Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3889/16.8T8BRR.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
ÁREA GEOGRÁFICA
DESPESAS DE FORMAÇAO
ÓNUS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1. A lei não impõe que o pacto de não concorrência delimite a área geográfica em que vigora a proibição de não concorrência do trabalhador.
2. Ainda que se entendesse pela afirmativa, abrangendo a actividade da Autora não só o território nacional mas também diversos países da Europa, haveria de entender-se que a obrigação de não concorrência estaria delimitada geograficamente pelo âmbito da área da sua actuação, no mínimo o território nacional.
3. A considerar-se que o âmbito geográfico do pacto era excessivo, a consequência não seria a sua nulidade, mas antes a redução do seu âmbito, nos termos do art. 292 do CC.
4. Tendo sido fixada a quantia líquida mensal de €150,00 como contrapartida do cumprimento do pacto de não concorrência, justificando-se este montante com a realização de despesas avultadas feitas com a formação do trabalhador, impendia sobre este - réu na acção -, que arguiu a nulidade da cláusula, o ónus de provar que a Autora não efectuou tais despesas.
5. Não o tendo feito, não dispondo o Tribunal de elementos factuais que permitam concluir que o montante compensatório de mostra patentemente desajustado, não se verifica a nulidade da cláusula de não concorrência com este fundamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório

I – RELATÓRIO
AAA intentou a presente acção, sob a forma de processo comum, contra BBB, pedindo a condenação do Réu a pagar ao Autor a indemnização no valor de 19.200,00 €, acrescida de juros de mora contados desde 18.3.2016 até efectivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que celebraram entre si um contrato de trabalho, no âmbito do qual apuseram uma cláusula de não concorrência. O Réu, por iniciativa própria, fez cessar o contrato de trabalho. Dois dias depois estava a trabalhar sob as ordens, autoridade e fiscalização de uma sociedade concorrente da Autora, violando aquele pacto validamente celebrado entre ambos, pelo que deve indemnizar a Autora.
Realizou-se audiência de partes, sem que tivesse sido possível a sua conciliação.
O Réu contestou, defendendo-se por excepção, na medida em que invoca a nulidade da cláusula por falta de limitação espacial e desproporcionalidade da compensação fixada, e defende que, mesmo que assim não fosse, ambas as partes acordaram em revogar aquela cláusula; e por impugnação, negando a versão dos factos alegados pela Autora.
Conclui no sentido da improcedência da acção e consequente absolvição do Réu do pedido, bem como da condenação da Autora como litigante de má fé, uma vez que deduziu pretensão a que sabia não ter direito.
Foi apresentado articulado de resposta, com ampliação da causa de pedir, a que o
Autor também respondeu.
Prolatou-se despacho saneador, admitindo-se a ampliação da causa de pedir, tendo sido fixado o objecto da acção e seleccionando-se os temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento, após o que foi proferida a sentença na qual foi exarada a seguinte
DECISÃO
Face ao exposto, julgo procedente a presente acção e, em consequência:
a) condeno o Réu a pagar à Autora a quantia de 19.200,00 €, acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, desde 31/03/2016 e até integral e efectivo pagamento;
b) não considero a Autora como litigante de má fé, pelo que não a condeno como tal.
Custas a cargo do Réu.
Notifique e registe.
Inconformado, interpôs o Réu recurso para esta Relação no qual formulou as seguintes
CONCLUSÕES:
 I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo em que se julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou o réu no pagamento do valor de cláusula penal constante do contrato de trabalho.
II. Porém, não pode o recorrente conformar-se com a decisão ora recorrida, pois considera que, ao pronunciar-se da forma como o fez, o Tribunal a quo apreciou mal as questões de facto que se lhe colocavam, atropelando ainda os fundamentos de direito nos quais assentou a decisão ora em crise, olvidando a necessária e imprescindível fundamentação fáctica e legal.
III. Considerou o tribunal a quo que o réu não logrou provar a manifestação de vontade da entidade empregadora em revogar a referida cláusula, considerando, em consequência, os factos 4 a 9 como não provados.
IV. Para sustentar esta posição, o Tribunal a quo muniu-se da prova junta aos autos apreciada de forma crítica e conforme às regras de experiência comum, bem como dos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré e o depoimento de parte do autor.
V. Precisamente com fundamento nas regras da experiência comum, a sentença ora recorrida não deu acolhimento à versão oferecida pelo réu, pois que não é crível que a entidade empregadora pretendesse revogar o pacto, precisamente no momento em que este se torna operacional.
VI. Olvida, porém, que a entidade empregadora retiraria um benefício na revogação do pacto de não concorrência: o de não ter de pagar a compensação nele prevista.
VII. É a própria cláusula onde se insere o referido pacto que prevê a possibilidade da revogação do mesmo, pela entidade empregadora.
VIII. Aderir à tese da recorrida seria considerar que o recorrido encetou uma façade destinada a enganar o Tribunal, quando, à data dos factos, enviou um email ao administrador da autora, impelando ao cumprimento do acordado: a revogação do referido pacto.
IX. O que envolve um exercício que redunda num resultado pouco conforme com as regras da experiência comum.
X. Tal consideração sai reforçada quando percebemos que a  referida mensagem de correio eletrónico não mereceu qualquer resposta.
XI. Ora, se o conteúdo desta mensagem em nada tivesse correspondido ao falado entre réu e administrador da autora, normal seria que este respondesse nesse sentido.
XII. O princípio de livre apreciação da prova ínsito no art.º 396.º do Código Civil tem como limite o juízo com recurso a regras extraídas da experiência comum, não, sendo, por isso, arbitrário.
XIII. Ao atropelar estas evidências e contradições resultantes do comportamento do administrador da recorrida, julgando como não provados os factos 4 a 9 do respetivo rol, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 396.º do Código Civil, ao atentar contra o princípio da livre apreciação da prova por  não submissão da prova ao juízo decorrente das regras de experiência comum.
XIV. Pelo que os pontos 4 a 9 do rol de factos dados como não provados deveriam, outrossim, serem dados como provados, alterando-se a decisão ora recorrida neste sentido
XV. Vexata Quaestio em matéria de direito, trata-se de saber se o pacto de não concorrência, constante do contrato de trabalho celebrado entre recorrente e recorrida se encontra ferido de nulidade;
XVI. Considera o Tribunal a quo não existir qualquer nulidade, pela circunstância de o pacto de não concorrência padecer de uma indeterminabilidade geográfica.
XVII. Fá-lo, porém, contrariando a doutrina e jurisprudência versada nesta matéria.
XVIII. O que está em causa não é saber se o trabalhador estava consciente (se lhe era previsível) da atividade da empresa e extensão territorial da mesma, mas sim se o pacto prevê uma limitação espacial ou se, contrariamente, abrange qualquer território.
XIX. Ora, abrangendo qualquer território (conforme resulta da própria leitura encetada pela sentença ora recorrida), tal não se compagina com o princípio da liberdade de trabalho, ínsito no disposto nos arts.º 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1 da CRP.
XX. Principalmente no caso de, tal como o em análise, a empresa operar em todo o território nacional e europeu.
XXI. Estendendo a proibição de concorrência para um limite inadmissível.
XXII. Poderia a recorrida ter limitado a proibição de concorrência às zonas onde outrora o réu operava e contactava clientes, cumprindo a devida proporcionalidade.
XXIII. Porém, ao admitir uma cláusula com esta configuração e, consequentemente, não declarar a nulidade da mesma, o Tribunal a quo ofende o disposto no art.º 136.º do Código do Trabalho, bem como os arts.º 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1 da CRP, devendo ser alterada no sentido de reconhecer a referida nulidade.
XXIV. Não obstante, a causa mais significativa de nulidade do pacto prende-se com a ausência de uma contrapartida adequada à obrigação de non facere.
XXV. Pois, embora não se exija que esta compensação corresponda ao salário auferido, decerto não se compadece com um valor que corresponde a menos de 10% dessa referência.
XXVI. Argumenta a sentença ora recorrida que a restrição em causa não lança o réu para o desemprego, proibindo-o apenas de operar no setor petrolífero.
XXVII. Este argumento não pode colher pois olvida que o momento de aferição da existência de uma nulidade é originário: é no próprio momento de assinatura do pacto que se afere objetivamente se o mesmo está ferido de nulidade.
XXVIII. A tese seguida pelo Tribunal a quo, se levada ao limite, permitiria que um pacto que não fixasse qualquer compensação fosse válido no caso de o trabalhador migrar para outra atividade onde auferisse um salário superior ao do que auferia na recorrida.
XXIX. Mais impediria o trabalhador de arguir a nulidade durante a execução do contrato de trabalho pois a mesma só se poderia aferir por comparação ao novo emprego do trabalhador.
XXX. Mais entende o Tribunal a quo que impendia sobre o réu o ónus de provar que €150,00 era um valor irrisório para compensar a saída do trabalhador do mercado petrolífero.
XXXI. O art.º 286.º do C.C. estatui que a nulidade pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.
XXXII. Se tal disposição dispensa a parte a quem aproveita a nulidade do ónus de alegação, por maioria de razão, não poderia deixar de dispensar este do ónus probatório que envolve a demonstração dessa nulidade.
XXXIII. Constitui uma evidência que o valor estipulado para compensação é irrisório, pois, se compararmos o valor total desta (€3.600,00 por dois anos) com o valor da cláusula penal (€19.200,00), facilmente se alcança o desequilíbrio contratual entre as partes.
XXXIV. É o próprio aresto a quo que dá como provado o facto de o sector petrolífero ser altamente concorrencial.
XXXV. É inclusivamente um facto notório, por ser de conhecimento geral, que este setor gera lucros significativos para os agentes que nele operam.
XXXVI. Constitui prova diabólica para o trabalhador a demonstração de que noutro ramo (que não se sabe qual é!) auferiria uma remuneração equivalente à que auferia na recorrida – principalmente se tivermos como referência €150,00 mensais.
XXXVII. A celebração de um pacto de não concorrência inserto num «contrato de trabalho carece na esmagadora maioria das vezes de liberdade de negociação e estipulação por parte do trabalhador.
XXXVIII. A impossibilidade para a qual remete a decisão a quo não é jurídica – caso em que o argumento da validade do contrato celebrado com o concorrente teria cabimento – mas sim fática e, no plano dos factos e da realidade das relações laborais, verdade é que a estipulação de uma cláusula penal deste montante é fortemente limitadora.
XXXIX. Andou mal o Tribunal a quo ao não declarar a nulidade do pacto de não concorrência constante do contrato de trabalho, violando, por conseguinte e em suma, o disposto nos artigos 342.º, n.º 2; 286.º do Código Civil, 412.º do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo de Trabalho; 136.º do Código do Trabalho, 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Termos pelos quais deverá a presente apelação ser considerada procedente, devendo a sentença ora recorrida ser substituída, fazendo-se JUSTIÇA
Contra-alegou a Ré pugnando pela manutenção do julgado.
Admitido o recurso e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitados pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões colocadas:
1. impugnação da matéria de facto;
2, validade da cláusula 11ª aposta no contrato de trabalho (cláusula de não concorrência).
II – FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
A. A Autora e o Réu celebraram em 23 de Novembro de 2009 um contrato de trabalho a termo certo.
B. Através do qual a Autora contratou o Ré para exercer, a partir de 2 de Dezembro de 2009 e mediante remuneração, as funções de Delegado Comercial.
C. O referido contrato de trabalho durou ininterruptamente entre 2 de Dezembro de 2009 e 12 de Fevereiro de 2016.
D. Tendo sido denunciado pelo Réu em 2 de Janeiro de 2016, com efeitos a 12 de Fevereiro de 2016.
E. À data da cessação do contrato, o Réu auferia uma remuneração mensal base de 1.883,74.
F. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a comercialização de produtos petrolíferos e seus derivados, implementação de sistemas de gestão automática de distribuição de combustíveis, incluindo o aluguer e venda de equipamentos e o exercício de quaisquer outras actividades correlativas ou conexas.
G. Sendo que a sua efectiva actividade consiste essencialmente na disponibilização aos seus clientes de meios de pagamento automático de combustível e portagens rodoviárias em diversos países europeus.
H. Essa actividade comercial da Autora desenvolve-se numa conjuntura altamente competitiva e concorrencial.
I. Em que, a cada momento, vão surgindo mais empresas que prestam serviços idênticos ou muito semelhantes de disponibilização de meios de pagamento automático de combustível e portagens rodoviárias.
J. Serviços esses que são prestados a um círculo restrito de clientes que se dedicam ao transporte internacional rodoviário de mercadorias e movimentam elevadas quantias anuais de consumos de combustível e taxas de portagens.
L. Os trabalhadores da Autora com funções comerciais têm como tarefas diárias contactar os actuais e potenciais clientes da Autora, pessoalmente, por telefone ou por correio electrónico, com uma frequência diária.
M. Bem como fazer e receber propostas contratuais, gerir contratos e reclamações.
N. Muitas vezes deslocando-se às instalações desses mesmos clientes.
O. Esta proximidade com os clientes da Autora propicia aos seus comerciais uma vasta rede de contactos.
P. Além do contacto próximo com os clientes da Autora, esses colaboradores têm conhecimentos e informação profundos acerca do modelo de negócio da Autora, incluindo, nomeada mas não exclusivamente, dados de natureza técnica, operacional e comercial, planos de negócios, comerciais e negociais, técnicas e experiências acumuladas, informação sobre custos, receitas e margens de lucro, dados sobre novos serviços em desenvolvimento ou em comercialização.
Q. Todos estes factos eram conhecidos dos comerciais da Autora por serem essenciais ao desenvolvimento das actividades daqueles e eram-lhes transmitidos regularmente em formação específica.
R. Tendo em conta as circunstâncias referidas anteriormente, a Autora acorda habitualmente com esses trabalhadores cláusulas de não concorrência, mediante as quais atribui aos referidos colaboradores uma retribuição por não exercerem actividades concorrenciais durante um período após o termo dos respectivos contratos de trabalho, seja qual for a causa da cessação.
S. Também isto foi acordado entre a Autora e o Réu, ou seja, o Réu obrigou-se, findo o contrato por qualquer motivo, a não concorrer com a Autora por um período de dois anos, conforme a cláusula 11ª do contrato de trabalho que se transcreve:
CLÁUSULA 11ª
(CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA)
1 - No decurso da relação laboral o Trabalhador contactará clientes e fornecedores da Entidade Patronal, aceitando ambos os Outorgantes que o presente contrato de trabalho assenta numa especial relação de confiança, com acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência.
2 - o Trabalhador compromete-se a durante os dois anos subsequentes à cessação do presente contrato e independentemente da sua causa ou motivo, a não exercer actividade que possa efectivamente causar prejuízo grave à Primeira Outorgante, nomeadamente negociando por sua conta ou por conta de outrem, directa ou indirectamente, em comércio, actividade ou negócio concorrente com o da Primeira Outorgante.
3 - Pelo cumprimento da obrigação de não concorrência o Trabalhador terá direito a receber durante o período em que vigorar esta interdição uma retribuição liquida mensal no valor de 150€, justificando-se a atribuição deste valor pelas avultadas despesas feitas com a formação profissional do Trabalhador.
4 - A entidade patronal poderá a qualquer momento liberar o trabalhador deste dever de não concorrência não sendo devido a partir dessa data o pagamento do valor mensal supra referido no nº 3.
5 - O Trabalhador deverá indemnizar a entidade patronal pela violação da cláusula de não concorrência, fixando-se desde já, e independentemente do apuramento de prejuízos de valor superior, uma cláusula penal no valor de 19.200€.
T. À data da cessação desse contrato o Réu era Delegado Comercial / Inspector
Comercial e geria uma carteira de cerca de 160 clientes.
U. Clientes esses que o Réu contactava, pessoalmente, por telefone ou por correio electrónico, com uma frequência diária.
V. Essa carteira de clientes gerava para a Autora um valor de facturação anual de cerca de 30.000.000,00 € de contratos de utilização de meios de pagamento de combustível e portagens.
X. O Réu tinha, na data da cessação do contrato, conhecimento sobre dados de natureza técnica, operacional e comercial da Autora, planos de negócios desta, comerciais e negociais, técnicas e experiências acumuladas da Autora, informação sobre custos, receitas e margens de lucro da Autora, bem como dados sobre novos serviços em desenvolvimento ou em comercialização e condições destes.
Z. Logo em 15 de Fevereiro de 2016, a Autora constatou que o conteúdo da página pessoal do Réu na rede social LinkedIn (…) tinha sido alterado.
AA. Nele passando a constar:
“BBB
Area Sales Manager at W.A.G. payment solutions, a.s.
Lisboa e Região, Portugal | Petróleo e energia
(…)
Experiência
Portugal Area Sales Manager
W.A.G. payment solutions a.s.
Fevereiro de 2016 – até ao momento | Portugal
- Project Management;
- Business Management;
- Sales Management;
- Prospecting and customer acquisition;
- Account Management;
- Contracts Management;
- Procurement Management”
BB. Aquando da sua saída, o Réu disse à Autora que iria trabalhar para o sector naval.
CC. A (…)  . é uma sociedade com sede na República Checa e que se dedica, em todo o mercado europeu e mediante a marca comercial “…”, à disponibilização de meios de pagamento de combustível e portagens (…).
DD. A (…) é uma sociedade com a mesma actividade da Autora.
EE. Perante esta circunstância, a Autora remeteu ao Réu, em 18 de Fevereiro de 2016, uma carta a interpelá-lo para se abster de quaisquer actos incompatíveis com a sua obrigação de não concorrência.
FF. Bem como a informá-lo que, em virtude de existirem evidências mais do que óbvias que o Réu não pretendia cumprir a obrigação de não concorrência, e persistindo estas, se considerava desde logo desobrigada do pagamento da retribuição pela não concorrência.
GG. Essa carta foi recebida efectivamente pelo Réu em 22 de Fevereiro de 2016.
HH. Não tendo obtido qualquer resposta do Réu, a Autora enviou-lhe nova carta em 18 de Março de 2016, a reiterar o incumprimento da obrigação do Réu e a interpelá-lo para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento de 19.200€, a título de indemnização pela cláusula penal.
II. O Réu respondeu por meio de carta, negando-se a pagar a referida indemnização.
JJ. Simultaneamente, a Autora foi tendo conhecimento que o Réu se dedicava, de forma continuada e com propósito profissionais, a contactar os clientes da Autora com quem trabalhara anteriormente.
LL. Apresentando-se como comercial da (…)  (…) e propondo produtos semelhantes àqueles que a Autora comercializa em condições muito mais vantajosas.
MM. Para tal, o Réu chegou a apresentar a clientes da Autora um cartão de visita com o seu nome, claramente associado ao nome e marcas da sociedade (…).
NN. Dispondo inclusivamente o Réu de um email profissional nessa organização: (…
OO. Mais recentemente, o Réu esteve presente, em 11 e 12 de Novembro, no evento
“16.º Congresso (…) em representação da (…) / (…).
PP. O Réu tomou a iniciativa de denunciar o contrato de trabalho com a Autora porque já havia acordado com uma entidade diretamente concorrente desta a prestação de serviços em tudo idênticos aos que prestava à Autora, aproveitando-se dos contactos, dos conhecimentos, das técnicas e da rede de clientes adquiridos ao longo dos 6 anos em que trabalhou para a Autora.
QQ. O Réu, perante a natural indagação de colegas e responsáveis da Autora no sentido de perceberem por que razão o Réu queria pôr termo à sua relação laboral, foi respondendo que pretendia mudar de ramo actividade, passando a dedicar-se ao sector naval.
RR. Em 17.02.2016, o Réu dirigiu comunicação à Autora, na pessoa do seu representante (…), com o seguinte teor:
 “Caríssimo Eng. …,
Desde a minha saída da AS24, na passada semana, ficou de me enviar uma declaração, sobre a anulação da cláusula de não concorrência, referente ao meu contrato, que não foi cumprida, que ainda não chegou à minha posse.
Nesse sentido, gostaria de saber, quando essa mesma declaração será enviada, para que possamos finalizar o processo da minha saída.”
SS. Em 1 de abril de 2016 foi constituída a sociedade (…), pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), com o capital social de 1€, CAE Principal (…) e que tem por objecto o comércio a retalho de produtos petrolíferos, aquisição e armazenamento de combustíveis bem como quaisquer outras atividades conexas ou afins.
TT. A (…) dedica-se ao mesmo ramo de actividade da Autora, sendo sua concorrente directa.
UU. A (…)  tem como sócia única a (…), pessoa colectiva n.º (…), com sede em (…) República Checa.
VV. Desde que cessou o seu contrato de trabalho com a Autora, o Réu apresentou propostas comerciais em nome da “(…)” a diversos clientes da Autora.
XX. Incluindo, nomeadamente, uma proposta, da qual a Autora teve acesso a uma página com termos e condições de pagamento, junta a fls. 232, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
ZZ. Entregue em mão pelo próprio Réu, em data que não foi possível determinar, a responsáveis da (…)., um dos maiores clientes da Autora.
AAA. E fê-lo sempre por conta e no interesse ou da (…). ou da (…).
BBB. A partir de data que a Autora também não consegue determinar, o Réu passou a entregar a clientes da Autora não o cartão de visita mencionado em MM), mas um novo cartão de visita com o seu nome, claramente associado ao nome e marcas da sociedade (…) ainda que designando o seu cargo como “(…)”, ou seja, director de vendas para Portugal.
III – APRECIAÇÃO
1.Da impugnação da matéria de facto
(…)
Nenhuma censura merece, pois, aquela que foi a convicção da 1ª instância sobre a aludida factualidade no sentido da mesma ser dada como não assente, improcedendo a impugnação da matéria de facto.
2. Da (in)validade da cláusula de não concorrência
Durante a execução do contrato de trabalho impera a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador.
Após a cessação da relação laboral renasce a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador, consagrada nos arts. 47, nº1 e 58, nº1 da CRP e também no art. 136, nº1 do CT, podendo o mesmo exercer livremente qualquer actividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo seu anterior empregador. Daí que este último normativo refira que “é nula a cláusula do contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato”.
As únicas restrições a essa liberdade apenas existem no caso em que essa actividade seja desleal ou se haja estabelecido um pacto de não concorrência.
A concorrência desleal deriva dos princípios gerais de boa fé contratual e que é transversal a qualquer tipo de contrato. Assim, o comportamento do trabalhador contrário às exigências da boa fé pode consubstanciar concorrência desleal, ou seja, o trabalhador presta uma actividade que prejudica o seu ex-empregador, utilizando, para o efeito, meios irregulares do ponto de vista mercantil ou industrial, resultando em concorrência contrária ao jogo limpo e honesto no tráfico económico.
O pacto de não concorrência visa proteger a liberdade de empresa e salvaguardar os interesses empresariais, nomeadamente os competitivos, sem os quais podia ficar em perigo, pois o trabalhador é sempre um potencial factor de risco, já que o mesmo pode desenvolver (dentro dos limites da boa fé contratual, assim se excluindo dessa concorrência a que deriva da deslealdade) uma actividade concorrente com a do antigo empregador, seja ela por conta própria ou por conta de outro empregador.
Assim, a lei permite, no nº2 do art. 136 do CT – tendo em atenção a necessidade de ponderar interesses conflituantes como seja, por um lado acautelar a denominada concorrência diferencial, que visa proteger o empregador de um risco específico, resultante da posição que o trabalhador ocupou na empresa, consubstanciada na salvaguarda do know-how empresarial, conservação de conhecimentos relativos a mercados específicos e na manutenção de clientes importantes e, por outro lado, o do trabalhador exercer a sua actividade profissional -, uma limitação excepcional desse exercício da liberdade de trabalho, após a cessação do contrato.
Para o efeito o art. 136 do CT estipula:
Pacto de não concorrência
1 - É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato.
2 - É lícita a limitação da actividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições:
a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste;
b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador;
c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional.
3 - Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador, a compensação a que se refere a alínea c) do número anterior é elevada até ao valor da retribuição base à data da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a limitação da actividade prevista na cláusula de não concorrência.
4 - São deduzidas do montante da compensação referida no número anterior as importâncias auferidas pelo trabalhador no exercício de outra actividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho, até ao valor decorrente da aplicação da alínea c) do n.º 2.
5 - Tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.º 2 pode durar até três anos.
Daqui decorre, em primeiro lugar, que existe um limite temporal. O pacto não pode ter uma duração superior a dois anos ou três anos para trabalhador cuja actividade suponha uma especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência.
Em segundo lugar, tem de revestir a forma escrita, que assume a natureza de formalidade ad substantiam, nas palavras da lei “constar de acordo escrito, que pode ser feito aquando da celebração do contrato ou do acordo de cessação do mesmo, podendo mesmo ocorrer durante a sua execução”.
Em terceiro lugar, a actividade limitada pelo acordo terá de ser aquela cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador.
Assim, terá de existir por parte deste um interesse legítimo na celebração do pacto de não concorrência, pois o mesmo só se justifica se estiverem em causa interesses do empregador que possam justificar a restrição de um direito fundamental do trabalhador constitucionalmente garantido.
Como refere Júlio Gomes (Algumas novas questões sobre as cláusulas dos pactos de não concorrência em Direito do Trabalho, Revista do Ministério Público, 127, Julho/Setembro 2011, pág. 80) “este prejuízo não é um qualquer prejuízo, o prejuízo causado por qualquer concorrente, mas sim um prejuízo especial, um prejuízo causado por um concorrente diferente dos demais pelo seu especial contacto com a clientela ou acesso a informações confidenciais”, ou como é dito no Ac. do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 14.4.2004 “não basta o prejuízo de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por «concorrência diferencial», isto é, a especificidade da concorrência que um trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele.”
Por último, o empregador, mediante o acordo das partes terá de satisfazer ao trabalhador uma compensação económica adequada, a qual pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado avultadas despesas com a sua formação profissional. Esta cláusula tem assim natureza onerosa e bilateral, visando “compensar o trabalhador pelo prejuízo que este poderá sofrer durante o período acordado de abstenção de concorrência” pelo que “a natureza necessariamente onerosa deste acordo ou pacto de não concorrência acarreta, obviamente, que não será válido o acordo em que esteja prevista uma compensação económica insignificante ou irrisória” (Júlio Gomes, ob. citada, pág. 85). Este Autor defende ainda que quando a compensação económica for desproporcional em relação ao sacrifício exigido ao trabalhador e à redução das suas possibilidades de ganho, a cláusula de não concorrência também é nula, uma vez que a compensação económica desempenha uma função de garantia, sendo condição de licitude da restrição àquele exigida (ob. citada, pág. 87).
Além destes requisitos, alguma doutrina e jurisprudência vem exigindo embora a lei não lhe faça referência, que a restrição ao exercício da actividade pelo trabalhador deve ser espacial ou geograficamente delimitada.
Por sua vez, esta limitação voluntária ao exercício do direito ao trabalho é sempre revogável (art. 81, nº2 do CC) e o incumprimento do pacto, através da celebração de contrato de trabalho com empresa concorrente do antigo empregador, não gera, em princípio, a invalidade deste contrato, mas eventualmente mera obrigação de indemnização.
E se tiver sido estabelecida uma “cláusula penal”, existirá sempre a possibilidade da sua redução pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (art. 812, nº1 do CC).
Feito este enquadramento legal e volvendo ao caso concreto, verifica-se que no contrato de trabalho celebrado entre Autora e Réu foi inserida a cl. 11ª, que tem por epígrafe “Cláusula de Não Concorrência”, com o seguinte teor:
CLÁUSULA 11ª
(CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA)
1 - No decurso da relação laboral o Trabalhador contactará clientes e fornecedores da Entidade Patronal, aceitando ambos os Outorgantes que o presente contrato de trabalho assenta numa especial relação de confiança, com acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência.
2 - o Trabalhador compromete-se a durante os dois anos subsequentes à cessação do presente contrato e independentemente da sua causa ou motivo, a não exercer actividade que possa efectivamente causar prejuízo grave à Primeira Outorgante, nomeadamente negociando por sua conta ou por conta de outrem, directa ou indirectamente, em comércio, actividade ou negócio concorrente com o da Primeira Outorgante.
3 - Pelo cumprimento da obrigação de não concorrência o Trabalhador terá direito a receber durante o período em que vigorar esta interdição uma retribuição liquida mensal no valor de 150€, justificando-se a atribuição deste valor pelas avultadas despesas feitas com a formação profissional do Trabalhador.
4 - A entidade patronal poderá a qualquer momento liberar o trabalhador deste dever de não concorrência não sendo devido a partir dessa data o pagamento do valor mensal supra referido no nº 3.
5 - O Trabalhador deverá indemnizar a entidade patronal pela violação da cláusula de não concorrência, fixando-se desde já, e independentemente do apuramento de prejuízos de valor superior, uma cláusula penal no valor de 19.200€.
No recurso vem o Réu suscitar a questão da nulidade desta cláusula pela circunstância do pacto de não concorrência padecer de uma indeterminabilidade geográfica.
A este propósito discorreu-se na sentença recorrida:
De igual modo, não se nos figura inválida a cláusula em causa por falta de menção à área geográfica da sua limitação. Por identidade de razão, com o que se deixou dito. Mesmo por reporte ao limite temporal legalmente previsto como requisito de admissibilidade legal de tal cláusula, importa perceber qual a razão de ser de tal restrição. Com aquelas limitações temporal (legalmente prevista) e espacial (aplicável por analogia), o que se pretende é ainda que, com o decurso do tempo, por força da crescente especialização e necessidade de formação, aquela proibição de concorrência, por força da desactualização do mesmo, não se transforme, na prática, numa retirada definitiva do trabalhador daquele mercado de trabalho.
Na perspectiva espacial, pretende-se com essa delimitação de área evitar que, para poder continuar a exercer o seu metier, o trabalhador se veja forçado a emigrar, ou a migrar para outra área geográfica do país, com pesados encargos para si e sua família.
No caso em análise, o Réu sabia qual a actividade da Autora e qual a sua clientela – empresas que se movimentam no âmbito dos transportes rodoviários pesados internacional, cobrindo, no mínimo a área do território continental português, o que era previsível por si, aquando da ponderação da celebração ou não celebração de um contrato com tal cláusula.
De todo o modo, uma vez mais se diga que o Reu não ficou impossibilitado de exercer a actividade de delegado de vendas. Só não pode fazê-lo naquele área/ramo muito específica(o). Não há pois um constrangimento inadmissível da sua liberdade de trabalho, que importe a invalidade daquela cláusula.”
Vejamos então.
Embora a lei não o mencione, tem sido entendido, como já referimos, que a limitação de actividade à qual o trabalhador se obriga por força do pacto de não concorrência não pode ter uma amplitude geográfica excessiva, tendo por referência o interesse do empregador a proteger.
Neste sentido refere Júlio Gomes (ob. cit., pág. 25( que “(...) a concorrência do trabalhador só deve ser limitada na medida em que se possa revelar prejudicial o que exclui a possibilidade da sua restrição em áreas onde o empregador não desenvolve qualquer actividade e em que não tem qualquer interesse.” E acrescenta: “Gradualmente tem-se defendido o entendimento de que a renúncia válida à liberdade de escolher a profissão há-de ser uma renúncia não apenas temporária, mas também parcial e circunscrita em termos geográficos”, sendo vedado à cláusula colocar o trabalhador numa situação de impossibilidade absoluta de exercício da sua actividade profissional.
Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, II vol., 2º tomo, 3ª ed., pág.619) assinala que “Da lei não resulta directamente, mas atendendo ao motivo que justifica a inclusão da cláusula de não concorrência pode concluir-se que a limitação é geográfica, tal como se determina em relação ao contrato de agência (...), porque a restrição de actividade do trabalhador em todas as áreas pode não ter interesse, sempre que a empresa empregadora tenha uma área limitada de implantação.”
Por sua vez, Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, parte II – Situação Laborais Individuais, 3ª ed., pág. 1034) refere que não subscreve, pelo menos em termos gerais, a necessidade do pacto delimitar uma área geográfica para a proibição da concorrência do trabalhador, porque não decorre da lei, mas o factor geográfico pode ser um elemento a ter em conta na avaliação do carácter prejudicial da actividade concorrente.
Acompanhamos este entendimento, porque se nos afigura mais equilibrado e consentâneo com o que decorre da lei, fazendo-se notar que esta necessidade tendencial para a imposição de limites geográficos à limitação dependerá sempre dos contornos de cada caso concreto, podendo existir situações em que tais restrições de índole espacial não poderão existir sob pena do pacto de não concorrência ficar sem efeito útil, como acontece, designadamente, na área da informação, na qual restrições territoriais fazem pouco ou nenhum sentido.
No caso presente, a efectiva actividade da Autora consistia essencialmente na disponibilização aos seus clientes de meios de pagamento automático de combustível e portagens rodoviárias em diversos países europeus (al. G), serviços esses que são prestados a um círculo restrito de clientes que se dedicam ao transporte internacional rodoviário de mercadorias e movimentam elevadas quantias anuais de consumos de combustível e taxas de portagens (al. J).
O Réu exercia as funções de Delegado Comercial, cabendo-lhe contactar os actuais e potenciais clientes da Autora, pessoalmente, por telefone ou correio electrónico, bem como fazer e receber propostas contratuais, gerir contratos e reclamações (als. L) e M).
Daqui se retira que, abrangendo a actividade da Autora não só o território nacional mas também diversos países europeus, a obrigação de não concorrência estaria delimitada geograficamente pelo âmbito da área da sua actuação, no mínimo o território nacional, pelo que ainda que a lei não obrigue a que o pacto contenha esta menção, não podemos falar em falta de delimitação geográfica.
O que poderá estar em causa é saber se este âmbito poderá ser considerado excessivo ou desproporcionado, entendendo nós pela negativa, uma vez que está confinado a uma área de actuação do trabalhador muito específica: a do fornecimento de cartões de combustível e de passagem de portagens e apenas a um círculo de clientes que se dedicam ao transporte internacional de mercadorias.
Mas mesmo que se concluísse que o âmbito geográfico que se pode inferir do clausulado, através do âmbito de actuação da Autora, era excessivo, ainda assim propugnamos que a consequência não era a nulidade do pacto, mas antes a redução do seu âmbito, quiçá à zona do país onde se centrava a actuação do trabalhador, nos termos do art. 292 do CC.
Improcede, pois, a invocada nulidade do pacto com este fundamento.
Suscita ainda o Apelante a nulidade do pacto “com a ausência de uma contrapartida adequada à obrigação de “non facere”.
A lei não estabelece qualquer critério para a fixação do quantum compensatório a atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da sua actividade.
Assim, competirá às partes, em princípio, a fixação do respectivo montante, não sendo no entanto necessário que o valor concreto esteja quantificado no pacto, desde que seja determinável.
Embora a lei não balize um montante mínimo e máximo para que a compensação seja considerada aceitável, a autonomia das partes não é absoluta sendo necessário que exista um equilíbrio entre a posição das mesmas. Assim, a obrigação a atribuir como contrapartida da sua obrigação de não concorrência não poderá corresponder a um valor irrisório, sob pena de defraudar o escopo da lei ao exigir o carácter oneroso e sinalagmático do pacto, podendo, contudo, ser um valor inferior ao da retribuição auferida na vigência do contrato de trabalho, o que se compreende, porquanto o trabalhador pode exercer uma actividade não concorrente com a do seu anterior empregador e auferir a correspondente retribuição (neste sentido, Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, pág. 616).
A lei prevê contudo a redução do valor desta compensação de acordo com juízos de equidade, para compensar o empregador de gastos avultados que tenha tido com a formação profissional do empregador.
Note-se que a lei, para efeitos de redução equitativa, não considera quaisquer despesas mas apenas as despesas relativas a formação profissional e, dentro destas, será necessário estarmos perante “despesas avultadas”, que impliquem da parte do empregador “(...) investimentos importantes, com dinheiros próprios (...)” (Júlio Gomes, Os pactos de não concorrência, pág. 20).
Destas ficam excluídas as despesas que constituem obrigação do empregador e a que aludem os arts. 127, nº1, d) e 130 a 134 do CT.
Apesar da inexistência de um critério legal a considerar para fixação de uma compensação “justa”, entendemos que os principais factores a considerar para fixação da mesma são de natureza funcional (extensão da limitação das funções que estarão vedadas ao trabalhador desempenhar durante o período de limitação em causa), temporal (duração da obrigação de não concorrência), espacial (extensão da área geográfica na qual o ex-trabalhador fica impedido de exercer actividades concorrentes com o ex-empregador), económica (salário recebido pelo ex-trabalhador na vigência do contrato) e dimensão da empresa (o montante da compensação a pagar por uma pequena empresa será diferente do valor a suportar por outra empresa de grande dimensão) – vd. Sofia Silva e Sousa, Obrigação de Não Concorrência Com Efeitos Post Contractum Finitum, Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, págs. 92 e 93.
In casu, do nº 3 da cl. 11ª do contrato de trabalho consta o seguinte : “Pelo cumprimento da obrigação de não concorrência o Trabalhador terá direito a receber durante o período em que vigorar esta interdição uma retribuição líquida mensal no valor de €150, justificando-se a atribuição deste valor pelas avultadas despesas feitas com a formação do Trabalhador”.
Da referida cláusula (nº2) resulta que a limitação do trabalhador tem como referência “comércio, actividade ou negócio concorrente com o da empresa,” isto é, não apenas a actividade que o trabalhador realizava na vigência do contrato, pelo período máximo previsto na lei (dois anos) e abrangendo, no mínimo, todo o território nacional, sendo que a remuneração do Réu, à data da cessação do contrato, era de €1883,74., pelo que o montante compensatório fixado pela restrição imposta ao trabalhador poderia parecer, numa primeira abordagem, exíguo.
Há porém que atentar que o montante fixado foi reduzido tendo em conta as “despesas avultadas” que terão sido desembolsadas pela Autora com a formação profissional do Réu
Tendo o Réu/Apelante invocado na contestação a nulidade da cláusula de não concorrência, era sobre este que impendia o ónus da prova dos factos em que assenta tal arguição, porque impeditivos do direito da Autora (a receber a importância estabelecida a título de cláusula penal por violação do pacto), nos termos do art. 342, nº2 do CC.
Ora o Réu não logrou provar que a Autora não efectuou as invocadas “despesas avultadas” com a sua formação profissional, designadamente as que excedem as que constituem obrigação do empregador e a que aludem os arts. 127, nº1 d) e 130 a 134 do CT.
Tendo em conta que tais despesas poderão ter sido efectivamente realizadas, desconhecendo-se o seu montante, por um lado e, por outro, que a actividade da Ré estava confinada a um nicho de mercado – a do fornecimento de cartões de combustível e de passagem de portagens a clientes que se dedicam ao transporte internacional de mercadorias - , não estando o Réu impedido de trabalhar em todas as outras áreas do sector petrolífero e em todos os restantes sectores de actividade económica, como comercial, não podemos concluir, com a necessária segurança, que o montante compensatório se mostra patentemente desajustado, por não salvaguardar os interesses do trabalhador no período em que se encontra limitado no acesso ao mercado de trabalho e apenas naquela restrita área de actividade. Acresce que o montante em causa foi fixado livremente pelas partes, sendo que não foi alegada nem provada a existência de qualquer vício da vontade na celebração do contrato de trabalho. E não se diga que qualquer apelo à autonomia privada no contrato de trabalho pode facilmente redundar numa legitimação do domínio do mais forte sobre o economicamente carenciado. È que as partes que se encontram em posição de formalizar um pacto de não concorrência não estarão na posição típica de desequilíbrio que está na base da protecção laboral, uma vez que os trabalhadores em causa serão trabalhadores especialmente relevantes para o empregador atentas as funções desempenhadas e a informação a que acedem, sendo de mais difícil substituição, e que o empregador sabe que lhe pode causar um prejuízo grave se contra si concorrerem. Por esta razão não se encontram na típica situação de inferioridade que caracteriza o trabalhador comum e como tal a autonomia das partes deverá ser valorada de forma diferente.
Do exposto conclui-se que a cláusula em causa não padece da nulidade invocada, assistindo pois à Autora o direito a haver do Réu o montante correspondente à cláusula penal prevista para a sua violação.
Não merece pois censura a sentença recorrida ao assim decidir, improcedendo a apelação.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante

Lisboa, 4 de Dezembro de 2019
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
Albertina Pereira