Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6881/14.3T8ALM.L1-1
Relator: ANA ISABEL MASCARENHAS PESSOA
Descritores: LOCAÇÃO
FIANÇA
EXTINÇÃO DA FIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Extinto o contrato de locação pelo decurso do prazo estipulado pelas partes, extinguem-se nesse momento, salvo estipulação em contrário, as obrigações do fiador, solução que resulta ainda do regime especial de extinção da fiança do locatário, que o artigo 655º do Código Civil estabelecia, e que permanece em vigor para os contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor da Lei 6/2006, de 27.02.

(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º,nº7,do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


... CRÉDITO – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A. intentou contra ... – FABRICO E MONTAGEM DE MOBILIÁRIOS, LDA. PEDRO MANUEL ... ... ..., CARLA ... ... ... ... e NELSON ... ... ..., a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum, pedindo a condenação dos Réus
a)- pagar-lhe a quantia de 7.591,64 e correspondente à soma de 5.352,40 € relativa a alugueres vencidos e não pagos, com 2.239.24 € (imposto de selo incluído) de juros de mora à taxa moratória supletiva legal, calculados sobre aqueles alugueres vencidos, desde a data do respetivo vencimento reduzidos aos 5 últimos anos, a que acrescem os juros moratórios vincendos, a contar da citação, à razão de 1,24 €, por dia ;
b)- a entregar-lhe o bem locado e a ainda a pagar-lhe a quantia de 45.802,50 €, pela mora na entrega do bem objeto de locação, a que acrescem 17,55 €, por cada novo dia que (a partir de 19 de Dezembro de 2014) decorra até à entrega do bem objeto do contrato.
Alegou, em resumo, a celebração de um contrato de aluguer de veículo sem condutor com a sociedade Ré, a falta de pagamento por esta das rendas vencidas entre 27 de Dezembro de 2006 e Setembro de 2007, que não obstante a cessação do contrato pelo decurso do prazo, a Ré sociedade não procedeu à entrega do bem locado, e que os Réus pessoas singulares se constituíram, no aludido contrato, fiadores e principais pagadores, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, assumindo solidariamente entre si e com a locatária o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato.
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A Ré sociedade foi regularmente citada e não contestou.

Os Réus Pedro ... e Carla ... foram citados editalmente e mostram-se representados pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 21º do Código de Processo Civil.

O Réu Nelson ... foi regularmente citado e veio contestar, excecionando a sua ilegitimidade e a prescrição do crédito que a Autora pretende ver reconhecido, alegando que cedeu a sua quota na sociedade em 2004 à Ré Carla ... e que nunca foi interpelado para pagamento de qualquer quantia em face do incumprimento do contrato.

A Autora respondeu às arguidas exceções, pugnando pela respetiva improcedência.
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual a exceção de ilegitimidade foi julgada improcedente e o conhecimento da exceção de prescrição foi relegado para final, foi definido o objeto do litígio, tendo-se organizado matéria de facto assente e temas de prova,
Realizado julgamento com observância do legal formalismo, veio a ser proferida sentença que:
a. - condenou os Réus ... – Fabrico e Montagem de Mobiliários Lda., Pedro Manuel ... ... ..., Carla ... ... ... ... e Nélson ... ... ... a pagarem solidariamente à Autora ... Crédito – Instituição Financeira de Crédito S.A. a quantia de € 1.019, 61 (mil e dezanove euros e sessenta e um cêntimos), correspondente a juros moratórios vencidos a partir de 28.12.2009;
- a 1.ª Ré ... – Fabrico e Montagem de Mobiliários, Lda. a restituir à Autora a viatura Frama Seccionadora, de matrícula ……., 9/2003;
- a 1.ª Ré ... – Fabrico e Montagem de Mobiliários, Lda. a pagar à Autora ... Crédito – Instituição Financeira de Crédito S.A. pela não entrega do bem identificado em b) a quantia de € 58.430,40 (cinquenta e oito mil quatrocentos e trinta euros e quarenta cêntimos), a título de indemnização, a que acrescerá o montante mensal de € 526,40, calculado com base no valor da renda acordado, desde a data da prolação da presente decisão até a efetiva entrega do bem;
b. - Absolveu os Réus do demais peticionado. 
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Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões:
1.– A sentença recorrida condenou os réus a pagarem solidariamente à autora a quantia de 1.019,61€ correspondentes a juros moratórios vencidos a partir de 28.12.2009;
2.– Condenou a 1ª Ré ... – Fabrico e Montagem de Mobiliários, Lda. à restituição do bem locado bem como ao pagamento do montante de 58.430,40€, a título de indemnização pela não entrega do bem, a que acrescerá o montante mensal de 526,40€, até à efetiva entrega do bem;
3.– Absolveu, o 2º, 3º e 4º Réus enquanto fiadores dos demais peticionado: restituição do bem locado e pagamento da indemnização pela não entrega do bem;
4.– Ora, a fiança é uma garantia de carácter pessoal, ou seja, o fiador obriga-se pessoalmente a garantir com o seu património a obrigação de um terceiro (devedor), caso este não cumpra a sua obrigação perante o credor;
5.– Significa que o fiador garante o pontual e integral cumprimento da obrigação do devedor principal, ou seja, sujeitando-se a ser chamado à responsabilidade, se o devedor principal não cumprir, total ou parcialmente, ou se houver atraso nesse cumprimento;
6.– A fiança tem como característica principal a acessoriedade: o conteúdo da obrigação do fiador é determinado pelo conteúdo da obrigação do devedor principal;
7.– O devedor principal estava obrigado, conforme resulta da leitura do ponto 5 das condições particulares do contrato aqui em crise, à restituição do bem locado nas instalações do Locador;
8.– Por sua vez, estavam também os réus, na sua qualidade de fiadores, vinculados a tal obrigação, uma vez que sobre estes recaem todas as obrigações assumidas pelo devedor principal;
9.– Em 27.11.2007, altura em que a locação cessou por decurso do prazo, nos termos do contrato e da lei, ficaram os réus (1º, 2º, 3º e 4º réus) constituídos na obrigação de proceder à entrega do bem locado;
10.– A não restituição da coisa locada ainda que entendida como um dever secundário em relação à aos deveres principais, impede a extinção da obrigação principal;
11.– Uma vez que o interesse do credor apenas se encontrará integralmente satisfeito aquando da aludida entrega do veículo;
12.– Tal responsabilidade dos réus enquanto fiadores resulta explícita do ponto 24 das condições gerais do contrato assinado pelas partes;
13.– Ademais a obrigação principal nunca estaria extinta, uma vez que a violação da obrigação de restituição do bem locado, constitui uma violação de um dos deveres inscritos na presente relação contratual;
14.– Facto pelo qual se conclui que a fiança não estava extinta;
15.– O contrato de locação nos termos do art. 1022º do CC é uma relação obrigacional complexa;
16.– Desta relação contratual emergem deveres principais e deveres secundários;
17.– Os deveres principais constituem o núcleo dominante da relação obrigacional, contudo não raras vezes, o interesse do credor apenas é integralmente satisfeito com a realização deveres secundários, dependentes dos primeiros;
18.– Tanto os deveres principais como os secundários integram o sinalagma;
19.– De forma a alcançar o cumprimento dos deveres secundários pode o credor lançar mão dos meios que tem à sua disposição para promover o cumprimento de um dever principal;
20.– A ação declarativa de condenação é um dos meios idóneos;
21.– Assim, tendo a sentença condenado o 1º réu no pedido, deveria ter também condenado os demais réus, uma vez que a obrigação principal não estava extinta, mantendo-se a fiança;
22.– Em conclusão, mesmo que apenas estejamos em presença de um dever secundário - a restituição da coisa locada e a correspondente indeminização pela mora nessa restituição - a ação declarativa de condenação nunca poderia apresentar outro resultado senão condenar todos os réus no pedido, a saber, na entrega do bem objeto do contrato, a viatura Frama Seccionadora, de matrícula S2T 31- 28, 9/2003, bem como numa indemnização, pela mora na entrega da viatura, até à sua efetiva restituição;
Terminou pedindo a substituição da decisão recorrida, na parte em que absolve o 2º, 3º e 4º Réus da restituição à Autora da viatura locada e absolve o 2º, 3º, 4º réus do pagamento da indeminização pela não entrega do bem,
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II.–QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, importa apreciar e decidir se se devem os Réus Pedro ..., Carla ... e Nelson ..., ser responsabilizados pelo incumprimento da obrigação de restituição do equipamento locado, e condenados na entrega do mesmo e no pagamento da indemnização destinada a reparar os prejuízos decorrentes da referida falta de entrega.
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III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A primeira instância considerou provados os seguintes factos, que não vêm postos em causa:
1.– A Autora tem por objeto social a prática das operações permitidas aos bancos com exceção da receção de depósitos;
2.– Por fusão aprovada por deliberação de 28.11.2005, a sociedade Finicrédito – Instituição Financeira de crédito S.A. incorporou a sociedade Leasecar – Comércio e Alugues de Veículos e Equipamentos, S.A., mediante transferência global do seu património;
3.– Pela Ap. 147/20130116 foi registada a alteração da denominação da sociedade Finicrédito – Instituição Financeira de créditos S.A para ... Crédito Instituição Financeira de Crédito S.A.;
4.– Por escrito datado de 22.10.2003, intitulado de “contrato n.º 6395 contrato de aluguer de veículo sem condutor” a sociedade Leasecar – Comércio de Veículos e Equipamentos S.A. facultou a utilização da viatura Frama Seccionadora, de matrícula S2T-31-28 à sociedade ... – Fabrico e Montagem de Mobiliários Lda.;
5.– No âmbito de tal acordo, a sociedade ... – Fabrico e Montagem de Mobiliários Lda. obrigou-se ao pagamento de 48 alugueres mensais, sendo o primeiro no valor de € 8.978,00 e os restantes no valor de € 526,40, com IVA já incluído, vencendo-se o primeiro no dia 27 do mês seguinte à data da celebração e os restantes em igual dia dos meses subsequentes;
6.– Consta das condições particulares do acordo supra referido que “o vínculo contratual termina na data de vencimento do último aluguer”;
7.– O acordo referido em 4) é composto ainda pelas condições gerais, de onde constam as seguintes cláusulas:

“ 7.ª Mora”
Em caso de não pagamento pontual de quaisquer quantias devidas por força deste Contrato e sem prejuízo de outras penalidades dele ou da lei decorrentes, serão devidos juros de mora à taxa fixada por portaria conjunta do Ministério das Finanças e da Justiça que se encontra em vigor, nos termos do n.º 3 do artigo 102.º do Código Comercial. (…)

11.ª “Outras obrigações do locatário”
Para além de outras referidas neste Contrato ou decorrentes da Lei, são especiais obrigações do Locatário:
(…)
d)- Restituir o veículo no fim do aluguer, no estado que derivar do seu uso normal. (…)

17.ª– “Casos de resolução do contrato”
a)- Para além dos demais casos previstos na Lei, o presente Contrato poderá ser resolvido extrajudicialmente por iniciativa da Leasecar, sempre que o LOCATÁRIO incumpra definitivamente alguma das suas obrigações. O incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias quer de outras, tornar-se-á definitivo pelo envio da Leasecar para o domicílio ou sede do LOCATÁRIO, de carta registada intimando ao cumprimento em prazo razoável (que desde já é fixado, para todas as obrigações em oito ...) e pela não reposição, nesse prazo, da situação que se verificaria caso o incumprimento não houvesse tido lugar.
b)- A resolução extrajudicial por iniciativa da Leasecar produzirá os seus plenos efeitos no prazo de 5 ... úteis a contar da data da expedição para o domicílio/sede do Locatário, da respectiva notificação de resolução.
c)- Como consequência da resolução do Contrato, a Leasecar terá o direito de retomar o veículo, reter as importâncias pagas pelo Locatário e de exigir as vencidas e não pagas até à data da resolução do contrato. Indemnização essa que a título de cláusula penal se fixa em 25% da soma dos alugueres vincendos a data da declaração de resolução do contrato sem prejuízo da Leasecar fazer seu o montante entregue a título de caução. (…)

18.ª– “ Mora na devolução do bem”
Se, cessando o aluguer, por decurso do prazo, denúncia ou resolução, o LOCATÁRIO não devolver atempadamente o veículo, a Leasecar terá direito, a título de cláusula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor e por um lapso de tempo igual à mora, mas que nunca ultrapassará a data que coincidir com a metade do período que falta decorrer entre a data da resolução e a do termo inicialmente contratado. (…)

22.ª–“Garantias”
Como garantia do cumprimento, pelo LOCATÁRIO, das obrigações por ele assumidas no presente Contrato, são constituídas a favor da Leasecar as garantias previstas nas Condições Particulares. (…)

24.ª–“Fiador”
O(s) fiador(es) constituem-se como principais pagadores de todas as obrigações emergentes do presente Contrato, pelo que renunciam ao benefício da excussão prévia e assumem solidariamente entre si e com o(s) Locatório(s), o cumprimento daquelas, tendo a presente o conteúdo e âmbito legal de uma fiança solidiária. (…)

26.ª–“Comunicação escrita”
No cumprimento dos seus direitos e obrigações decorrentes contratuais, as partes, LEASECAR e LOCATÁRIO, deverão utilizar entre si a comunicação escrita máxime por carta registada expedida para as moradas constantes das Condições Particulares, obrigando-se o Locatário e Fiador a dar prévio conhecimento à Leasecar de qualquer alteração dos seus domicílios ou sede. (…)

27.ª–“Domicílio convencionado”
Para os legais e devidos efeitos fica expressamente consignado que os domicílios do LOCATÁRIO, FIADORES, e da LEASECAR são os constantes deste contrato.
8.– Pedro Manuel ... ... ..., Carla ... ... ... ... e Nélson ... ... ... apuseram a sua assinatura no escrito denominado de “contrato n.º 6395contrato de aluguer de veículo sem condutor”, a seguir à expressão fiador(es), aí constando:
- Fiador Pedro Manuel ... ... ..., n.º fiscal 216496411, morada Rua C... S. Paulo Nº... 1C C... S. M... 2... A..., Código Postal 2...
- Fiador Carla Silveira ... ... ..., n.º fiscal 204819105, morada Rua C... S. Paulo Nº... 1C C... S. M... A..., Código Postal 2....
- Fiador Nélson ... ... ..., n.º fiscal 213300168, morada Rua J... C... S... M..., n.º ... 2.º ..., Q..., 2....”

9.– A 1.ª Ré não pagou os alugueres vencidos em 27.12.2006, 27.01.2007, 27.02.2007, 27.03.2007, 27.04.2007, 27.05.2007, 27.06.2007, 27.07.2007, 27.08.2007 e 27.09.2007.
10.– A Sociedade ... – Fabrico e Montagem de Mobiliários Lda. não restituiu o equipamento industrial FRAMA Seccionadora S2T 31 28 9/2003 à Autora.
11.– A Autora comunicou à 1.ª Ré e aos 2.º e 3.º Réus que estes deveriam proceder à entrega do bem aludido em 10) e ainda ao pagamento da quantia de € 7.591,64 a título de alugueres vencidos e juros de mora.
12.– A Sociedade Finicrédito enviou ao 4.º Réu carta registada com aviso de recepção, datada de 27.05.2008, para a morada sita na Rua J... C... S... M..., n.º..., 2.º ...., 2...-000 Q... com o seguinte teor “ Exmo. Senhor, Na sequência do incumprimento das obrigações contratualmente estabelecidas no contrato acima identificado, celebrado com ... FABRICO IMOBILIARIO LDA, no qual V. Exas. se constituiu fiador, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, Informamos que se encontra por liquidar o montante de 6.814,06 €, conforme discriminado nos extracto de conta no verso. Assim, solicitamos a V. Exa., na qualidade de fiador, a regularização total da dívida actual, no prazo máximo de 8 .... (…)”.
13.– A Autora enviou ao 4.º Réu, para a morada sita na Rua J... C... S... M..., n.º..., ....º Dto, 2... Q..., carta datada de 23.10.2014, registada com aviso de recepção, com o seguinte teor “ Exmos Senhores, Na sequência do termo do contrato acima identificado que esta instituição celebrou com ... FABRICO IMOBILIARIO LDA, e no qual V. Exas. se constituíram como fiadores, vimos informar que permanece em dívida o montante de 5.651,90 €, correspondente aos valores vencidos e não pagos, acrescidos dos juros, encargos e penalidades contratualmente estabelecidos. Nestes termos, dispõem V. Exas. do prazo máximo de 8 ..., para proceder ao pagamento da quantia de 52.651,90 €, nas instalações do ... Crédito S.A.”
14.– As cartas aludidas em 12) e 13) foram devolvidas pelos serviços postais à Autora, com as respetivas menções “assinadas por terceiro” e “não atendeu”.
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O Tribunal recorrido, analisando o documento subscrito entre a Autora e a Ré sociedade e referido nos artigos 4º e 5º dos factos provados, ponderou as figuras jurídicas do contrato de aluguer de longa duração e da locação, para concluir que “celebraram um contrato de aluguer, nos termos e para os efeitos do artigo 1022º do Código Civil, em que a primeira locadora se obrigou a proporcionar à segunda, na qualidade de locatária, o gozo temporário da viatura Frama Seccionadora, de matrícula S2T-31-28, mediante o pagamento de uma retribuição”.
É sabido que a questão da natureza jurídica do contrato de aluguer de longa duração tem sido objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência portuguesas e dessa natureza resultam repercussões em matéria de prescrição.
Quando, a par do contrato de aluguer, exista promessa unilateral de uma proposta irrevogável de venda, ou um contrato promessa de compra e venda do bem alugado no final do contrato, trata-se de uma operação financeira de natureza similar, ou com resultados económicos equi...s aos da locação financeira[1].
A simples celebração de um contrato de aluguer, através da qual se transfere para o locatário a f...ção temporária do bem locado, mesmo de longa duração, não se traduz na aquisição automática do bem, nem a celebração deste tipo de contrato obriga, concomitantemente, à celebração de um contrato promessa de compra e venda.
De facto, embora se recorra a esta forma de aluguer, por um determinado período, mas que em interesse na aquisição definitiva da viatura, muitas pessoas singulares e coletivas, com o recurso a este método, têm em vista a aquisição do bem no final, o que significa que, para estes últimos, o negócio consiste numa espécie de venda a prestações.
O contrato de aluguer de longa duração pode então conter uma promessa de venda ou até uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação. Naquele caso, a transferência da propriedade ocorre com a posterior celebração do contrato de compra e venda, enquanto neste, tal efeito opera com a simples aceitação do locatário da proposta de venda, considerando-se deste modo realizado o contrato de compra e venda.
O locador, durante o período de vigência do negócio, concede ao outro o gozo temporário de um bem móvel e percebe não só a soma relativa à aquisição, mas ainda o lucro financeiro.
No seu termo, o objeto encontra-se integralmente pago, pelo que naturalmente o locatário tem todo o interesse na sua aquisição. Depois de manifestar essa vontade ao locador, proceder-se-á à venda, só aqui se transferindo a propriedade do bem, por um preço pré – determinado, em regra equi... ao valor do objeto à data do aluguer de longa duração.
O contrato de aluguer de longa duração é assim, um contrato atípico que se rege pelas estipulações das partes, pelas disposições gerais dos contratos e, se necessário, pelas disposições (não excepcionais) dos contratos nominados com que apresentem mais forte analogia, entre elas as do contrato de locação de coisas móveis e as normas da acividade de aluguer de veículos automóveis estabelecidas, à data do da celebração do contrato pelo DL. n.º 354/86, de 23 de Outubro, atualmente revogado pelo Dec. Lei n.º 181/2012, de 06 de Outubro.
Se não existir a opção de compra, estamos mais perto do regime de mero aluguer que do contrato de financiamento[2].
Ora, no caso dos autos, desde logo as partes não fizeram qualquer referência a existência de promessa (unilateral ou bilateral) de compra, ou à existência de tal opção. Por outro lado, do teor do documento de folhas 12 e 13 igualmente não resulta qualquer acordo relativo à aquisição futura do veículo que dele é objeto. Pelo contrário, na cláusula 11ª, al. d) estabeleceu-se a obrigação de restituição do bem no fim do aluguer, e na cláusula 18ª a mora na devolução do bem, no caso de cessação do contrato, por “decurso do prazo, denúncia ou resolução”.
Não tendo resultado provado qualquer facto que permita considerar que o contrato em discussão integre elementos do contrato de compra e venda, em termos de se poder defender que os alugueres convencionados correspondiam a uma única prestação, e a uma só obrigação, embora dividida em parcelas, afigura-se que o contrato em causa apresenta manifestas afinidades com a locação prevista no artigo 1022º, do Código Civil, como se concluiu na decisão recorrida.
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A extinção das obrigações emergentes do contrato verifica-se sempre que o negócio que lhes serve de fonte vem a ser posteriormente destruído, ou por outro negócio posterior (a revogação, a resolução ou a denuncia), ou através de um facto jurídico «stricto sensu» (a caducidade) ou ainda por efeito conjugado dos dois (a oposição à renovação).[3]
A caducidade do contrato consiste na sua extinção em virtude da ocorrência de um facto jurídico – o exemplo mais comum é o decurso do tempo.
No caso dos autos, o prazo estipulado no contrato, de quarenta e oito meses, espirou em 27 de Outubro de 2007, pelo que não se tendo demonstrado qualquer facto que tivesse, anteriormente a tal momento, determinado a extinção do contrato, o mesmo extinguiu-se na aludida data.
Tal extinção, atento o que supra e expôs acerca da natureza do contrato, fez nascer para a sociedade locatária a obrigação de restituição do veículo objeto do contrato, o que, para além de decorrer da cláusula 11º, al. d) do contrato, decorre do disposto no artigo 1038º, al. i) do Código Civil.
E dúvidas não restam de que o incumprimento da obrigação de restituição determinou a constituição da aludida sociedade na obrigação de reparar os prejuízos decorrentes da mora nessa entrega – a condenação da sociedade locatária ... – Fabrico e Montagem de Mobiliário, Lda. no pagamento da “indemnização correspondente às rendas vencidas entre Novembro de 2007 até à data da presente decisão, calculada com base no montante mensal de €526,40 (quinhentos e vinte e seis euros e quarenta cêntimos), o que consubstancia a quantia total de €58.430,40 (cinquenta e oito mil, quatrocentos e trinta euros e quarenta cêntimos), a que acrescerá quantia indemnizatória relativa às rendas que se vencerem após a data da prolação da presente decisão (…) até efetiva entrega do bem locado” com fundamento no disposto no artigo 1045º, n.º 1 do Código Civil, não sofreu qualquer contestação.
A recorrente insurge-se contra a absolvição dos Réus pessoas singulares do pedido de condenação dos mesmos na entrega do veículo e no pagamento, solidário com a ré sociedade, de tal indemnização pela falta de restituição atempada do bem objeto do contrato, por entender que a qualidade de fiadores que assumiram no contrato os responsabiliza pelo pagamento da mesma indemnização.
Vejamos.
A fiança é o contrato pelo qual uma pessoa – o fiador – garante face a outra – o credor – a satisfação do seu direito de crédito face a outra – o devedor principal (cfr. artigo 627º, n.º 1 do Código Civil).
Apesar de a lei não o referir expressamente, a fiança resulta sempre ou de um contrato entre o fiador e o credor, ou de um contrato entre o fiador e o devedor, revestindo, nesse caso, a  natureza de um contrato a favor de terceiro, ou até de um contrato plurilateral entre estas três partes.
Uma das suas principais características, a acessoriedade, encontra-se prevista no artigo 627º, n.º 2 do Código Civil, dessa característica decorrendo que:
- a fiança não seja válida se o não for a obrigação principal – artigo 632º, n.º 1 do Código Civil;
- a fiança deva seguir a forma da obrigação principal – artigo 628º, n.º 1 do Código Civil;
- o âmbito da fiança seja limitado pelo âmbito da obrigação principal – artigo 631º, n.º 1 do Código Civil;
- a natureza comercial ou civil da fiança dependa da natureza da obrigação principal;
- o devedor não se libere pelo facto de alguém celebrar com o credor contrato de fiança em relação ao seu débito;
- a fiança se extinga com a extinção da obrigação principal – artigo 651º do Código Civil.
A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências da mora ou culpa do devedor – art. 634.º do Código Civil.
Atentemos melhor nas causas de extinção da fiança.
Para além da causa específica prevista no citado artigo 651º do Código Civil, que é, como se viu, decorrência direta da acessoriedade, e das que se encontram previstas nos artigos 652º e 653º do Código Civil, que não convém ao caso, a fiança pode ainda extinguir-se se surgir em relação a ela qualquer causa de extinção das obrigações, independentemente da subsistência ou não da obrigação principal – é o caso da caducidade pelo decurso do prazo.
Na verdade, se o fiador se obrigar apenas durante certo prazo, a fiança caduca quando o prazo chega ao termo.
O legislador estabeleceu prazos de caducidade supletivos para a obrigação do fiador em dois casos – a fiança para a garantia de obrigações futuras e a fiança para a garantia das obrigações do locatário, respetivamente previstas, à data da celebração do contrato, nos artigos 654º e 655º do Código Civil.
No primeiro caso, além de se admitir ao fiador, enquanto a obrigação não se constituir, a possibilidade de se liberar da garantia se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos contra este, admite-se também que essa liberação ocorra se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da fiança, quando outro prazo não resulte de convenção.
No caso da fiança para garantia das obrigações do locatário, o artigo 655º citado previa que ela deveria abranger apenas o período inicial do contrato, não abrangendo as suas renovações (n.º 1); no caso de o fiador se obrigar em relação aos períodos de renovação, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda, ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação (n.º 2)[4].
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De regresso ao caso dos autos, afigura-se que a decisão recorrida é de manter.
Desde logo, importa atentar no texto do contrato. A expressão que respeita aos que ali assumiram a função de fiadores é a seguinte “declaro(amos) que aceito(amos) ser fiadores deste contrato de ALD e ter(mos) sido informado(s) por este do montante das rendas, bem como das cláusulas constantes do verso do presente contrato, que declaro(amos) conhecer e aceitar, pelo que no(s) obrigamos como fiador(es) e principais pagador(es) pelas obrigações dele emergentes”.
Refere-se ainda na cláusula 3ª das condições particulares, que os fiadores subscreveram que “o vínculo contratual termina na data de vencimento do último aluguer” (o destacado é nosso).
Conforme se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 31.01.2007 (disponível em www.dgsi.pt) “a especificidade da fiança, como negócio de risco, determina a necessidade de a declaração fidejussória – no caso de existirem dúvidas (com suporte objetivo), sobre o seu efetivo alcance – deve ser interpretada de forma estrita”. E assim, no contexto das cláusulas do contrato em causa, a declaração dos fiadores pressupõe que o contrato não está findo, não abrangendo, assim, a indemnização devida pelo atraso na restituição do locado prevista no artigo 1045º do Código Civil.
No sentido de que a responsabilidade assumida por fiança não abrange a indemnização devida por falta de restituição do locado após a cessação do contrato podem consultar-se, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 31.01.2007, de 04.05.1999 e de 14.02.2000, disponíveis em www.dgsi.pt.
Recordando que o contrato em apreço se extinguiu pelo decurso do prazo estipulado pelas partes, nesse momento se extinguiram pois, as obrigações dos fiadores, que, note-se, não são o contraente que por força do contrato, adquiriu a disponibilidade do bem locado.
Tal solução resulta ainda do referido regime especial de extinção da fiança do locatário, que o artigo 655º do Código Civil estabelecia, a que já supra fizemos alusão.
E se é certo que o artigo 655º referido foi revogado pela Lei 6/2006, de 27.02, certo é também que o respetivo regime continua a aplicar-se aos contratos celebrados em data anterior, conforme se decidiu nos Acórdãos do STJ de 06.03.2017 e da RP de 13.04.2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.[5]
Concluindo-se assim, pela extinção da fiança estabelecida no contrato pelos Réus pessoas singulares no momento da cessação do contrato, necessariamente se conclui pela improcedência da apelação.
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IV.–Decisão.
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique
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   Lisboa,24.10.2017                                                                                         

(Ana Isabel Mascarenhas Pessoa)
(Eurico José Marques dos Reis)
(Ana Maria Fernandes Grácio)



[1]Cfr. Araújo de Barros, “Cláusulas Contratuais Gerais”2010, pgs. 246 e 247, Gravato Morais, “Contratos de Crédito ao Consumo”, 2007, pg. 57, Paulo Duarte, “Estudos de Direito do Consumidor – Centro de Direito do Consumo”, n.º 3, 2001, pg. 324.
[2]Cfr. o Acórdão do STJ 08.04.2010 e toda a doutrina no mesmo citada (disponível em www.dgsi.pt).
[3]Cf. Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, 2002, Vol. II, pgs. 99 e 100.
[4]Cf. Menezes Leitão, “Garantias das Obrigações”, Almedina, 2016, pág. 116.
[5]Esta é a solução também defendida por Januário Gomes, em “Fiança do arrendatário face ao NRAU”, em Estudos em Honra do Prof. Oliveira Ascensão, vol. II, págs. 976, 979 e 980, onde refere que, “apesar de formalmente revogado, o regime do art. 655º continuará a ter aplicação às situações constituídas na sua vigência”, uma vez que “a apreciação do risco fidejussório deve ser aferida em função do momento genético da constituição da fiança”(pág.980).