Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2403/15.7T8SXL-A.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AUDIÇÃO DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - tendo o processo especial tutelar cível de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais terminado mediante acordo, devidamente homologado por sentença transitada em julgado, as ulteriores decisões proferidas no âmbito das diligências para execução do acordado, não se regulam, nem têm qualquer atinência, no sentido de limitação, com o objecto do petitório feito constar no articulado inicial apresentado pelo progenitor requerente, sendo antes a bússola regulatória de tais decisões o teor do acordo de alteração homologado ;
- pelo que não se pode aludir, com razão, que o despacho apelado tenha conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento ou que o Tribunal a quo, na decisão sob sindicância, tenha conhecido de questão ou objecto diferenciado do pedido, pois, o padrão de análise não é, nos termos sobreditos, a pretensão accional apresentada pelo Requerente/Autor/progenitor, mas antes o acautelar e o pugnar pelo efectivo cumprimento e execução do teor do clausulado objecto de alteração das responsabilidades parentais ;
- o que determina concluir-se no sentido do despacho apelado não estar maculado pelas apontadas causas de nulidade – cf., artº. 615º, nº. 1, alín d), 1ª parte e alín. e), 2ª parte -, assim improcedendo a sua invocação ;
- ainda que assim não se entendesse, estando-se no âmbito da jurisdição voluntária, o Tribunal sempre poderia, na procura da solução mais conveniente e oportuna, que na presente natureza de processos deve corresponder à solução mais adequada e pertinente ao interesse do jovem menor, na decisão a proferir, divergir, na medida do necessário, dos critérios de legalidade estrita, na salvaguarda do superior interesse daquele, de forma a garantir que a solução encontrada pudesse corresponder às concretas necessidades sentidas pelo filho, independentemente dos ditâmes formais em equação ;
- a legalmente vinculada obrigatoriedade de audição da criança e jovem, e a consideração da sua opinião nas decisões que a afectem, tem sempre como limitação a prossecução do seu superior interesse ;
- donde decorre, logicamente, que o Tribunal não pode, nem deve, estar vinculado à opinião e vontade do menor, pois o superior interesse deste colide, variadas vezes, com a sua vontade e desejo extravasados ;
    . com efeito, o juiz não deve ser um mero receptáculo daquela vontade, desejo ou opinião, limitando-se a recolhê-la, a observá-la e a cumpri-la acriticamente. Deve antes, decisivamente, sindicá-la, sujeitando-a ao crivo do real, concreto e casuístico interesse da criança e jovem, pois só assim logrará cumprir a sua função.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I - RELATÓRIO
1LUÍS …, interpôs processo especial de alteração da regulação das responsabilidades parentais do menor filho GONÇALO …, nascido em 09/08/2006, contra VANDA …, nos quadros do artº. 42º, nºs. 1 e 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Tal processo tutelar cível foi instaurado em 26/05/2014, requerendo alteração relativamente às cláusulas 1ª, 4ª e 10ª, nos seguintes termos:
- Cláusula 1ª: atribuição da residência do menor Gonçalo … ao Requerente pai ;
- Cláusula 4ª: de futuro, os progenitores comunicarão um ao outro, através dos respectivos Mandatários, o período de férias que pretendam gozar com os menores até ao final de Março de cada ano ; caso tal acordo não seja alcançado, as férias escolares serão divididas de forma equitativa, cabendo a primeira metade ao Requerente e a segunda metade à Requerida, alternando no ano seguinte ;
- Cláusula 10ª: de futuro, de forma a garantir o devido cumprimento e o evitar de conflitos, os progenitores comunicarão, através dos respectivos Mandatários, todas as situações relevantes de doença ou da vida escolar dos filhos de que tenham conhecimento.
2 – Citada a Requerida, em cumprimento do despacho de 12/06/2014, veio a mesma alegar/contestar, em 16/12/2014, pugnando pela improcedência da alteração requerida.
3 – Conforme decisão de 08/10/2015, foi conhecida acerca da suscitada incompetência em razão do território (1ª Secção de Família e Menores da Comarca de Setúbal), no sentido da sua procedência, tendo-se determinado a remessa dos autos à Secção de Família e Menores do Seixal, por ser a territorialmente competente.
4 – Nos termos do artº. 35º do RGPTC, ex vi do nº. 5 do artº. 42º, do mesmo diploma, por despacho de 17/11/2015, foi designada data para a realização de conferência de progenitores, a qual, após adiamentos, apenas se veio a realizar em 15/02/2016.
Nesta, Requerente e Requerida lograram obter acordo, devidamente homologado por sentença, relativamente à Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais do filho Gonçalo …, nos seguintes termos:
“1º
Durante um ano a contar da presente data, Gonçalo … visitará o pai em instalações do Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (C.A.F.A.P.) mais próximo da área de residência desse menor, sob mediação dos quadros técnicos dessa entidade, em periodicidade e horário a estabelecer por acordo dos progenitores e o C.A.F.A.P., visitas essa que terão, pelo menos, a periodicidade mínima de duas vezes por mês.

Os progenitores obrigam-se a acatar as instruções do C.A.F.A.P. por forma a estabelecer-se uma reaproximação familiar entre o menor Gonçalo, o seu irmão Martim …, já maior de idade, e cada um dos seus progenitores.

A progenitora obriga-se a transportar o menor Gonçalo até às instalações do C.A.F.A.P. com vista à realização das visitas ao progenitor.

O progenitor obriga-se a promover junto do filho Martim ..., filho mais velho de ambas as partes e já maior de idade, que este compareça nas referidas visitas a realizar no C.A.F.A.P., por forma a restabelecer o convívio dele com a progenitora e o irmão Gonçalo.

O regime de visitas supracitado poderá ter a sua duração prorrogada por mais 6 meses a contra do seu termo final, caso se mostre conveniente, de acordo com o parecer emitido pela direcção do C.A.F.A.P., ao qual os progenitores atribuem efeito vinculativo, obrigando-se a respeitá-lo e a acatá-lo.

Decorrido 1 ano, pelo menos, ou 1 ano e 6 meses, pelo mais, entrará novamente em vigor o regime de visitas actualmente vigente, o qual se mostra junto a fls. 115 e 116 dos presentes autos.

Os progenitores obrigam-se a manter, a não mudar sem pré-aviso entre si e ao tribunal, bem como a contactar entre si, para resolução de toda e qualquer questão emergente do presente acordo e atinente à vida do(a)(s) menor(es), através dos seguintes contactos:
Progenitora: Tlm. Nº. 96… ; email: Vanda….@....pt
Progenitor: Tlm. Nº. 93… ; email: ls….@....com “.
5 – Após um longo período de indisponibilidade do C.A.F.A.P., devido ao elevado número de processos em acompanhamento, apenas em Outubro de 2017 foi comunicada disponibilidade para tal acompanhamento – cf., fls. 194 vº..
6 – Após um período de dificuldades em contactar com a Requerida progenitora, bem como em obter a sua cooperação – cf., fls. 208, 219 a 221 e 237 -, nomeadamente pela instituição designada para proceder ao determinado acompanhamento/apoio, por despacho de 23/11/2018, foi designada data para a realização de conferência de progenitores e audição do jovem Martim … e menor Gonçalo … – cf., fls. 250.
7 – Tal conferência não veio a realizar-se na data designada, por falta da Requerida, tendo-se determinado a emissão de mandados de comparência sob custódia, por forma a garantir a sua comparência na data então designada para a continuação da conferência e audição – 22/01/2019 (cf., fls. 253 e 254).
8 – A referenciada conferência e audição, veio a realizar-se na data designada, encontrando-se as mesmas documentadas na Acta – cf., fls. 327 a 330 -, com o seguinte teor (na parte que ora releva):
Após passou a ser ouvida pelo Mmo. Juiz, a Técnica da Segurança Social, Dra. Elsa ..., a qual prestou declarações que ficaram gravadas em suporte digital, na aplicação informática Habilus, com inicio pelas 10h35 e findando pelas 10h36.
 Cumpre salientar que as declarações supra aludidas, foram prestadas apenas na presença do Mmo. Juiz e do Digno Magistrado do Ministério Público.
***
Findas as declarações da Técnica da Segurança Social, passou a ser ouvido, pelo Mmo. Juiz, o jovem filho do casal: Martim ..., o qual prestou declarações, as quais ficaram na aplicação informática Habilus, com inicio pelas 10h42 e findando pelas 10h49.
Refira-se que a audição supra, teve apenas lugar na presença do Mmo.Juiz, Digno Magistrado do Ministério Público, Ils. Mandatárias do Requerente e Requerida, e bem ainda Técnica da Segurança Social, supra identificada.
***
Pelas 10h50, foi declarada interrompida a presente diligência, por determinação do Mmo. Juiz, e a gravação da mesma, ao que se procedeu de imediato, para que o menor Gonçalo pudesse ser ouvido em sala própria para efeitos de audição de menores. Contudo, constatada a ausência de equipamento operacional na referida sala destinada à audição de menores, foi pelo Mmo Juiz, pelas 10h57, determinada a continuação da presente diligência neste gabinete, sem traje profissional, bem como determinada novamente a gravação da mesma, atentos os termos do disposto no art.º 155º do CPC, o que se fez, passando-se a gravar novamente a diligência na aplicação informática Habilus.
***
Seguidamente, passou a ser ouvido, pelo Mmo. Juiz, o menor: Gonçalo …, o qual prestou declarações, as quais ficaram na aplicação informática Habilus, com inicio pelas 10h59 e findando pelas 11h10.
Cumpre referir que as presentes declarações foram tomadas apenas na presença do Mmo. Juiz, Digno Magistrado do Ministério Público e bem ainda das Ils. Mandatárias do Requerente e da Requerida, e Técnica da Segurança Social.
***
Após, pelo Mmo. Juiz, já com a presença do Requerente e da Requerida, e sem o menor, foi proferido o seguinte:
Despacho
Atento o declarado, e o demais vertido nos autos, cujo o teor se dá por aqui reproduzido, decide-se provisoriamente, nos termos seguintes:
1- Pelo menos no primeiro fim-de-semana de cada mês, no Domingo, o filho do casal Martim ..., ora maior de 21 anos de idade, buscará o irmão Gonçalo …, na praça da alimentação do Centro Comercial “Rio Sul”, sito no Seixal, pelas 14h00, aí o entregando até às 19h00 desse dia.
2- Para esse efeito, a mãe do Gonçalo, conduzirá o menor até tal Centro Comercial e aí o entregará ao irmão Martim, buscando-o depois à mencionada hora.
3- Para os efeitos de eventual contacto entre a mãe e o Martim, o pai facultou o seguinte n.º de telefone, desse filho do casal: 91...;
4- Para os efeitos de eventual contacto entre a mãe e o Martim, a mãe facultou o seu n.º de telefone : 96…;
Mais foram os presentes expressamente advertidos pelo Mmo. Juiz de que, em caso de incumprimento do supra, poderão ser emitidos mandados.
Notifique.
Declara-se suspensa e interrompida a presente diligência, e remetem-se pais para Audição Técnica Especializada, pelo prazo máximo de 2 meses, no âmbito da qual também deverá ser ouvido o filho maior do casal.
Notifique-se igualmente o filho maior do casal, do decidido provisoriamente.
***
Do Despacho que antecede foi dado conhecimento a todos os presentes, que do mesmo disseram ter ficado cientes, e bem ainda ao filho maior do casal: Martim ..., por se encontrar presente neste Tribunal, foi-lhe dado conhecimento, na presente data, o qual disse do mesmo ter ficado ciente”.
9 – Inconformada com o decidido, a Requerida progenitora interpôs recurso de apelação, em 06/02/2019, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Recorrente interpõe o presente Recurso do Douto Despacho proferido pelo Tribunal “ a quo” em sede de Conferência de Pais, realizada no dia 22 de J aneiro de 2019 e constante de fls…, que decidiu provisoriamente, no presente processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, o seguinte: – Pelo menos no primeiro fim-de-semana de cada mês, no Domingo, o filho do casal Martim ..., ora maior de 21 anos de idade, buscará o irmão Gonçalo … na praça da alimentação do Centro Comercial “Rio Sul”, sito no Seixal, pelas 14h00, aí o entregando até às 19h00 desse dia , para esse efeito, a mãe do Gonçalo, conduzirá o menor até tal Centro Comercial e aí o entregará ao irmão Martim, buscando-o depois à mencionada hora , para os efeitos de eventual contacto entre a mãe e o Martim, o pai facultou o seguinte n.º de telefone, desse filho do casal: 91..., para efeitos de eventual contacto entre a mãe e o Martim, a mãe facultou o seu n.º de telefone: 96...;
2. Entende a ora Recorrente que tal Despacho enferma de nulidade na medida em que a decisão proferida pelo Tribunal “ a quo” vai para além do peticionado pelo Recorrido na sua Petição Inicial, bem como não tem em conta as declarações prestadas pelo menor Gonçalo ….
3. O Recorrido intentou no dia 25 de Maio de 2014, Acção de Alteração da Regulação do Poder Paternal, referente ao menor Gonçalo …, qual peticionou a alteração das seguintes cláusulas: “ a) Cláusula 1.ª: atribuição da menor Gonçalo … ao Pai/Requerente; b) Cláusula 4.ª: para que no futuro não conflitos e seja salvaguardado o seu efectivo cumprimento, deverá ficar consignado que Progenitores comunicarão um ao outro, através dos respectivos mandatários, o período pretendam gozar com os menores até ao final de Março de cada ano. Mais deverá ficar que, caso tal acordo não seja alcançado, as férias escolares serão divididas de forma ambos cabendo a primeira metade ao Requerente e a segunda metade à Requerida, ano seguinte; c) Cláusula 10.º: para que de futuro não ocorram conflitos e seja efectivo cumprimento, deverá ficar consignado que os Progenitores comunicarão. respectivos Mandatários, todas as situações relevantes de doença ou da vida escolar que tenham conhecimento.”
4. A Recorrente, apresentou, no dia 16 de Dezembro de 2014, as suas Alegações, peticionando a improcedência da Petição Inicial apresentada pelo Recorrido, por não provada.
5. No dia 22 de J aneiro de 2019, foi realizada a Conferência de Pais, na qual foi ouvida a Técnica da Segurança Social, Dra. Elsa ... e os dois filhos da Recorrente e do Recorrido, Martim … e Gonçalo … ;
6. Após terem sido ouvidos quer a Técnica da Segurança Social, Dra. Elsa ..., quer os dois filhos da Recorrente e Recorrido, o Meritíssimo Juiz d e Direito do Tribunal “ a quo”, proferiu o seguinte Despacho, descrito no ponto 1, das conclusões.
7. Inconformada com tal despacho, por considerar que a sentença enferma de nulidade, a ora Recorrente decidiu interpor o presente Recurso.
8. DA NULIDADE DO DESPACHO - No Despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal “ a quo,” este decidiu provisoriamente aproximação do menor Gonçalo … com o seu irmão Martim ….
9. No entanto, o Peticionado pelo Recorrido foi somente a atribuição da residência do menor Gonçalo … ao pai, ora Recorrido e a alteração das cláusulas referentes ao período de férias e às comunicações entre os progenitores.
10. Assim, temos que o Tribunal “a quo”, violou um dos princípios estruturantes do direito processual civil, o princípio do dispositivo, a que alude o n.º 1 do artigo 5.º do C.P.C., segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas” e o art. 608º/2 do mesmo C.P.C, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” ;
11. Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra ocupar-se de outras questões ;
12. Segundo A. dos Reis “o princípio do dispositivo é, substancialmente, a projecção, no campo processual, daquela autonomia privada que, dentro dos limites marcados pela lei, encontra a sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjectivo; até onde a lei substancial reconhecer tal autonomia, mesmo para a coordenar melhor com os fins colectivos, o princípio dispositivo deverá ser coerentemente mantido no processo civil, como expressão irrefragável do poder atribuído aos particulares, de dispor da sua esfera jurídica própria.”
13. Assim, o juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objecto.
14. Isto sob pena de a sentença ficar afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido (art. 615.º /1, alíneas d) e e), do CPC).
15. Como salienta M. Teixeira de Sousa “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 608°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 609°, n.° 1).
16. A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 615°, n° 1, al. e))”[3].
17. No que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como se mostra formulado, por, como se viu, o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor.
18. No Despacho supra referido, o Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal “a quo” , não teve em conta as declarações prestada, nem a vontade manifestada pelo menor Gonçalo ….
19. Nas declarações prestadas pelo menor Gonçalo …, no dia 22/01/2019, nas várias passagens, o mesmo refere que : 06:04/32:15 Gonçalo …: …”não me sinto muito à vontade para falar deles”…., 08:39/32:15 Gonçalo …”Por agora não quero conhecer! Não me sinto à vontade com ele .” Não quero estar com ele , não me sinto bem com nenhum deles”.
20. 08:44/32:15 Juiz: “Gonçalo, santa paciência, vais ter de o conhecer!! Ok?!”
21. 12:16/32:15 Gonçalo …: “Mas eu , não quero estar com ele, por agora, pelo menos por agora!!
22. 12:18/32:15 Juiz: “Não queres, mas paciência, vai ficar decidido, ok?!”
23. Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu próprio interesse.”
24. Esse direito é-lhe conferido a nível internacional pela Convenção sobre os Direitos da acolhida na ordem jurídica nacional pela Resolução da Assembleia da República n.º 08.06.990, e pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12.09, que artigo 12.º: “Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade”.
25. E mostra -se também consagrado na nossa legislação interna nos artigos 4.º (princípios orientadores), 5.º (audição da Criança) e nº 3 do artigo 35.º (conferência de Pais) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ali se sublinhado o princípio da audição e participação da Criança nos seguintes termos: Artigo 4.º, nº 1, alínea c): “Audição e participação da Criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”, Artigo 4º, nº 2: “Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer a o apoio da assessoria técnica.”, Artigo 5.º, nº 1: “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse”.
26. Procedendo à densificação deste direito fundamental e depois de frisar que “(…) a lei nacional e internacional privilegia sem sombra de dúvida o direito da criança a ser ouvida bem como seu direito a que as suas opiniões sejam levadas em consideração, desde que se lhes reconheça discernimento para isso (…)”,
27. Entendeu o Acórdão da Relação de Lisboa de 04.10.2007 que, “essa vontade deve prevalecer sempre que se reconheça à criança o discernimento suficiente para a manifestar e desde que não existam obstáculos de monta a que ela seja respeitada (obstáculos relacionados com o mundo envolvente, que possam escapar à compreensão da criança mas não devem escapar à atenção do julgador - que são todos aqueles que se venha a reconhecer que podem prejudicar a criança nalguma das suas vertentes essenciais como o crescimento e evolução equilibrados, a educação, o equilíbrio seja emocional e afectivo, sem esquecer o seu direito à felicidade)”.
28. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 11.5.2000, citado no aludido acórdão, onde, mais uma vez, se vinca que “o interesse do menor é o primeiro e o mais importante factor a levar em consideração na definição do seu estatuto”, devendo o Tribunal “decidir por forma a satisfazer as preferências do menor, desde que a isso se não oponham dificuldades inultrapassáveis”.
29. Cremos também dever ser este o princípio orientador: é em prol da criança que a decisão deve ser proferida, é no futuro da criança que a decisão se vai reflectir – ela é o sujeito no centro de todo o processo conducente à decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais –, pelo que a sua vontade, desde que não sujeita a distorções externas, nem reveladora da falta de percepção adequada de riscos visíveis para o julgador – isto é, depois de devidamente valorada no contexto em que foi assumida e em função do seu superior interesse –, deve ser acolhida na decisão a proferir.
30. Na verdade, a audição da Criança nos processos que lhe dizem respeito é “uma concretização do princípio do superior interesse da Criança”, traduzindo-se o princípio da audição da mesma: “(i) na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade; (ii) no direito à participação ativa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração; (iii) numa cultura da Criança enquanto sujeito de direitos”. (Rui Alves Pereira, in POR UMA CULTURA DA CRIANÇA ENQUANTO SUJ EITO DE DIREITOS - “O PRINCÍPIO DA AUDIÇÃO DA CRIANÇA”, artigo publicado na julgar.pt, págs. 3, 4 e 9).
31. O direito à participação “não se esgota no momento em que a criança exprime livremente a sua opinião”, sendo ainda “necessário levá-la a sério”, sem que isto signifique “fazer-lhe a vontade ou transferir para si a responsabilidade da decisão”. “Esta responsabilidade é do adulto que, antes de a tomar, considera, valora, tem em conta a opinião da própria criança de acordo com o seu desenvolvimento físico e psíquico” (Alcina Costa Ribeiro, in Direito de Participação e Audição da Criança no Processo de Promoção e Proteção e nos Processos Tutelares Cíveis, artigo publicado na Revista do CEJ nº 2, 2015).
32. Assim sendo, “exceto na presença de provas de que a opinião expressada pelo menor é desadequada, podendo colocá-lo numa situação de risco, o tribunal deverá considerá-la em prol do seu melhor interesse”, sobretudo quando os “pais envolvidos em processos de custódia desempenharam a sua função de educadores irrepreensivelmente, sem qualquer necessidade de intervenção da justiça” – como tudo aponta ter sido o que sucedeu no caso em apreço ao longo do período em que ambos exerceram em conjunto as suas responsabilidades parentais –, não sendo, pois, previsível qualquer desvantagem em atender ao desejo da menor (cfr. supra citado artigo publicado na Revista Científica da Ordem dos Médicos, pág. 639, acessível in www.actamedicaportuguesa.com).
33. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º de 20/03/2018: “No âmbito da regulação das responsabilidades parentais, é em prol da decisão deve ser proferida, é no futuro da criança que a decisão se vai reflectir – ela é o centro de todo o processo conducente à decisão –, pelo que a sua vontade, desde que distorções externas, nem reveladora da falta de perceção adequada de riscos visíveis – isto é, depois de devidamente valorada no contexto em que foi assumida e em função superior interesse –, deve ser acolhida na decisão.”
34. Para além do supra exposto, em que o Tribunal “a quo”, proferiu despacho, decidindo para além do objecto do processo, bem como não teve em conta as declarações e a vontade manifestada pelo menor Gonçalo, o mesmo também, não tomou em consideração que o menor Gonçalo ..., não conhece e nunca privou com o Martim ..., uma vez que este, ora maior de 21 anos, sempre esteve à guarda e a residir com o recorrido, desde o divórcio, não mantendo qualquer tipo de contacto.
35. Contrariamente ao menor Gonçalo ..., que sempre esteve à guarda e a residir com a Recorrente desde bebé.
36. Motivo pelo qual é de todo compreensível que um menor de 12 anos, não queira estar e privar com quem não conhece, com quem não têm nenhuma lidação, ou qualquer contacto ou afectos.
37. Assim, temos que o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, deveria ter proferido despacho quanto à regulação provisória das responsabilidades parentais, cingindo-se somente ao pedido formulado pelo Recorrido na sua Petição Inicial, bem como deveria ter proferido despacho, de acordo com as declarações e vontade do menor, Gonçalo ..., acautelando assim, o superior interesse do menor.
38. Face ao supra exposto, deverá a Veneranda Relação de Lisboa declarar a nulidade do douto despacho, proferido pelo Tribunal “ad quo”, nos termos da alínea d) do artigo 615.º do C.P.C.
39. Normas Violadas: n.º 1 do artigo 3.º do C.P.C., n.º 2 do artigo 608 do C.P.C., n.º 1 do artigo 5.º da R.G.P.T.C., artigo 4.º da R.G.P.T.C. e n.º 3 do artigo 35.º da R.G.P.T.C.”.
10 – O Requerido progenitor apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES:
A) Carece a Recorrente de fundamento para pôr em crise o Despacho recorrido porquanto em face dos factos em apreciação o Tribunal «a quo» fez a correta interpretação da Lei, não merecendo a mesma qualquer reparo ou censura.
B) O Acórdão recorrido não padece da NULIDADE porquanto o Tribunal a quo conheceu e pronunciou-se sobre questões que resultam expressamente de uma Sentença homologatória de acordo firmado entre Recorrente e Recorrido, nem foi violado o princípio do dispositivo nos termos do artigo 5º, nº1 do C.P.C.
C) Inexiste igualmente o vicio de excesso de pronuncia porquanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o que tinha de conhecer e decidir e fê-lo dentro dos limites do objecto do processo.
D) A Recorrente laborou em lapso pois como se extrai das suas conclusões atendeu aos pedidos insertos na ação de alteração das responsabilidades parentais quando tinha de atender as clausulas fixadas no acordo firmado em 15.02.2016, clausulas paras as quais deu o seu acordo e a cujo cumprimento ficou vinculada.
E) O Gonçalo não deu uma recusa livre, esclarecida e sustentada que habilitasse o Tribunal a quo a ter em conta a mesma.
F) Por essa razão o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu nos moldes expressos no Despacho impugnado, permitindo que ambos os irmãos falassem num local neutro, agradável e longe da presença dos progenitores.
G) Pelo que não existiu qualquer desrespeito cometido pelo Tribunal “ a quo” e muito menos que os Direitos da criança tenham sido violados.
H) Decisão que foi equilibrada, justa e adequada aos factos em causa no processo, bem assim respeitadora dos Direitos do menor Gonçalo ....
I) Não violou o Tribunal a quo, na decisão impugnada, o artigo 4º nº 1 alínea c) e nº 2, artigo 5º nº 1 , 35º nº 3, do RGPTC e não violou o artigo 12º da Convenção dos Direitos da Criança”.
Conclui, no sentido de improcedência do recurso e manutenção do despacho impugnado.
11 – Tal recurso foi admitido conforme despacho datado de 28/03/2019, constante de fls. 364, como apelação, a subir em separado, de imediato e com efeito meramente devolutivo.
12 – Relativamente á invocada nulidade, e nos termos do nº. 1, do artº. 617º, do Cód. de Processo Civil, o Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
Inexiste nulidade que caiba reparar. Com efeito, inexiste excesso de pronúncia ou violação do Princípio do Pedido uma vez que nos autos estão em apreço contactos do menor com a família, designadamente paterna, sendo que o contacto com o pai pode ser obtido por via directa (contacto pessoal com o mesmo), ou por via indirecta (após entrega e/ou na presença de irmão). Nos autos foi ouvido o menor e foi ponderado o verbalizado pelo mesmo. Sendo que inexiste qualquer ónus de o Tribunal seguir o pretendido pelo menor, sobretudo se tal for contrário ao seu superior interesse, nomeadamente no sentido de um conhecimento, pelo menos mínimo, de uma parte da sua família (conforme se afere da gravação infra aludida).
Termos em que, sem necessidade da mais considerandos, se sustenta a decisão recorrida, julgando improcedentes os aventados vícios”.
13 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento da seguinte questão:
1. DA NULIDADE DO DESPACHO PROFERIDO, POR EXCESSO DE PRONÚNCIA E POR CONHECER DE PEDIDO DIFERENTE DO FORMULADO – cf., artº. 615º, nº 1, alíneas d), 2ª parte e e) ;
2. DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO A ADUZIDA NÃO CONSIDERAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DO MENOR GONÇALO ....

O que implica, in casu, basicamente, apreciar se:
Ø O despacho recorrido conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, ou decidiu para além dos limites decorrentes do petitório formulado, em contravenção ao prescrito nos artºs. 608º, nº. 2 e 609º, nº. 1, ambos do Cód. de Processo Civil ;
Ø A decisão proferida não considerou as declarações do menor Gonçalo, em violação do legalmente prescrito quanto à obrigatoriedade de tal consideração.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade a ponderar é a que decorre do iter processual supra exposto.
A que acresce, por força do disposto no nº. 4, do artº. 607º, ex vi do artº. 663º, nº. 2, ambos do Cód. de Processo Civil, tendo por base os actos processuais praticados, a prova documental junta e a audição das declarações do menor Gonçalo e jovem Martim ..., a consideração, como PROVADOS, dos seguintes factos:
1. Conforme assento de nascimento nº. 1143, do ano de 2006, datado de 19/09/2006, emitido pela Conservatória do Registo Civil de Setúbal, no dia 09 de Agosto de 2006, na freguesa de São Lourenço, concelho de Setúbal, nasceu Gonçalo ..., filho de Luís … e de Vanda … ;
2. Conforme assento de nascimento nº. 2108, do ano de 2008, datado de 19/05/2008, emitido pela Conservatória do Registo Civil do Seixal, no dia 21 de Outubro de 1997, na freguesa da Amora, concelho de Seixal, nasceu Martim ..., filho de Luís … e de Vanda … ;
3. No âmbito dos autos de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Setúbal – Processo nº. 733/09.6TMSTB -, após convolação do divórcio para mútuo consentimento, procedeu-se, por acordo, á Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais dos identificados em 1. e 2. ;
4. Tendo os progenitores acordado, para além do mais, o seguinte:
PRIMEIRO
o menor Gonçalo … fica confiado à guarda da mãe e o menor Martim … à guarda do pai, sendo as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância exercidas conjuntamente.
SEGUNDO
Os menores passarão juntos fins-de-semana alternados com cada um dos progenitores, passando o próximo com o pai e devendo aquele que terá os filhos consigo ir buscá-los à sexta-feira ao colégio, entregando-os na segunda-feira no mesmo local.
TERCEIRO
Os menores jantarão juntos à quarta-feira, alternadamente com cada um dos progenitores e sempre com aquele com quem não estiverem no fim-de-semana seguinte.
QUARTO
Os menores passarão juntos as férias de cada um dos progenitores com estes e as mesmas serão repartidas em partes iguais, caso sejam coincidentes.
QUINTO
Os progenitores comunicarão reciprocamente o período de férias que gozarão até ao final de Março de cada ano.
SEXTO
Os menores passarão o dia de aniversário dos pais, o dia do pai e o dia da mãe com o respectivo progenitor.
SÉTIMO
Nos dias dos seus aniversários, os menores jantarão juntos com o progenitor com o qual não devam passar o fim-de-semana imediatamente seguinte.
OITAVO
As férias escolares da Páscoa e do Natal serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que a quadra festiva da Páscoa será sempre passada com o pai e as quadras do Natal e Ano Novo serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores, sendo no corrente ano o Natal passado com a mãe e o Ano Novo com o pai.
(….)
DÉCIMO
Os pais informar-se-ão reciprocamente de todas as situações relevantes de doença ou relativas á vida escolar dos filhos de que tenham conhecimento” ;
5. Tal acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais foi homologado por sentença datada de 18/01/2010, que transitou em julgado na mesma data ;
6. sendo que o mesmo, pelo menos no que concerne aos períodos de convívio entre o progenitor pai e o filho Gonçalo, bem como entre este e o irmão, não é cumprido desde data não concretamente determinada do ano de 2013 ;
7. No âmbito dos autos de Incumprimento das Responsabilidades Parentais – Processo nº. 733/09.6TMSTB-A, do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Setúbal -, foi realizada conferência de progenitores em 19/06/2012 ;
8. No âmbito de tal conferência, o jovem Martim ... foi questionado pela Meritíssima Juíza quanto à sua disponibilidade para retomar o convívio com a progenitora mãe, tendo o mesmo respondido não se encontrar preparado para o efeito ;
9. Constando da acta de tal conferência ter a Requerente progenitora, na sequência da posição assumida pelo filho, declarado “que deseja desistir do presente incidente, visto que não pretende forçar o filho a estar consigo, manifestando, porém, a sua inteira disponibilidade a falar e estar com ele sempre e logo que o mesmo o deseje” ;
10.  após o que foi proferida sentença que declarou extinta a instância ;
11. o Gonçalo não demonstra vontade em contactar e estar com o irmão Martim, nem como progenitor pai, afirmando, relativamente ao irmão, que por agora não o quer conhecer melhor nem estar com o mesmo ;
12. não dando qualquer explicação ou justificação para tal afirmada vontade ;
13. o jovem Martim ... demonstra vontade em conhecer melhor o irmão Gonçalo, disponibilizando-se a estar e ir buscar o mesmo ;
14. frequenta o 2º ano do ensino superior, nomeadamente na área de Engenharia Física, na área da sua residência.

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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1) Da nulidade do despacho recorrido/apelado, por preenchimento das causas enunciadas na 2ª parte, da alínea d), e 2ª parte da alínea e), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil (excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido))

Invoca a Recorrente/Apelante ser nulo o despacho recorrido, quer por padecer do vício de excesso de pronúncia – cf., artº. 615º, nº. 1, alín. d), 2ª parte, do Cód. de Processo Civil -, quer por conhecer de pedido diferente do formulado – cf., artº. 615º, nº. 1, alín. e), do mesmo diploma.
Alega, nesse desiderato, e em súmula, o seguinte:
  • O despacho apelado decidiu provisoriamente aproximação do menor Gonçalo ... com o seu irmão Martim ...” ;
  • Todavia, o peticionado “pelo Recorrido foi somente a atribuição da residência do menor Gonçalo ... ao pai, ora Recorrido e a alteração das cláusulas referentes ao período de férias e às comunicações entre os progenitores” ;
  • Pelo que “o Tribunal “a quo”, violou um dos princípios estruturantes do direito processual civil, o princípio do dispositivo, a que alude o n.º 1 do artigo 5.º do C.P.C., segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas” e o art. 608º/2 do mesmo C.P.C, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” ;
  • Deste modo, não pode o julgador “conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objecto” ;
  • Sob pena de, fazendo-o, “a sentença ficar afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido (art. 615.º /1, alíneas d) e e), do CPC)” – cf., Conclusões 8. a 17..

    Em sede contra-alegacional, o Recorrido/Apelado aduz, em resumo, o seguinte:
    Ø Nega a existência do aduzido vício de nulidade da decisão apelada, inexistindo qualquer violação do princípio do dispositivo, pois o Tribunal a quo “conheceu e pronunciou-se sobre questões que resultam expressamente de uma Sentença homologatória de acordo firmado entre Recorrente e Recorrido” ;
    Ø Por outro lado, nega igualmente a existência de “vicio de excesso de pronuncia porquanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o que tinha de conhecer e decidir e fê-lo dentro dos limites do objecto do processo” ;
    Ø Pois, acrescenta, a Apelante incorreu em “lapso pois como se extrai das suas conclusões atendeu aos pedidos insertos na ação de alteração das responsabilidades parentais quando tinha de atender as clausulas fixadas no acordo firmado em 15.02.2016, clausulas paras as quais deu o seu acordo e a cujo cumprimento ficou vinculada” – cf., Conclusões A) a D) das contra-alegações.

    Analisemos.

    Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescrevem as alíneas d) e e), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
    d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
    e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
     Por sua vez, o nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
    Por sua vez, estipulando acerca dos limites da condenação, referencia o nº. 1, do artº. 609º, igualmente do Cód. de Processo Civil, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

    No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)[2] [3].
    Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades[4].
    A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
    A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente[5].

    As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
    Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia
    Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do artº. 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso[6].
    No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art. 196º).
    Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art. 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”.

    Na pronúncia ultra petitum enunciada na transcrita alínea e), do nº. 1, do artº. 615º, ocorre violação do “princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância”, ao não serem observados “os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido[8].
    Não pode, deste modo, o juiz, “ultrapassar na sentença os limites do pedido (ou dos pedidos deduzidos), em violação do princípio dispositivo. É que lhe impõe o nº. 1 do artº. 609º ; a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido, ex-vi da al. e) do nº. 1 do artº 615º”.
    Assim, não pode o juiz, “sob pena de nulidade, condenar ultra-petitum, ou seja, em quantidade superior ou em objecto (qualidade) diversos dos constantes do pedido”, sendo exemplo de condenação em objecto diverso o caso do “autor pedir a restituição da coisa comodatada e a sentença condenar o réu a entregar-lhe uma outra coisa em substituição daquela ou a prestar um outro facto que não o da entrega da coisa”. Bem como o exemplo de que “tendo o autor pedido o reconhecimento do seu direito de propriedade por ter adquirido, por compra, certo prédio, não pode o juiz, na sentença, reconhecer esse direito com fundamento em que o ter adquirido por sucessão, ainda que os factos em que se baseie tenham sido alegados, a outro título, no processo[9].
    Ora, este “balizamento cognitivo (…) é operado pelo objeto do processo (pedido e causa de pedir) tal como definido (a título principal) pelo autor na petição inicial”.
    O mesmo autor, sustentado no entendimento de Miguel Mesquita [10], advoga, no que á presente causa de nulidade concerne, o que apelida de “flexibilização do princípio do pedido”, tendo por base a necessidade de ponderação “do princípio da efectividade (eficiência/eficácia)”, bem como tendo “sempre presente o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da justa medida e da proibição do excesso”.
    Tal adopção determina que “seja de reconhecer ao juiz a faculdade de «sugerir (ex-officio) uma modificação do pedido» e em que, por tal, «o princípio do pedido deva ser suavizado ou mitigado» quando o autor requeira unicamente certa providência que os factos alegados e provados demonstrem revestir-se de um carácter demasiado drástico ou oneroso”.
    Ora, um dos campos de intervenção do julgador situa-se ao nível dos “poderes/deveres do juiz com vista ao aperfeiçoamento dos articulados (artº 591º, nº. 1, al. c)) ou mesmo os seus poderes instrutórios dimanados do princípio do inquisitório (artº 411º)”.
    Todavia, conclui-se, “«qualquer desvio, na sentença, relativamente ao pedido exigirá sempre o prévio respeito pelos princípios da cooperação, do contraditório e do dispositivo e da igualdade das partes»”, devendo sempre o tribunal “«trabalhar com base nos factos alegados, não abrindo a porta a novos factos sob pena de violação do princípio do dispositivo»[11] [12].
    Deste modo, “o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pela partes ; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”.
    Pelo que “não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita á entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)[13].

    Ora, no caso sub júdice, o Requerente progenitor intentou processo especial de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra a progenitora Requerida, tendo por objecto pretendida alteração daquele exercício no respeitante ao filho menor Gonçalo ..., nomeadamente no que concerne à fixação da residência do mesmo, forma de estipulação dos períodos de férias do menor junto de cada um dos progenitores e forma de comunicação entre os progenitores de todas as situações relevantes de doença ou da vida escolar dos filhos, de que tenham conhecimento.
    Apesar de tal processo tutelar ter sido instaurado em Maio de 2014, apenas em 15/02/2016, em sede de conferência de progenitores, veio a ser obtido acordo quanto à pretendida alteração, em termos manifestamente distintos dos inicialmente pretendidos pelo Requerente pai.
    Acordo que, nos termos legais, foi devidamente homologado por sentença, tendo fundamentalmente por desiderato permitir uma reaproximação gradual e evolutiva entre o menor Gonçalo, o seu irmão já maior e o progenitor pai.
    Deste modo, homologado, por sentença, o acordo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, a pretensão afirmada através da propositura da presente acção logrou a sua consumação ou epílogo.
    E, as posteriores diligências traduziram-se na execução do acordado, ou seja, em conferir efectividade e operacionalidade às cláusulas da acordada alteração, nomeadamente á acordada reaproximação familiar, através do apoio técnico de específica entidade.
    Ora, a decisão apelada surge, deste modo, no âmbito de tais diligências executórias, perante as dificuldades que foram surgindo no cumprimento do alegado, nomeadamente decorrentes da falta de cooperação da Requerida progenitora e alegada ausência de vontade do jovem Gonçalo.
    Donde resulta, com clareza, que nesta fase o teor das decisões proferidas e proferendas não se regulam, nem têm qualquer atinência, no sentido de limitação, com o objecto do petitório feito constar no articulado inicial apresentado pelo progenitor pai. Efectivamente, a bússola regulatória das mesmas decisões é, antes, o teor do acordo de alteração homologado, e devidamente transitado.
    Pelo que, não se pode aludir, com razão, que o despacho apelado tenha conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento ou que o Tribunal a quo, na decisão sob sindicância, tenha conhecido de questão ou objecto diferenciado do pedido. O padrão de análise não é, nos termos sobreditos, a pretensão accional apresentada pelo Requerente/Autor/progenitor, mas antes o acautelar e o pugnar pelo efectivo cumprimento e execução do teor do clausulado objecto de alteração das responsabilidades parentais.
    O que determina, sem ulteriores delongas, concluir-se no sentido do despacho apelado não estar maculado pelas apontadas causas de nulidade, assim improcedendo a sua invocação.

    Todavia, ainda que assim não se entendesse, sempre urgia considerar estarmos no âmbito dos processos de jurisdição voluntária – cf., artº. 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei nº. 141/2015, de 08/09 -, relativamente aos quais “o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” – cf., o artº. 987º, do Cód. de Processo Civil.
    Efectivamente, em tal tipologia de processos, “mais do que decidir segundo critérios estritamente jurídicos, o tribunal irá proferir um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa[14].
    Nas palavras de Alberto dos Reis [15], pode um julgamento inspirar-se em “duas orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade. No primeiro caso o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem à espécie respectiva, ainda que, em sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução.
    No segundo caso o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa. É exactamente o que, para os processos de jurisdição voluntária, determina o art. 1449º” (presentemente, o artº. 987º) [16].
    Acrescenta Tomé d’Almeida Ramião [17] que “uma coisa são os critérios estritamente jurídicos no plano substantivo, do direito aplicável ao caso concreto, onde funcionam essas regras, outra bem distinta, e que amiudadas vezes é confundida, são as regras processualmente prescritas para a prolação dessa decisão e cuja imperatividade não pode ser afastada”.
    Donde resulta que aos processos tutelares cíveis é aplicável o prescrito nos artigos 292º a 294º e 986º a 988º, todos do Cód. de Processo Civil, sem prejuízo das regras expressamente previstas para aqueles processos judiciais.
    O que determina que, nesta sede processual, como ditame legal, o tribunal possa investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admissíveis as provas que o julgador considere necessárias.
    Ora, relativamente a este poder do julgador, aduz Alberto dos Reis [18] significar “que na jurisdição voluntária o princípio da actividade inquisitória do juiz prevalece sobre o princípio da actividade dispositiva das partes.
    (…)
    E se, na colheita dos factos, o juiz dispõe de largo poder de iniciativa, o mesmo sucede quanto aos meios de prova e de informação.
    Claro que, mesmo na jurisdição contenciosa, o juiz, pode exercer larga actividade oficiosa (….); mas há em todo o caso uma diferença de tonalidade: na jurisdição contenciosa os poderes oficiosos do juiz em matéria de instrução do processo têm carácter subsidiário, em confronto com os poderes das partes, ao passo que na jurisdição voluntária não se verifica tal subordinação.
    Finalmente, o art. 1448 [correspondente ao vigente artº. 986º] concede ao juiz a faculdade latitudinária de recusar a produção de quaisquer provas, requeridas ou oferecidas pelas partes, quando as julgue desnecessárias”.

    Resulta, assim, do exposto, que o Tribunal sempre poderia, na procura da solução mais conveniente e oportuna, que na presente natureza de processos deve corresponder à solução mais adequada e pertinente ao interesse do jovem menor, na decisão a proferir, divergir, na medida do necessário, dos critérios de legalidade estrita, na salvaguarda do superior interesse daquele, de forma a garantir que a solução encontrada pudesse corresponder às concretas necessidades sentidas pelo filho, independentemente dos ditâmes formais em equação.
    Pelo que, em concreto, sempre poderia o Tribunal decidir-se, em tese, para além da pretensão de alteração do exercício das responsabilidades parentais solicitada pelo Requerente pai, ou seja, para além do estrito petitório deduzido, adoptando as soluções que considerasse mais adequadas, convenientes e devidamente tutelares do superior interesse do filho em menoridade. Acautelando, logicamente, o exercício do contraditório relativamente às mesmas, em devida articulação com os progenitores litigantes.
    Donde, igualmente por esta razão, a suscitada mácula da decisão apelada mereceria juízo de improcedência, no sentido de não reconhecimento do apontado vício de nulidade.
    O que determina, sem ulteriores considerações, concluir-se, nesta parte, pela inviabilidade das conclusões recursórias apresentadas.

    2) Da aduzido ERRO de JULGAMENTO e da não consideração das declarações do jovem Gonçalo …

    Refere a progenitora Apelante que decisão provisória apelada não teve em devida consideração a opinião e vontade manifestada pelo filho Gonçalo, a qual deve prevalecer, devendo o Tribunal considerá-la em prol do seu interesse.
    Considera ser compreensível que o menor Gonçalo, nunca tendo privado com o irmão já maior, não queira estar e privar com quem não conhece, com quem não tem nenhuma ligação, quaisquer contactos ou afectos.
    Pelo que, a decisão a proferir deve ter em atenção o teor de tais declarações e vontade, sancionando-a, pois só assim serão salvaguardados os seus interesses – cf., Conclusões 18. a 36..

    Nas contra-alegações apresentadas, o Apelado progenitor referencia que o filho “não deu uma recusa livre, esclarecida e sustentada que habilitasse o Tribunal a quo a ter em conta a mesma”, inexistindo assim qualquer desrespeito pela audição do menor.
    Considera, nestes termos, ser a decisão recorrida equilibrada, justa e adequada aos factos em equação, respeitadora dos direitos do Gonçalo e conforme ao legalmente prescrito, pelo que aquela deverá manter-se, negando-se provimento ao recurso – cf., Conclusões E) a I) das contra-alegações.

    Vejamos.

    Resulta indubitável, e não se desconhece, que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse da criança – cf., artºs. 37º, nº. 1 e 40º, nº.1, ambos do RGPTC e 1905º, nº.1 e 1911º, nº. 2, ambos do Código Civil.
    Efectivamente, “o interesse da criança é o direito que lhe assiste de crescer, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente, em paz” [19], sendo que a prossecução ou procura do seu interesse “passa pela garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores, e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afectivo contínuo entre ambos” [20].
    Referencie-se, ainda, o prescrito no corpo do nº. 1, do artº. 4º, do mesmo RGPTC, ao enunciar que “os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes (….)”.
    O que nos remete, nomeadamente, para o prescrito na alínea a), do artº. 4º da LPCJP (Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo) – aprovada pela Lei nº. 147/1999, de 01/09, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 142/2015, de 08/09 -, com o seguinte teor:
    “a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
    a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” (sublinhado nosso).
    Refere Tomé d’Almeida Ramião [21], citando Maria Clara Sottomayor [22], que “o interesse do menor constitui um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, por forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto”, acrescentando que aquele interesse superior “só será respeitado quando esteja salvaguardado o exercício efectivo dos seus direitos. Por isso que o conceito de «superior interesse do menor» está relacionado com o exercício dos seus direitos. O que significa que no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos, deve prevalecer «o superior interesse do menor», deve dar-se preferência e prevalência á solução que melhor garanta o exercício dos seus direitos”.
    O conceito de superior interesse da criança funciona, assim, como “um critério orientador na resolução de casos concretos[23] ou, nas palavras de Melo Alexandrino [24], “uma norma de competência (norma que estabelece uma habilitação para criar normas ou decisões), ora a favor do legislador (na configuração a dar ao ordenamento), ora a favor do juiz e da administração tutelar (na construção de normas de decisão de casos concretos ; em segundo lugar é uma norma impositiva que ordena ao juiz e á administração que, na tomada de uma decisão que respeite ao menor, não deixem nunca de recorrer (mas sempre dentro dos limites do direito aplicável e circunstâncias do caso) à ponderação dos interesses superiores do menor, ou seja, dos interesses conexos com os bens prioritários da criança (a vida, a integridade, a liberdade, no contexto dos bens e interesses relevantes no caso”.
    Concluímos, portanto, que o interesse da criança ou jovem passa pela existência de um projecto educativo; pela efectiva prestação de cuidados básicos diários (alimentos, higiene, etc.); pela prestação de carinho e afecto; pela transmissão de valores morais; pela manutenção dos afectos com o outro progenitor e a demais família (designadamente irmãos e avós); pela existência de condições para a concretização do tal projecto educativo; pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável; pela existência de condições físicas (casa, espaço íntimo) e pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da sua personalidade.
    É, portanto, em face deste interesse que se irá fundamentalmente analisar e aferir acerca do objecto recursório em apreciação.

    A presente decisão provisória referente à pretendida implementação/executoriedade da vertente dos convívios da regulação do exercício das responsabilidades parentais do jovem Gonçalo ..., objecto da apelação, foi proferida em sede da conferência de progenitores.
    O que nos conduz ao prescrito no artº. 28 do RGPTC, que prevê acerca das decisões provisórias e cautelares,  o qual dispõe, no que ora importa, nos seus nº.s 1 a 3, o seguinte:
    1 – em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
    2 – Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
    3 – Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por conveniente” (sublinhado nosso).
    Ora, conforme resulta de forma expressa, no âmbito das decisões provisórias e cautelares, a própria lei prevê a determinação de diligências que se tornem indispensáveis ao assegurar da execução efectiva da decisão, ou seja, existe uma preocupação de intervenção, mesmo em sede provisória, no sentido de evitar situações de não execução de um regime definitivamente fixado e ainda não logrado concretizar.

    Prevendo acerca do conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o nº. 2, do artº. 1878º, do Cód. Civil, que “os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida” (sublinhado nosso).
    Como elemento tradutor desta maturidade e autonomia, a Lei nº. 84/95, de 31/08 [25], introduziu no Código Civil o artº. 1887º-A, prevendo acerca do convívio com irmãos e ascendentes, estatuindo que “os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.
    Referem Helena Bolieiro e Paulo Guerra [26] que com a entrada em vigor deste normativo “a criança passou a ser titular de um direito autónomo ao relacionamento com os avós e com os irmãos, que podemos designar por direito (amplo) de visita – há um direito desta criança ao convívio com os avós e com os irmãos, que não pode ser cerceado de forma injustificada pelos pais”.
    Resultou o aditamento deste preceito “da orientação jurisprudencial e doutrinária, inserida no contexto de uma revalorização da família alargada, e das dificuldades relacionais por vezes colocadas por uma excessiva «atomização da família»”.
    Deste modo, o convívio de filhos menores com terceiros está sujeito à regra contida no transcrito nº. 2, do artº. 1878º, do Cód. Civil, ou seja, “deve ser pelos pais reconhecida aos filhos menores, de acordo com a sua maturidade, paulatina autonomia na escolha das pessoas com quem convivem, na regulação dos afetos, e mesmo nas preferências de convívio na família alargada[27].
    Assim, enquanto que anteriormente, a única forma de atribuir á criança, aos irmãos e aos avós tal direito de relacionamento entre si, independentemente da vontade dos pais, dependia do apelo e preenchimento dos pressupostos enunciados no artº. 1918º, do Cód. Civil, com a introdução daquele normativo previu-se “expressamente um limite ao exercício das RP, proibindo os pais de impedir, sem justificação, os filhos de se relacionarem com os ascendentes ou irmãos”.
    Configura-se, deste modo, legalmente, “um limite ao direito dos pais à companhia e educação dos filhos (artigo 36º, nºs. 5 e 6, da CRP) e a decidirem, como bem entenderem, com quem se pode relacionar a criança e o lugar destes encontros, facetas dos direitos de guarda e de vigilância”.
    E, subjacente a esta norma está “uma presunção de que o convívio da criança com os ascendentes e irmãos é positivo para ela e necessário para o harmonioso desenvolvimento da sua personalidade”, pelo que, “em caso de conflito entre os pais e os avós da criança, o critério para conceder ou negar o direito de visita é o interesse da criança” (sublinhado nosso), pelo que “os pais, se se quiserem opor com êxito a este convívio, terão de invocar motivos justificativos para tal proibição[28].
    Com efeito, para que seja considerada legalmente justificada a privação do convívio, tal carece sempre de corresponder ao interesse do filho, “com a invocação de razões que determinem que a este são nefastos tais contactos. Esta asserção não exclui, porém, que o prejuízo para o filho possa advir de razões respeitantes ao relacionamento entre os familiares em causa e os progenitores, designadamente quando da repercussão dessas dificuldades não seja preservado o filho, quando tal comprometa a sua estabilidade emocional, gere conflitos de lealdade em relação às figuras parentais ou outras dificuldades graves para o seu bem-estar global”.
    Decorre, assim, que o objectivo da lei “é o reconhecimento do direito ao estabelecimento pelos filhos de um relacionamento próprio com os membros da família alargada, que não seja obstaculizado, sem justificação, pelos progenitores”, o que se traduz numa “projecção do dever de respeito dos pais pelos seus filhos menores, concretizada no reconhecimento do filho como ser autónomo, com direito ao estabelecimento das suas próprias relações significantes, cujos pressupostos e forma de desenvolvimento são diversos das dos seus progenitores[29].
    Deste modo, presentemente, “para ser decretado um direito de visita da criança relativamente aos avós ou aos irmãos, basta que tal medida esteja de acordo com o seu supremo interesse, ou seja, produza efeitos favoráveis para aquela” (sublinhado nosso).
    A decisão judicial em equação deve, assim resultar “de uma ponderação de factores (vontade da criança, afecto entre a criança e os avós ou entre a criança e os irmãos, qualidade e duração da relação anteriormente existente entre estes, assistência prestada pelos avós ou pelos irmãos à educação da criança, benefícios para o desenvolvimento da personalidade da criança e para a sua saúde e formação moral resultante da relação com os irmãos e com os avós, efeitos psíquicos e físicos do corte das relações da criança com os avós ou com os irmãos), tendo a criança direitos constitucionalmente protegidos que entram em conflito com os direitos dos pais, devendo prevalecer os direitos da primeira, no caso dos pais não apresentarem razões suficientemente fortes para proibir a relação do filho com os avós, dado que a finalidade principal do exercício das RP é, sabemo-lo bem, promover o interesse da criança”.
    Acresce que, este interesse e a sua necessária tutela ou salvaguarda, implica que, mesmo para além dos irmãos e avós, “mais pessoas de referência podem surgir, assim se entenda realmente o interesse da criança em não se privar do contacto de certos homens e mulheres que passaram pela sua vida e que, por algum incidente de percurso, podem deixar de o fazer[30] [31] [32].
    Todavia, também conforme anotámos, a perduração/manutenção de tais convívios deve estar sempre dependente, com base num quadro de análise dinâmica e não estática, do concreto e real interesse da criança, ou seja, tais convívios apenas devem manter-se enquanto se afigurem como uma verdadeira e clara mais-valia, como fonte de vantagem e ganho para o menor, como experiência saudável e enriquecedora para a sua futura vivência e enriquecimento da sua personalidade.
    Pelo que, consequentemente, a sua implementação ou manutenção deve ser claramente questionada quando a experiência vivenciada é traumática, quando o menor não se sente minimamente seguro junto de tais familiares, quando existe resistência não induzida aos convívios, quando a fixada temporalidade dos mesmos como que “custa a passar”, documentada e traduzida nas várias interpelações acerca do seu terminus [33].

    Não se desconhece igualmente, conforme referenciado nas alegações recursórias, e já supra indiciado, a necessidade de proceder á prévia audição da criança ou jovem relativamente aos assuntos que lhe digam directamente respeito.
    Impõem-no o prescrito no artº. 12º da Convenção Sobre os Direitos da Criança [34], ao referenciar que:
    “1 - Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
    2 - Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional”.
    Bem como o princípio orientador de intervenção estatuído no artº. 4º, nºs. 1, alín. c) e 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ao prescrever, acerca da audição e participação da criança, que esta, “com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”, sendo incumbência do juiz aferir, “casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica”.
    A que acresce, por réplica, o princípio orientador estabelecido na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – aprovada pela Lei nº. 147/99, de 01/09, com as alterações introduzidas pela Lei 142/2015, de 08/09 -, nomeadamente na alínea j), do artº. 4º, sob a epígrafe de audição obrigatória e participação, ao prescrever que “a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção”.
    As regras da audição, por sua vez, encontram-se plasmadas no artº. 5º do RGPTC, referenciando este, no seu nº. 1, que “a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse”.

    Ora, no caso sub júdice cumpriu-se a vinculada audição, tendo o jovem Gonçalo … sido ouvido pelo Juiz a quo, relativamente á concreta situação em apreciação, ou seja, ao retomar das visitas ao irmão maior e, por intermédio deste, ao progenitor pai.
    Escalpelizada tal audição, que sindicámos, considerou-se apenas provado que o Gonçalo não demonstra vontade em contactar e estar com o irmão Martim, nem como progenitor pai, afirmando, relativamente ao irmão, que por agora não o quer conhecer melhor nem estar com o mesmo, não dando, todavia, qualquer explicação ou justificação para tal afirmada vontade – cf., factos 11. e 12.
    Ou seja, confrontado com o teor do acordado, e devidamente homologado, pelos progenitores em Fevereiro de 2016, no sentido de ser retomada a ligação do jovem com o pai e irmão (já maior), o Gonçalo não demonstra vontade de estabelecer tais contactos, sem justificar ou explicar a motivação de tal atitude.
    Aliás, as suas declarações surgem escassas e poucos concretizadas (por vezes, mesmo, de dificultada audição, admitindo-se, porém, correspondência com a transcrição efectuada em sede recursória), limitando-se ao exprimir de uma posição de princípio, que reflectirá a longa querela existente entre os progenitores.
    Efectivamente, reconheça-se, tal clima de disputa entre os progenitores, decorrente do mau relacionamento entre os mesmos, provocou fundamentalmente duas vítimas na pessoa dos filhos, que se viram privados de uma convivência comum, própria de irmãos, ainda que com alguma diferença de idade. Afastando o filho mais velho dos convívios com a progenitora mãe e o mais novo dos convívios com o progenitor pai, sem que os progenitores tenham revelado a necessária inteligência emocional de a tal obviar, olvidando que os principais efeitos do conflito existente acabariam por provocar danos e perdas na parte mais frágil, ou seja, na pessoa dos filhos.
    Efeitos, também, de uma decisão inicial no sentido de separação dos irmãos, muitas vezes com efeitos nefastos e, sempre que possível (em grau de possibilidade exegético), a evitar.
    Pelo que, neste quadro, compreende-se alguma relutância do Gonçalo na aproximação desejada, interrompida desde o ano de 2013. Também por este motivo se justificam os cuidados colocados na decisão apelada, no sentido de promover uma gradual aproximação, tendo por principal elo de ligação o irmão maior.
    Todavia, a ausência de qualquer explicação, justificação ou motivação para a posição de princípio assumida parece indiciar não estarmos perante a emissão de uma vontade totalmente livre ou radicada apenas na própria vontade do jovem, antes se indiciando alguma indução na resistência apresentada aos convívios ou, pelo menos, o extravasar de um sentimento, certamente injustificado, de lealdade ou gratidão para com a progenitora mãe.
    Efectivamente, esta também se viu privada, num determinado momento, dos convívios com o filho primogénito – cf., factos 7. a 10. -, pelo que a atitude do Gonçalo revela, presuntivamente, laivos de uma lealdade para com a sua principal figura tuteladora (e por quem revela emocional dependência), como que traduzindo um (re)equilíbrio de situações entre os progenitores. O que, sendo humanamente compreensível no turbilhão emocional vivenciado, não pode ser, pura e simplesmente, aceite.
    Por outro lado, sempre se dirá, ainda, que a vinculada audição da criança e jovem, e a consideração da sua opinião nas decisões que a afectem, tem sempre como limitação a prossecução do seu superior interesse.
    Donde decorre, logicamente, que o Tribunal não pode, nem deve, estar vinculado à opinião e vontade do menor, pois o superior interesse deste colide, variadas vezes, com a sua vontade e desejo extravasados. Ou seja, o juiz não deve ser um mero receptáculo daquela vontade, desejo ou opinião, limitando-se a recolhê-la, a observá-la e a cumpri-la acriticamente. Deve antes, decisivamente, sindicá-la, sujeitando-a ao crivo do real, concreto e casuístico interesse da criança e jovem, pois só assim logrará cumprir a sua função.
    Ora, o Gonçalo tem presentemente 12 anos (completará 13 no próximo mês de Agosto) e, para a sua completa formação, desenvolvimento e adequada inserção, é fundamental que mantenha ligação à vertente paterna familiar, na pessoa do progenitor pai, bem como ao seu irmão, que entretanto atingiu a maioridade. E, nem se entenderia de outra forma, ou seja, que não fosse de tentar salvaguardar tais vínculos familiares, tanto mais que nenhumas razões, ponderosas e determinantes, se descortinam ou conhecem para o sancionar de tal perda ou quebra de ligação.
    Com efeito, corresponde ao concreto e real interesse do jovem Gonçalo que o Tribunal procure a salvaguarda dos contactos/convívios quer com o irmão Martim, jovem universitário que demonstra vontade em melhor conhecer o irmão, disponibilizando-se a ir buscar e estar com o mesmo, bem como, através deste, e numa gradual e evolutiva reaproximação, com o progenitor pai.
    O que, ao invés, não se entenderia era que o Tribunal se divorciasse de tal esforço de reaproximação, de garantir que o Gonçalo pudesse, ainda que com atraso de anos, vir a beneficiar da proximidade da figura do irmão mais velho e do progenitor pai, sempre importantes para a total formação e estabilidade emocional futura.
    Como não se entenderia que o Tribunal, na adopção de uma atitude passiva, tudo não fizesse para que tal desiderato fosse alcançado, conformando-se com a afirmada recusa não motivada ou explicitada do jovem, numa confortável atitude passiva até ao limiar da sua maioridade, mas que não salvaguardaria o seu intocável superior interesse. 

    Exposta a idoneidade da intervenção e salvaguarda, cremos, contudo, que a forma lograda obter pelo Tribunal a quo, espelhada na decisão apelada, poderá, e deverá, ser melhorada, introduzindo o necessário apoio técnico especializado, garantindo, pelo menos durante um primeiro período de 6 meses, que se afira e determine acerca da natureza da resistência aos convívios apresentada pelo jovem, bem como a forma de a ultrapassar.
    Pelo que, no aproveitamento da disponibilidade evidenciada pelo Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental “o Far...”, na pessoa da sua Coordenadora Técnica – cf., comunicação de 07/02/2019, constante de fls. 351 -, reiterada na comunicação de incumprimento da decisão apelada, efectuada pelo progenitor pai – datada de 14/02/2019 e constante de fls, 352 e 353 -, decide-se, na alteração do despacho recorrido, fixar, provisoriamente, o seguinte:
    1 - Pelo menos no primeiro no 1º e 3º sábado de cada mês (podendo ocorrer permutas de sábados, devidamente acordadas entre o filho Martim ... e a Sra. Técnica), o filho do casal Martim …, ora maior de 21 anos de idade, juntamente com o irmão Gonçalo …, frequentarão, pelo período de pelo menos uma hora (entre as 09.00 e as 12.00 horas, em concreta hora a indicar pela Sra. Técnica), o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental “o Far…”, onde terão sessões com a Dra. Ana … (ou com quem esta indicar), no sentido de promover a reaproximação entre os irmãos ;
    2 - Para esse efeito, a Requerida progenitora, conduzirá o Gonçalo até ao local onde funciona tal instituição, á hora determinada ;
    3 - Para os necessários contactos entre a progenitora mãe, o Martim e a Sra. Técnica, são utilizados os seguintes nºs. de telefone:
    § do Martim: 91… ;
    § da progenitora mãe: 96…;
    4 - O supra determinado vigorará, pelo menos, durante o ininterrupto período de 6 (seis meses), apenas cessando antecipadamente caso a Sra. Técnica justifique tal necessidade junto do Tribunal, e este anua ;
    5 – Podendo, ainda, ser tal acompanhamento prorrogado, por igual período ou por períodos trimestrais, mediante justificação a apresentar ao Tribunal e mediante a anuência deste ;
    6 – Em caso de incumprimento do supra determinado, sem causa aceite como justificada pelo Tribunal, deverão ser emitidos mandados de comparência sob custódia, de forma a garantir a efectividade do determinado”.  

    Donde, em guisa conclusória, num juízo de parcial procedência da apelação, ainda que com diferenciada fundamentação, determina-se a revogação/alteração do despacho apelado, que se substitui nos termos supra determinados.
    *
    Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, a tributação nos presentes autos de recurso fica a cargo da Apelante e Apelado, em idêntica proporção.

    ***
    IV. DECISÃO

    Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, num juízo de parcial procedência do recurso interposto, ainda que com diferenciada fundamentação, em:
    a) revogar/alterar o despacho recorrido ;
    b) o qual se substitui, decidindo-se fixar, provisoriamente, o seguinte:
    1 - Pelo menos no primeiro no 1º e 3º sábado de cada mês (podendo ocorrer permutas de sábados, devidamente acordadas entre o filho Martim … e a Sra. Técnica), o filho do casal Martim …, ora maior de 21 anos de idade, juntamente com o irmão Gonçalo …, frequentarão, pelo período de pelo menos uma hora (entre as 09.00 e as 12.00 horas, em concreta hora a indicar pela Sra. Técnica), o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental “o Far…”, onde terão sessões com a Dra. Ana … (ou com quem esta indicar), no sentido de promover a reaproximação entre os irmãos ;
    2 - Para esse efeito, a Requerida progenitora, conduzirá o Gonçalo até ao local onde funciona tal instituição, á hora determinada ;
    3 - Para os necessários contactos entre a progenitora mãe, o Martim e a Sra. Técnica, são utilizados os seguintes nºs. de telefone:
    § do Martim: 91... ;
    § da progenitora mãe: 96...;
    4 - O supra determinado vigorará, pelo menos, durante o ininterrupto período de 6 (seis meses), apenas cessando antecipadamente caso a Sra. Técnica justifique tal necessidade junto do Tribunal, e este anua ;
    5 – Podendo, ainda, ser tal acompanhamento prorrogado, por igual período ou por períodos trimestrais, mediante justificação a apresentar ao Tribunal e mediante a anuência deste ;
    6 – Em caso de incumprimento do supra determinado, sem causa aceite como justificada pelo Tribunal, deverão ser emitidos mandados de comparência sob custódia, de forma a garantir a efectividade do determinado.” ;  
    c) Custas a cargo da Apelante e Apelado, em idêntica proporção – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil.

    Arlindo Crua - Relator
    António Moreira – 1º Adjunto
    Lúcia Sousa – 2ª Adjunta (Presidente)


    [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
    [2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
    [3] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
    [4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
    [5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
    [6] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
    [7] Ob. cit., pág. 606.
    [8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 737.
    [9] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
    [10] RLJ, Ano 143º, Novembro-Dezembro de 2013, nº. 3983, pág. 129 a 151.
    [11] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372 a 375.
    [12] Acerca da disponibilidade da tutela jurisdicional a operar pelo princípio do dispositivo, através das modificações objectivas da instância, por alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos dos artigos 264º e 265º, ambos do Cód. de Processo Civil, cf., José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., Vol. 1º, 4ª Edição, pág. 40.
    [13] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 67 e 68.
    [14] Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 7ª Edição, 2014, Quid Juris, pág. 205.
    [15] Processos Especiais, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 400.
    [16] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª Edição, 2004, pág. 298, aduz que “em muitos processos de jurisdição voluntária, o tribunal – mais do que decidir um litígio segundo critérios estritamente jurídicos – vai proferir um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa”.
    [17] Ob. cit., pág. 205.
    [18] Ob. cit., pág. 399.
    [19] Nas palavras do Ac. R.C. de 2-11-94 in Cj 1994/5/34.
    [20] Apud Ac. de 3-10-1996 in BMJ 460º-796.
    [21] Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 10ª Edição, Quid Juris, pág. 29.
    [22] Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 2ª Edição, pág. 36 e 37.
    [23] Assim, Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 7ª Edição, Quid Juris, pág. 34.
    [24] O Discurso dos Direitos, Coimbra Editora, pág. 140 e segs..
    [25] Que entrou em vigor em 05/09/1995.
    [26] A Criança e a Família – uma questão de direito(s), 2ª Edição Coimbra Editora, pág. 225 a 228.
    [27] Estrela Chaby, Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pág. 791.
    [28] Helena Bolieiro e Paulo Guerra, ob. cit..
    [29] Estrela Chaby, ob. cit., pág. 791 e 792.
    [30] Helena Bolieiro e Paulo Guerra, ob. cit..
    [31] Acerca da enunciada possibilidade, defende Estrela Chaby – ob. cit., pág. 792 -, que o previsto no citado artº. 1887º-A, do Cód. Civil, não parece poder estender-se a outros familiares. Pelo que, estando em causa pessoas relevantes para o menor, sejam ou não familiares, “com quem os pais injustificadamente impeçam o filho de conviver, não é de excluir o recurso a outros meios para possibilitar esse convívio, verificados, p. ex., os pressupostos graves de que depende uma intervenção em sede de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, ou do disposto no ar. 1918º”.
    [32] Os doutos arestos da RP de 07/01/2013 e de 21/10/2013 – respectivamente, Relatores: Luís Lameiras e Rita Romeira, Processo nº. 762-A/2001.P2, in www.dgsi.pt -, reconhecem aos tios a possibilidade de, com base no artº. 1918º, do Cód. Civil, e com recurso à acção tutelar comum, requererem providências adequadas ao restabelecimento do convívio com o menor sobrinho, de acordo com a vontade deste, e mesmo contra a vontade do progenitor.
    [33] Seguimos, nesta parte, de forma muito próxima, o aduzido no Acórdão desta Relação de 04/10/2018 – Processo nº. 195/15.9T8AMD-D.L1 -, com os mesmos Relator e 1º Adjunto.
    [34] Introduzida na ordem jurídica nacional pela Resolução da AR nº. 20/90, de 12/09.