigida pelo artº 2º da Lei nº 62/91 de 13.08, aplicável aos autos por força do seu artº 5º.
Perante tal incidente, a autoridade administrativa remeteu os autos ao tribunal, o qual o admitiu liminarmente e ordenou a notificação às requerentes do pedido de remição para querendo, o contestarem.
Houve oposição, nos termos da qual as requerentes da remição sustentaram gozar do direito de remição exercitado, porquanto são co-titulares de pelo menos 3/5 da herança ilíquida e indivisa que ficou por óbito dos pais, primitivos colonos, uma vez que a requerente M... e marido conferiram poderes à também requerente M... para os representar em quaisquer instâncias e para tratar e legalizar todos os assuntos e documentos do interesse dos outorgantes. Mais alegaram que do acervo hereditário que ficou por óbito dos pais das requerentes fazem parte, entre outros bens, as benfeitorias sob o regime de colonia, cujo solo onde se acham implementadas foi objecto do pedido de remição nos presentes autos, o qual já os pais das requerentes haviam acedido por óbito dos respectivos pais, avós das requerentes, tendo sido estes últimos os primitivos colonos da terra, ou seja, quem a desbravou, a tornou arável e agricultou ao longo dos anos, no que foram continuados pelos respectivos filhos e, por último, pelos netos, as requerentes – Cfr fls 563 a 564.
Admitido liminarmente o incidente (fls 570), foram inquiridas as testemunhas oferecidas pelas partes (fls 625 a 631).
Foi proferida SENTENÇA que decidiu julgar procedente o incidente suscitado pelos requeridos e, em consequência, absolveu-os do pedido de remição efectuado pelas requeridas em nome próprio e em representação de outros, das benfeitorias implantadas sobre o prédio propriedade dos requeridos inscrito na Matriz Cadastral da Repartição de Finanças de Machico sob o artigo 12 da Secção BT da mesma freguesia, omisso no Registo, o qual confronta, a norte, com J... e herdeiros de F...; a sul com o Ribeiro; a leste, com a Vereda e a oeste com o caminho do Larano e as mesmas inscritas na matriz cadastral do Serviço de Finanças de Machico sob o artigo 12/1 da secção B da mesma freguesia, omissas no registo. O mais não foi apreciado, prejudicado que ficou em face do conteúdo do decisório antecedente.
Não se conformando com a douta sentença, dela recorreram os requerentes, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
a) Invocando a sua qualidade de herdeiras dos falecidos pais J... e M..., as ora apelantes requereram a remição de uma porção de terreno correspondente à parcela 1 do prédio inscrito na matriz cadastral da freguesia de Machico sob o artº 1§2º da secção “BT” sobre a qual estavam implantadas umas benfeitorias rústicas inscritas em nome de seu falecido pai J..., na qualidade de colono.
b) Em face de prova documental junta aos autos (docs de fls.6 a 8 e 11 e 12) e testemunhal produzida (depoimento da testemunha C...) impunha-se que o tribunal “a quo” tivesse dado como provado.
De facto,
c) Conforme prova documental junta aos autos as benfeitorias correspondentes à dita parcela 1 do prédio inscrito sob o artº12º da Secção “BT” mencionado, mostravam-se inscritas em nome e a favor do falecido pai das apelantes, F... e a terra inscrita em nome de O... e outro.
d) Do depoimento prestado pela testemunha C... resulta, de forma clara e expressa “ que, em tempos, antes do 25 de Abril de 1975, os pais das requerentes cultivaram o dito prédio da família R..., tão só num pequeno poio atrás da casa, onde se plantou vinha e cana-de-açúcar” – conforme reza a douta sentença recorrida.
e) A conjugação destes dois elementos probatórios impunha que o tribunal “a quo” tivesse dado como provado, no mínimo, que os pais das apelantes foram colonos da parcela 1 do citado prédio inscrito sob o artº12º da Secção “BT” da matriz cadastral da freguesia de Machico.
f) O tribunal “a quo” desconsiderou, no entanto e não valorizou, minimamente que fosse, tais elementos probatórios.
g) A resposta dada sob o item 6º dos factos provados deve, assim, ser alterada em conformidade com o que ora fica invocado.
h) Por outro lado, toda a prova testemunhal produzida pelos requeridos incidiu apenas e só sobre a parcela 2 do citado artº12º da secção “BT” e sobre a qual estão implantadas umas benfeitorias rústicas e urbanas como consta dos autos e como se ilustra a seguir, seguindo a douta sentença recorrida.
i) O prédio vendido aos requeridos havia sido dado de arrendamento no ano de 1981 à srª A..., que não era colona (depoimento da testemunha M...).
j) A srª G... (dita A...) metia ali vacas a pastar e pagava 60$00 de renda por mês como arrendatária (depoimento da testemunha R...).
k) Ali (no dito prédio) residia apenas uma senhora que se dedicava aos bordados (depoimento da testemunha J...).
l) Certo é que a convicção do tribunal “a quo” assentou em tais depoimentos, como resulta de forma expressa da douta sentença recorrida.
m) Tanto assim é que de tais depoimentos o tribunal concluiu que “todas as testemunhas falaram na casa de colmo...mas ninguém sustentou.....quem a construiu”.
n) O tribunal “a quo” trouxe ainda à colação, para fundamentar a sua convicção, a decisão de fls.354-364 dos autos.
o) Ora, atento o douto acórdão anteriormente já proferido por esse Venerando Tribunal em recurso de agravo interposto pelos requeridos, foi “anulado tudo o que foi processado depois das notificações de fls.129 a 26 dos autos...”.
p) De resto, o tribunal “a quo” identificou erradamente os pais das apelantes – J... e M... – que confundiu com os autores da referida acção de preferência – J... e A...;
q) E, em consequência, conclui, erradamente, que tendo aqueles (pais das apelantes) invocado a sua qualidade de arrendatários (na dita acção de preferência, segundo o tribunal) não poderiam vir agora as apelantes invocar a qualidade daqueles como colonos nos presentes autos.
r) A douta sentença recorrida padece, assim, de diversos erros de apreciação e valoração dos elementos e documentos probatórios trazidos ou produzidos nos autos.
s) Tais erros influíram decisivamente na decisão proferida.
A parte contrária contra-alegou, pedindo que seja negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II -FUNDAMENTAÇÃO
A) Fundamentação de facto
Mostram-se assentes os seguintes factos:
1º - No dia 01-10-1981, por escritura pública, J... e mulher, M..., adquiriram a M..., M..., M..., M... e consorte, M..., J... e consorte, L... e J... e consorte, M..., um prédio rústico e urbano, com suas respectivas benfeitorias, no sítio da Graça, Machico, inscrito na matriz predial, a parte rustica sob os artsº 3409º e 3486º e a parte urbana sob o artº 777º, descrito na C.R.Predial de Santa Cruz sob o nº 3243, a confrontar a norte, com a vereda; a sul com a Azinhaga; leste, com M...; e oeste com a estrada do Larano.
2º - Ao momento da aquisição, o sobredito prédio não tinha benfeitorias rusticas efectuadas pelas requerentes ou seus antecessores.
3º - No dia 30-04-1987, M..., por si e em representação de M... e marido A...; M..., casada com J... e de M..., casado com M..., e ainda A..., casada com H..., requereram na Secretaria Regional da Economia, a remição das benfeitorias implantadas sob o prédio inscrito na matriz cadastral da repartição de finanças de Machico, sob o artº 12 da Secção BT da mesma freguesia, omisso no Registo, o qual confronta, a norte, com J... e herdeiros de F...; a sul com o Ribeiro; a leste, com a Vereda e a oeste com o caminho do Larano, inscritas na matriz cadastral do Serviço de Finanças de Machico sob o artigo 12/1 da secção B da mesma freguesia, omissas no registo.
4º – M... muniu-se um documento subscrito por M... e marido A..., onde os últimos concedem à primeira, “poderes amplos e ilimitados para promover a partilha dos bens deixados por M... e J..., situados em Portugal, podendo para tanto instaurar e promover qualquer tipo de procedimento, constituir advogado ou procurador judiciar, fazer tornas, concordar e discordar, transigir, reclamar, recorrer, representa-los em quaisquer instâncias, juízo ou tribunal naquela república, tratar e legalizar todos os assuntos e documentos do interesse dos outorgantes, assinando os papéis necessários, podendo inclusive vender ou alienar de qualquer forma e a quem quer que seja e pelo preço que ajustar a parte que lhes forem dada na partilha, podendo fixar os preços; ajustar cláusulas e condições e aceita-las; assinar recibos, contratos e escrituras; receber quantias e dar quitação; transmitir acção, senhorio, domínio e posse; responder por evicção e representa-los em repartições públicas em geral, assinando os papéis para efectivação da transacção e praticar todos os actos enquadrados nas leis e posturas portuguesas.”
5º - M... muniu-se ainda de dois documentos subscritos, respectivamente, por M... e esposo J...; e de M... e mulher M..., onde os últimos declararam constituir a primeira, sua bastante procuradora, podendo para tanto “vender a quem quiser, pelo preço e condições que convencionar e a quem se interessar, os bens imóveis que os outorgantes têm na freguesia do Machico, concelho de Funchal, bens esses havidos por falecimento de J... e de M..., pais e sogros dos outorgantes, podendo ainda descrever e localizar os imóveis, com suas origens, metragens, características e confrontações, outorgar e assinar os competentes instrumentos públicos perante tabelionatos, transmitir a posse, domínio, direito e acção sobre os imóveis, receber o preço das vendas, passando os necessários recibos e dando quitação; representa-los perante conservatórias e, tudo requerer, registrar, averbar, declarar e assinar; enfim, praticar todos os demais actos necessários ao completo desempenho deste mandato.”
6º - As requerentes e seus antecessores, não agricultaram, colhendo frutos ou produtos dos prédios aludidos em 1º e 3º que subsequentemente dividissem, partilhassem ou em sua substituição entregassem montantes em dinheiro ou géneros, com os requeridos ou com os anteriores proprietários.

B) Fundamentação de direito
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º nº 4 do CPC é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Saliente-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, nos termos dos artigos 608º nº 2 e 663º, nº 2 do CPC, pelo que não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, as questões que o tribunal deve decidir são as seguintes:
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
- A questão de direito.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO
Alegam as apelantes que os nºs 2 e 6 dos factos provados devem ser alterados no sentido de ficar provado que “os pais das apelantes foram colonos da parcela 1 do citado prédio inscrito sob o artº12º da Secção “BT” da matriz cadastral da freguesia de Machico”.
O que as apelantes pretendem é que se dê como provado que o prédio dos requeridos, ora apelados, era um prédio sujeito ao regime de colonia.
Para tanto invocam a prova testemunhal (depoimento de C...), assim como a prova documental junta aos autos (docs de fls 6 a 8 e 11 e 12).
A prova testemunhal
Alegam as apelantes que a pretendida alteração da matéria de facto tem por base o depoimento da testemunha C..., que a sentença desvalorizou.
Vejamos o que aconteceu, tendo em atenção o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º nº 5 do Código de Processo Civil e no artigo 396º do Código Civil.
Na fundamentação da decisão sore a matéria de facto, a douta sentença decidiu nos seguintes termos:
“Os factos 2) e 6) provaram-se pela análise conjunta e conjugada dos depoimentos de M..., que identificando perfeitamente a situação objecto do litígio, explicou, com razão de ciência, que o prédio, vários anos prévios à venda aos requeridos, em 1981, fora dado de arrendamento à Sra. A..., sendo que pelo menos desde 1970 o seu marido ali se deslocava para receber o valor das rendas, não sendo aquela colona porque nunca celebraram aquele tipo de contrato, como o seu (falecido) marido lhe explicou.
Em consonância e com um discurso convergente entre si, também R..., de 73 anos, que sempre residiu nas imediações daquele prédio, explicou que desde os seus 5-6 anos ali via a Sra. G... a meter vacas a pastar naquele prédio e que tanto quanto sempre ouviu dizer, a mesma era arrendatária ao preço de 60 escudos, que aliás, frequentemente dizia não ter para pagar ao senhorio, o que globalmente também M... asseverou ao Tribunal. Explicaram ainda, que conversando com o Sr. R... (anterior proprietário), o mesmo nunca disse que ali tinha colonos mas tão só inquilinos, tanto mais que o marido da inquilina habitualmente estava embarcado e fora da Ilha da Madeira, não exercendo a esposa e filhos quaisquer actividade agrícola produtiva, desde logo porque os filhos, muito cedo ou emigraram para o Brasil ou (no caso das duas filhas que ainda residem na Madeira) empregaram-se em outras actividades.
Também a testemunha J..., com 68 anos, nas imediações também residente, soube explicar que desde cedo (em criança) que se apercebeu que naquele prédio não era feito qualquer cultivo, ali residindo tão só uma senhora que se dedicava essencialmente aos bordados.
Por último, C..., de 85 anos, que também residia nas imediações, explicou que em tempos, antes do 25 de Abril de 1974, os pais das requerentes cultivaram o dito prédio da família A... mas tão só num pequeno poio atrás da casa, onde se plantou vinha e cana-de-açúcar. Contudo, instada, soube precisar que a família A... era a proprietária do terreno mas nunca assistiu nem pôde assegurar que houvesse qualquer entrega de colheitas aos proprietários ou seu sucedâneo, ou que a família houvesse arroteado as terras.
No que às benfeitorias diz respeito, todas as testemunhas falaram na casa de colmo, tipicamente madeirense mas ninguém sustentou, de forma coerente, sólida e esclarecida, quem a construiu”.
(…) “todas as testemunhas sustentaram que as requerentes (em nome próprio e em representação) nunca trabalharam tais terras e igualmente nenhuma soube minimamente explicar que houvessem benfeitorias por aqueles construídos e que houvesse sido trabalhada a terra e colhidos os frutos, os mesmos fossem equitativamente distribuídos pelo senhorio”.
Vejamos, porém, se é possível às apelantes basearem-se no depoimento da testemunha C... para impugnarem a decisão proferida sobre matéria de facto.
Para que obtenham tal desiderato, impunha-se que observassem o cumprimento do disposto no artigo 640º nº 2 a) do Código de Processo Civil, segundo o qual:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Nada disto aconteceu, pelo que não se atende à pretensão das apelantes em ver modificada a matéria provada nos nºs 2 e 6 com base neste depoimento.
A prova documental
Entendem ainda as apelantes que os documentos de fls 6 a 8 e 11 e 12 apontam no sentido da sua pretensão, ou seja, que o prédio dos requeridos é um prédio sujeito ao regime de colonia.
Cumpre decidir.
Tais documentos foram juntos no requerimento inicial apresentado pelas apelantes.
O documento de fls 6 a 8 respeita a uma certidão da Repartição de Finanças de Machico, onde se refere que as fotocópias foram extraídas da matriz cadastral rústica da freguesia de Machico do artigo nº 12/1 da Secção BT, sendo o rendimento colectável das benfeitorias de 169$00 e que o rendimento colectável da porção de terreno onde se encontram implantadas as benfeitorias é de 170$00, sendo os titulares do rendimento Ó... e J...
O documento de fls 11 e 12 é uma reprodução da planta do cadastro geométrico da propriedade rústica do prédio 12/1, pertencente a O... e outro, passada pelo Instituto Geográfico e Cadastral.
Tais documentos, considerados no seu conjunto, nada provam quanto às alegadas benfeitorias e que o prédio em causa esteja sujeito ao regime de colonia.
Efectivamente, as inscrições matriciais têm uma finalidade essencialmente fiscal, não tendo potencialidades para atribuir o direito de propriedade sobre os prédios, muito menos sujeitá-los ao regime de colonia. Apenas fornecem um elemento de convicção nesse sentido que, não tendo o valor de uma presunção, não dispensam as requerentes, ora apelantes, da prova de tal facto, com vista à integração do direito a que se arrogam.
Assim, para concluir, diremos que se mantém inalterada a matéria de facto provada sob os nºs 2 e 6.
Por outro lado e por revestir especial relevância transcreve-se o que ficou decidido na douta sentença quanto aos factos não provados:
“As requerentes, por si e através dos seus antecessores, sempre agricultaram e possuíram há mais de 20 anos, trabalhando a terra e colhendo os seus frutos, à vista de todos, sem oposição de ninguém e de forma contínua, benfeitorias com a área aproximada de 620m2 e que confrontam a norte, com J...; a sul com o Ribeiro; a Leste, com a Vereda e a oeste com herdeiros de A..., inscritas na matriz cadastral do Serviço de Finanças de Machico sob o artigo 12/1 da secção B da mesma freguesia, omissas no registo, feitas sob o prédio sob o art.º 12 da Secção BT da mesma freguesia, omisso no Registo, o qual confronta, a norte, com J... e herdeiros de F..., a sul com o Ribeiro, a leste com a Vereda e a oeste com o Caminho do Larano”.

A QUESTÃO DE DIREITO
A Constituição da República Portuguesa, na sua versão de 1976, veio proibir os regimes de aforamento e colonia (…) Por força deste dispositivo constitucional a Lei nº 77/77, de 29 de Setembro, no seu artigo 55º nº 1, extinguiu os contratos de colonia existentes na Região Autónoma da Madeira e dispôs no sentido de as situações daí decorrentes serem regidas pelas normas do arrendamento rural e pela legislação estabelecida em decreto da Assembleia Regional. A partir da publicação da referida lei tem de entender-se que o legislador quis restringir fortemente a aplicação das normas de direito costumeiro e dos usos na regulamentação dos contratos de colonia que persistiam.
Tendo a Constituição da República Portuguesa, na sua versão original (1976) procedido à extinção da figura da colonia, em conformidade com o respectivo artigo 101º nº 1, vieram os Decretos Regionais nº 13/77/M, de 18 de Outubro e 16/79/M de 14 de Setembro, estabelecer um regime jurídico específico para regularizar a situação do regime de colonia, próprio desta Região Autónoma.
Conforme se pode ler no preambulo do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro:
“(…) A solução dos problemas derivados da extinção da colonia terá assim de ter em conta as condições específicas da Madeira e assentar em duas bases: prioridade na justiça social e não perder de vista a necessidade de uma imprescindível rentabilidade da empresa agrícola.
Determina-se, pois, a extinção dos contratos de colonia, com a sua conversão, transitoriamente, em contratos de arrendamento rural e reconhece-se que há que dar um prazo para as remissões previstas no diploma. As negociações, as avaliações e as questões de ordem financeira, derivadas do processo, são forçosamente lentas e, se tal prazo não for concedido, podem criar-se situações inconvenientes.
É dada ao colono a possibilidade de ascender à propriedade plena da terra e, de acordo com o princípio constitucional sobre o direito à propriedade privada, mediante uma indemnização ao senhorio estabelecida de acordo com as partes ou correspondente ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por desbravar”.
O Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro extinguiu os contratos de colonia que subsistiam na Região Autónoma da Madeira, os quais passaram a reger-se pelas disposições respeitantes ao arrendamento rural e pelas normas do presente diploma – artigo 1º.
O colono-rendeiro tem o direito de remir a propriedade do solo onde possua benfeitorias – artº 3º nº 1- tendo o senhorio direito a indemnização – artº 7º nº 1.
Conferem direito a indemnização todas as benfeitorias feitas pelo colono rendeiro no prédio sujeito ao regime de colonia, designadamente a arroteia dos terrenos e todos os trabalhos que o colono-rendeiro ou os anteriores donos da colonia executaram para a formação ou constituição do solo arável – artº 11º nº 1.
Sobre esta matéria escreveu Rui Pinto Duarte  Curso de Direitos Reais, página 211 a 212.: “A colonia foi uma figura privativa da Madeira, ligada às especificidades locais do processo de exploração dos solos. Como outras figuras, dava origem à dissociação do domínio do imóvel em duas realidades jurídicas diversas: no caso, em cumulação com o direito de propriedade do solo surgia o direito do colono, que tinha por objecto não apenas o gozo do solo, mas também o domínio das benfeitorias que nele realizasse. O proprietário tinha direito a receber uma renda (a demídia –metade dos produtos) e podia pôr fim à colonia a qualquer momento, desde que indemnizasse o colono pelas benfeitorias”.
Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-06-20102 Proc.º nº 592/03.2TCFUN.S1, in www.dgsi.pt/jstj se pronunciou sobre o tema nos seguintes termos:
“Em termos gerais a colonia, que para alguns autores é uma derivação da Lei das Sesmarias de 1375, que para outros a sua origem estaria ligada à instituição vincular e que para outros ainda seria uma forma desvirtuada de enfiteuse, constituiu um regime de aproveitamento agrícola, levado a efeito na ilha da Madeira, em que o dono de um prédio rústico contratava com outrem o seu cultivo, reservando-se metade das colheitas e sendo a outra metade para o colono. Mediante o contrato de colonia o direito de propriedade sobre um prédio rústico é cindido em dois direitos reais menores: o direito de propriedade do chão que continua na titularidade do primitivo proprietário e a propriedade das benfeitorias que se realizem após a celebração do contrato, na titularidade do colono que tem ainda o direito de gozo do chão. A duração era quase sempre por tempo indeterminado, mas, se houvesse de findar, pertencia ao senhorio o direito de estabelecer-lhe o prazo. Tanto um como o outro podiam transferir a terceiros a coisa de que são proprietários, aquele a terra e o segundo as benfeitorias, não sofrendo o contrato qualquer alteração em virtude de eventuais transacções realizadas. Se na terra em questão não existissem casas ao parceiro lavrador chamava-se meeiro e, se existissem, caseiro. A residência quando construída pelo colono, constituía uma das benfeitorias – que, como as outras: muros, poços, latadas, calçadas e mesmo animais, podiam ser objecto de venda ou de hipoteca e ainda avaliadas para ulterior indemnização ao senhorio” .
É às requerentes, que invocam a existência de um contrato para daí fundamentar o pedido de remição de colonia, que incumbe o ónus de provar a respectiva celebração, como facto constitutivo do seu direito.
Por conseguinte, para que um colono possa exercer o direito à remição de benfeitorias, pagando o valor da terra para adquirir a propriedade do solo ou pedindo o seu justo valor, mediante o pagamento das benfeitorias pelo senhorio, tem de demonstrar a existência de uma relação de colonia entre os sujeitos, para que então se possa falar de “colono” e de “senhorio”.
Competia também a quem arroga o direito, a demonstração da construção das mencionadas benfeitorias. No caso dos autos e perante a prova produzida – e não alterada na sequência na impugnação da decisão de facto apresentada pelas apelantes – provou-se que:
- Ao momento da aquisição, o sobredito prédio não tinha benfeitorias rusticas efectuadas pelas requerentes ou seus antecessores – (2º).
- As requerentes e seus antecessores, não agricultaram, colhendo frutos ou produtos dos prédios aludidos em 1º e 3º que subsequentemente dividissem, partilhassem ou em sua substituição entregassem montantes em dinheiro ou géneros, com os requeridos ou com os anteriores proprietários – (6º).
Por outro lado, não se provou que as requerentes, por si e através dos seus antecessores, sempre agricultaram e possuíram há mais de 20 anos, trabalhando a terra e colhendo os seus frutos, à vista de todos, sem oposição de ninguém e de forma contínua, benfeitorias com a área aproximada de 620m2 e que confrontam a norte, com J...; a sul com o Ribeiro; a Leste, com a Vereda e a oeste com herdeiros de A..., inscritas na matriz cadastral do Serviço de Finanças de Machico sob o artigo 12/1 da secção B da mesma freguesia, omissas no registo, feitas sob o prédio sob o art.º 12 da Secção BT da mesma freguesia, omisso no Registo, o qual confronta, a norte, com J... e herdeiros de F...; a sul com o Ribeiro; a leste, com a Vereda e a oeste com o Caminho do Larano, isto é, implantadas no prédio dos requeridos.
Por isso, e como bem remata a douta sentença, se não se demonstrou a existência de uma situação típica de contrato de colonia, tão pouco se pode falar de regime da colonia e daí pretender extrair consequências, nomeadamente, as do direito a remir terras, prédios ou benfeitorias neles implantadas.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações das apelantes.
EM CONCLUSÃO
- As inscrições matriciais têm uma finalidade essencialmente fiscal, não tendo potencialidades para atribuir o direito de propriedade sobre os prédios, muito menos sujeitá-los ao regime de colonia.
- Para que um colono possa exercer o direito à remição de benfeitorias, pagando o valor da terra para adquirir a propriedade do solo ou pedindo o seu justo valor, mediante o pagamento das benfeitorias pelo senhorio, tem de demonstrar a existência de uma relação de colonia entre os sujeitos, para que então se possa falar de “colono” e de “senhorio”.
III - DECISÃO
Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.

Lisboa, 6/7/2017

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais

Isoleta de Almeida Costa