Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12770/16.0T8LSB.L1-6
Relator: GILBERTO JORGE
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
AJUDAS DE CUSTO/RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: - A arguição e conhecimento das regras de competência material relativa a tribunais judiciais (cível e trabalho) só pode ter lugar até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final, sendo pois intempestiva se invocada apenas em sede recursiva.

- Só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, pelo que outras atribuições patrimoniais/ remunerações complementares se tiveram uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este, não assumem carácter retributivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 6.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

Companhia de Seguros Allianz Portugal SA, com sede em Lisboa, intentou e fez seguir contra Polígono Aberto-Construção & Imobiliária Ld.ª, sedeada em Vila Nova de Famalicão, a presente acção declarativa pedindo que seja julgada procedente por provada e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 14.301,37, acrescida dos juros legais que se venceram, no montante de € 1.698,61 e dos que se vencerem, com custas, selos, procuradoria e o mais legal devido pela ré.
Para tanto e em síntese alegou ter sido celebrado, entre as partes, um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de folhas de férias, não tendo a ré procedido ao pagamento do valor de acerto do prémio referente ao ano de 2013.
A ré contestou pugnando a final pela improcedência da acção por não provada, absolvendo-a do pedido.
Findos os articulados, teve lugar a audiência prévia, na qual se tentou em vão conciliar as partes, após o que se procedeu ao saneamento do processo, seguido da identificação do objecto do litígio e da enunciação dos temas de prova.
Posteriormente, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e em seguida proferiu-se sentença que julgou a acção procedente e se condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 14.301,37 acrescida dos juros de mora, à taxa legal, devidos desde o vencimento dos respectivos “recibos” até integral pagamento.
Inconformada com a decisão, a ré interpôs recurso que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeitos meramente devolutivo.
A apelante apresentou alegações sintetizadas do modo seguinte:
                (…)
3.ª – A questão centra-se no conceito de «ajudas de custo», quantias que o art. 260.º n.º 1 al.a) do Código do Trabalho exclui do conceito de retribuição, a menos que se verifique a excepção nele citada.
4.ª – Não obstante suscitarem-se dúvidas à recorrente sobre se o Tribunal Comum será competente em razão da matéria para determinar se o que a ré alega serem «ajudas de custo» o serão ou não, posto afigurar-se tratar-se de matéria da competência especializada dos Tribunais de Trabalho – o que conduziria à aplicação do art. 92.º do CPC (questão prejudicial a dirimir no referido foro), aborda-se o tema:
5.ª – Nos termos do preceito citado na 3.ª conclusão supra, não se consideram retribuição «As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador. 
6.ª – A questão da excepção de que fala o artigo tem sido, a mais das vezes, suscitada perante os Tribunais (do Trabalho) e as decisões proferidas relativamente aos montantes pagos a esses títulos vão no sentido de os mesmos integrarem a retribuição se o trabalhador tiver a legítima e fundada expectativa de receber todos os meses a prestação em causa, por a mesma lhe ter sido atribuída de forma regular e permanente, criando a convicção de que ela faz parte do seu salário.
                (…)
12.ª – Isto é, são os próprios trabalhadores da ré que afirmam não terem qualquer expectativa de o tal montante de € 65,00 por dia lhes ser atribuído de forma regular e permanente, de estarem convictos de que ele fazia parte do seu salário.
13.ª – Ao invés, eles mesmos dizem expressamente que apenas recebiam a dita importância quando se encontravam em França e já não quando trabalhavam em Portugal.
14.ª – Em suma, que as ditas quantias não eram uma contrapartida da sua prestação laboral, mas sim algo destinado a custear deslocações, alojamento e alimentação.
15.ª – Afigura-se, assim, que o facto dado por «não provado» transcrito na 2.ª conclusão supra deverá, com base nos referidos depoimentos, ser considerado provado, não sendo rigoroso que a sentença tenha concluído, em desconformidade com os mesmos, que o recebimento da dita quantia diária fosse paga pela «mera possibilidade do desempenho de funções no estrangeiro, independentemente de o trabalhador as ter desempenhado», pois que não foi isso que os trabalhadores afirmaram – sendo que o facto de serem quantias «fixas» não lhes retira a natureza de «ajudas de custo».
16.ª – A sentença recorrida não interpretou e aplicou por forma rigorosa, salvo o devido respeito, as normas citadas nas precedentes conclusões, pelo que se impõe a sua revogação.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, em conformidade com as conclusões que antecedem, decretando-se a absolvição da ré do pedido.
Não consta dos autos a apresentação de contra alegações.
Colhidos os vistos legais das Exm.ªs Juízes Desembargadoras Adjuntas cumpre agora apreciar e decidir ao que nada obsta.

II – Fundamentação de facto
O quadro factual provado fixado em 1.ª instância foi o seguinte:
1 – A autora, no exercício da sua actividade, celebrou com a ré um contrato de seguro, por um ano, do ramo de Acidentes de Trabalho, titulado pela apólice n.º 201914150, com início em 23.01.2013.
2 – O contrato foi celebrado na modalidade de prémio variável, por folha de férias, para efeitos de cálculo do valor do prémio a pagar, tendo ficado estipulado como “retribuição anual estimada” o valor de € 150.000,00.
3 – Nos termos da Cláusula 21.ª das condições gerais, “o valor da retribuição segura deve abranger (…) tudo o que a lei considera como elemento integrante da retribuição e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar a pessoa segura por custos aleatórios (…)”.
4 – No ano de 2013, mostram-se inscritos nas folhas de férias valores de “vencimento” nos montantes mensais, entre € 207,00 e € 550,00 e “outros” a partir de maio, nos montantes mensais entre € 420,00 e € 1.820,00, de igual valor mensal relativamente a cada funcionário.
5 – A autora emitiu e enviou à ré os seguintes “Avisos de recibo”:
- N.º 720062761 (substituído pelo recibo n.º 722222413), no valor de € 13.676,93, datado de 30.04.2014, referente ao acerto efectuado relativo ao período entre 01.01.2013 e 31.12.2013, atenta a diferença entre os salários previsionais indicados (€ 140.446,00) e os efectivamente verificados através das folhas de férias disponibilizadas pela ré (€ 429.660,97) e acréscimos legais;
- N.º 768702534, no valor de € 624,44, datado de 06.04.2015, referente ao prémio relativo ao período de 01.01.2014 a 30.04.2014 e encargos legais.
6 – A partir das referidas folhas de férias, alcançou-se um valor global efectivo de prémio de € 17.562,65.
7 – O valor previsional indicado foi de € 5.185,91.
8 – A ré que tem por objecto a construção e restauro de prédios residenciais e não residenciais.
9 – Devido à adjudicação de uma obra em França, cuja duração seria de aproximadamente 8 meses, teve necessidade de fazer deslocar alguns dos seus funcionários.
10 – Para ressarcir os trabalhadores que se deslocavam para França, acordou a ré o pagamento do valor mensal, fixo, inscrito nas folhas de férias como “outros”.
11 - Os valores inscritos na categoria de “outros” destinam-se a compensar os funcionários da ré por despesas efectuadas ao serviço da ré – facto introduzido por força da impugnação de que foi alvo a factualidade descrita na alínea B) dos factos não provados.
Quadro factual não provado:
A – No ano de 2013, a massa salarial real foi de € 118.549,23, correspondendo a um valor ilíquido de € 138.600;
B – Os valores inscritos na categoria de “outros” destinam-se a compensar os funcionários da ré por despesas efectuadas ao serviço da ré, não se traduzindo em ganho efectivo para os mesmos - resposta que foi objecto de alteração (cfr. fundamentação constante de fls. 7/9 deste acórdão) passando a ter a redacção contida no n.º 11 dos factos provados.

III – Fundamentação de direito
De acordo com as conclusões da alegação de recurso, delimitadoras do seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – atento o disposto nos arts. 608.º n.º 2, 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 todos do Código de Processo Civil (diploma legal a que respeitarão todas as normas legais desde que não haja referência a qualquer outro diploma)  – as questões colocada ao Tribunal ad quem prendem-se com a excepção da competência do Tribunal a quo em razão da matéria, com a modificação da decisão sobre a matéria de facto e consequente decisão de mérito diversa da recorrida.
- Quanto à excepção da competência do Tribunal a quo em razão da matéria
Estabelece o art. 97.º (Regime de arguição - Legitimidade e oportunidade) que a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (n.º 1); a violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final (n.º 2).
Temos, assim, na arguição e conhecimento das regras de competência material, dois regimes. Um, quando a competência diz respeito a tribunais de diferente categoria (art. 29.º da LOSJ) e outro, quando é relativa apenas a tribunais judiciais.
No primeiro caso, a arguição pode ter lugar e deve ser oficiosamente suscitada até ao trânsito da sentença proferida sobre o fundo da causa. Já no segundo, a arguição e o conhecimento oficioso só pode ter lugar até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.
Não oferece dúvida de que, questionando-se só em sede de recurso a competência do juízo do tribunal comum para conhecer do pedido formulado pela autora, atribuindo-a aos tribunais de trabalho, a pretensa violação das regras de competência em razão da matéria respeita apenas aos tribunais judiciais – cfr. decorre dos arts. 79.º, 80.º e 81.º e 81.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Assim sendo, salvo melhor entendimento, afigura-se-nos intempestiva a invocada, só em sede recursiva, incompetência material do Tribunal Cível de Lisboa.
Bem sabemos que se trata de excepção de conhecimento oficioso, porém in casu teria de ser oficiosamente conhecida até ser proferido despacho saneador ou até ao início da audiência final e, como vimos, nenhuma destas situações se verificou e, por outro, a referida incompetência em razão da matéria foi arguida pela ré/recorrente apenas e só no recurso da sentença final (cfr. 4.ª conclusão recursiva).
Por todo o exposto, esta Relação está impedida de conhecer da agora suscitada eventual incompetência material do Tribunal Cível de Lisboa, uma vez que a decisão proferida no despacho saneador, na parte que agora nos ocupa - “… O Tribunal é absolutamente competente… O processo não enferma de nulidades. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Inexistem outras questões prévias ou excepções de que cumpra conhecer…” – tornou-se definitiva, porquanto a competência em causa, como vimos, sendo relativa a tribunais judiciais de primeira instância, um deles de competência genérica e um outro de competência especializada, deveria ter sido suscitada naqueles momentos processuais indicados no citado art. 97.º n.º 2, e não agora na instância de recurso, sob pena de violação desta regra processual e do instituto plasmado no art. 580.º.
Com efeito, tendo sido declarado no saneador que “… o Tribunal é absolutamente competente…”, sem que essa parte da decisão tenha sido objecto de impugnação e não tendo sido arguida ou oficiosamente conhecida até ao início da audiência final, precludida ficou a possibilidade da incompetência absoluta do tribunal ser invocada ou conhecida de modo oficioso posteriormente nesta apelação. 
Neste sentido aponta o Assento do STJ de 27.11.1991, in DR I - Série A de 11.01.1992, «O despacho a conhecer de determinada questão relativa à competência em razão da matéria do tribunal, não sendo objecto de recurso, constitui caso julgado em relação à questão concreta da competência que nele tenha sido decidida».
Termos em que improcede a conclusão recursiva relacionada com a matéria acima apreciada. 
- Quanto à modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Das conclusões da alegação recursiva resulta que a ré/recorrente não se conforma com a factualidade dada como não provada e descrita na alínea B) - Os valores inscritos na categoria de “outros” destinam-se a compensar os funcionários da ré por despesas efectuadas ao serviço da ré, não se traduzindo em ganho efectivo para os mesmos - que mereceu do Tribunal a quo a fundamentação seguinte:
“(…)
A decisão do Tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada teve por base a análise conjugada e crítica da prova produzida, designadamente:
- Os documentos juntos aos autos a fls. 5-16 (condições particulares e gerais da apólice de seguro em causa), a fls. 17 v a 19 e 38v (“avisos de recibo” e cartas enviadas à ré com referências para pagamento, explicação do “acerto de prémio” e insistência pelo pagamento) e a fls. 32v a 38 (“folhas de férias” de todos os meses do ano de 2013);
- Os depoimentos das testemunhas ouvidas, a saber:
- AC, deu conta de prestar serviços à autora, explicando a forma como foi feito o cálculo do prémio devido no final do ano de 2013, esclarecendo que a verba “outros” foi considerada como retribuição uma vez que se tratava de um valor pago por igual mensalmente, não tendo a entidade patronal declarado tratar-se de “ajudas de custo”;
- FA, trabalhador da ré, deu conta de ter estado numa obra em França, esclarecendo que tanto estava lá um mês como dois em Portugal e depois voltava, assim como os colegas também “vinham cá abaixo”, afirmando que, no total, terá estado 3 ou 4 meses em França; disse que o “patrão” manteve o salário que recebia em Portugal e pagava um valor à razão diária de € 65,00, para fazerem face às despesas e “o que sobrasse era nosso”;
- VS, deu conta de ter sido também trabalhador da ré, em 2015, e de ter estado numa obra em França, que já tinha começado muito antes, recebendo um valor mensal, do qual pagava as despesas, esclarecendo que faziam “grupos” de 4 ou 5 homens para “dividir as despesas”, nomeadamente com o alojamento.
(…)”.   
Com o presente recurso pretende a ré/apelante que tal facto dado como não provado seja considerado provado.
A autora/apelada não contra alegou.

Vejamos
Para averiguar da bondade da pretensão da recorrente importa, antes de mais, elencar alguns pressupostos a ter em conta na reapreciação da decisão sobre aquela matéria de facto.
Flui do art. 662.º n.º 1 que uma eventual alteração só deverá ocorrer se houver elementos que a imponham muito claramente, não bastando que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes, ao condicionar a modificação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância à existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da proferida.
O que vale por dizer que não deverá ser uma divergência qualquer, em relação à valoração da prova produzida, ou ao critério das respostas dadas à matéria de facto que justifica uma alteração dessas respostas.
Regressando aos autos, constata-se que a apelante ancorou a pretendida alteração em prova testemunhal, caso das testemunhas FA e VS, cujos depoimentos já tinham sido tidos em conta pela Mm.ª Juiz a quo, cujos excertos constam deste acórdão, a fls. 7.
Em relação às referidas testemunhas da ré, FA, profissional da construção civil que trabalhou para a ré, e VS, funcionário publico e que também já trabalhou para a ré, salientaram respectivamente a primeira testemunha que, enquanto em Portugal, auferia unicamente o salário e que quando foi para França a sua entidade patronal lhe atribuiu a quantia de € 65,00/diários para custear a sua estadia e a sua comida e ao regressar de França voltava a receber unicamente o salário que recebia quando não se encontrava naquele País e a segunda testemunha que confirmou aquele recebimento “extra”, além do salário, como sendo destinado ao seu alojamento, transporte e alimentação quando se encontrava em França.
Cotejando os depoimentos, quer os que serviram de fundamento à decisão de facto quer os carreados pela recorrente, das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento ter-se-á de concluir que tais elementos probatórios permitem acolher, embora parcialmente, a pretendida modificação da resposta negativa descrita na alínea B).
Na verdade, este entendimento está em consonância com o quadro factual provado e não objecto de impugnação - veja-se designadamente os factos assentes n.ºs 9 e 10, “Para ressarcir os trabalhadores que se deslocavam para França…,devido à adjudicação de uma obra nesse País, cuja duração seria de aproximadamente 8 meses, a ré teve necessidade de fazer deslocar alguns dos seus funcionários…” – a par dos depoimentos das testemunhas que, em síntese, apontam no sentido de que os valores inscritos na categoria de “outros” respeitam a prestações pagas aos trabalhadores que se deslocavam para França e enquanto permaneciam nesse país ao serviço da entidade patronal, sendo que tal valor mensal fixo, inscrito nas folhas de férias como “outros” tinha em vista compensar as maiores despesas decorrentes da sua estada, em país estrangeiro, nada pois tendo a ver com a prestação de trabalho, em si mesma, relacionada com obras de construção civil tanto em Portugal como em França.
No entanto, a pretensão só poderá ser acolhida parcialmente, já que tal alínea contém conclusões e/ou ilações - “… não se traduzindo em ganho efectivo para os mesmos…” - que, embora assente em matéria de facto, tal afirmação não é integrada por simples factos materiais e portanto não susceptível de se responder, nessa parte, de forma afirmativa e/ou negativa.
Aqui chegados, a resposta negativa constante da citada alínea B), não se pode manter, mas também não com a amplitude pretendida pela apelante porquanto a resposta, não tendo de ser necessária e simplesmente afirmativa ou negativa, pode ser restritiva ou explicativa, ponto é que se mantenha dentro da matéria impugnada.  
Termos em que a referida alínea B) passa a ter a redacção seguinte:
Provado que:
Os valores inscritos na categoria de “outros” destinam-se a compensar os funcionários da ré por despesas efectuadas ao serviço da ré.
- Quanto ao mérito da decisão
Escreveu-se na sentença recorrida:
“(…)
De acordo com o art. 258.º do Código de Trabalho, considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito a receber em contrapartida do seu trabalho, compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, sendo certo que se presume retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Nos termos previstos no art. 260.º do Código do Trabalho, não se considera, contudo, retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
(…)”.  
Com a alteração introduzida, nesta Relação, à decisão sobre a matéria de facto, dando-se como provado que os valores inscritos na categoria de “outros” destinam-se a compensar os funcionários da ré por despesas efectuadas ao serviço desta, afigura-se-nos que a sentença recorrida de condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 14.301,37 acrescida dos juros de mora, à taxa legal, devidos desde o vencimento dos respectivos “recibos” até integral pagamento, não poderá subsistir.
Como é sabido, o princípio geral na definição da retribuição, stricto sensu, visto o carácter sinalagmático que enforma o contrato de trabalho, é a exigência da contrapartida do trabalho, pois só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
As atribuições patrimoniais/ remunerações complementares mesmo que provadas a regularidade e a periodicidade no seu pagamento não assumem carácter retributivo se tiveram uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
Escreveu-se no Ac. do TRP de 03.04.2006, identificado na 8.ª conclusão recursiva, «As remunerações complementares só podem fazer parte da retribuição, ficando sujeitas à respectiva disciplina legal se, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual, e deverem portanto considerar-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador, sobretudo se forem pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do seu salário. É o que sucede, por exemplo, com as ajudas de custo, quando concedidas regular e periodicamente».
Regressando ao nosso caso no qual se considerou, para além do mais, que a ré tem por objecto a construção e restauro de prédios residenciais e não residenciais (facto n.º 8), que devido à adjudicação de uma obra em França, cuja duração seria de aproximadamente 8 meses, teve necessidade de fazer deslocar alguns dos seus funcionários (facto n.º 9), que para ressarcir os trabalhadores que se deslocavam para França, acordou a ré o pagamento do valor mensal, fixo, inscrito nas folhas de férias como “outros” (facto n.º 10) e que os valores inscritos na categoria de “outros” destinam-se a compensar os funcionários da ré por despesas efectuadas ao serviço da ré (facto n.º 11), parece-nos claro que a pretensão da autora terá que soçobrar.
Por um lado, os valores inscritos na categoria de “outros” destinando-se a ressarcir os trabalhadores que a ré teve necessidade de fazer deslocar para França a fim de trabalharem numa obra, têm pois uma causa específica diversa da remuneração, ou como refere o facto provado 10), tinham em vista ressarcir os trabalhadores, ou como refere o facto provado 11) destinavam-se a compensar os trabalhadores por despesas efectuadas aos serviço da ré.
Ao fim e ao cabo tais valores mensais fixos tinham em vista aliciar/angariar trabalhadores para trabalharem no estrangeiro e assim compensá-los de eventuais e acrescidas despesas durante o tempo em que permanecessem naquela país.
Por outro, sempre se dirá que à autora incumbia alegar e demonstrar o carácter remuneratório daqueles valores fixos e pagos mensalmente aos trabalhadores da ré, como fazendo parte integrante da retribuição, o que não logrou alcançar e consequentemente terá de suportar a desvantagem da não observância de tal ónus da prova que se traduz no encargo que sofre a parte de fazer a prova dos factos que lhe aproveita, ou seja, a prova dos factos constitutivos do direito a que se arrogou.
Com efeito, à luz do quadro factual provado resulta que tais valores não integram o conceito de retribuição por ausência do elemento constitutivo da contrapartida da prestação, mas sim uma atribuição patrimonial que visa compensar os trabalhadores que se disponibilizaram para trabalhar no estrangeiro e assim poderem fazer face a maiores despesas do que aquelas que teriam se trabalhassem em Portugal, se bem que uns e outros no desempenho da mesma prestação de trabalho relacionada com obras de construção civil.
Na verdade, os valores fixos, a que aludem os factos provados sob os n.ºs 10 e 11, não têm por base mais horas de trabalho e/ou execução de outras tarefas, o que vale por dizer inexistir qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
Mas apenas e tão só se ancoram na circunstância de alguns trabalhadores da ré estarem a trabalhar não no nosso País mas em França, revelando essa atribuição patrimonial antes sim carácter compensatório, com natureza de ajudas de custo, não obstante de montante fixo.
Neste sentido, aponta a conduta dos trabalhadores ao dizerem que “… se agrupavam em 4/5 homens para assim dividirem as despesas nomeadamente com o alojamento…” e como é óbvio lhes sobrar algum daquele valor que a cada um lhes era atribuído pela entidade patronal, ora ré.
Aqui chegados, procedem pois as conclusões recursivas relacionadas com a pretendida modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto e de direito.
IV – Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se a ré do pedido.
Custas a cargo da autora.

Lisboa, 21 de Junho de 2018

Gilberto Martinho dos Santos Jorge

Maria Teresa Batalha Pires Soares

Maria de Deus Simão da Cruz Silva Damasceno Correia