Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
308/14.8YHLSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: FACTO JURÍDICO SUPERVENIENTE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
APELAÇÃO
DENOMINAÇÃO SOCIAL
FIRMA
CONFUSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Em regra não é admissível a junção, com a alegação da apelação, de documentos destinados a provar factos ocorridos após o encerramento da discussão na primeira instância.

II. É ilegal, por carecer de suficiente novidade, a firma SOLAMPARO – ÓPTICAS, LDA, adotada por uma sociedade com atividade no Algarve, no ramo do comércio de produtos óticos, constituída em 2014 e sedeada no local onde, nos anteriores trinta anos, tivera a sua sede uma sociedade com a firma ÓPTICA AMPARO, LDA, firma essa que pela sua atividade durante aquele período de trinta anos ficara associada à prestação de serviços de qualidade e de confiança e que, embora no final de 2012 tenha transferido a sua sede para o Funchal, continua a exercer a sua atividade no Algarve, igualmente no ramo do comércio de produtos óticos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO.


Por requerimento apresentado no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (adiante RNPC) em 12.09.2014, a recorrente ÓPTICA AMPARO, LDA, pessoa colectiva n.º 500994161, com sede na (…), Funchal, interpôs recurso de despacho proferido pelo RNPC, de deferimento de firma, relativamente à contra-interessada SOLAMPARO – ÓPTICAS, LDA, com sede na Quinta do Amparo, Portimão.

Para tal a recorrente alegou que a firma da contra-interessada é confundível com a da recorrente, sendo certo que as duas sociedades exercem a mesma atividade, no mesmo âmbito geográfico, a contra-interessada tem a sua sede onde a recorrente também a teve durante 32 anos, período de tempo em que os atuais sócios e gerentes da contra-interessada foram também sócios e gerentes da recorrente.

A recorrente requereu que o despacho de deferimento da firma “SOLAMPARO – Ópticas, Lda” fosse revogado e substituído por despacho de indeferimento.

Nos termos previstos no art. 70.º, n.º 4 do RNPC, a respetiva Directora juntou despacho fundamentado, a sustentar a decisão impugnada.

Os autos foram remetidos pelo RNPC ao Tribunal da Propriedade Intelectual, onde deram entrada em 26.9.2014.

Ordenada a citação da contra-interessada, veio esta apresentar contestação, em que pugnou pela improcedência da impugnação e concluiu pela manutenção do despacho impugnado.

Em 27.02.2015 foi proferida sentença em que se julgou o recurso improcedente e consequentemente se manteve o despacho impugnado.

A recorrente apelou da sentença, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:

1. Já após a prolacção da sentença ora em apreço, em 2 de Abril de 2015, a Recorrida realizou uma campanha publicitária relativa à abertura de vários estabelecimentos seus no Algarve, tendo, naquela data, distribuído panfletos nas ruas de Portimão (Documento n.º 1) e feito publicar no jornal “Barlavento” um anúncio (Documento n.º 2).
2. Os documentos em questão são posteriores ao encerramento da discussão em primeira instância, não tendo sido possível a sua apresentação até então, sendo relevantes para a boa decisão da causa, por darem conta da forma pela qual a Recorrida, por referência à firma impugnada, pretende identificar-se junto do público (devendo, por isso, a sua junção ser admitida nos termos dos artigos 425.º e 651.º do CPC);
3. Nos ditos documentos, a Recorrida faz-se identificar da seguinte forma:

“SOL
AMPARO
ÓPTICAS”.

4. É a própria Recorrida quem, ao identificar-se perante os consumidores, separa a expressão “Solamparo” nas suas duas componentes – “Sol” e “Amparo” – pondo esta última em grande evidência;
5. É manifesto que a palavra “Amparo” é o elemento central, preponderante, da firma da Recorrida, já que é esta quem, de forma clara e deliberada, lhe conferiu essa preponderância, ao isolar o termo “Amparo” e ao exibi-lo numa letra de dimensão muito superior àquela com que são representadas as restantes palavras da firma;
6. A Recorrida refuta assim a tese do Tribunal a quo, demonstrando que a palavra “Amparo” será sempre um elemento autónomo e autonomizável da sua firma da Recorrida, a palavra-chave com que pretende ser identificada por todos;
7. Em conclusão, os Documentos n.ºs 1 e 2 acima juntos, porque demonstrativos da possibilidade de autonomizar a palavra “Amparo” na firma da Recorrida, e por demonstrar ser essa a intenção da Recorrida, impõe que se considere provado ser a palavra “Amparo” o elemento impressivo, preponderante, nuclear, característico e dominante da firma da Recorrida, tal como alegado no artigo 15.º da impugnação apresentada pela Recorrente.
8. A firma deve, entre outros, obedecer ao Princípio da Novidade, sobre o qual dispõe o artigo 33.º do Regime do RNPC, n.º 1, segundo o qual as firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as já registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade;
9. Tendo em vista aquilatar a possibilidade de confusão entre firmas, estabelece o n.º 2 do mesmo artigo que os “juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial desta”.
10. O douto Tribunal recorrido reconheceu que as partes são constituídas por “duas sociedades comerciais por quotas que se dedicam a actividades manifestamente semelhantes – desde logo a comercialização de produtos ópticos”.
11. Por outro lado, ficou também claro que a área de actuação das duas sociedades é coincidente (isso mesmo reconheceu também o douto Tribunal a quo).
12. A avaliação da admissibilidade de firma sempre teria de se reconduzir, por isso, à semelhança entre as duas firmas, dizendo o STJ, a este respeito, que “A comparação que define a semelhança verifica-se, pois, entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. É que o cidadão médio – que não é um técnico do sector - quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento. A comparação que entre eles pode fazer não é, assim, simultânea, mas sucessiva. Na apreciação do risco de confusão há que ter em atenção a força distintiva dos sinais em causa, pois os sinais fortes estão, por natureza, especialmente vocacionados para perdurarem na memória do público. Há que ter em conta também que os sinais distintivos devem ser contemplados numa visão de conjunto, sendo irrelevantes os respectivos elementos não distintivos. Para haver imitação não é necessária a semelhança entre todos os elementos do sinal. O que conta sobretudo é a impressão de conjunto, pois é ela que sensibiliza o público”.
Desta forma, podem os vários elementos do sinal serem diferentes e no entanto, considerados em conjunto, induzirem em erro ou confusão.
Pode até haver apenas um elemento comum entre os sinais, mas esse elemento ser de tal forma predominante que dê lugar a confusão. Quando existe o mesmo elemento preponderante, as firmas não só não são completamente distintas, como são completamente idênticas».
13. O elemento preponderante das duas firmas em comparação é a palavra “Amparo”, com o que soçobra completamente o argumento acolhido pelo douto Tribunal a quo segundo o qual não haveria risco de confusão por o vocábulo “Amparo” estar inserido na expressão total “Solamparo”;
14. A tal não será estranho o facto de, quer a Recorrida, quer a Recorrente, terem sido constituídas pelas mesmas pessoas (Jorge …, Cristina …, Filipa …), no mesmo local (Quinta do Amparo, Portimão);
15. E de ser facto assente que “depois de mais de 30 anos de actividade no sector óptico, a firma da Requerente ficou associada à prestação de serviços de qualidade e de confiança”.
16. É por isso óbvio que existe um grande risco de confundibilidade entre a firma da Recorrente, previamente registada, e a firma da Recorrida, cujo despacho de admissão se impugnou.
17. Assim sendo, ao decidir como decidiu, o douto Tribunal violou, de forma manifesta, o artigo 33.º do Regime do RNPC.
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e substituída por outra que revogasse o despacho de deferimento da firma “Solamparo – Ópticas, Lda.” e que, por sua vez, o substituísse por um despacho de indeferimento.

A apelada contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

A. A Recorrente alega factos que ocorreram já depois do encerramento da discussão da causa;
B. O artº 651º do CPC, admite a junção de documentos às alegações, na situação excepcional de não ter sido possível até àquele momento, que sugere a admissibilidade da alegação de factos supervenientes, na fase de recurso, mas sob estreitos condicionalismos;
C. O princípio da apelação restrita implica que a reapreciação da decisão recorrida seja feita nos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal a quo, quando formulou o seu juízo;
D. Apenas podem ser aceites factos instrumentais, directamente relacionados com os factos alegados na causa decidida;
E. Os documentos juntos pela Recorrente em nada contendem com nenhum dos sete pontos da matéria assente;
F. A Recorrente tenta trazer à causa a discussão de uma nova questão, a de saber se o teor dos documentos juntos colide com os direitos de utilização da sua firma.
G. Ainda que a firma da Recorrida tivesse sido alterada para passar a ser composta por dois vocábulos autónomos “Sol” e “Amparo” o princípio da novidade da firma, e a inconfundibilidade das firmas da Recorrente e da Recorrida, continuariam sem serem postos em causa;
H. Como refere muito bem, o Tribunal a quo no âmbito das firmas, o padrão de apreciação do risco de confusão entre firmas, não deve ser aferida pelos olhos do consumidor médio, como ocorre no domínio das marcas, mas antes do agente económico médio (...)”
I. Ainda que dos factos novos trazidos pela Recorrente resulte qualquer preponderância do vocábulo “Amparo”, a verdade é que, como estabelece o artº 33º do RJRNPC, continuamos a ter que recorrer aos “os juízos sobre a distinção e não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial”, e os documentos juntos às alegações que se respondem não demonstram que a firma Solamparo, afinal é confundível.”
J. A decisão do Tribunal a quo, não padece, pois, de qualquer vício.

A apelada terminou pedindo que fosse negado provimento ao recurso e consequentemente se mantivesse a sentença recorrida.

O relator relegou para o acórdão a apreciação da admissibilidade dos documentos apresentados pela recorrente com a apelação, uma vez que constituem objeto parcial do recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO:

Previamente, há que apreciar a admissibilidade dos documentos apresentados pela apelante.

Como é sabido, a apresentação de prova documental em sede de recurso está sujeita a fortes restrições. Dispõe o n.º 1 do art.º 651.º do CPC que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

A necessidade decorrente do julgamento proferido na 1.ª instância refere-se a inesperada abordagem de aspetos do litígio introduzida na ação pela sentença, que o recorrente quererá contrariar.

Já as situações excecionais a que se refere o art.º 425.º traduzem-se na impossibilidade, objetiva ou subjetiva, de a parte ter juntado o documento até ao encerramento da discussão na primeira instância.

Porém, os documentos deverão destinar-se a provar ou a fazer contraprova em relação a factos que tenham sido alegados na primeira instância, nos articulados normais ou nos supervenientes (artigos 423.º n.º 1, 588.º n.º 1), tendo como limite temporal o encerramento da discussão na primeira instância (art.º 611.º n.º 1 do CPC).

O tribunal ad quem tem por missão apreciar a decisão alvo do recurso (artigos 627.º, n.º 1, 639.º e 640.º), averiguar da bondade do decidido, à luz do objeto da causa tal como ele ficou definido na primeira instância perante o tribunal a quo. Assim, não cabe ao tribunal ad quem pronunciar-se sobre factos novos, não levados a julgamento perante a primeira instância. Só assim não será relativamente a situações muito particulares, como factos respeitantes a pressupostos processuais ou, v.g., uma transação da ação celebrada entre as partes (neste sentido, Rui Pinto, “Notas ao Código de Processo Civil”, 2014, 1.ª edição, páginas 265, 435 e 437; na jurisprudência, v.g., acórdãos do STJ, de 26.5.2015, processo n.º 2056/12.4TTLSB.L1.S1, e de 05.5.2015, processo n.º 3820/07.1TVI.SB.L2.S1; acórdão da Relação de Lisboa, de 26.3.2015, processo n.º 3820/07.1TVI.SB.L2.S1; acórdão da Relação do Porto, de 23.10.2014, processo n.º 1629/13.2TBLSD.P1; acórdão da Relação de Coimbra, de 15.9.2015, processo n.º 889/10.5TBFIG.C1; em sentido diverso, acórdão da Relação de Guimarães, de 25.11.2013, processo n.º 7348/12.0TBBRG.G1).

Com os documentos apresentados na apelação a recorrente pretende provar que a apelada, em 02 de abril de 2015, ou seja, mais de um mês após a prolação da sentença recorrida (note-se que o prazo de interposição do recurso fora suspenso pelo decurso das férias judiciais da Páscoa), havia efetuado uma campanha publicitária, em que dava particular destaque à palavra “AMPARO”, que compõe a sua firma.

Os documentos visam, assim, demonstrar factos novos, ocorridos após o encerramento da discussão na primeira instância e que, nos termos supra expostos, não podem ser tomados em consideração por este tribunal ad quem.

É certo que a apelante reporta a junção dos documentos ao que havia alegado no art.º 15.º da impugnação do despacho recorrido.

Tal número da referida peça processual tem a seguinte redação:

Deste modo se conclui que a palavra “amparo” é o elemento impressivo, preponderante, nuclear, característico, dominante – a palavra-vedeta – da firma da contra-interessada”.

O teor desse artigo é um juízo conclusivo, que se sustentará sobretudo na análise da firma em si, como aliás decorre do conteúdo e sentido dos artigos que o antecedem.

Daí que, a nosso ver, o factualismo ora alegado nem sequer tem o relevo que a apelante lhe imputa, no que concerne ao objeto destes autos, antes se enquadrando em aspetos eventualmente atinentes à concorrência desleal ou a práticas comerciais enganosas, que, como se disse, são alheios ao âmbito desta ação.

Face ao exposto, haverá que, nos termos dos artigos 443.º n.º 1 do CPC e 27.º n.ºs 1 e 4 do RCP, ordenar o desentranhamento dos dois documentos anexos à alegação da apelante e condená-la em multa que, tudo ponderado, se fixa em 2 UC.

Resolvida esta questão prévia, o objeto do recurso cinge-se à seguinte controvérsia: a firma da apelada é confundível ou relacionável com a da apelante, devendo ser rejeitada?

O tribunal a quo deu como provada e não foi impugnada a seguinte

Matéria de facto:

1. No dia 14.08.2014, foi publicada a constituição da sociedade comercial Recorrida com a firma “SOLAMPARO – ÓPTICAS, LDA.”, com sede na Quinta do Amparo, Portimão.
2. O objecto social da sociedade recorrida é constituído por: Comércio, representação, distribuição, importação e exportação, bem como o comércio a retalho por correspondência ou via internet de bens, produtos e equipamentos de óptica e audiometria, e ainda optometria, serviços e assistência técnica nos âmbitos em causa.
3. A firma da recorrente é “ÓPTICA AMPARO, LDA” e esta tem a sede na Rua …, Funchal. Anteriormente, desde 1980 até Dezembro de 2012, a recorrente tinha a sua sede social na Quinta do Amparo em Portimão.
4. A sociedade recorrente, tem por objecto social: O comércio de óptica e todos os artigos afins.
5. A recorrente, à semelhança da recorrida, foi constituída por Jorge …, Cristina …, Filipa …, os quais foram sócios da recorrente até que, em Outubro de 2011 (juntamente com a Maria …) cederam a totalidade do capital social à sociedade A, Lda.
6. Depois de mais de 30 anos de actividade no sector óptico, a firma da recorrente ficou associada à prestação de serviços de qualidade e de confiança.
7. Desde a sua constituição em 1980 a recorrente desenvolve a sua actividade no Algarve, sendo proprietária de 14 estabelecimentos sitos em Portimão, Lagos, Alvor, Silves, Lagoa, Monchique e Armação de Pêra.

O Direito:

Os comerciantes são obrigados a adotar uma firma (art.º 18.º do Código Comercial).

Nos contratos constitutivos de sociedades comerciais, seja qual for o seu tipo, deve constar a respetiva firma (art.º 9.º n.º 1 alínea c) do Código das Sociedades Comerciais – CSC).

Segundo o n.º 2 do art.º 10.º do CSC, quando a firma da sociedade for exclusivamente composta com nomes ou firmas de sócios (a chamada “firma-nome”), “não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro.”

Na formulação do n.º 3 mesmo artigo, respeitante às usualmente designadas “firma-denominação” e “firma-mista”, “a firma da sociedade constituída por denominação particular ou por denominação e nome ou firma de sócio não pode ser idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro.”

As firmas estão sujeitas a registo, constitutivo do direito ao seu uso exclusivo (art.º 3.º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Coletivas - RRNPC, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 129/98, de 13.5, com as alterações publicitadas).

Cabe ao Registo Nacional de Pessoas Coletivas organizar e gerir o ficheiro central de pessoas coletivas (FCPC), onde são inscritas, nomeadamente, as respetivas firmas, bem como apreciar a sua admissibilidade (artigos 1.º a 3.º do RRNPC).

A atribuição das firmas está sujeita à observância dos princípios da verdade e da novidade (art.º 3.º do RRNPC).

No que concerne ao princípio da verdade, estipula-se no n.º 1 do art.º 32.º do RRNPC que “os elementos componentes das firmas e denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do seu titular”. No n.º 2 do mesmo artigo acrescenta-se que “os elementos característicos das firmas e denominações, ainda quando constituídos por designações de fantasia, siglas ou composições, não podem sugerir actividade diferente da que constitui o objecto social.

Em relação ao princípio da novidade, que é o que está em questão neste recurso, é o seguinte o teor do art.º 32.º do RRNPC, na parte que ora releva:

Princípio da novidade
1- As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas.
2- Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas.
3- Não são admitidas denominações constituídas exclusivamente por vocábulos de uso corrente que permitam identificar ou se relacionem com actividade, técnica ou produto, bem como topónimos e qualquer indicação de proveniência geográfica.
(…)”

O registo definitivo da firma confere o direito ao seu uso exclusivo no âmbito territorial especialmente definido para a entidade em causa (n.º 1 do art.º 35.º).

No caso das sociedades comerciais e das sociedades civis sob forma comercial, têm direito ao uso exclusivo da sua firma em todo o território nacional (n.º 2 do art.º 37.º).

Os despachos de admissão (ou de recusa) de firma podem ser alvo de recurso hierárquico para o presidente do IRN, IP ou, como foi o caso destes autos, de impugnação judicial (art.º 63.º n.º 1 alínea a) do RRNPC).

No caso de impugnação judicial, o diretor do RNPC poderá reparar ou sustentar o despacho. Se o sustentar, o processo será remetido para o tribunal competente (art.º 70.º do RRNPC). Esse tribunal é o Tribunal da Propriedade Intelectual, sediado em Lisboa (art.º 111.º n.º 1 alínea i) da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26.8 e mapa IV do Regulamento da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 49/2014, de 27.3).

Todo este sistema se justifica face à importância que a firma reveste, enquanto sinal identificativo do comerciante, nome que o distingue dos demais e que o individualiza perante os clientes, fornecedores e demais agentes económicos. Assim, exige-se que a firma, além de não induzir em erro quanto à identificação, natureza ou atividade do seu titular (princípio da verdade), garanta a distinção entre a entidade por ela designada e qualquer outra (princípio da novidade ou do exclusivismo).

O respeito pelo princípio da novidade determina, na formulação legal, que a firma registanda não seja suscetível de confusãoou erro com as registadas no mesmo âmbito de exclusividade (n.ºs 1 e 2 do art.º 32.º do RRNPC).

O “público” suscetível de ser “enganado” será aqui, conforme se ponderou na sentença recorrida, citando-se Pedro Sousa e Silva (“Direito Industrial, Noções Fundamentais”, 2011, Coimbra Editora, pág. 264), não só o consumidor médio mas o agente económico médio, pois o universo dos destinatários da firma não se reduz aos clientes, mas abarca também os fornecedores, instituições de crédito, até concorrentes.

Acompanhando de perto a análise deste tema efetuada por Carlos Olavo (Propriedade Industrial”, volume I, 2.ª edição, 2005, Almedina), dir-se-á que “haverá suscetibilidade de confusão ou erro sempre que se verifique uma situação em que um sinal possa ser tomado por outro, o que implica que uma sociedade seja tomada por outra sociedade” (Carlos Olavo, obra citada, pág. 205). O que incluirá a possibilidade de o público considerar que existe uma relação entre as realidades que os sinais visam distinguir, nomeadamente uma relação de grupo entre duas sociedades, quando tal relação não exista (Carlos Olavo, obra citada, pág. 206; na jurisprudência, v.g., acórdão do STJ, de 25.3.2009, processo 09B0554).

Na apreciação da semelhança relevante entre firmas, atender-se-á a que o observador, em regra, não é confrontado com os dois sinais no mesmo momento. “A comparação que define a semelhança verifica-se entre um sinal e a memória que se possa ter do outro” (Carlos Olavo, obra citada, pág. 206). Daqui resultam duas importantes constatações: quando dois sinais são comparados um com o outro, são as diferenças que ressaltam. Já quando são vistos sucessivamente, são as semelhanças que se salientam. Por isso, “é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das firmas, como aliás à comparação entre quaisquer outros sinais distintivos” (Carlos Olavo, obra citada, pág. 206).

Em relação a sinais nominativos, como é o caso da firma, a semelhança predominante é a fonética, em detrimento da respetiva grafia.

Haverá também que levar em consideração a força distintiva do primeiro sinal. Quanto maior esta for, mais predominará na memória do público, assumindo pouca relevância ligeiras alterações introduzidas pelo segundo sinal.

Outro fator a ponderar é a notoriedade do sinal. O risco de confusão é maior quando a semelhança sugere um sinal que o destinatário reconhece imediatamente, por ser amplamente conhecido.

Por último, o facto de a firma poder conter vários elementos, diferentes da firma primeiramente registada, não afasta de per si a suscetibilidade de confusão. Pode até haver um único elemento comum, mas ser de tal forma prevalecente que gere confusão entre os sinais.

Conforme pondera Carlos Olavo (obra citada, pág. 208), “se o sinal complexo contiver elementos prevalecentes, dotados por si só de eficácia distintiva, estes, por serem os que mais facilmente são retidos na memória pelo público, não podem deixar de merecer protecção reforçada”.

Reportemo-nos ao caso dos autos.

A firma primeiramente registada, a que é titulada pela apelante, é a seguinte:
“ÓPTICA AMPARO, LDA.”

A firma cuja admissão pelo RNPC foi impugnada pela apelante é a seguinte:
“SOLAMPARO – ÓPTICAS, LDA.”

As sociedades designadas pelas referidas firmas exercem a mesma espécie de atividade (comércio de ótica e artigos afins) e concorrem na mesma área geográfica (Algarve).

Em ambas as firmas deteta-se a mesma expressão, a palavra AMPARO.

Contudo, na sentença recorrida, em concordância com o despacho impugnado, ajuizou-se que tal coincidência não era suficiente para se concluir pelo risco de confusão entre as firmas em questão.

Com efeito”, escreveu-se na sentença, “a expressão em causa não está isolada, mas está contida na expressão total SOLAMPARO.
Por seu turno, na firma da recorrida, o termo descritivo do respectivo objecto social – ÓPTICAS – está colocado após a aludida expressão SOLAMPARO, e separada deste por um travessão.
Já no caso da firma da recorrente, o termo AMPARO aparece isolado, sendo certo que o termo descritivo do respectivo objecto social – ÓPTICA – está colocado antes do termo amparo.
Tendo em conta, portanto, as configurações concretas de cada firma e as apontadas diferenças, não se pode concluir que a apontada semelhança possa, por si só (e note-se que em sede registal é a capacidade diferenciadora do sinal em si mesma que está essencialmente em causa), induzir o agente económico médio dos produtos/serviços em causa, num sério risco de confusão entre ambas as firmas.”

Vejamos.

Quanto às diferenças existentes entre as firmas no que concerne ao posicionamento do termo que define o seu objeto social (“óptica” ou “ópticas”, com ou sem travessão), lembremos o que se disse supra no que concerne ao processo intelectual de comparação de sinais com base na mera memorização e respeitante a elementos de reduzida ou nenhuma relevância distintiva: a exata localização da palavra ÓPTICA ou ÓPTICAS, e mesmo a existência dessa palavra, facilmente será esquecida pelo público, pois não tem qualquer particularidade que lhe confira força distintiva. Assim, o consumidor ou fornecedor que depare com a firma da apelada, sem ter à disposição a contemporânea comparação com a concreta firma da apelante, não se aperceberá da referida diferença.

A comparação restringe-se, assim, às palavras que verdadeiramente identificam a apelada e a apelante.

A palavra que verdadeiramente identifica a apelante é AMPARO.

Não é uma expressão habitualmente associada a uma empresa de produtos óticos, pelo que, embora não seja uma palavra de fantasia, e nessa perspetiva original ou criativa, tem uma boa capacidade distintiva.

A palavra que realmente identifica a apelada é SOLAMPARO.

É uma expressão de fantasia, que simultaneamente reúne duas palavras que integram o vocabulário da língua portuguesa: SOL e AMPARO. SOL, como elemento identificativo de uma empresa que vende ao público, em larga medida, óculos, incluindo, naturalmente, óculos de sol, ainda para mais no Algarve, tem uma capacidade distintiva inferior à palavra AMPARO. Podemos, assim, aceitar, à semelhança do que alega a apelante, que na firma da apelada o elemento AMPARO tem mais relevância do que o elemento SOL.

Ora, se assim é, afigura-se-nos que existe a possibilidade de que entre as duas firmas se estabeleça confusão, ou pelo menos que o público, ou parte dele, atribua às duas sociedades, que ostentam tais nomes, uma conexão que não existe.

E aqui entra um aspeto que, no caso concreto, assume relevância.
A apelante, titular da firma AMPARO, exerce a sua atividade no Algarve há mais de 30 anos, tendo ficado provado que “depois de mais de 30 anos de actividade no sector óptico, a firma da recorrente ficou associada à prestação de serviços de qualidade e de confiança” (n.º 6 da matéria de facto). Sendo certo que durante mais de 30 anos a apelante teve a sua sede na Quinta do Amparo, em Portimão, até que, no final de 2012, mudou a sua sede para o Funchal (n.º 3 da matéria de facto). Ora, a apelada constituiu-se em 2014 e, munida do nome SOLAMPARO, instalou a sua sede precisamente na Quinta do Amparo, Portimão (n.º 1 da matéria de facto). Tal pode gerar, em boa parte do público algarvio, familiarizado com a atividade da AMPARO, e também nos restantes agentes económicos, como os fornecedores, confusão entre as duas sociedades, seja crendo que são a mesma entidade, seja acreditando que têm ligações societárias entre si.

Aliás, a sede das sociedades envolvidas é um dos aspetos a que o legislador expressamente manda atentar nesta matéria (n.º 2 do art.º 32.º do RRNPC).

Afigura-se-nos, pois, que a firma que a apelada inscreveu no RNPC é ilegal, por carecer de novidade, devendo ser rejeitada.

A apelação é, assim, procedente.

DECISÃO:

Pelo exposto:

1.º- Julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e, em sua substituição, revoga-se o despacho impugnado, que admitiu a firma “SOLAMPARO – ÓPTICAS, LDA” e indefere-se, assim, a sua admissão;
2.º- Nos termos dos artigos 443.º n.º 1 do CPC e 27.º n.ºs 1 e 4 do RCP, ordena-se o desentranhamento dos dois documentos juntos com a alegação da apelante e condena-se a apelante em 2 UC de multa.
As custas da apelação são a cargo da apelada.
Notifique, incluindo o RNPC.



Lisboa, 19.11.2015



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Olindo dos Santos Geraldes