Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23116/16.7T8SNT-C.L1-8
Relator: CARLA SOUSA OLIVEIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PERSI
OMISSÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INSUPRÍVEL
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância.
II. E como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do nº 2 do art.º 573º, do NCPC que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
III. O procedimento de integração do executado em PERSI para existir, ser válido e eficaz, tem de ser iniciado e efectivamente levado ao conhecimento do devedor, pelo que faltando a prova do envio e da recepção das comunicações, verifica-se a aludida excepção dilatória insuprível.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. Relatório
Por apenso à acção executiva que corre termos sob o nº 23116/16.7T8SNT intentada por C…, SA – tendo, entretanto, sido habilitada a cessionária P… - contra R…, veio RG…, na qualidade de cônjuge do executado, deduzir a presente oposição à execução mediante embargos de executado.
Invocou a excepção dilatória inominada da falta de inserção do executado/ mutuário no PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) e ainda as excepções peremptórias do pagamento, da falta de interpelação prévia, da inexigibilidade da obrigação de juros vencidos e do abuso de direito e impugnou o valor correspondente à sobretaxa de 4% alegada pela exequente.
Mais deduziu oposição à penhora com fundamento no excesso de bens penhorados.
Pugnou, a final, pela procedência das oposições e consequente extinção da execução e levantamento da penhora; e requereu a suspensão da execução, ao abrigo do disposto no art.º 733.º, nº 1, al. c) do NCPC, bem como que fosse determinado que a venda do imóvel aguardasse a decisão sobre os presentes embargos, ao abrigo do disposto nos art.º 733º, nº 5 e 785º, nº 4, do NCPC.
Admitida liminarmente a oposição deduzida, foi ordenado o cumprimento do disposto no art.º 732º, nº 2, do NCPC, tendo a exequente apresentado contestação no âmbito da qual se pronunciou sobre as excepções invocadas pela opoente, pugnando, a final, pela improcedência das oposições.
A opoente veio, posteriormente, deduzir embargos supervenientes – autuados como apenso D –, invocando a prescrição das prestações vencidas e da obrigação de juros, bem como a questão da capitalização dos juros os quais, após liminarmente recebidos, mereceram a contestação da exequente.
Por despacho de 07.03.2021 foi determinada a incorporação do apenso D no presente apenso [C], com vista à tramitação, apreciação e decisão unitária de ambas as oposições.
Por despacho de 10.03.2021 foi proferido despacho pré-saneador, nos termos do qual foi determinada a notificação do exequente para, em 10 dias, esclarecer se deu cumprimento ao determinado/previsto no DL 227/2012, de 25 de Outubro relativamente ao executado/mutuário e, na afirmativa, para o comprovar documentalmente, tendo a exequente respondido nos termos constantes do requerimento datado de 17.03.2021.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução, determinando a extinção da execução, com fundamento na falta de integração do executado/mutuário no PERSI.
Inconformada com a decisão proferida, veio a embargada/exequente recorrer, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES
A. O presente recurso de Apelação interposto pela ora Apelante tem por objeto a Sentença de 19/07/2022 com a referência citius 136586307, da mesma notificada no passado dia 20/07/2022.
B. A referida Sentença ora objeto de recurso versa sobre uma exceção dilatória inominada insanável, decorrente de uma alegada omissão pela ora Apelante da obrigação de integração do executado/mutuário, ora Apelado, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (vulgo PERSI), regulado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
C. A Decisão determinou, assim, a extinção da execução, vendo-se a ora Apelante agora impedida de ver a sua dívida ressarcida.
D. A 21 de Dezembro de 1998, a cedente C…, S.A. celebrou com o Executado R… um contrato de mútuo pelo valor de € 49.380,94 (quarenta e nove mil, trezentos e oitenta euros e noventa e quatro cêntimos) e identificado pelo IBAN PT ..., bem como um outro contrato de mútuo, pelo valor de € 20.450,69 (vinte mil, quatrocentos e cinquenta euro e sessenta e nove cêntimos) e identificado pelo IBAN PT ....
E. Para garantia do capital mutuado, foram constituídas duas hipotecas sobre a fracção Autónoma designada pela letra “J”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º ... da freguesia de Agualva, e inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., registadas pelas AP. ... e AP. ... a favor da cedente C…, S.A., e cedidas à ora Recorrente P....
F. Os mútuos entraram em incumprimento pelo Executado a 21/10/2013 e 21/03/2012, respectivamente.
G. Sem prejuízo do executado já ter sido citado na pessoa da Apelada em 24/01/2017, em 07/03/2020 veio RG…, cônjuge do Executado, deduzir oposição à execução e à penhora mediante embargos de executado, na qualidade de cônjuge do executado/mutuário.
H. A mesma foi julgada procedente pelo tribunal a quo, o que não se pode aceitar.
I. De entre as demais questões suscitadas, foi invocada uma alegada preterição da obrigação de integração do Executado no PERSI por parte da cedente, a instituição de crédito C…, SA.
J. Estaria por isso a C…, S.A. impedida de resolver o contrato de crédito, bem como de instaurar ação executiva e de ceder o seu crédito à cessionária, ora Apelante, a P…, porquanto o devedor não tinha sido integrado no mesmo.
K. Notificada, veio a ora Apelante contestar, tendo posteriormente junto os documentos comprovativos de integração e consequente extinção do PERSI a 03/11/2020.
L. Não obstante, entendeu o tribunal a quo que as mesmas eram insuficientes para que se pudesse provar o seu efectivo envio ao Executado, mais considerando as mesmas “meras fotocópias” de cartas.
M. Ora, como bem refere o Acórdão ora objeto de recurso, “não existe nenhuma obrigatoriedade legal de enviar cartas pela forma registada ou registada com aviso de recepção”, na medida em que tais formalidades não são exigidas pelos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, nº 3 do DL 227/2012.
N. É, igualmente, este o entendimento da jurisprudência.
O. Veja-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, a propósito da mesma questão levantada no âmbito do processo nº 2915/18.0T8ENT.E1 (disponível em dgsi.pt).
P. Na mesma senda, veio o Tribunal da Relação de Lisboa, a propósito do processo nº 105874/18.0YIPRT.L1-7 (disponível em dgsi.pt).
Q. No mais, sendo que o Executado nunca invocou a não recepção das cartas, sendo o seu cônjuge quem o vem fazer, nunca poderia ser feita prova da respetiva recepção.
R. Contudo, o silêncio do Executado vale como confissão dos factos, pelo que as missivas se têm por recebidas.
S. Não pode a Apelada invocar a não recepção das cartas por parte terceira, que não foi ouvida nos autos, pois não lhe compete tal facto.
T. Ainda, não tem a Apelada como saber se o Executado recebeu, ou não as cartas de integração e extinção do PERSI pois este pode, simplesmente, ter omitido tal facto.
U. Ora, não tendo havido qualquer oposição por parte do destinatário das cartas PERSI, está o Tribunal a quo, oficiosamente, a concluir pela não recepção de tais cartas, o que não se pode aceitar
V. Concluindo-se por isso que as cartas já juntas aos Autos fazem prova suficiente do envio das mesmas e por isso presumindo-se que estas foram efectivamente enviadas, cabendo ao Executado ilidir tal presunção- o que, de resto, não veio fazer.
W. Quem vem suscitar tamanha questão é sempre a Embargante, ora Apelada, na qualidade de cônjuge do Executado.
X. Em primeiro lugar, há que referir que, aquando da celebração dos contratos em causa o Executado RG… tinha o estado civil de “solteiro”, sendo que a ora Apelada não constava como sua cônjuge, pelo que naturalmente não foi citada nos termos da presenta ação executiva nem lhe foram remetidas quaisquer missivas de interpelação para pagamento de qualquer quantia- como não tinha de o ser.
Y. Ora, não cabe no espectro do artigo 787º do Código de Processo Civil (doravante CPC), relativamente ao estatuto processual do cônjuge do executado, a invocação da alegada falta de envio de missivas que se destinavam unicamente ao Executado, e não à embargante.
Z. De facto, este regime permite à Embargante, na qualidade de cônjuge do Executado, exercer os direitos que a lei processual confere ao executado, mas não lhe confere a possibilidade de se defender pelo mesmo, muito menos invocando desconhecimento de factos pessoais do primeiro.
AA. A ora Apelada invoca factos de conhecimento pessoal do mutuário/executado, uma vez que este é o único titular do crédito e único destinatário de todas as cartas e missivas remetidas pela instituição de crédito com fim de regularização de dívida e de resolução do contrato.
BB. Citado no âmbito presente ação executiva, o mutuário/executado não apresentou oposição nem deduziu embargos.
CC. Entendeu ainda o tribunal a quo que o devedor/executado apenas se encontrava em mora, por recurso às cartas datadas de 2015 e 2016 remetidas pela C… S.A. e remetidas ao devedor, não tendo tido lugar a resolução dos contratos.
DD. Porém, resulta claro do artigo 16º do Documento Complementar anexo à escritura pública do contrato de compra e venda celebrado com o devedor, já junto aos Autos com o Requerimento Executivo que a credora tem direito de considerar o empréstimo vencido (…) se a parte devedora deixar de cumprir algumas das obrigações resultantes deste contrato.
EE. O mesmo resulta do regime legal português, no artigo 781º do CC que refere que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
FF. Mais uma vez, quem invoca a ausência de interpelação admonitória é a cônjuge do Executado e não o destinatário de tais missivas. GG. No mais, ainda que nenhuma interpelação tivesse sido feita, sempre se consideraria a mesma concretizada com a citação, sendo tal questão pacífica na jurisprudência.
HH. A título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/06/2021 onde se lê que essa interpelação pode ser feita extra judicialmente ou pode ter lugar no próprio processo executivo, através da citação do executado para pagar no prazo legal.”.
Pugna, assim, a recorrente pela integral procedência do recurso e consequentemente pela revogação da sentença proferida nestes autos e sua substituição por outra que determine o prosseguimento da execução.
Foram apresentadas contra-alegações, tendo a recorrida pugnado pela integral improcedência do recurso e, para o caso de assim não se entender, deduzido ampliação do objecto do recurso, concluindo da seguinte forma:
“1.ª Quanto à alegada ilegitimidade da embargante, ora recorrida, não tendo a exequente exercido o contraditório perante o requerimento de 26-01-2020, nem impugnado o despacho de 18-02-2020, a questão ficou a partir daí a coberto do caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º do Código de Processo Civil, conforme os atos com as referências 16241020 e 123769445.
2.ª Relativamente aos fundamentos factuais da decisão recorrida, os factos relevantes não provados são os seguintes: “as cartas copiadas sob os pontos 12 a 16 dos factos provados foram remetidas ao executado/opoente, que as recepcionou.”.
3.ª Refira-se ainda que as referidas cartas não foram juntas com o requerimento executivo, onde o exequente não tomou posição sobre a questão da integração do Executado no PERSI, mas também não o foram com a contestação aos embargos, vindas a ser juntas aos autos em 03-11-2020, mediante insistência.
4.ª Agindo sobre erro nos pressupostos de facto, a apelante está a ignorar que o Tribunal deu como “não provado” que “as cartas copiadas sob os pontos 12 a 16 dos factos provados foram remetidas ao executado/opoente, que as recepcionou.”.
5.ª Pugnando contra os factos provados, a apelante insiste reiteradamente que está comprovado o envio das cartas de integração e extinção do PERSI, mas sem especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação, que impunham uma decisão diversa.
6.ª A apelante defende que “o silêncio do Executado vale como confissão dos factos, pelo que as missivas se têm por recebidas”, mas não tomou qualquer posição sobre os mesmos no requerimento executivo, e o Executado foi citado em 23-01-2017, não sendo confrontado com tais factos, e a questão só foi suscitada nos embargos de executado, deduzidos em 07-03-2020.
7.ª Por outro lado, é pacífico que “a preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573º, n.º 2, in fine do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão”, cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-09-2020, processo n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, citado na sentença.
8.ª Além disso, os factos respeitantes à preterição de sujeição do Executado ao PERSI, e bem assim a não receção das comunicações pertinentes, não são “factos de conhecimento pessoal do Executado”, uma vez que está provado que não recepcionou tais comunicações.
9.ª A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada”, cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1.
10.ª Todavia, a recorrida apresentou oposição mediante embargos de executado onde deduziu vários meios de defesa que a lei prevê para a tutela dos seus interesses, designadamente a prescrição da dívida exequenda, na parte relativa às prestações vencidas e não pagas, e a prescrição da obrigação de juros, não havendo conhecimento de mérito em face da absolvição da instância.
11.ª Estabelecendo o artigo 278.º, n.º 3, do Código de Processo Civil estabelece que “as exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.”.
12.ª E ainda, o artigo 304.º, n.º 1, do CC permite ao beneficiário recusar, “por qualquer meio”, ao direito prescrito, o que está de harmonia com o disposto no artigo 278.º, n.º 3, do Código de Proc. Civil.
13.ª Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-01-2019, processo n.º 21702/13.6T2SNT-A.L1-2, “II – Verificando-se a previsão do n.º 3 do art. 278.º do CPC, há que conhecer do mérito da causa, como sucede na situação dos autos, em que existe fundamento para julgar os executados/embargantes, demandados na qualidade de fiadores, desonerados da sua obrigação, tanto por via do disposto no art. 653.º do CC, como por força da exceção do abuso do direito, já que apenas lhes foi exigido o pagamento da dívida (afiançada) com a sua citação na ação executiva, intentada cerca de 10 anos após a falta de pagamento das prestações pelo devedor principal e após este ter sido declarado insolvente.”.
Pugnou a recorrida pela improcedência do recurso e pela admissão da ampliação do objecto do recurso.
Não foi apresentada resposta à ampliação do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
*
No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente e a ampliação do objecto do recurso peticionada pela recorrida, são as seguintes:
- aferir se o julgador podia, como o fez, apreciar e decidir no âmbito da oposição à execução deduzida pelo cônjuge do executado, a falta de integração do executado/mutuário no PERSI, sem violar o princípio da preclusão, atendendo a que o executado não deduziu oposição à execução por embargos no prazo que dispôs para o efeito;
- aferir se, no caso, não estão preenchidos os pressupostos para considerar verificada uma situação abrangida pelo campo de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25.10, mormente por se ter de considerar os contratos resolvidos;
- aferir se, no caso, resulta demonstrada a falta de integração do executado/mutuário no PERSI; e
- sendo caso disso, apreciar as demais excepções peremptórias invocadas pela embargante.
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III. Fundamentação
3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. Por Escritura Pública, lavrada a 21 de Dezembro de 1998, o Exequente emprestou ao Executado R…, pelo prazo de 25 anos, a importância de Euros 49.380,94, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros.
2. A taxa de juro contratada foi a Taxa Lisbor a 6 meses, acrescida de um spread de 2,125%.
3. Em caso de mora, tal taxa seria elevada em 4%.
4. Por Escritura Pública, também lavrada a 21 de Dezembro de 1998, o Exequente emprestou ao Executado R…, pelo prazo de 25 anos, a importância de Euros 20.450,69, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros.
5. A taxa de juro contratada foi a Taxa Lisbor a 6 meses, acrescida de um spread de 2,125%.
6. Em caso de mora, tal taxa seria elevada em 4%.
7. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes dos referidos contratos o Executado R… constituiu duas hipotecas a favor do Exequente sobre o seguinte imóvel:
a) Fração Autónoma designada pela letra “J”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º ... da freguesia de Agualva, e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ....
8. As hipotecas referentes ao referido imóvel encontram-se registadas a título definitivo a favor do Banco Exequente pelas inscrições AP. ... e AP. ..., que garantem os montantes máximos de capital e acessório de Euros 71.420,64 e Euros 29.578,25.
9. A quantia emprestada foi efetivamente disponibilizada ao Executado R…, mediante crédito processado na sua Conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência do Banco Exequente.
10. Que movimentou e utilizou em proveito próprio o valor resultante daqueles créditos, confessando-se devedor da quantia recebida perante o Banco Exequente.
11. O Executado R… interrompeu o pagamento das prestações dos empréstimos acima referidos em 21-10-2013 e 21-03-2012, respetivamente.
12. A Ilustre Senhora Advogada Dr.ª T… elaborou, em representação da exequente, a seguinte carta:


13. A exequente elaborou a seguinte carta:

14. A exequente elaborou a seguinte carta:

15. A exequente elaborou a seguinte carta:


16. A exequente elaborou a seguinte carta:


17. O exequente remeteu ao executado a seguinte carta:


18. O executado pagou, no ano de 2016, a quantia de €108,10, por conta do “empréstimo nº0803 001134 4 85, destinado a aquisição construção ou beneficiação de imóveis par habitação”.
*
Factos considerados não provados em Primeira Instância:
1. As cartas copiadas sob os pontos 12 a 16 dos factos provados foram remetidas ao executado/opoente, que as rececionou.
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3.2. Reapreciação da decisão de mérito da acção
3.2.1 Importa agora começar por apreciar se o julgador podia, como o fez, apreciar e decidir no âmbito da oposição à execução deduzida pelo cônjuge do executado, a falta de integração do executado/mutuário no PERSI, sem violar o princípio da preclusão, atendendo a que o executado não deduziu oposição à execução por embargos no prazo que dispôs para o efeito.
Note-se que a recorrente – sem propriamente impugnar a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada – o que fez foi defender que a embargante, na qualidade de cônjuge do executado, não podia invocar a omissão de integração deste no PERSI; que estava vedado ao tribunal conhecer oficiosamente de tal excepção e que, atenta a falta de oposição do executado os factos relativos à recepção da comunicação de integração no PERSI, os mesmos se tinham que considerar confessados.
Vejamos, então.
Relativamente ao estatuto processual do cônjuge do executado estabelece o art.º 787º do NCPC:
“1 - O cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, é admitido a deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução.
(…).”.
Este estatuto apenas é aplicável às situações que caiam na previsão da primeira parte da al. a) do nº 1 do art.º 786º, ou seja, “quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente”.
Para compreensão das situações abrangidas na aludida primeira parte da al. a) do nº 1 do art.º 786º não pode deixar de se ter em mente os objetivos deste especial estatuto.
Na verdade, o estatuto do cônjuge consagrado no art.º 787º do NCPC visa dar cumprimento processual ao regime substantivo do art.º 1682º-A do CC, o qual dispõe:
“1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens:
a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns;
b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum.
2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.
A citação do cônjuge do executado nos termos do aludido normativo, no caso de dívidas não comunicáveis, pressupõe que a intervenção por parte do cônjuge na execução, com todos os direitos que a lei processual confere ao executado, é para defesa de direitos próprios do cônjuge.
A norma do Código Civil visa a proteção da “economia familiar”, salvaguardando determinados activos que se encontram na esfera patrimonial do casal, considerados, dada a sua aptidão valorizativa e estabilizadora, como fundamentais, tal como a norma os entende (imóveis). Para tais bens exige a lei uma confluência das vontades de cada um dos membros do casal para a prática dos actos previstos na norma. Só assim não será se vigorar o regime de separação de bens, e sempre com salvaguarda da casa de morada de família.
São estes interesses relativos ao património “familiar”, que o cônjuge defende, como interesse próprio, que justificam o especial estatuto a que nos vimos referindo, dando-lhe em consonância todos os direitos de defesa que cabem ao executado. Coloca-se assim a economia familiar a coberto de eventuais negligências do executado e desinteresse deste na proteção dos bens imóveis do casal.
E tendo em conta estes objectivos, temos por certo que não estava vedado ao cônjuge do executado invocar a aludida excepção, a qual aliás, é do conhecimento oficioso, como muito bem decidiu o tribunal a quo e como melhor explicaremos de seguida.
O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento encontra-se previsto no Decreto Lei nº 227/2012 de 25.10.
O preâmbulo deste diploma justifica, assim, as soluções legais introduzidas pelo diploma: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril. A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias. Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, reflectindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas. […] define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”.
No ac. do STJ de 9.02.2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo nº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt encontra-se uma síntese esclarecedora do regime instituído:
“O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (artigos 14º, 15º e 16º).
Na fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa (artigos 13º e 14º nº 1). Na fase de avaliação e proposta, a instituição de crédito procede à avaliação da situação financeira do cliente para apurar se o incumprimento é momentâneo ou tem carácter duradouro. Findas as diligências, apresenta ao cliente uma ou mais propostas de regularização do crédito adequadas à sua situação financeira e necessidades, se considerar que o mesmo tem condições para cumprir. Se a averiguação feita tiver revelado incapacidade do cliente bancário para retomar o cumprimento das suas obrigações ou regularizar o incumprimento, mesmo com recurso à renegociação do contrato ou à sua consolidação com outros contratos de crédito, comunica ao cliente o resultado da avaliação e a inviabilidade de obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, o qual se extinguirá (artigo 17º nº 2 al. c)).
A fase da negociação tem por objectivo obter o acordo do cliente para a proposta ou uma das propostas apresentadas pela instituição de crédito com vista à regularização do incumprimento.

Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está, nomeadamente, vedado à instituição de crédito intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (artigo 18º nº 1 al. b)).”.
Note-se que para além da situação descrita e contemplada na fase inicial do procedimento, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora, conforme decorre  do art.º 14º, nº 2 do DL 227/2012.
Daqui decorre que a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória.
E porque essa integração é obrigatória, verificados que sejam os respectivos pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI – cfr. art.º 18º, nº 1, b) do Decreto-Lei nº 227/2012.
Com efeito, estatui o referido art.º 18º do DL 227/2012, sob a epígrafe “Garantias do cliente bancário”:
“1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior.”
Ora, da conjugação dos normativos disciplinadores do regime em apreço resulta que, reunidos os pressupostos da aplicação do DL 227/2012, de 25 de Outubro, a integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória.
De igual modo, deve também ter-se por verdadeiro que a falta de integração no PERSI, verificados que estivessem os pressupostos para tanto, impede também que a instituição de crédito intente acção judicial com vista à satisfação do seu crédito, porque antes de o poder fazer tem de cumprir aquela obrigação que lhe é imposta de tentativa extrajudicial de regularização do incumprimento, ou seja, aquela integração surge como uma condição prévia ao accionamento judicial.
Assim tem concluído a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o ac. da RE de 6.10.2016, relator Tomé de Carvalho, processo nº 4956/14.8T8ENT-A.E1, disponível in www.dgsi.pt.
Havendo a obrigação legal de abertura do PERSI após o incumprimento do devedor e previamente à instauração da execução para cobrança do crédito, coloca-se a questão de saber que vício constitui a instauração da execução sem o cumprimento daquele requisito legal prévio, o qual nem sequer é sanável no âmbito da acção judicial (execução), conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei (vg. art.º 18º do Decreto-Lei 227/2012).
A resposta tem sido dada de forma unânime: o cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância.
Nesse sentido, podemos ver os acs. da RP de 9.05.2019, processo nº 21609/18.0T8PRT-A.P1, Judite Pires, de 09.01.2019, processo nº 8207/14.7T8PRT-B.P1, Filipe Caroço, de 14.1.2020, processo nº 4097/14.8TBMTS.P1, Ana Lucinda Cabral, de 07.03.2022, processo nº 121/20.3T8VLG-A.P1, Miguel Baldaia Morais, de 07.02.2022, processo nº 1091/20.3T8OVR-A.P1, Ana Paula Amorim e de 15.06.2022, relator Aristides Rodrigues de Almeida; os acs. da RE de 6.10.2016, processo nº 4956/14.8T8ENT-A.E1, Tomé de Carvalho e de 28.06.2018, processo nº 2791/17.0T8STB-C.E1, Mata Ribeiro; da RL de 13.10.2020, processo nº 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, Maria da Conceição Saavedra e de 7.05.2020, processo nº 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, Adeodato Brotas; e do STJ de 13.04.2021, processo nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Graça Amaral, de 09.12.2021, processo nº 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1, Ferreira Lopes e de 16.11.2021, processo nº 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S, Clara Sottomayor, todos in www.dgsi.pt).
Entendida a falta de integração do cliente bancário no PERSI como uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, é aplicável o regime decorrente dos art.ºs 576º, nºs 1 e 2 e 578º do NCPC.
Com efeito, nos termos do art.º 578º do NCPC o tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art.º 104º. E esta regra é válida também para o processo executivo, por força do comando previsto no art.º 551º, nº 1, do NCPC.
E, assim sendo, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado, tal como resulta da ressalva prevista no art.º 573º, nº 2, in fine do NCPC, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – cfr. art.ºs 726º, nº 2, b) e 734º do NCPC.
Com efeito, atento o disposto no nº 2 do art.º 573º do NCPC, a lei prevê expressamente excepções à concentração da defesa, designadamente a apresentação de meios de defesa de que o tribunal possa conhecer oficiosamente, como sucede com quase todas as excepções dilatórias (art.º 578º do NCPC) e com grande parte das excepções peremptórias (art.º 579º do NCPC), ou seja, quando estamos perante a apelidada defesa oficiosa (vide, Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, p. 177; Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, 2ª edição, p. 159-160; Lebre de Freitas, Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3ª dição, p. 566).
Ou seja, é lícito ao demandado apresentar depois da contestação (oposição, impugnação) os meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente. Pois podendo e devendo o tribunal conhecer oficiosamente de factos constitutivos de excepções (cfr. art.º 608º, nº 2, do NCPC), não faria sentido que tais questões não pudessem ser invocadas pelo demandado em momento posterior ao termo do prazo para a contestação/impugnação (vide, Jorge Pais do Amaral in Direito Processual Civil, 13ª edição, p. 241).
Veja-se ainda, neste sentido, o ac. da RE de 28.06.2018, relator Mata Ribeiro, já acima citado: “Por isso, havemos de concluir estarmos perante uma exceção dilatória inominada - preterição de sujeição do devedor ao PERSI - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artº 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão. Efetivamente o regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso. […].”.
Em idêntico sentido pronunciaram-se igualmente os acs. da RE de 8.03.2018, relatora Conceição Ferreira, processo nº 2267/15.0T8ENT-A.E1, de 16.05.2019, relator José Manuel Barata, processo nº 4474/16.9T8ENT-A.E1, de 31.01.2019 e de 21.05.2010, relator Tomé de Carvalho, processos nº 832/17.0T8MMN-A.E1 e nº 715/16.1T8ENT-B.E1; da RP de 9.05.2019, relatora Judite Pires, processo nº 21609/18.0T8PRT-A.P1; e ac. da RG de 14.01.2020, relatora Ana Lucinda, processo n.º 4097/14.8TBMTS.P1.
Ou seja, o que é do conhecimento oficioso do tribunal não carece de iniciativa das partes para poder ser conhecido, pelo que, por maioria de razão, nada impedia que a embargante, ora recorrida tomasse essa iniciativa impulsionando o tribunal a exercer o seu dever de conhecer; sendo que, nem o facto do executado se ter abstido de deduzir oposição, a impedia de suscitar a questão.
Verifica-se, pois, que, ao contrário do defendido pela recorrente, podia e devia o tribunal de 1ª instância ter apreciado a verificação da excepção dilatória inominada em referência no âmbito da oposição à execução deduzida pelo cônjuge do executado/mutuário, mesmo que o executado/mutuário não tenha deduzido embargos de executado.
*
3.2.2. Isto posto, importa afrontar a questão de saber se, no caso, não estão preenchidos os pressupostos para considerar verificada uma situação abrangida pelo campo de aplicação do regime instituído pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25.10, mormente, por se ter de considerar que os contratos foram resolvidos.
É de salientar que, também neste particular, a recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto dada como provada e não provada, limitando-se a defender, ainda que de forma dúbia, que os contratos se devem ter por resolvidos, invocando o artigo 16º do Documento Complementar anexo à escritura pública do contrato de compra e venda celebrado com o executado que prevê que a credora tem direito de considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir algumas das obrigações resultantes deste contrato e o disposto no art.º 781º, do CC; que não cabia à cônjuge do executado invocar a falta de interpelação admonitória executado; e que sempre se deveria ter considerado ter existido tal interpelação com a citação para a acção executiva.
Apreciando.
O art.º 1º, do diploma em apreço anuncia desde logo, que o diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito no acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, referentes aos contratos de crédito mencionados no nº 1 do artigo seguintes.
Por sua vez, decorre do estatuído no art.º 2º, n.º 1, a) e b) do referido Decreto-Lei nº 227/2012, no que diz respeito ao âmbito de aplicação deste diploma, que este incide sobre os contratos de crédito celebrados com clientes bancários para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento e contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel.
Nos art.ºs 12º a 21º do mencionado Decreto-Lei encontra-se regulado o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – PERSI – cabendo às instituições de crédito a sua implementação relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
A aplicação da lei do tempo deste procedimento encontra-se prevista no art.º 39º do referido Decreto-Lei nos seguintes termos:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º.”.
Quanto ao início do procedimento, estabelece-se no nº 1 do art.º 14º que, “[m]antendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa”, estando ainda a instituição de crédito obrigada a iniciar o PERSI, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, sempre que: “a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI (…); b) O cliente bancário que alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito entre em mora,(…).”.
Estabelece-se ainda no nº 4 do art.º 14º que, “[n]o prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro”, e no art.º 17º, nº 3, que “[a] instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.”.
A aplicação de tal regime tem, pois, como pressuposto, além da manutenção da situação de mora no cumprimento das obrigações contratuais, a vigência do contrato de mútuo.
Neste sentido, veja-se o ac. do STJ, de 19.02.2019 (proc. n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), onde se concluiu que: «I- A exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respectivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objecto de resolução com fundamento no incumprimento.».
Ora, sendo a questão da manutenção da situação de mora no cumprimento das obrigações contratais e a vigência dos contratos de mútuo um pressuposto da exigência de integração dos clientes no PERSI, tal questão não deixa de estar integrada no conhecimento da dita “excepção da falta de integração do executado/mutuário no PERSI” que, como vimos é de conhecimento oficioso.
E, assim sendo, não tem razão a recorrente, desde logo, quando afirma que a embargante, ora recorrida, não podia alegar a falta de envio/recepção de cartas de interpelação do executado, alegadamente remetidas pela exequente com vista à resolução dos contratos de mútuo. 
Por outro lado, não tem razão a recorrente quando alega que os contratos têm que se considerar resolvidos.
«Efectivamente a resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol, II, pág. 238).» - vide, ac. RG 12.03.2020, processo nº 1278/17.6T8GMR-B.G1, disponível in www.dgsi.pt.
E, nesse aspecto, é inegável que a resolução deve operar apenas por meio de declaração unilateral, receptícia, do credor (art.º 436º, do CC).
Não opera, assim, automaticamente (ope legis), pelo que se torna indispensável uma declaração de vontade da mutuante, comunicando aos mutuários a resolução do contrato, conforme tem sido entendimento firme da doutrina e jurisprudência.
Acresce que a resolução não se confunde com a perda do benefício do prazo prevista no art.º 781º, do CC (ver, ac. RP de 29.04.2022, relator Anizabel Sousa Pereira, disponível in www.dgsi.pt), não se justificando aqui trazer à colação este normativo ou sequer a jurisprudência que discute a necessidade de interpelação para tornar a obrigação exigível.
Ora, no caso, tendo em consideração os factos apurados e não apurados (foi expressamente dado como não provado o envio e a recepção das missivas juntas aos autos pela recorrente), tem de se considerar que os contratos não se encontravam resolvidos ou extintos à data em que o executado deveria ter sido integrado no PERSI, de acordo com o disposto no art.º 39º ou no art.º 14º, nº 1, do Decreto-Lei nº 222/2012, de 25.10 - consoante o incumprimento tenha ocorrido antes ou depois da entrada em vigor do referido diploma -, por inexistir a correspondente declaração de vontade da mutuante.
*
3.2.3. Verificando-se que, no caso, o banco cedente estava obrigado a dar início ao PERSI, sob pena de não poder demandar judicialmente o cliente devedor em mora, vejamos se, no caso, resulta demonstrado o incumprimento de tal obrigação de integração do executado/mutuário no PERSI.
O recurso a tal procedimento, como vimos, é de aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus art.ºs 2º, nº 1, e 14º, nº 1, do DL nº 227/2012, de 25.10; constitui condição prévia de admissibilidade à instauração de acção pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento da dívida ou mesmo declaração de insolvência de clientes bancários que entraram em incumprimento do contrato de mútuo, e sendo a acção intentada com preterição daquela obrigação, estar-se-á perante uma excepção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos executados.
Deixando os devedores/consumidores, de pagar as prestações do crédito, entrando em mora, cabe à instituição de crédito/credora, contactá-los para negociar soluções de pagamento para a regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, beneficiando aqueles no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento de direitos e de garantias, consagrados para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais.
Caindo o caso no âmbito de aplicação do referido diploma, bem resulta o dever para o exequente de integrar o contrato em PERSI e para o fazer tem a sua intenção e declaração de ser levada ao conhecimento do cliente/devedor.
É, assim, ao exequente que cabe o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a recepção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI. Vide, ac. da RP de 7.02.2022, proc. 1091/20.3T8OVR-A.P1, in www.dgsi.pt.
No caso, cabendo a prova da comunicação ao exequente, não logrou o mesmo realizá-la. Com efeito, foi dado como não provado o envio e a recepção das comunicações juntas aos autos pelo exequente.
E não se diga que a mera junção de tais comunicações - cartas simples - faria presumir que as mesmas foram enviadas e recepcionadas, como pretende a recorrente.
Na verdade, e como esclarecidamente decidiu o STJ, “I - A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC). II-Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.ºdo CC. III - Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada. IV - A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada…” (cfr. ac. do STJ de 13.04.2021, processo nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, in www.dgsi.pt).
A omissão de integração em PERSI configura uma inobservância dos princípios e finalidades que presidiram à consagração do regime legal e do procedimento em apreço, inviabilizando a possibilidade de obter a regularização do incumprimento verificado, o que, para além de ser do interesse das partes, é de interesse público, por afastar dos tribunais situações que o legislador entendeu não deverem chegar, sem mais, àquela tutela – vide, ac. RP de 8.06.2022, relatora Eugénia Cunha, disponível in www.dgsi.pt.
Neste conspecto, não verificada a condição de admissibilidade da acção, vedada está a possibilidade de cobrança coerciva.
Estando a exequente obrigada a submeter a alegada dívida do executado, vencida e não paga, ao regime do PERSI e impondo-se-lhe o desencadear de tal regime, com notificação dos devedores, constitui a sua inobservância, impedimento à instauração de acção, pelo que, instaurada esta, não pode a mesma prosseguir, procedendo a excepção dilatória decorrente do regime plasmado no art.º 18º, nº 1 al. b) do DL nº 227/2012, de 25.10.
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3.2.4. Atendendo à improcedência do recurso, fica naturalmente prejudicada a apreciação da ampliação do objecto do recurso requerida pela recorrida.
*
Ante todo o exposto, impõe-se confirmar na íntegra a decisão sob recurso.
As custas do recurso são integralmente da responsabilidade da recorrente atento o seu decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7 do NCPC)
I. O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância.
II. E como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do nº 2 do art.º 573º, do NCPC que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
III. O procedimento de integração do executado em PERSI para existir, ser válido e eficaz, tem de ser iniciado e efectivamente levado ao conhecimento do devedor, pelo que faltando a prova do envio e da recepção das comunicações, verifica-se a aludida excepção dilatória insuprível.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 15.12.2022
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Rui Manuel Pinheiro Oliveira