Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15161/20.4T8LSB-A.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ARRENDAMENTO COMERCIAL
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: 1- Num contrato de locação de estabelecimento comercial de restauração, para que possa assistir ao locatário a faculdade de recusar o cumprimento da sua obrigação pecuniária, em razão da remoção do sistema de extracção de fumos e suas consequências (o encerramento do estabelecimento comercial de restauração onde estava instalado tal sistema), torna-se necessário verificar se essa remoção se pode qualificar como uma situação de incumprimento da obrigação contratual do locador de facultar ao locatário o gozo do referido estabelecimento comercial.
2- No negócio jurídico bilateral, de onde emergem direitos e deveres para cada uma das partes, a avaliação do incumprimento contratual não se confina aos deveres principais adstritos às respectivas partes, estendendo-se, necessariamente, aos deveres acessórios ou complementares ínsitos nas estipulações contratuais e aos que decorrem do desígnio da própria vinculação contratual (deveres inerentes à dinâmica negocial assentes no princípio de boa fé e num critério ético-normativo de razoabilidade).
3- Tendo ficado estipulado que cabia à locatária a responsabilidade pelo cumprimento de todas as determinações (designadamente camarárias) relacionadas com o funcionamento do estabelecimento comercial de restauração, e estando em causa a determinação camarária dirigida à locadora, para reposição da legalidade urbanística, em razão da produção ilegal de ruído pelo sistema de extracção de fumos, cumpria a esta, actuando de boa fé e segundo o referido critério ético‑normativo de razoabilidade, dar conhecimento à locatária dessa determinação e interpelá-la para dar cumprimento aos deveres que assumiu com a outorga do contrato, providenciando pela referida reposição da legalidade urbanística em falta.
4- Tendo a locadora, em vez disso, optado pela retirada total do sistema de extracção de fumos, de onde resultou a impossibilidade de funcionamento do estabelecimento comercial de restauração, tal actuação configura uma situação de incumprimento ilícito e culposo da sua obrigação de facultar e assegurar o gozo do estabelecimento comercial dado em locação, assim ficando justificada a recusa, pela locatária, de cumprimento da obrigação pecuniária correspectiva, de pagamento da renda mensal, nos termos do disposto no art.º 428º do Código Civil.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

G., Ld.ª intentou contra S., Ld.ª, RM.e JN. execução ordinária para pagamento da quantia de capital de € 27.527,23 e juros vencidos no montante de € 595,48, indicando como título executivo aquele a que alude o art.º 14º‑A do NRAU, invocando corresponder a dívida exequenda às rendas vencidas e não pagas relativas aos meses de Janeiro de 2020 a Maio de 2020, tituladas pelas facturas respectivas e remetidas para pagamento, e mais invocando ter efectuado a comunicação do valor em dívida por notificação avulsa. Junta a notificação avulsa e cópia do contrato de locação de estabelecimento comercial e fiança, datado de 16/8/2017.
Citados os executados, vieram deduzir oposição por embargos de executado, aí alegando, em síntese, que em Janeiro de 2020 a exequente removeu o sistema de extracção de fumos instalado no estabelecimento comercial dado em locação à executada, o qual se revelava essencial para o funcionamento daquele, e assim determinando o encerramento definitivo do mesmo estabelecimento comercial, pelo que a exequente incumpriu o contrato e tornou legítima a recusa de pagamento das rendas reclamadas. Concluem pela procedência dos embargos, com a extinção da execução.
Admitidos os embargos e notificada a exequente, veio apresentar contestação, aí invocando que a remoção do sistema de extracção de fumos foi imposta pela Câmara Municipal de Lisboa, para reposição da legalidade urbanística violada pela anterior conduta da embargante, assim concluindo não existir qualquer faculdade de ser recusado o pagamento das rendas reclamadas. Conclui pela improcedência dos embargos.
Com dispensa de audiência prévia foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência final foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, decide o Tribunal julgar os presentes embargos de executado improcedentes e, em consequência, determina-se o prosseguimento da execução (sem prejuízo da excussão prévia de que beneficiam os executados/embargantes RM.e JN.)”.
Os embargantes recorrem desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A. Os Apelantes não se conformam com a sentença ora em crise por entenderem que a mesma incorre em erro de aplicação do direito, em especial, dos artigos 1031.º, 1109.º, n.º 1 e 428.º, n.º 1, todos do Código Civil, ao julgar os presentes embargos de executado improcedentes e, em consequência, determinar o prosseguimento da execução (sem prejuízo da excussão prévia de que beneficiam os executados/embargantes RM.e JN.).
B. Perante os factos provados, em especial, os factos provados sob os n.ºs 1, 5, 6, 8, 9, 18, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, os Apelantes não têm dúvidas de que ao tribunal a quo se impunha ter decidido em sentido oposto ao acima transcrito e, a final, determinar a extinção da execução por verificação da excepção de não cumprimento alegada pelos Embargantes, ora Apelantes.
C. Não se discute a natureza do contrato celebrado entre os Apelantes e a Apelada - é um contrato de locação de estabelecimento comercial - nem o regime jurídico que lhe é aplicável - o regime do contrato de arrendamento.
D. O que a Apelada fez, e consta do facto provado sob o n.º 18, é uma verdadeira acção directa ilícita pois em desrespeito pelos requisitos previstos no 336.º do CC, na medida em que não estava perante nenhum interesse superior que a Apelada pudesse pretende evitar ao retirar, sem qualquer comunicação prévia ou consentimento da Apelante, os extractores de fumo que permitam ao estabelecimento locado funcionar / laborar, cfr. foi locado à Apelante.
E. O único receio que a Apelada poderia eventualmente ter seria ver-lhe aplicada alguma coima por parte da CML, caso em que sempre seria responsabilidade da Apelante pagar a mesma, nos termos da cláusula V do Contrato de Locação.
F. Mais, a Apelada não observou o princípio da boa fé na execução dos contratos, previsto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, na medida em que foi retirar os equipamentos de extracção de fumo sem qualquer comunicação prévia ou autorização da Apelante, o que levou até a Apelante a apresentar uma queixa crime contra incertos, cfr. decorre do Doc. 11 da petição de embargos, assim impedido definitivamente o restaurante de laborar, cfr. decorre dos factos provados 20. 21. e 22.
G. Constituem obrigações do locador, a aqui Apelada, nos termos do disposto no artigo 1031.º do CC
a) Entregar ao locatário a coisa locada;
b) Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.
H. Pelo que, ao retirar, sem autorização da Apelante, os extractores de fumo impossibilitando o estabelecimento comercial locado de (continuar a) funcionar, incumpriu o contrato de locação celebrado com os Apelantes, pois impediu, em definitivo, a Apelada de gozar o locado para o fim a que este se destina, cfr. decorre dos factos provados 9, 20, 21 e 22.
I. Daqui decorre, com clareza, que aos Apelantes era lícito lançar mão da exceptio non adimpleti contractus, cuja aplicabilidade aos contratos de locação / arrendamento é reconhecida pela nossa jurisprudência, como, aliás, o tribunal a quo reconheceu ao referir que a qualificação do arrendamento como contrato bilateral e sinalagmático viabiliza, em abstracto e com limitações, a aplicação da invocada excepção de não cumprimento do contrato.
J. Note-se que, ao contrário do referido na sentença ora em crise, não é verdade que o facto decisivo para a executada/embargante S., L.da lançar mão da exceptio prende-se com a circunstância de estar inibida de desenvolver a sua actividade em virtude da impossibilidade de utilização do sistema de extracção de fumos, impossibilidade essa que a executada/embargante imputa à exequente e que, no seu entender, legitimou o não pagamento das rendas no período compreendido entre Janeiro de Maio de 2020.
K. O facto decisivo para a Apelante arguir esta excepção não é a impossibilidade de utilizar a extracção de fumos mas sim a acção directa a que a Apelada recorreu de forma totalmente ilícita e que, essa sim, impediu definitivamente o estabelecimento comercial locado de laborar cfr. decorre dos factos provados 9, 20, 21 e 22.
L. Dito por outras palavras: não foi a circunstância de a CML ter ordenado a remoção dos extractores que impossibilitou a Apelante de explorar o Restaurante Mar mas sim o facto de a Apelada ter removido os mesmos, sem qualquer legitimidade para tal, assim impedindo a Apelante de explorar o Restaurante Mar.
M. Esse sim é o fundamento da excepção de não cumprimento alegada (aliás, o próprio artigo 1040.º do CC tem uma previsão semelhante para os casos em que ao inquilino apenas acaba por ser concedido o gozo de parte do imóvel, o que não foi o caso dos presentes autos).
N. Pelo que, tendo a Apelada impedido totalmente o gozo do locado por parte da Apelante, forçoso se torna concluir que é legítimo à Apelante, não ter a obrigação de pagar a renda pois a Apelada sempre soube das alterações efectuadas em 2017 (cfr. facto provado sob o n.º 8) e, apesar disso, nunca abordou a Apelante para regularizar a situação nem tão pouco lhe transmitiu que teria dado entrada nos serviços da CML de um projecto de alterações.
O. Tudo visto e ponderado, impõe-se concluir que o que resulta dos autos, sem margem para dúvidas, é que a Apelada, sem qualquer comunicação prévia ou autorização da Apelante, impediu a Apelante do gozo do locado, pelo que deixa a Apelante de ter a obrigação de pagar a renda, só assim se respeitando o previsto nos artigos 1031.º, 1109.º, n.º 1, e 428.º, n.º 1, todos do CC.
P. Pelo que, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por violação dos artigos 1031.º, 1109.º, n.º 1, e 428.º, n.º 1, todos do CC, o qual deve ser corrigido pelo tribunal ad quem, o que se requer através do presente recurso.
A embargada apresentou alegação de resposta onde sustenta a manutenção da sentença recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a única questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende‑se com a inexequibilidade do título dado à execução, face à faculdade de recusa de pagamento das rendas por parte da embargante, através do recurso à excepção de não cumprimento do contrato.
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Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 16 de Agosto de 2017, a exequente G., Lda., na qualidade de Primeira Contratante ou Cedente, celebrou com a executada/embargante S., Lda., na qualidade de Segunda Contratante ou Cessionária, e com os executados/embargantes RM.e JN., ambos na qualidade de fiadores, um acordo escrito denominado “Locação de estabelecimento comercial e fiança”, do qual consta o seguinte:
A) MC. (…) que outorga como procuradora de B).
B) MG (…), as quais outorgam na qualidade de únicas sócias e em representação da sociedade comercial por quotas com a firma "G. LDA.", (…), a qual, neste acto designada por "cedente", qualidade que verifiquei pela Certidão Permanente da referida empresa, constante do portal "empresa online", nos termos do art.º 75º, nº 5 do Código do Registo Comercial, adiante designada Primeira Contratante ou Cedente.
SEGUNDA:
S. Lda. (…), adiante designada Segunda Contratante ou Cessionária.
TERCEIRA:
E ainda como Fiadores, RM., (…) e JN., (…).
Foi verificada a qualidade de sócio gerente e a representação da sociedade pela certidão permanente com o n° 8073-2885-0324.
Verifiquei a identidade dos outorgantes por exibição dos referidos documentos de identificação.
PELA PRIMEIRA CONTRATANTE FOI DITO:
Que a sociedade que representam, "G. LDA.", é dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial de restauração, instalado em duas fracções autónomas designadas pelas letras CE e DB, correspondentes ao rés-do-chão, piso Zero, do prédio sito na Rua (…). Com a Licença de Utilização n° 268/2001, emitida em 13/11/2001 e Certificados Energéticos nºs SCE95813026 e SCE95807534, válidos até 31/12/2024 e 31/12/2024. A mesma sociedade é também proprietária de uma arrecadação correspondente ao n° 61 e de um lugar de estacionamento no mesmo prédio correspondente ao n° 97.
Que, pela presente escritura, a sociedade sua representada, cede a locação do dito estabelecimento à Segunda Contratante (cessionária), mas tão só para fins de restauração e seus derivados, nos termos constantes das cláusulas seguintes:
I
a) A locação é feita à Segunda Contratante (cessionária) pelo prazo de 10 (dez) anos, com início em dezasseis de Agosto de dois mil e dezassete e termo em quinze de Agosto de dois mil e vinte e sete, vencendo-se hoje (dezasseis de Agosto de dois mil e dezassete) a primeira prestação dos duodécimos, porém com um período de carência desde o dia dezasseis de Agosto até dia dezasseis de Outubro de dois mil e dezassete.
b) O valor anual do primeiro ano serão de 46.500,00€, a serem pago em duodécimos de 3.875,00 mais IVA. O segundo ano o valor anual será de 49.500,00, a serem pagos em duodécimos de 4.125,00 mais IVA. Do terceiro ao sétimo ano serão pagos anualmente 52.500,00, sendo o seu duodécimo de 4.375,00 mais IVA. O oitavo ano serão pagos anualmente 55.500,00, sendo o duodécimo de 4.625,00 mais IVA. O nono ano serão pagos anualmente valor de 58.500,00, sendo o seu duodécimo de 4.875,00€ mais IVA. O décimo ano serão pagos anualmente o valor de 61.500,00€, sendo o seu duodécimo de 5.125,00€ mais IVA.
c) O pagamento das prestações é efectuado por dinheiro ou transferência bancária para IBAN (…) ou para qualquer outra conta que seja, para tal fim, comunicada, por escrito, à cessionária, ficando a cedente obrigada a emitir o respectivo recibo no prazo máximo de dez dias úteis.
d) As prestações vencem-se no dia 16 (dezasseis) de cada mês, podendo o respectivo pagamento ser efectuado até ao dia 24 (vinte e quatro) de cada mês (sem deferência por ser sábado, domingo ou feriado).
e) Em caso de incumprimento no pagamento de uma das prestações na data acordada, a prestação em dívida passa a vencer juros de mora, à taxa anual máxima permitida por lei até ao seu pagamento.
f) O não pagamento por prazo superior a três meses implica a denúncia imediata do contrato.
g) A Segunda Contratante (cessionária) entregou no dia quinze de Agosto de Dois mil e dezassete:
1) 15.500,00€ (quinze mil e quinhentos euros), correspondente à primeira, segunda, terceira e quarta prestação mensal (correspondente aos meses de 16 Outubro a 15 Novembro, de 16 Novembro a 15 de Dezembro de dois mil e de dezassete e de 16 de Dezembro de dois mil e dezassete a 15 de Janeiro de dois mil e dezoito e de 16 de Janeiro a 15 de Fevereiro de dois mil e dezoito), mais IVA à taxa de 23%.
2) O pagamento seguinte será feito a dezasseis de Fevereiro de dois mil e dezoito.
h) Todas as despesas, quer as do presente contrato, quer as inerentes ao funcionamento do estabelecimento comercial, são da responsabilidade da Segunda Contratante (cessionária), sendo da responsabilidade da Primeira Contratante (cessante) o pagamento do condomínio.
i) A Segunda Contratante (cessionária) compromete-se a cumprir todas as normas, actuais ou futuras, que se apliquem ao funcionamento do estabelecimento durante a vigência do contrato.
j) Findo o prazo previsto para o presente contrato pode o mesmo ser renovado por períodos sucessivos de 5 (cinco) anos, desde que qualquer das partes não o denuncie com, pelo menos, cento e vinte dias de antecedência, em relação ao seu termo ou ao de qualquer das suas renovações, através de carta registada e com aviso de recepção a enviar à outra parte.
k) A Segunda Contratante (cessionária) poderá ainda, denunciar a todo o tempo o contrato desde que decorridos seis meses de duração efectiva, com a antecipação mínima de cento e vinte dias sobre o termo pretendido do contrato, por meio de comunicação escrita feita à Primeira Contratante (cedente).
II
a) A Segunda Contratante (cessionária) é única e exclusivamente responsável pela obtenção e pelos custos das licenças ou autorizações necessárias à realização das obras, por imposição ou autorização legal surgida na vigência do contrato, ou contratual, ou por sua iniciativa e com autorização da Primeira Contratante (cedente) devendo, contudo, esta colaborar com a Segunda Contratante (cessionária) nas diligências que se revelarem necessárias ou convenientes à obtenção das necessárias licenças e/ou autorizações.
b) A obtenção de outras autorizações e/ou licenças que se revelem necessárias para o exercício da actividade da Segunda Contratante (cessionária) será da exclusiva conta, custo e responsabilidade desta que suportará todos custos inerentes, bem como o pagamento de todas as taxas legais, licenças, encargos, coimas e outras despesas com elas conexas.
c) A Segunda Contratante (cessionária) é, única e exclusivamente, responsável pelos custos e encargos das obras de adaptação que realizar estabelecimento.
d) A Segunda Contratante (cessionária) pode executar a expensas suas as obras que entenda necessárias ou úteis ao funcionamento e imagem do Estabelecimento, as quais não podem descaracterizar a construção das fracções, sendo essas obras e os seus custos da responsabilidade da Segunda Contratante (cessionária) e ficando as mesmas incorporadas no edifício sem direito a qualquer ressarcimento.
e) A Segunda Contratante (cessionária) poderá colocar anúncios luminosos ou de outra espécie, inclusive a designação do nome do Restaurante, desde que tenha autorização das entidades competentes, designadamente, dos outros condóminos, Junta de Freguesia ou da Câmara Municipal de Lisboa.
III
a) A Primeira Contratante (cedente) retirará do estabelecimento os bens móveis que se encontram no seu interior, e cuja utilização não seja do interesse da Segunda Contratante (cessionária), o que deverá ser comunicado por escrito no prazo de 30 dias a contar da entrega efectiva das fracções;
b) A Segunda Contratante (cessionária) procederá, por sua conta e risco, a toda a reparação, manutenção e substituição do equipamento destinado à exploração do estabelecimento comercial.
c) Sem prejuízo do referido na alínea a) e da consequente actualização e correcção, a Segunda Contratante (cessionária) reconhece que o recheio actual do estabelecimento é constituído pela relação dos móveis e utensílios identificados no documento complementar, elaborado nos termos do n° 2 do Artigo 64° do Código do Notariado, e como tal junto a instruir este contrato, e obriga-se a cuidar deles como fiel depositária e a entregá-los, findo o contrato, em boas condições de funcionamento, sem prejuízo do desgaste natural do seu uso normal.
IV
a) Com a cessação do Contrato a Segunda Contratante (cessionária) obriga‑se a restituir o locado à cedente no estado em que o recebeu, totalmente devoluto de pessoas e bens, com excepção dos bens que compõem o respectivo recheio, livre de ónus e/ou encargos, em bom estado de conservação e limpo, com excepção das obras realizadas com autorização da Primeira Contratante (cedente).
b) Na data da entrega do locado os contraentes realizarão, mediante prévia solicitação da Primeira Contratante (cedente) remetida com 8 (oito) dias úteis de antecedência à cessionária, uma inspecção ao locado em que serão verificadas as condições em que o mesmo se encontra e lavrado o respectivo auto, podendo ambos os contraentes fazer-se acompanhar ou adjudicar esta inspecção a técnicos ou prestadores de serviços.
V
a) Sem prejuízo de quaisquer outras obrigações legais ou que resultem do contrato, a Segunda Contratante (cessionária) obriga-se ainda a:
1) Celebrar em seu nome contratos para o fornecimento de água, electricidade, gás, telefone, Internet e outros serviços de que pretenda usufruir e liquidar integral e pontualmente os respectivos alugueres e consumos;
2) Pagar as coimas, multas ou outras penalidades aplicadas à cedente por virtude de actos ou omissões imputáveis à Segunda Contratante (cessionária);        
c) Os endereços manter-se-ão em vigor até um novo endereço ser comunicado à contraparte. Qualquer modificação aos endereços indicados no contrato deverá ser comunicada à contraparte, no prazo de 10 (dez) dias após a respectiva alteração, por carta registada com aviso de recepção ou por qualquer outra forma prevista na legislação em vigor.
VI
A Segunda Contratante (cessionária) não poderá, sem prévio consentimento expresso e por escrito da Primeira Contratante (cedente), proporcionar a terceiro(s) o gozo, total ou parcial, temporário ou definitivo, por qualquer forma de cessão, gratuita ou onerosa, incluindo por cessão de posição contratual ou por subarrendamento, trespasse ou cessão temporária da exploração do estabelecimento comercial, sendo aquela a responsável pelo cumprimento do contrato.
VII
a) O Contrato é regulado e interpretado pela lei portuguesa, com exclusão de qualquer outro ordenamento jurídico, e as situações não previstas no Contrato serão reguladas pelas normas dos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil e pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro e demais legislação aplicável.
b) Para a resolução de qualquer litígio emergente da interpretação, celebração, execução ou cessação do Contrato é competente o foro da comarca de localização do Estabelecimento locado, com renúncia expressa a qualquer outro.
c) Qualquer alteração ou aditamento ao Contrato só poderá fazer-se por documento escrito e assinado entre as contraentes, devendo constar desse documento escrito a indicação das cláusulas do contrato alteradas, suprimidas e/ou aditadas.
VIII
POR TODOS OS CONTRATANTES, NA INDICADA QUALIDADE, FOI MAIS DITO:
Que aceitam o presente contrato, nos termos exarados.
Verifica-se que:
O valor deste acto para efeitos fiscais é de 534.000,00€ (quinhentos e trinta e quatro mil euros) acrescido de IVA.
Juntam-se:
a) A mencionada Certidão de Registo Comercial;
b) O mencionado documento complementar no qual consta o inventário dos equipamentos e cópia da planta das fracções.
c) Duas Cadernetas Prediais urbanas, do Serviço de Finanças de Lisboa – 6, por onde se verificam os citados elementos matriciais.
d) Certificados Energéticos
e) Plantas do imóvel e esplanada
2. Até Dezembro de 2019, a executada/embargante S., Lda. pagou pontualmente a renda acordada.
3. A executada/embargante S., Lda. não realizou o pagamento da totalidade das rendas mensais relativas aos meses de Janeiro a Maio de 2020.
4. A exequente, mediante notificações judiciais avulsas efectuadas em 3 de Julho de 2020, comunicou aos executados/embargantes que considera resolvido o acordo escrito referido em 1., com fundamento na falta de pagamento das rendas mensalmente vencidas entre 15 de Janeiro de 2020 e 15 de Maio de 2020, no valor de 5.381,25 € cada, e exige o pagamento da totalidade das rendas no valor global de 26.906,25 €, acrescido dos juros moratórios contabilizados às taxas legais comerciais em vigor, desde as respectivas datas de vencimento das rendas até à data de 9.06.2020, no montante de 440,67 €, perfazendo um total em dívida de 27.346,92 €.
5. No pressuposto de que o estabelecimento comercial seria explorado pelo prazo de 10 (dez) anos, a executada/embargante S., L.da. executou ali investimento tendo em vista o exercício da sua actividade por aquele período completo.
6. No estabelecimento comercial a executada/embargante S., Lda. explorou o restaurante MAR.
7. O investimento efectuado traduziu-se, entre outros, na contratação de um consultor para a criação do conceito do restaurante MAR, na contratação de trabalhadores e prestadores de serviços, na aquisição de mobiliário e equipamento e na realização de um conjunto de intervenções no estabelecimento comercial.
8. Previamente à abertura do restaurante MAR, a executada/embargante S., L.da. instalou um sistema de extracção de fumos no estabelecimento comercial, uma vez que o existente aquando da celebração do acordo escrito referido em 1. não funcionava correctamente, com o conhecimento da exequente.
9. Por imposição legal, as instalações onde a actividade de restauração é exercida têm de ter um sistema de extracção de fumos.
10. A reparação do sistema de extracção de fumos implicou a substituição do sistema que se encontrava no estabelecimento comercial, o qual estava certificado.
11. Volvidos cerca de dois anos desde a substituição do sistema de extracção de fumos e após queixas de ruído proveniente daquele sistema por parte da moradora na fracção inferior à cobertura do prédio, a Câmara Municipal de Lisboa instaurou um processo de fiscalização em 2019.
12. A executada/embargante S., Lda. foi então notificada pela Câmara Municipal de Lisboa para implementar as necessárias medidas de controlo de ruído.
13. No seguimento de tal interpelação, a executada/embargante S., Lda. instalou um “atenuador de ruído” no sistema de extracção de fumos para a redução do ruído.
14. Em virtude de se manterem as queixas de ruído da moradora na fracção inferior à cobertura do prédio, foi aplicada à executada/embargante S., L.da, pela Câmara Municipal de Lisboa, por decisão de 23 de Setembro de 2019, a medida cautelar de suspensão imediata da utilização do sistema de extracção de fumos do restaurante MAR, a partir das 21h00, todos os dias da semana, com fundamento no facto de o mesmo produzir um ruído em níveis superiores aos legalmente admitidos.
15. O estabelecimento comercial deixou de poder funcionar à hora de jantar.
16. Através de notificação datada de 5 de Dezembro de 2019, a Câmara Municipal de Lisboa deu conhecimento à exequente de que foi determinada a reposição da legalidade urbanística, mediante demolição da obra e reposição da cobertura, nos seguintes termos:
Para os efeitos do artigo 114° do Código do Procedimento Administrativo, serve a presente notificação para levar ao conhecimento de V. Exa., na qualidade de proprietária da fracção do R/C do edifício sito em Rua (…), onde funciona o estabelecimento comercial com a denominação social "MAR", que por despacho do Sr. Vereador Ricardo Veludo de 26-11-2019 (in Informação n° 59541 de 20-11-2019) cuja fotocópia se anexa, foi determinada a reposição da legalidade urbanística do local acima referido: Esta decisão foi tomada ao abrigo do disposto no n° .1 do art. 106° do D.L. n° 555/99, de 16/12 (RJUE) na sua redacção actual.
Nos termos do projecto de decisão referido, são os seguintes os prazos e condições do cumprimento desta intimação para reposição da legalidade urbanística:
Prazo para início das obras: 10 dias
Prazo para execução das obras: 30 dias
Condições da licença: deverão ser observadas as condições previstas no artigo 71.º do RMUEL em vigor (Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação de Lisboa, publicado pelo Aviso n° 5147/2013, no Diário da República 2a Série n° 74 de 16 de Abril de 2013).
Mais se informa que o incumprimento desta determinação integra a prática de um crime de desobediência prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 348° n° 1 al a) do C. Penal e artigo 100° n°1 n° 1 RJUE (Regime Jurídico da urbanização e Edificação).
Cumprindo o disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 114° do Código do Procedimento Administrativo (CPA) notificamos V. Exa. que poderá reclamar do presente acto, no prazo de 15 (quinze) dias contados da recepção desta notificação, nos termos do artigo 191° do CPA, ou recorrer hierarquicamente no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 193° do mesmo Código.
Junta-se em anexo cópia do(s) documento(s) acima referido(s)”.
17. Nesta sequência, a exequente dirigiu à Câmara Municipal de Lisboa a carta datada de 19 de Dezembro de 2019, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual, além do mais, informa que deverá ser executada uma intervenção nos ventiladores da cobertura tendo em consideração soluções técnicas necessárias para a reposição das condições legais de extracção e remoção dos problemas de ruído e salubridade patentes, juntando para o efeito o projecto original de climatização e ventilação, bem como o projecto para reposição da legalidade urbanística.
18. No início de Janeiro de 2020 a exequente retirou totalmente os equipamentos para reposição da legalidade urbanística.
19. Através de notificação datada de 6 de Fevereiro de 2020, a Câmara Municipal de Lisboa deu conhecimento à representante legal da exequente de que foi extinto o processo administrativo, nos seguintes termos:
À consideração superior,
1. A entidade proprietária da fracção do R/C do edifício sito em Rua (…), onde funciona o estabelecimento comercial com a denominação social "MAR", a empresa G., Lda. e a entidade gestora do espaço, a S., Lda. foram notificadas nos termos do disposto nos artigos 114.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que por despacho ,do Sr. Vereador Ricardo Veludo de 26‑11-2019, conforme a Informação n° 59541 de 20-11¬2019 (cf. fls. 77 a 78 do p.p.), foi determinado como decisão final, a reposição da legalidade urbanística do local acima referido, ou seja, a remoção dos aparelhos de extracção de fumos da cobertura.
2. Esta decisão foi tomada ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 106.º do D.L. n° 555/99, de 16/12 (RJUE) na sua redacção actual. Nos termos do projecto final de decisão referido, foram os seguintes os prazos e condições do cumprimento desta intimação para reposição da legalidade urbanística: - Prazo para início das obras: 10 dias úteis
- Prazo para execução das obras: 30 dias úteis
3.. No âmbito do projecto final de decisão foram efectuadas duas acções de fiscalização técnica ao local, nos dias 09-01-2020 e 16-01-2020, a fim de verificar o cumprimento dos prazos para início e conclusão das obras, tendo constatado que a obra iniciou e ficou concluída dentro dos prazos determinados, ou seja, foi reposta a legalidade urbanística.
4.. Face ao exposto, julga-se ser de proceder à extinção do procedimento por impossibilidade ou inutilidade superveniente e posterior arquivo do presente processo nos termos dos artigos 93.º e 95.º respectivamente do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e de notificar entidade exponente, a Administração de Condomínio e a proprietária do estabelecimento comercial, sobre o teor da presente Informação e respectivos despachos”.
20. O estabelecimento comercial deixou de poder funcionar totalmente.
21. Facto que determinou o encerramento definitivo do restaurante MAR, no dia 8 de Janeiro de 2020.
22. Encerramento motivado pela inexistência de um sistema de extracção de fumos.
23. A executada/embargante S., Lda. remeteu à exequente, no dia 20 de Janeiro de 2020 uma carta registada com aviso de recepção, na qual, além do mais que aqui se dá por reproduzido, interpela a exequente para, no prazo de oito dias, sanar os incumprimentos contratuais nela descritos, após o que procederia à resolução imediata e com justa causa, e para pagar uma indemnização no valor dos prejuízos causados.
24. A carta referida em 23. foi remetida para a sede da exequente sita na Rua (…).
25. A carta referida em 23. foi devolvida ao remetente com a indicação “Não existe 5 E”.
26. A executada/embargante S., Lda. explorou ininterruptamente o estabelecimento de restauração até Janeiro de 2020.
27. A exequente instaurou a acção executiva para pagamento de quantia certa à qual os presentes autos se encontram apensos, contra os executados, ora embargantes, apresentando como título executivo o acordo escrito mencionado em 1. acompanhado das notificações judiciais avulsas mencionadas em 4.
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Na sentença recorrida considerou-se ainda inexistirem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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Decorre do art.º 428º do Código Civil que se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
Na anotação a tal preceito (Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, pág. 406) esclarece-se que “Para que a exceptio se aplique, não basta que o contrato seja obrigatório, ou crie obrigações para ambas as partes: é necessário que as obrigações sejam, como se disse, correspectivas ou correlativas, que uma seja o sinalagma da outra.
(…)
A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (…). E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227º e 762º, nº 2 (…)”.
Por outro lado, importa não esquecer que o cumprimento é a realização da prestação creditória, é a prestação de coisa ou de facto. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art.º 762º, nº 1, do Código Civil), sendo certo que, tanto no cumprimento da obriga­ção, como também no exercício do direito correspondente, as partes devem proceder de boa fé (art.º 762º, nº 2, do Código Civil).
A este respeito refere Almeida Costa (Obrigações, 3ª edição, pág. 715) que “segundo a boa fé, tanto a actuação do credor no exercício do seu crédito, como a actividade do devedor no cumprimento da obrigação, devem ser presididas pelos ditames da lealdade e da probidade”.
Assim, e como igualmente explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, volume II, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra, 1986, pág. 2-3), o cumprimento da obrigação rege-se pelo “dever de agir com lisura e correcção”, sendo que, por um lado, “o devedor não pode limitar-se a uma realização puramente literal ou farisaica da prestação a que se encontra vinculado” e, por outro lado, “o dever de boa fé não se circunscreve ao simples acto da prestação, abrangendo ainda, na preparação e execução desta, todos os actos destinados a salvaguardar o interesse do credor na prestação (o fim da prestação) ou a prevenir prejuízos deste, perfeitamente evitáveis com o cuidado ou a diligência exigível do obrigado”.
Mais explicam os referidos autores que é “nesta área do cumprimento da obrigação que especialmente se concentra a vasta galeria dos deveres acessórios de conduta (…) que a literatura civilística alemã tem extraído do preceito lapidar formulado no § 242 do B.G.B.”, explicando ainda que a “necessidade juridicamente reconhecida e tutelada de agir com correcção e lisura não se circunscreve ao obrigado; incide de igual modo sobre o credor, no exercício do seu poder. E, tal como sucede com o dever de prestar, também no lado activo da relação o dever de boa fé se aplica a todos os credores, seja qual for a fonte do seu direito, embora isso não exclua a desigual intensidade do dever de cuidado e diligência que pode recair sobre as partes”.
Do mesmo modo, como ficou referido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 7/12/2010 (relatado por Silva Salazar e disponível em www.dgsi.pt), os “contratos incluem não só as obrigações deles expressamente constantes, mas também deveres acessórios inerentes à prossecução do resultado por eles visado. II - Estes deveres resultantes acessoriamente do próprio contrato, em paralelo com a obrigação principal e destinados a assegurar a perfeita execução desta, a ponto de a sua violação poder gerar uma situação de incumprimento, implicam a adopção de procedimentos indispensáveis ao cumprimento exacto da prestação, com destaque para o dever de cooperação, sem o qual muitas vezes a utilidade final do contrato não é alcançada. III - Tais deveres são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma actuação de boa fé – art. 762.º, n.º 2, do CC – entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte – princípio da concretização”.
Do mesmo modo, ainda, como ficou referido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 27/11/2018 (relatado por Graça Amaral e disponível em www.dgsi.pt), no “negócio jurídico bilateral, de onde emergem direitos e deveres para cada uma das partes, a avaliação do incumprimento contratual não se confina aos deveres principais adstritos às respectivas partes, estendendo-se, necessariamente, aos deveres acessórios ou complementares ínsitos nas estipulações contratuais e aos que decorrem do desígnio da própria vinculação contratual (deveres inerentes à dinâmica negocial assentes no princípio de boa fé e num critério ético-normativo de razoabilidade)”.
Ou seja, para que se possa afirmar assistir à embargante a faculdade de recusar o cumprimento da sua obrigação pecuniária, em razão da remoção do sistema de extracção de fumos e suas consequências (o encerramento do estabelecimento comercial de restauração onde estava instalado tal sistema), torna-se necessário verificar se essa remoção se pode qualificar como uma situação de incumprimento da obrigação contratual da embargada de facultar à embargante o gozo do referido estabelecimento comercial.
Na sentença recorrida ficou afirmada a não verificação dessa faculdade de recusa do cumprimento da obrigação pecuniária da embargante nos seguintes termos:
A excepção do não cumprimento do contrato é própria dos contratos bilaterais, mas para que a excepção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, pág. 380, em anotação ao artigo 428º do Código Civil).
Pressupõe, portanto, a existência de um nexo de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação pelo excipiens, devendo ser alegada tendo em vista compelir à execução da obrigação correspectiva por parte do outro contraente.
A qualificação do arrendamento como contrato bilateral e sinalagmático viabiliza, em abstracto e com limitações, a aplicação da invocada excepção de não cumprimento do contrato.
A razão da limitação prende-se com a natureza sinalagmática das prestações e com a sua concretização prática, pois que, como esclarece Aragão Seia “uma vez entregue ao locatário a coisa locada, o sinalagma em grande medida se desfaz” (cfr. Arrendamento Urbano, 7ª edição, pág. 412), e explica que sendo certo que o locador continua obrigado a proporcionar o gozo da coisa ao locatário, esta é uma obrigação sem prazo ou dia certo para o seu cumprimento, ao passo que é a termo a do pagamento da renda.
Ademais, a obrigação de pagar a renda imposta ao locatário faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa. Mas, o sinalagma liga entre si as obrigações essenciais de cada contrato bilateral, mas não todos os deveres de prestação dele nascidos.
No caso dos autos, afigura-se-nos não ser possível sustentar que a exequente incorreu em incumprimento de qualquer obrigação, de forma a legitimar os executados/embargantes a lançar mão da exceptio.
Cumpre desde logo salientar que a circunstância alegada pelos executados/embargantes de que o estabelecimento não reunia as mínimas condições para o exercício da actividade de restauração e motivou um grande investimento por parte da executada/embargante S., L.da não releva para a questão que se discute porquanto esse circunstancialismo reporta-se ao momento da celebração do contrato, que foi aceite pela executada/embargante nessas mesmas condições, tendo inclusive procedido à instalação de um sistema de extracção de fumos em substituição do existente, sendo certo que a executada/embargante desenvolveu a sua actividade sem qualquer entrave conhecido desde o início do contrato, em 2017, até pelo menos meados do ano de 2019.
O facto decisivo para a executada/embargante S., L.da lançar mão da exceptio prende-se com a circunstância de estar inibida de desenvolver a sua actividade em virtude da impossibilidade de utilização do sistema de extracção de fumos, impossibilidade essa que a executada/embargante imputa à exequente e que, no seu entender, legitimou o não pagamento das rendas no período compreendido entre Janeiro de Maio de 2020.
Mas, será assim?
Afigura-se-nos que não.
É ponto assente que foi a executada/embargante S., L.da que procedeu à instalação do sistema de extracção de fumos no estabelecimento comercial em substituição do sistema que já se encontrava lá instalado mas que não funcionava correctamente, previamente à abertura do restaurante.
Certo é que foi esse mesmo sistema de extracção de fumos instalado pela executada/embargante S., L.da que originou a impossibilidade da sua utilização em virtude do ruído produzido. Isso mesmo resulta claro de todo o processo levado a cabo pela Câmara Municipal de Lisboa e que nem a instalação de um atenuador de ruído foi susceptível de permitir a sua correcta utilização.
Assim sendo, não se vislumbra responsabilidade por parte da exequente quer na instalação do sistema de extracção de fumos no estabelecimento comercial quer no seu indevido funcionamento.
É verdade que a exequente procedeu à retirada do sistema de extracção de fumos que viria a ditar a impossibilidade do exercício da actividade por parte da executada/embargante S., L.da e que culminou com o encerramento do restaurante.
Afigura-se-nos, porém, que à exequente não caberia outra possibilidade em face da intimação por parte da Câmara Municipal de Lisboa no sentido da reposição da legalidade.
E na sequência da intimação camarária a exequente dirigiu à Câmara Municipal de Lisboa a carta datada de 19 de Dezembro de 2019 mencionada na factualidade provada, na qual, além do mais, informa que deverá ser executada uma intervenção nos ventiladores da cobertura tendo em consideração soluções técnicas necessárias para a reposição das condições legais de extracção e remoção dos problemas de ruído e salubridade patentes, juntando para o efeito o projecto original de climatização e ventilação, bem como o projecto para reposição da legalidade urbanística.
Ademais, não se pode olvidar que de acordo com os termos do contrato celebrado entre a exequente e a executada/embargante S., Lda., ficou acordado que todas as despesas inerentes ao funcionamento do estabelecimento comercial são da responsabilidade da executada/embargante S., Lda. (cfr. Cláusula I, h)), comprometendo-se esta a cumprir todas as normas, actuais ou futuras, que se apliquem ao funcionamento do estabelecimento durante a vigência do contrato (cfr. Cláusula I, i)).
Mais ficou acordado que a executada/embargante S., Lda. é única e exclusivamente responsável pelos custos e encargos das obras de adaptação que realizasse no estabelecimento (cfr. Cláusula II, c)) e que procederia, por sua conta e risco, a toda a reparação, manutenção e substituição do equipamento destinado à exploração do estabelecimento comercial (cfr. Cláusula III, b)).
Competia, pois, à executada/embargante S., L.da, nos termos contratualmente acordados, zelar para que o sistema de extracção de fumos que instalou no estabelecimento comercial cumprisse todas as regras técnicas vigentes, o que se verificou não ter sucedido.
Cremos, pois, que competia à executada/embargante S., Lda., pretendendo manter o exercício da sua actividade, proceder à instalação de novo sistema de extracção de fumos com cumprimento integral das normas legais vigentes.
Todavia, a executada/embargante S., Lda. assim não fez, optando por remeter a carta a carta datada de 20 de Janeiro de 2020 mencionada na factualidade provada à exequente, imputando-lhe a responsabilidade pelo sucedido e prenunciando com a resolução do contrato, que não efectivou, e interpelando-a para pagar uma indemnização pelos prejuízos causados que, a ser devida, nunca o seria na presente sede executiva.
Conclui-se, assim, que não podia a executada/embargante S., Lda. lançar mão validamente da excepção de não cumprimento do contrato”.
Ou seja, da sentença recorrida decorre o entendimento de que incumbia à embargante o dever de providenciar pela existência de um sistema de extracção de fumos conforme às regras aplicáveis à instalação e funcionamento daquele tipo de equipamentos, designadamente repondo a legalidade urbanística que a Câmara Municipal de Lisboa determinou estar em falta, pelo que a remoção do sistema de extracção de fumos desconforme a essa legalidade urbanística, efectuada pela embargada sob determinação da Câmara Municipal de Lisboa, não corresponde a qualquer situação de incumprimento da sua obrigação de facultar à embargante o gozo do estabelecimento comercial onde o mesmo sistema estava instalado.
Já os embargantes entendem que tal conduta da embargada mais não representa que uma acção directa ilícita, na medida em que sacrificou um interesse superior (o direito da embargante ao gozo do estabelecimento locado) ao interesse que a embargada visava assegurar (o cumprimento de uma decisão administrativa), daí resultando ser-lhe imputável a impossibilidade daquele gozo, que se passou a verificar.
Como deve então ser interpretada a conduta da embargada, no âmbito da dinâmica contratual iniciada em 16/8/2017?
Recordando os aspectos essenciais dessa relação negocial, verifica-se que:
- A embargada cedeu à embargante a exploração de um estabelecimento comercial de restauração, instalado em duas fracções autónomas da propriedade da embargada, pelo prazo de dez anos e contra o pagamento de uma renda mensal;
- Ficou acordado entre embargante e embargada que a primeira era a única responsável pelos custos com obras, bem como pelas autorizações para sua realização, bem ainda pelo pagamento de taxas, licenças, encargos e outras despesas relacionadas com a actividade do estabelecimento comercial, e bem ainda pelo pagamento de penalidades aplicadas à embargada em virtude de actos ou omissões imputáveis à embargante;
- A embargante efectuou os investimentos necessários à exploração daquele estabelecimento comercial (correspondente ao restaurante MAR), desde logo instalando um sistema de extracção de fumos (equipamento que tem de existir nos estabelecimentos comerciais de restauração, por imposição legal), em substituição do aí existente ao tempo da celebração do contrato, que não funcionava correctamente, apesar de estar certificado;
- Decorridos cerca de dois anos, uma moradora do prédio onde estava instalado o restaurante queixou-se do ruído provocado por tal sistema de extracção de fumos, o que determinou a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa, que ordenou à embargante a instalação de um equipamento destinado à redução do ruído provocado por aquele sistema de extracção;
- Não obstante a instalação desse equipamento pela embargante, mantiveram-se as queixas de ruído, pelo que a Câmara Municipal de Lisboa determinou a suspensão da utilização do sistema de extracção de fumos a partir das 21.00 h., assim deixando o restaurante de poder funcionar à hora do jantar;
- A Câmara Municipal de Lisboa determinou também à embargada, na sua qualidade de proprietária das fracções autónomas onde estava instalado o restaurante, que procedesse à “reposição da legalidade urbanística”, o que equivalia à reposição da situação que se verificava antes da instalação, pela embargante, do sistema de extracção de fumos que provocava o ruído não permitido;
- Para proceder a tal “reposição da legalidade urbanística” a embargada removeu totalmente o sistema de extracção de fumos que a embargante havia instalado, o que foi considerado pela Câmara Municipal de Lisboa como correspondendo ao cumprimento do que lhe havia sido determinado;
- Sem esse sistema de extracção de fumos o restaurante deixou de poder funcionar, encerrando definitivamente em 8/1/2020.
Não sofrendo qualquer controvérsia que se torna necessária a existência de um sistema de extracção de fumos em estabelecimentos comerciais de restauração, não podendo os mesmos funcionar sem esse tipo de equipamento, é certo que o restaurante cuja exploração foi cedida pela embargada à embargante possuía um equipamento dessa natureza, o qual havia sido certificado.
E se o mesmo sistema de extracção de fumos não estava a funcionar correctamente, tal circunstância não impediu a embargante de receber o restaurante em questão e de aí efectuar as intervenções necessárias ao funcionamento do restaurante, incluindo a substituição do sistema de extracção de fumos existente por um outro, que aí instalou.
Ou seja, tal como bem se refere na sentença recorrida, segundo o programa contratual aceite consensualmente pelas partes o funcionamento deficiente do sistema de extracção de fumos previamente existente no restaurante não era impeditivo da sua exploração pela embargante, e do correspectivo cumprimento da sua obrigação de pagamento da retribuição devida à embargada pela cedência dessa exploração.
Situação distinta é quando o novo sistema de extracção de fumos está instalado e em funcionamento, mas em violação das disposições que regulamentam tal instalação e funcionamento, desde logo no que diz respeito ao ruído produzido, acima dos limites legais. E, nessa medida, cabe às entidades administrativas competentes reconduzir a situação à legalidade em falta.
Ora, no caso concreto foi exactamente isso que sucedeu, já que a Câmara Municipal de Lisboa, verificando que o sistema de extracção de fumos instalado no restaurante explorado pela embargante violava as disposições legais sobre o ruído, determinou à embargante que reduzisse tais emissões de ruído, para as conformar aos limites máximos admitidos.
E não tendo tal determinação surtido o seu efeito, determinou o encerramento do restaurante a partir das 21.00 h. Ou seja, só a partir daquele horário é que se verificava a emissão ilegal de ruído a partir do sistema de extracção de fumos, o que faz concluir que até às 21.00 h. tal sistema estava a funcionar sem violar as disposições legais sobre o ruído.
Todavia, porque existia uma certificação para o sistema de extracção de fumos anterior (o que significa que aquando da sua instalação e colocação em funcionamento havia sido verificada a sua conformidade com as disposições que regulamentam tal instalação e funcionamento, designadamente no que diz respeito ao ruído produzido), entendeu a Câmara Municipal de Lisboa determinar à embargada, na sua qualidade de proprietária das fracções autónomas onde tal sistema estava instalado, a “reposição da legalidade urbanística”, mais concretamente a “demolição da obra e reposição da cobertura” do prédio a que respeitam as fracções autónomas onde o restaurante estava instalado.
Ora, tal determinação administrativa de génese camarária, interpretada no contexto da certificação do anterior sistema de extracção de fumos e da verificação de uma situação de produção de ruído acima dos limites legais (a partir das 21.00 h.), pelo actual sistema de extracção de fumos, apenas podia significar a realização das intervenções que eliminassem tal ruído acima dos limites legais e que possibilitassem a recuperação da certificação do sistema de extracção de fumos (fosse através da reparação do então existente, fosse através da colocação de um novo sistema).
Aliás, foi dessa mesma forma que a embargada interpretou a determinação em questão, quando em 19/12/2019 comunicou à Câmara Municipal de Lisboa a realização de “uma intervenção nos ventiladores da cobertura tendo em consideração soluções técnicas necessárias para a reposição das condições legais de extracção e remoção dos problemas de ruído e salubridade patentes, juntando para o efeito o projecto original de climatização e ventilação, bem como o projecto para reposição da legalidade urbanística” (tal como resulta do ponto 17. dos factos provados).
Ou seja, a referida reposição da legalidade urbanística não passava, necessariamente, pela retirada total dos equipamentos que constituíam o sistema de extracção de fumos instalado no restaurante. E a embargada até reconhece tal situação na sua alegação de resposta, quando aí afirma que da determinação da Câmara Municipal de Lisboa decorria a “necessidade de retirada ou alteração dos equipamentos de extracção”.
Assim, se é verdade que tal retirada total “cortava o mal pela raiz”, na medida em que a ausência do referido sistema significa a ausência de ruído emitido pelo mesmo, torna‑se necessário não esquecer que a existência de um sistema de exaustão de fumos era essencial ao funcionamento do restaurante. O que equivale a afirmar que essa retirada total não significava um mero acatamento de uma decisão administrativa, mas antes uma actuação que ultrapassava esse mero acatamento, na medida em que determinaria a impossibilidade de o restaurante continuar a funcionar.
Ora, tendo tal determinação camarária sido dirigida à embargada, na sua qualidade de proprietária das fracções autónomas onde o restaurante estava instalado, e tendo a mesma cedido a exploração desse estabelecimento comercial à embargante, era no domínio dessa relação contratual que a embargada devia actuar, no cumprimento da referida determinação camarária.
E face ao que havia sido acordado entre as partes, a embargada não podia deixar de saber que era à embargante que cabia a responsabilidade pelo cumprimento de todas as determinações relacionadas com o funcionamento do restaurante, desde a obtenção das necessárias licenças ou autorizações (fosse para a realização de obras no local onde estava instalado o restaurante, fosse para assegurar a continuidade da sua exploração) até ao “pagamento de todas as taxas legais, licenças, encargos, coimas e outras despesas com elas conexas” (na expressão do clausulado contratual), decorrentes desse funcionamento do restaurante, bem como das “coimas, multas ou outras penalidades aplicadas à cedente [a embargada] por virtude de actos ou omissões imputáveis à Segunda Contratante [a embargante]” (igualmente na expressão do clausulado contratual).
Ou seja, porque a prestação a que se obrigou a embargada não se esgota com a simbólica “entrega da chave” do estabelecimento comercial à embargante, assistindo‑lhe igualmente a prática de todos os actos que salvaguardem o fim visado por essa entrega (e que corresponde à manutenção da exploração do restaurante pela embargante, durante o prazo convencionado), logo se antevê que a conduta da embargada representa uma violação desse seu dever acessório, já que podia (e devia) ter tomado diferente atitude perante a notificação de 5/12/2019 da Câmara Municipal de Lisboa, não avançando individualmente para a retirada total dos equipamentos que constituíam o sistema de extracção de fumos instalado pela embargante.
Antes cumpria à embargada, actuando de boa fé e segundo o “critério ético‑normativo de razoabilidade” a que aludem a jurisprudência e doutrina acima referidas, dar conhecimento à embargante da referida notificação e interpelá-la para dar cumprimento aos deveres que assumiu com a outorga do contrato, providenciando pela  reposição da legalidade urbanística em falta, nos termos da determinação camarária notificada e, designadamente, através da reparação ou substituição do sistema de extracção de fumos que havia instalado, de modo a que o mesmo ficasse conforme à certificação originariamente existente.
Isso mesmo é igualmente reconhecido na sentença recorrida, quando se afirma que competia “à executada/embargante (…), nos termos contratualmente acordados, zelar para que o sistema de extracção de fumos que instalou no estabelecimento comercial cumprisse todas as regras técnicas vigentes, o que se verificou não ter sucedido”.
Mas daí não se pode concluir, sem mais, que “competia à executada/embargante (…), pretendendo manter o exercício da sua actividade, proceder à instalação de novo sistema de extracção de fumos com cumprimento integral das normas legais vigentes”, sob pena de se considerar a obrigação da embargada de facultar à embargante o gozo do estabelecimento comercial de forma puramente “literal ou farisaica” (na expressão da doutrina acima referida), e ignorando a dinâmica da relação contratual (tendo por finalidade possibilitar o funcionamento do restaurante), de onde decorre que era essencial a permanência de um sistema de extracção de fumos, igualmente daí decorrendo que o ruído existente permitia o funcionamento do restaurante, ainda que com limitações horárias.
Por outro lado, mesmo a consideração de que era à embargada que era dirigida a notificação da Câmara Municipal de Lisboa, com a “carga penal” que lhe está associada (face à cominação do crime de desobediência, em caso de incumprimento da determinação camarária), não permite afirmar a inevitabilidade da retirada total de equipamentos que aquela realizou, pois que, como já se afirmou, nem sequer isso resultava, necessariamente, do teor da referida determinação camarária.
E, ainda que assim fosse, a circunstância de a embargante se ter responsabilizado perante a embargada a “pagar as coimas, multas ou outras penalidades” aplicadas a esta, “por virtude de actos ou omissões imputáveis” àquela, associada à anterior interacção da Câmara Municipal de Lisboa com a embargante, sempre conduziria a embargada a ter de “envolver” a embargante naquela retirada total de equipamentos, o que não resulta ter sucedido.
Ou seja, a conduta da embargada deve considerar-se como violadora dos deveres acessórios que se lhe impunham em resultado do contrato celebrado com a embargante, na medida em que, a coberto de uma determinação camarária que visava a reposição da legalidade urbanística em falta no restaurante cuja exploração havia cedido à embargante, e que passava pela colocação do sistema de extracção de fumos a funcionar nos termos da certificação do sistema anterior, optou por retirar totalmente os equipamentos desse sistema, não podendo ignorar que essa sua actuação determinava (como determinou) a impossibilidade de funcionamento do restaurante e da sua consequente exploração pela embargante, fim último do contrato celebrado entre ambas.
Nessa medida é de concluir, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, que tal actuação da embargada configura uma situação de incumprimento ilícito e culposo da sua obrigação de facultar e assegurar o gozo do estabelecimento comercial locado, a justificar a recusa de cumprimento da obrigação pecuniária correspectiva da embargante, nos termos do disposto no art.º 428º do Código Civil.
Assim, podendo a embargante recusar justificadamente o pagamento à embargada das rendas que se venceram após a actuação desta última (no início de Janeiro de 2020), logo se alcança que a legitimidade dessa recusa determina a inexequibilidade do título executivo, na medida em que a obrigação pecuniária que daí emerge respeita ao pagamento das rendas vencidas entre 15/1/2020 e 15/5/2020.
Em suma, na procedência das conclusões do recurso dos embargantes há que declarar a procedência dos embargos de executado, com a extinção da execução, atenta a referida inexequibilidade do título executivo apresentado pela embargada.
*
DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por esta outra decisão em que, na procedência dos embargos de executado, se declara extinta a execução.
Custas pela embargada.

26 de Maio de 2022
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Orlando Nascimento