Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18/19.0GBSSB-A.L1-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - A circunstância de uma das penas, a integrar o cúmulo jurídico, ter a sua execução suspensa não determinará a sua consideração para esse efeito, apenas se esta vier a ser revogada, nos termos do art 56° do CP; não se visa avaliar o cumprimento das penas parcelares, quando se realiza o cúmulo nos termos do art 78° do CP, mas ter uma avaliação mais completa do que ocorreu aquando das condenações parcelares.
- Nada obsta a que, tendo o agente sido condenado separadamente em penas de prisão suspensas na sua execução, no âmbito do concurso de crimes de conhecimento superveniente, se proceda ao cúmulo jurídico das mesmas e que a pena única conjunta de prisão seja de cumprimento efectivo.
- Quanto a penas de substituição, o caso julgado assume uma natureza de rebus sic standibus, cedendo quando se demonstre que outros crimes foram cometidos pelo agente antes do trânsito em julgado dessa condenação e que, como tal, existia um concurso de crimes que não foi tido em consideração, tendo presente o disposto no art 77° do Código Penal.
Nesse sentido a ponderação da pena de substituição apenas terá lugar após apurar a pena única principal.
Acresce que o argumento das expectativas do arguido em cumprir penas de prisão suspensas em nosso entender não é aceitável, pois que se o mesmo aquando do julgamento não está obrigado a informar de processos em julgamento, ou já julgados não poderá depois ter a expectativa legítima de que será uma pena de substituição que terá de cumprir quando o tribunal não tinha conhecimento da mesma e nem sempre por falha da justiça, atenta a impossibilidade de por vezes serem conhecidos todos os processos pendentes contra o arguido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL)

I-RELATÓRIO
1.1-Por despacho de 15-03-2021 neste Processo: 18/19.0GBSSB Tribunal Judicial da Comarca de …... do Juízo Local Criminal de …... - Juiz …...
Foi decidido:
*
“(…)
Considerando a promoção antecedente e o teor do CRC do arguido verificamos que os nossos autos não se mostram em concurso com todas as demais condenações sofridas pelo arguido, sendo que se mostra vedado o cúmulo por arrastamento e a realização de cúmulo jurídico de penas suspensas, in casu, até poderá ser prejudicial para o arguido.
Assim e pelo exposto, consideramos não ser de realizar cúmulo jurídico de penas por ora.”
1.2 - O despacho supra foi impugnado pelo MPº o qual  dele recorre dizendo:
1. Nos presentes autos foi proferido despacho a 15.03.2021, onde se decidiu não efetuar cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos 679/18....... condenação em 7 anos de prisão efetiva, processo 63/19....... condenação em 6 meses de prisão suspensa por 1 ano e processo 18/19....... condenação em 9 meses de prisão suspensa por 1 ano por entender que tal levaria a um cúmulo por arrastamento não estando verificados os competentes pressupostos do cúmulo superveniente e que o cúmulo de penas suspensas sempre poderia ser prejudicial ao arguido.
2.Quanto ao argumento da falta de verificação dos pressupostos do cúmulo decorrentes do art 77° e 78° ambos do Código Penal e eventual cúmulo por arrastamento discordamos de tal conclusão.
3.Decorre do Proc. 679/18....... a condenação transitada em julgado em 02.07.2020 (a primeira e como tal aquela que marca o primeiro momento temporal a ter em consideração AUJ 9/2016) sendo que os factos do Proc 63/19....... foram praticados a 21.02.2019 ou seja antes do mencionado trânsito em julgado e os factos dos nossos autos Proc 18/19....... foram antes do Proc 679/18....... (primeiro a transitar) mas igualmente antes do Proc 63/19......., pelo que não se verifica qualquer cúmulo por arrastamento.
4.Quanto ao segundo argumento quer a doutrina e quer a Jurisprudência têm caminhado para a unanimidade de entendimento da possibilidade de realização de cúmulo jurídico superveniente de penas efetivas e com execução suspensa
5.Acompanhamos a posição que dominante quer no Supremo Tribunal de Justiça (vide Ac de 25.10.2012; 12.03.2015; 19.06.2019; 11.09.2019 e 17.10.2019 todos in www.dgsi.pt).
6.Bem como Ac Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2019; 03.12.2020; 29.09.2020; 12.06.2018 e 08.02.2018 todos in www.dgsi.pt.
7.As penas suspensas devem ser incluídas em cúmulo com penas de prisão efectivas sendo que no final em face da pena única se ponderará a possibilidade de aplicação de pena de substituição nos termos do art 50° do Código Penal, dado que estão em causa penas com a mesma natureza e considerando o caso julgado o mesmo abrange a pena principal e a sua medida mas não a sua substituição e considerando que o regime decorrente no art 78° do Código Penal não tem por fundamento único a concessão de um privilégio ao condenado.
8.O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre esta matéria concluindo pela não violação dos princípios da intangibilidade do caso julgado e da proporcionalidade e necessidade das penas criminais, veja-se Acórdão n.°3/2006, donde consta que «a hipótese de uma pena de prisão suspensa na sua execução, anteriormente aplicada a um dos crimes em concurso, vir a perder autonomia e a ser englobada na pena única correspondente ao concurso supervenientemente conhecido constitui, a par das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal, um caso em que é legalmente admitido “revogar” ou “não manter” a suspensão, o que, de acordo com a corrente jurisprudencial em que o acórdão recorrido se insere, nem sequer constitui violação de caso julgado, atenta a conatural provisoriedade da suspensão de execução da pena (...) tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva”.
9.Nada obsta a que, tendo o agente sido condenado separadamente em penas de prisão suspensas na sua execução, no âmbito do concurso de crimes de conhecimento superveniente se proceda ao cúmulo jurídico das mesmas e que a pena única conjunta de prisão seja de cumprimento efectivo, não só porque não há qualquer expectativa do arguido a ser tutelada de efectivamente vir a cumprir as penas de prisão suspensas, como em função a igualdade de tratamento decorrente da hipótese de se ter conhecimento de todos os processos pendentes contra o arguido assim tendo um julgamento único.
10.Não podemos deixa de ressaltar que nos três processos em análise está sempre em causa a prática do mesmo ilícito criminal: crime de passagem de moeda falsa, embora no Proc 679/18....... estejam em causa outros ilícitos criminais mais gravosos, designadamente um crime de homicídio na forma tentada, em que os factos têm proximidade temporal naquele em 16.11.2018; Proc 63/19....... a 21.02.2019 e nossos autos 02.01.2019 o que demanda a necessidade de uma avaliação única dado que tendo sido crimes todos praticados na mesma circunscrição territorial …. não foi possível realizar um único julgamento, mas que agora superveniente deverá ser feito ainda que como se espera o arguido já não possa beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado em dois dos processos, o que aliás se fossem conhecidas as outras condenações dificilmente se esperaria que tal suspensão viesse a ocorrer.
11.Face a todo o exposto a decisão recorrida violou o disposto nos art 77° e 78° ambos do Código Penal pelo que deverá o tribunal revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que considere as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes que se encontram numa relação de concurso, remetendo certidão para a Instância Central de …... a fim de ser realizado o cúmulo jurídico de penas considerando a moldura penal abstracta decorrente do cúmulo jurídico e o disposto no art 471° n°2 do Código Processo Penal.”
1.3 -Admitido o recurso com despacho de sustentação e remetido a esta Relação, o MºPº emitiu parecer no sentido de  acompanhar as razões do seu par recorrente.  
1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.
II- CONHECENDO
2.1. Sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente, se for o caso, dos vícios indicados no art.º 410º, n.º2 do CPP, o âmbito do recurso delimita-se pelas questões sumariadas em face das conclusões extraídas da respectiva motivação, visando permitir e habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida.
Este entendimento tem sido a posição pacífica da jurisprudência ([1]).
2.2-Está em  discussão para apreciação e, em síntese, o seguinte conjunto de questões:
- Os autos não revelam uma situação de concurso de infracções para efectivação de cúmulo jurídico de penas ?
- A existir em parte, está interdito o cúmulo por arrastamento?
- Mesmo em concurso as penas suspensas (não) podem ser cumuladas ainda que tal implique agravamento da situação do arguido?
2.3 -  A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL  ad quem.
Verifica-se nos autos a situação processual seguinte tendo presente o CRC do arguido de onde  ressaltam averbadas três condenações conforme tabela infra:
N° Proc.Data dos FactosData da DecisãoData do TrânsitoPena
679/18......16.11.201812.11.201902.07.20207 anos de prisão
63/19......21.01.201916.06.202001.09.20206 meses de prisão suspensa
18/19.......02.01.201927.11.2020 11.01.20219 meses de prisão suspensos por 1 ano

Decorre do art 78° do Código Penal que:
“Conhecimento superveniente do concurso
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
3 - As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.”
Decorre também do disposto no art 77° n°1 do Código Penal:
"(…) quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena”, a que acresce o disposto no art 78° do Código Penal “ se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ 9/2016 (DR 111/2016 série I de 09.06.2016) determinou que:
 “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso"
Esse momento temporal a ter em conta será o primeiro trânsito em julgado, ou seja, in casu, o ocorrido no Proc. 679/18....... em 02.07.2020 sendo que os factos do Proc 63/19....... foram praticados a 21.02.2019 ou seja, antes do mencionado trânsito em julgado enquanto que os factos dos presentes autos 18/19....... o foram antes do Proc 679/18.......(primeiro a transitar) mas igualmente antes do Proc 63/19........
Consequentemente, não só estão verificados os pressupostos decorrentes do artº 78° do Código Penal como, contrariamente ao referido no despacho sob recurso, não se verifica qualquer cúmulo por arrastamento dado que não se verifica em nenhuma das condenações em análise estarem em causa factos praticados após o trânsito em julgado de uma qualquer das condenações.
Daquele quadro processual supra decorre que todas as decisões proferidas se referem a crimes praticados até  21 de Janeiro de 2019 e por via delas foram aplicadas penas de prisão.
A primeira decisão das três condenações proferidas  transitou em 2 de Julho de 2020, portanto muito depois da data de qualquer um dos factos e de forma que era facilmente notória e perceptível, o que só se entende não ter acontecido por evidente lapso.
Logo, existe clara relação de concurso real de infracções sujeitas  a cúmulo jurídico, sequer implicante de qualquer problema de “arrastamento”.
Nos termos do artº 471º nº1 do CPP será o tribunal onde pende o processo 18/190GBSSB que será o competente para a efectivação do cúmulo jurídico.
*
A questão derradeira a ser agora decidida será a de saber se as penas pelos crimes em concurso poderão ser cumuladas entre si e com a outra pena efectiva, pelo facto de terem ficado suspensas.
A doutrina e a Jurisprudência têm vindo a fortalecer em larga maioria o entendimento da possibilidade de realização de cúmulo jurídico superveniente de penas efetivas e de penas com execução suspensa.
A posição tem sido predominante no Supremo Tribunal de Justiça (vide Ac de 25.10.2012; 12.03.2015; 19.06.2019; 11.09.2019 e 17.10.2019 todos in www.dgsi.pt)  e maioritária, cremos, nas Relações nomeadamente na de Lisboa, como disso são exemplo, entre outros, os pelo recorrente  citados, Ac do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2019; 03.12.2020; 29.09.2020; 12.06.2018 e 08.02.2018 todos in www.dgsi.pt.
A nosso ver e seguindo aquela que consideramos ser a melhor jurisprudência, entendemos que o cúmulo jurídico  não poderia ser evitado  nem nada na lei ou no espírito do sistema o proíbe.
Na esteira do Ac. STJ de 21-06-2012, que seguimos com a argumentação ali produzida, aqui a damos por reproduzida em síntese: 
(…)
X. Deste modo, no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.
XI. Pelo mesmo motivo, há que refletir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respetivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art. 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.
XII. Assim, o tribunal recorrido ao englobar no cúmulo as penas parcelares de alguns processos, todas elas suspensas na sua execução e já com o prazo de suspensão esgotado, sem apurar previamente qual a decisão sobre a respetiva execução, prorrogação ou extinção, incorreu numa nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. (…)”
Serve esta menção em extracto para dizer que, ainda que defendamos que o cúmulo de penas suspensas entre si seria de fazer (excepto as que estejam ou venham ainda a ser declaradas extintas antes da decisão de cúmulo jurídico), haverá que salvaguardar previamente se as penas se mantêm ou não suspensas.
Admitindo, porém, que todas ou alguma delas se mantenham ou venham a manter activas, após a averiguação sobre se o prazo de suspensão se teria esgotado e a confirmação caso a caso, por despacho judicial transitado em como a suspensão se mantém, então o cúmulo jurídico deverá efectuar-se apesar de se tratar de penas suspensas na sua execução.
Trata-se de assunto muito debatido, no qual, salvo melhor argumento ainda não vislumbrado e sem mais delongas explicativas, nos posicionamos no sentido de que se deverá manter a posição há muito predominante na jurisprudência, v.g do STJ, pelas razões  que aqui damos por aceites e reproduzidas, já mencionadas também nos Ac.s do  STJ de 11-05-2011  e de  25.10.2012:
“IV. Na determinação da pena conjunta é essencial a indicação de dados imprescindíveis, cuja conformação deverá estar presente desde logo no momento em que se decide avançar para a realização do cúmulo, congregando os elementos indispensáveis constantes de certidões completas, onde se certifiquem, com rigor, os elementos essenciais à realização do cúmulo, procedendo-se à indicação dos processos onde teve lugar a condenação, à enumeração dos crimes cometidos, datas de comissão dos crimes, datas das decisões condenatórias, datas de trânsito em julgado dessas decisões, a indicação das penas cominadas, suas espécies, incluindo a pena de prisão suspensa na execução e estado actual da execução da pena de substituição (ainda subsistente e ora de revogar ou não, ou já revogada ou extinta?), ou penas de multa, pagas, voluntariamente, ou em sede executiva, ou convertidas, ou não, em prisão subsidiária, e neste caso, cumpridas ou não, com vista a salvaguardar a sempre possível liquidação da pena pecuniária, ou a efectivar o desconto no caso de prisão já cumprida, e penas acessórias.
. Não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso, crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração pressupõe ou não a anterior revogação de tais penas aplicadas por decisões condenatórias transitadas em julgado. A posição predominante é, porém, no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a «substituição» deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.
De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles.
Quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída e que de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político criminalmente ser substituída por pena não detentiva e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial.
Na jurisprudência do STJ, a orientação dominante é no sentido da integração da pena suspensa no cúmulo, como se pode ver dos acórdãos de 26-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 345; de 02-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 339; de 02-10-1986, BMJ n.º 360, pág. 340; de 19-11-1986, BMJ n.º 361, pág. 278; de 07-02-1990, CJ 1990, tomo 1, pág. 30 e BMJ n.º 394, pág. 237; de 13-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 178; de 03-07-1991, CJ 1991, tomo 4, pág. 7; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 439; de 07-01-1993, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 162; de 24-02-1993, BMJ n.º 424, pág. 410; de 17-01-1994, BMJ n.º 433, pág. 257; de 11-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 176; de 24-01-1996, CJSTJ 1996, tomo 1, pág. 182 (unificando duas penas impostas em processos diferentes, suspensas na sua execução, fixando pena única suspensa na execução); de 14-11-1996, BMJ n.º 461, pág. 186; de 05-02-1997, CJSTJ1997, tomo 1, pág. 209; de 12-03-1997, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 245 e BMJ n.º 465, pág. 319; de 07-05-1997, BMJ n.º 467, pág. 256; de 04-06-1997, BMJ n.º 468, pág. 79; de 11-06-1997, Proc. n.º 65/97; de 04-06-1998, Proc. n.º 333/98 - 3.ª; de 17-03-1999, BMJ n.º 485, pág. 121; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 255; de 07-12-1999, BMJ n.º 492, pág. 183; de 13-02-2003, Proc. n.º 4097/02 - 5.ª; de 03-07-2003, Proc. n.º 2153/03 - 5.ª, RPCC citada; 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo3, pág. 222; de 04-03-2004, Proc. n.º 3293/03 - 5.ª; de 22-04-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 172; de 02-12-2004, Proc. n.º 4106/04 - 5.ª; de 21-04-2005, Proc. n.º 1303/05; de 27-04-2005, Proc. n.º 897/05; de 05-05-2005, Proc. n.º 661/05; de 20-10-2005, Proc. n.º 2033/05 - 5.ª; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06 - 5.ª; de 21-06-2006, Proc. n.º 1914/06 - 3.ª; de 28-06-2006, Procs. n ºs 774/06 - 3.ª (com um voto de vencido) e 1610/06 - 3.ª (igualmente com um voto de vencido); de 21-09-2006, Proc. n.º 2927/06 - 5.ª; de 09-11-2006, Proc. n.º 3512/06 - 5.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 226.
Nas Relações, podem ver-se na de Lisboa, os Acs. de 24-06-1987, CJ 1987, tomo 3, pág. 140; de 05-11-1997, BMJ 471, pág. 447; do Porto, de 15-03-1988, CJ 1988, tomo 2, pág. 237; de Coimbra, de 23-11-1994, in CJ 1994, tomo 5, pág. 62; de Évora, de 12-12-1985, CJ 1985, tomo 5, pág. 241.
XIV. Após a reforma de Setembro de 2007, face à nova redacção do n.º 1 do art. 78.º do CP, importa indagar, aquando da realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, do estado actual da situação do condenado, maxime, se a pena de substituição ainda subsiste, qua tale, ou se foi revogada, ou se foi prorrogado o prazo de suspensão, ou se foi já declarada extinta, ao abrigo do disposto no art. 57.º, n.º 1, do CP.
Entendendo que a pena suspensa inicialmente aplicada for declarada extinta pelo cumprimento (artigo 57.º, n.º 1), não será tida em conta para efeitos de reincidência, decorre que a pena de substituição extinta por tal modo, deve ser colocada no mesmo plano de desconsideração, quer se esteja face a cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, ou fora desse quadro, para efeitos de não consideração da agravativa de reincidência.”
Também o Tribunal Constitucional já se debruçou sobre esta matéria concluindo pela não violação dos princípios da intangibilidade do caso julgado e da proporcionalidade e necessidade das penas criminais. 
No Acórdão do TC n.°3/2006, onde se refere que:
«a hipótese de uma pena de prisão suspensa na sua execução, anteriormente aplicada a um dos crimes em concurso, vir a perder autonomia e a ser englobada na pena única correspondente ao concurso supervenientemente conhecido constitui, a par das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal, um caso em que é legalmente admitido “revogar” ou “não manter” a suspensão, o que, de acordo com a corrente jurisprudencial em que o acórdão recorrido se insere, nem sequer constitui violação de caso julgado, atenta a conatural provisoriedade da suspensão de execução da pena (...) tanto não viola o caso julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de prisão efectiva.
Ademais, sempre se dirá, concordando com o recorrente, e fazendo vénia às suas palavras e argumentos:
“Está em causa o tratamento igual de situações em que no momento do julgamento são conhecidos todos os processos pendentes contra o arguido e aqueles em que tal conhecimento apenas ocorre posteriormente mas que se visa que venha a ter o mesmo tratamento ainda que superveniente.
A circunstância de uma das penas ser suspensa não poderá implicar a sua consideração apenas se revogada nos termos do art 56° do CP, não se visa avaliar o cumprimento das penas parcelares quando se realiza o cumulo nos termos do art 78° do CP mas a ter uma avaliação mais completa da que ocorreu aquando das condenações parcelares.
Nada obsta a que, tendo o agente sido condenado separadamente em penas de prisão suspensas na sua execução, no âmbito do concurso de crimes de conhecimento superveniente se proceda ao cúmulo jurídico das mesmas e que a pena única conjunta de prisão seja de cumprimento efectivo.”
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Tem-se defendido, é certo, ainda que minoritariamente, em alguma doutrina,  (aproveitando aqui o resumo feito pelo recorrente e por economia de esforço):
-“ Quando estão em causa as penas de substituição há quem defenda a sua exclusão desta matéria do cumulo ressaltando a intangibilidade do caso julgado e na tutela das expectativas legitimamente criadas e da paz jurídica do condenado, o qual teria a expectativa de cumprir uma ou várias penas de prisão suspensas da execução e que poderá perder tal possibilidade na sequência da realização do cúmulo.
Acresce que, a pena de substituição para quem acompanha esta posição assume-se como pena autónoma pelo que o caso julgado há-de abranger não só a pena principal, como também a pena de substituição que, in casu, tenha sido aplicada, pelo que a excepção ao princípio da intangibilidade do caso julgado (que é colocada em causa na aplicação deste instituto do cúmulo) só tem acolhimento quando visa a aplicação de uma pena única conjunta mais favorável ao arguido. Motivo pelo qual sempre que pela aplicação do art 78° do CP se verifique um agravamento da situação jurídico penal do arguido inexiste justificação para preterir o caso julgado (decorrência da proibição do non bis in idem, consagrada no artigo 29.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa — ocorrendo a violação da paz jurídica do condenado. (posição defendida por Nuno Brandão in, «Conhecimento superveniente do concurso e revogação de penas de substituição — Anotação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 2003»,Rewsfa Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15, n.° 1, 2005).
Esta  posição não tem acolhimento legal na letra da própria lei, da qual não decorre estar nas mãos do arguido querer ou não a realização do cúmulo. Na verdade no caso das penas de substituição o caso julgado assume uma natureza de rebus sic standibus, cedendo quando se demonstre que outros crimes foram cometidos pelo agente antes do trânsito em julgado dessa condenação e que, como tal, existia um concurso de crimes que não foi tido em consideração, tendo presente o disposto no art 77° do Código Penal.
Nesse sentido a ponderação da pena de substituição apenas terá lugar após apurar a pena única principal.
Acresce que o argumento das expectativas do arguido em cumprir penas de prisão suspensas em nosso entender não é aceitável, pois que se o mesmo aquando do julgamento não está obrigado a informar de processos em julgamento, ou já julgados não poderá depois ter a expectativa legítima de que será uma pena de substituição que terá de cumprir quando o tribunal não tinha conhecimento da mesma e nem sempre por falha da justiça, atenta a impossibilidade de por vezes serem conhecidos todos os processos pendentes contra o arguido. (…)
Esta é, a nosso ver, salvo o devido respeito e sem prejuízo de ulterior melhor aprofundamento e estudo do tema, se necessário, a perspectiva mais correcta e acertada, de jure constituto.

Face ao exposto:
Sem mais que devamos acrescentar, consideramos que o cúmulo jurídico deve ser efectuado, respeitada que esteja aquela condição prévia, a averiguar ainda, da manutenção dos regimes de suspensão em cada processo de condenação a que respeitem por não se encontrarem declaradas extintas por decurso do respectivo prazo de suspensão.
Isto é, importa pois saber se as penas foram declaradas extintas e, não o tendo sido, proceder então ao cúmulo jurídico reclamado pelo recorrente que, nesse sentido e com essa salvaguarda, permitirá a procedência do recurso.
Isso, caso entretanto o arguido não tenha sido condenado com trânsito em julgado noutro processo onde deva então, supervenientemente, fazer-se cúmulo jurídico, caso se verifiquem os pressupostos legais para o efeito e aquelas condições.

III- DECISÃO
3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso procedente nos termos enunciados e revoga-se a decisão recorrida, que deverá dar lugar a outra que, ressalvadas que sejam aquelas prévias questões relativas à manutenção ou não das suspensões, proceda, se ainda for  caso disso, nos presentes autos ao cúmulo jurídico pretendido.

Lisboa,  2 de   Novembro   de  2021 
Os Juízes Desembargadores
(texto elaborado em  suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)
Agostinho Torres
João Carrola

[1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95