Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
571/15.7T8ALM.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: GESTÃO PÚBLICA
CONTRATO
DIMINUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO
NÃO RETROACTIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Uma deliberação de uma AG de uma SA, de 2010, que diz que não haverá lugar, nos anos de 2010 e 2011 à atribuição de qualquer componente variável na remuneração dos administradores, não pode ser interpretada como referindo-se também aos serviços já prestados por estes nos anos de 2008 e 2009.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:


Relatório:


A intentou a presente acção contra R-SA (a que se sucedeu, entretanto, a R1-SA), pedindo a condenação deste a pagar-lhe 81.627€, acrescidos de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.

Alega para tanto, em síntese, que exerceu as funções de gestor público, como membro do Conselho de Administração do réu, para o mandato correspondente ao triénio 2007/2009. O autor assinou com o Estado português o respectivo contrato de gestão, a 03/03/2008, e pelo exercício daquelas funções era-lhe devido o pagamento de uma remuneração fixa e de uma remuneração variável. Aquela foi-lhe paga, mas a variável não, sendo a correspondente a 2008 fixável em 44.597€ e a de 2009 em 37.030€.

A ré contestou excepcionando a incompetência material do tribunal e a sua ilegitimidade passiva; e impugnando a verificação das condições de que dependia o pagamento da remuneração variável e excepcionando o facto de que, quanto ao ano de 2008, foi decidido não reconhecer ao autor o direito a tal retribuição, não tendo o autor impugnado este acto administrativo.

O tribunal entretanto convidou o autor a pronunciar-se sobre a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e a requerer a intervenção principal passiva do Estado Português, tendo o autor pugnado pela improcedência da excepção e requerido a intervenção principal passiva do Estado, o que foi admitido.

O Estado veio então contestar, reiterando a argumentação expendida na contestação da ré.

As excepções de incompetência e de ilegitimidade foram entretanto julgadas improcedentes. Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.

O autor recorre desta sentença, para que seja revogada e substituída por outra que condene a ré no pedido. Impugna, nalguns pontos, a decisão da matéria de facto, e a fundamentação da sentença recorrida (qual seja, de que a remuneração não é devida, em relação a 2008, porque houve uma deliberação a impedir o pagamento e, em relação a 2009, porque nem sequer houve uma proposta que permitisse a avaliação do atingimento dos objectivos).

A ré não contra-alegou.

O Estado contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, com os mesmos argumentos da sentença recorrida.
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Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se a ré deve ser condenada a pagar as remunerações variáveis de 2008 e 2009 por se terem verificado as condições de que estas dependiam e não terem valor a deliberação e a falta de proposta invocadas pela sentença recorrida.
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Foram dados como provados os seguintes factos (o ponto 45 foi agora acrescentado por força do decidido adiante):
1. O autor exerceu as funções de gestor público, como membro do Conselho de Administração da ré, para o mandato correspondente ao triénio 2007/2009, por deliberação da Assembleia Geral da ré de 22/11/2007.
2. O autor assinou, em 03/03/2008, contrato de gestão com o Estado, na qualidade de único accionista da ré, onde estão definidos os “termos e as condições do exercício das funções do gestor como membro do CA da ré […] para o mandato de 2007/2009 ”
3. Através desse contrato o autor obrigou-se, conjuntamente com os demais gestores da ré, a “apresentar, ao accionista, até ao final do 3º trimestre de 2008, o plano estratégico a médio prazo, na sequência do qual se procederá à fixação dos objectivos anuais para 2009 e aos objectivos plurianuais que se venham a mostrar adequados ” (cláusula 3ª, nº 2).
4. No que concerne à remuneração das funções exercidas pelo autor, dispunha a cláusula 6ª do contrato de gestão que “em contrapartida do cumprimento do mandato a que se refere o presente contrato e do desempenho das funções neste previstas, é devida ao gestor uma remuneração fixa anual paga em 14 meses e uma remuneração variável, a qual tem o valor definido no anexo II ao presente contrato.”
5. De acordo com o anexo I ao contrato de gestão, foi acordado que os objectivos anuais para 2008 seriam aqueles que estão vertidos no referido documento (cláusula 3ª, nº 1).         
6. Também ficaram definidos os objectivos globais plurianuais da ré para o período de 2008 a 2009, fixados de acordo com os critérios constantes desse documento (cláusula 3ª, nº 1).
7. A remuneração fixa do autor encontra-se discriminada no anexo II ao contrato de gestão e correspondia a 161.000€, pago em 14 prestações, correspondendo cada prestação ao montante de 11.500€).
8. Nesse anexo também está explicitada a fórmula de cálculo da remuneração variável e que está indexada ao nível de cumprimento dos objectivos definidos previamente, conforme resulta do ponto 2, onde se pode ler: “A remuneração variável a atribuir aos membros do CA da ré será função do nível médio de consecução dos objectivos estabelecidos”, nos termos da tabela constante do referido anexo, correspondendo V à remuneração variável anual e F à remuneração fixa anual.

9. De acordo com a fórmula de cálculo descrita e que consta do Anexo II do contrato de gestão, a remuneração variável anual corresponderia a uma percentagem da remuneração fixa anual, oscilando em função da percentagem atribuída ao atendimento dos “objectivos”, a saber:
-Se a percentagem de realização dos objectivos tivesse sido superior a 115% dos “objectivos” atrás referidos, a remuneração variável anual corresponderia a 35%;
-Se a percentagem se tivesse situado entre 107,5% e 114,9%, a variável respeitaria, pelo menos, a 30% da fixa;
-Se a percentagem se tivesse situado entre 100% e 107,4%, a variável respeitaria, pelo menos, a 25% da fixa;
-Se a percentagem se tivesse situado entre 90% e 99,9%, a variável respeitaria, pelo menos, a 15% da fixa;
-Se a percentagem se tivesse situado entre 80% e 89,9%, a variável respeitaria, pelo menos, a 10% da fixa;
-Se a percentagem houvesse sido inferior a 80%, não haveria lugar a remuneração variável.

10. Dentro de cada um dos escalões, a percentagem oscilaria entre o limite inferior e o limite superior em função da percentagem concreta alcançada, para que o cumprimento do limite mínimo do escalão fosse valorizado diferentemente daquele que atinge o limite máximo do escalão.
11. A remuneração fixa sempre foi paga, mas a variável não.
12. O Estado, “detentor único da totalidade do capital social, representado pelo licenciado C, a quem foram conferidos os poderes necessários para intervir, deliberar e votar na AG de 30/06/2010, de acordo com o despacho conjunto dos secretários de Estado do tesouro e finanças e adjunto das obras públicas e comunicações da mesma data”, aprovou, nessa AG realizada a 30/06/2010, uma deliberação relativa ao prémio de gestão de 2008 e que consta do ponto n.º 5:
“Considerando os objectivos fixados aos membros do CA, vertidos nos contratos de gestão assinados em Março de 2008;
Considerando o relatório do conselho fiscal relativo ao desempenho dos membros do CA no exercício de 2008:
O accionista reconhece que o grau de cumprimento dos objectivos fixados aos membros do CA, relativos ao exercício de 2008, é de 104%, sem prejuízo da decisão constante do ponto 7 da presente ordem de trabalhos ” (acta nº 4).
13. A propósito do «Assunto: R. Avaliação do cumprimento dos indicadores dos objectivos fixados no “Um compromisso com a excelência na gestão das empresas e organismos tutelados”», o SEAOPC proferiu despacho, a 10/10/2009, com o seguinte teor: “Concordo. Ao SETF.”

14. O despacho aludido foi exarado na nota informativa nº 35/2009/IN, do gabinete do SEAOPC, na qual se escreveu que:
“1.-Na avaliação do cumprimento dos objectivos de gestão anuais individuais de 2008, considerou-se o relatório e contas 2008 da R. 2.-O score global alcançado pela empresa após avaliação do cumprimento dos objectivos 2008 foi de 104%, conforme quadro anexo.
3.-Com base no score, a proposta de atribuição de remuneração variável situa-se no escalão entre 100% - 107,4%. Após cálculo exacto do montante de bónus anual em função do grau de cumprimento dos objectivos e do valor do limite inferior e superior de cada intervalo, obtém-se a remuneração variável a atribuir ao CA de 27,7%.
4.-Para que o processo fique completo é necessário transmitir à Comissão de Fixação de Remunerações para deliberar sobre o valor do prémio a atribuir à R. (…) Face ao exposto propomos a atribuição da remuneração variável anual no valor de 27,7% da remuneração fixa anual para os membros do CA da EP, de acordo com o anexo II dos contratos de gestão assinados.”

15. E os 27,7% resultam do facto de o objectivo atingido ter sido superior a 100%, que lhe daria uma remuneração variável de 25%, e inferior a 107,5%, a qual asseguraria uma remuneração variável de 30%, pelo que ponderada a percentagem de cumprimento alcança-se o valor de 27,7%.
16. Para o ano de 2009, o então CA da ré foi informado dos objectivos fixados por ofício de maio de 2009, elaborado pelo gabinete do SEAOPC, tendo este mesmo ofício sido remetido para o SETF.
17. Aqueles objectivos mereceram a concordância do SEAOPC.
18. Em ofícios remetidos pelo CA da ré ao SEAOPC e ao SETF, a 06/12/2010, com respeito ao “Assunto: R. Avaliação do desempenho dos gestores e do cumprimento dos objectivos fixados para 2009”, escreveu-se que:
“No âmbito do assunto supra mencionado, junto se remete o relatório emitido pelo CF da R, nos termos previstos no nº 17 da Resolução do CM n.º 49/2007, de 28/03. Para os efeitos previstos no art. 11 do DL 300/2007 e arts 6 e 28 do DL 71/2007, de 27/03, enviam-se ainda os quadros com os elementos relativos ao cumprimento dos objectivos anuais e plurianuais fixados para 2009.”
19. Consta do anexo aos ofícios aludidos em 18 que:
“A R não cumpriu a totalidade dos objectivos fixados para 2009, sendo de registar os seguintes indicadores:
Resultados líquidos: a principal causa do seu não cumprimento foi a não introdução de portagens pelo Estado. Custos operacionais por km de rede: verificou-se a redução do objectivo deste indicador de 21 em 2008, para 8,5 em 2009. Contudo a R ficou apenas a 0,5 do objectivo e abaixo do valor real do ano anterior (9,3). Grau de cumprimento do plano de investimento: face à execução financeira foram feitas opções com vista à redução do volume de investimento. Grau de cumprimento do endividamento orçamentado: a não introdução de portagens, bem como o não reembolso do IVA durante 2009 contribuíram claramente para o não cumprimento deste objectivo.”.
20. Quando os objectivos foram definidos com o autor, o resultado líquido da ré para 2009 tinha como pressuposto a introdução das portagens.
21. Apesar da redução do volume de investimento, foi realizado um investimento de 934.886€, quando estava projectado um investimento de 1.115.989€.
22. O CF teve oportunidade de apreciar os diversos “objectivos” prosseguidos pela ré no ano de 2009, o que fez através de relatório em que reconhece que o cumprimento dos “objectivos” corresponde a 98% das metas fixadas.
23. O mesmo CF conclui que foram ultrapassados os objectivos para a margem EBITDA e para o grau de cumprimento de performance orçamentada.
24. E quanto ao grau de cumprimento do contrato de concessão, apurado com base em três indicadores, conclui que dois deles foram atingidos, designadamente os relacionados com a sinistralidade e com as externalidades ambientais, ficando o terceiro, o nível de serviço, cumprido em 98% da meta fixada para 2009.
25. Quanto a este terceiro indicador, o CF reconhece que o cumprimento de 98% da meta fixada se ficou a dever a uma capacidade limitada de recursos em relação ao previamente previsto.
26. O CF reconheceu, ainda, que os restantes objectivos anuais – custos operacionais por km de rede, resultado líquido e grau de cumprimento do investimento - não foram cumpridos devido ao facto de o Governo não ter avançado com a introdução de portagens, ao contrário do inicialmente previsto.
27. Quanto aos objectivos plurianuais, o CF reconhece que foram atingidos os relacionados com o número de km colocados em exploração e com o índice de gravidade dos acidentes rodoviários.
28. Quanto ao grau de endividamento orçamentado, conclui o CF que o mesmo foi ultrapassado, devido a não terem sido portajadas as SCUTS, bem como devido ao facto do réu não ter sido reembolsado do IVA.
29. Quanto aos restantes três objectivos – performance do índice de sustentabilidade, clima organizacional e capacidade de mudança e cumprimento de metas estratégicas – “foi o CF informado de que ainda não havia sido apurado o respectivo cumprimento, que cabe ou a uma entidade independente ou, no último caso, ao próprio accionista.”
30. Na “conclusão” do seu relatório, exarou o CF que “é de opinião que o apuramento do grau de cumprimento dos objectivos reflectido no relatório do CA de 2009, foi em grande medida prejudicado por razões externas à própria empresa.”
31. A R ainda não teve resposta aos ofícios aludidos em 18.
32. A 29/06/2010, a Comissão de Fixação de Remunerações da R propôs as seguintes orientações para os órgãos de administração da R, contidas em documento designado “declaração sobre política de remuneração dos membros dos órgãos da administração e de fiscalização da R”:
“As remunerações dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização das empresas públicas devem ser fixadas em função da complexidade, exigência e responsabilidade inerente às respectivas funções e atendendo às práticas normais no respectivo sector de actividade, tendo em conta igualmente os princípios e orientações estabelecidas pelos accionistas e a situação do mercado. No actual enquadramento e em conformidade com o DL 71/2007, que aprova o Estatuto do Gestor Público, a resolução do CM n.º 49/2007, de 28/03, que define os princípios de bom governo das empresas do sector empresarial do Estado, e o Despacho n.º 11420, de 30/04, do SETF, exige-se a definição de política de remuneração consistente com uma eficiente gestão dos riscos, de modo coerente com a natureza da actividade e estratégia de negócio da empresa, promovendo o seu crescimento sustentado. Neste contexto, assume particular relevo a necessidade de adoptar um regime remuneratório que traduza uma efectiva moderação salarial, ajustada às especificidades da empresa, devendo, igualmente, ser assegurada a total transparência no que se refere à definição das políticas remuneratórias e à sua aplicação efectiva.
Assim, neste âmbito e em cumprimento do disposto no art. 2 da Lei n.º 28/2009, de 19/06, a CFR propõe, por maioria, as seguintes orientações sobre a política de remuneração dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização da R:
Conselho de Administração
a)Mantêm-se as remunerações dos membros do órgão de administração que constam da acta nº 1/2009, de 09/02, da CFR;
b)Tal como previsto no art. 172 da Lei 3-B/2010, de 28/04, bem como no Despacho 5696-A/2010, de 25/03, proferido pelo Ministro de Estado e das Finanças, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 61, de 29/03, deverá ser adoptada uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à remuneração dos titulares do órgão da administração, designadamente não havendo lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração”.
33. Tendo por base a conclusão do CF de que os objectivos foram alcançados em 98%, então o valor da remuneração variável seria fixável entre 15% e 25% (limites máximo e mínimo do escalão, respectivamente) da remuneração fixa anual.
34. Nestas circunstâncias, a percentagem da remuneração variável deveria fixar-se em 23% da remuneração fixa anual.
35. A remuneração do autor foi determinada pela AG da ré de 22/11/2007, nos termos do “Ponto 3 - fixação de remuneração a atribuir aos membros dos órgãos sociais”, que deliberou “a designação de uma CFR para o mandato de 2007/2009” (Acta nº 2).
36. A CFR, na sua reunião de 09/02/2009, “deliberou, por unanimidade, fixar as remunerações dos membros dos órgãos sociais da R, eleitos em 22/11/2007, para o triénio de 2007/2009, e com efeitos a partir da data da respectiva eleição, nos seguintes termos:
“(…) Conselho de Administração:
(…) Vice-Presidente:
Remuneração fixa: remuneração mensal ilíquida de 11.500€, paga em 14 meses por ano.
Remuneração variável: atribuição de componente variável da remuneração, que se fixa num máximo de 35% da respectiva componente fixa da remuneração, em função do cumprimento dos objectivos definidos anual e plurianualmente para o mandato, nos termos previstos para os respectivos contratos de gestão.” (acta n.º 1 da CFR).
37. A CFR não deliberou sobre o valor do prémio a atribuir à R.
38. O ponto 7 da ordem de trabalhos aludido em 12 refere-se a deliberação “sobre a declaração relativa à política de remunerações dos membros dos órgãos de administração e fiscalização da R, apresentada pela CFR.”
39. Declaração essa que, devido a suspensão dos trabalhos na AG de 30/06/2010, viria a ser apresentada e aprovada na AG que teria lugar no dia 23/07/2010, “com os ajustamentos decorrentes do artigo 12 da Lei 12-A/2010 de 30/06” (acta nº 6).
40. Na acta respeitante à AG que teve lugar a 23/07/2010 foi consignado que “A palavra foi pedida e concedida ao presidente do CA que registou o facto de não ser clara a interpretação da declaração no que respeita à remuneração variável relativa aos anos anteriores, e solicitou ao representante do accionista único que lhe fossem prestados os esclarecimentos pertinentes com a brevidade possível ”.
41. O autor sabia que não se encontrava temporalmente definida a introdução de portagens e que essa definição dependia do Estado.
42.Em ofício datado de 13/05/2014, remetido pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças a Rui D, relativo ao “Assunto: Regularização dos pagamentos da componente variável de gestão na R, escreveu-se que:
“Nos termos dos despachos 543/11-SETF, de 21/04, e 765/11-SETF, de 30/05, foi dada concordância à impossibilidade legal, atento o despacho 5696-A/2010, de 25/03, do MEF, os arts 172 e 29 dos OE para 2010 e 2011, respectivamente, e o art. 4 do DL 8/2012, de 18/01, de proceder ao pagamento de qualquer remuneração variável, maxime a relativa ao ano de 2008, ao ex-vogal do CA da R, e ao ex-presidente do CA da R, independentemente do ano a que respeita o cumprimento dos objectivos fixados ao gestor.
Nos termos dos despachos 191/14-SET, de 10/02, e 582/14-SET, de 07/04, em casos idênticos ao da R, que sucederam, respectivamente, na TAP Portugal, SA, e na Parpública – Participações Públicas, SGPS, SA, foi manifestada concordância com o entendimento de que releva o ano em que ocorre a respectiva avaliação e deliberação sobre a atribuição do prémio de gestão, independentemente do ano a que respeita o cumprimento dos objectivos fixados aos gestores, motivo pelo qual nada parece obstar a que o accionista, após o período de execução e de vigência do PAEF, e caso as normas orçamentais assim o admitam, pondere a possibilidade e a oportunidade de proceder à avaliação do cumprimento dos objectivos estabelecidos para 2008 e 2009 e, em caso favorável, tome uma deliberação sobre a atribuição do correspondente prémio de gestão.”
43. Através de ofícios remetidos pelo CA da ré ao SEAOPC e ao SETF, a 11/12/2009, com respeito ao “Assunto: R. Avaliação do cumprimento dos indicadores dos objectivos fixados no «um compromisso com a excelência na gestão das empresas e organismos tutelados»”, foi escrito:
“No âmbito do assunto supra mencionado, remete-se o relatório emitido pelo CF da R, nos termos previstos no nº 17 da resolução do CM n.º 49/2007, de 28/03, para juntar ao processo referido no nº 4 da nota informativa n.º 35/2009/IN, anexa ao ofício em referência, do gabinete do SEAOPC.”
44. No relatório anexo aos ofícios aludidos em 43 escreveu-se, na respectiva “conclusão”, que “o CF é de opinião que o apuramento do grau de cumprimento dos objectivos reflectido no relatório & contas de 2008, do CA, se afigura adequado.”
45. O CA da R enviou à tutela o plano e orçamento em Março de 2009 com base no qual a tutela elaborou os objectivos anuais e plurianuais para esse ano, pelo que obviamente tinha conhecimento desses objectivos para 2009 e a gestão devia ser feita com base neles,
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
O autor considera que deviam ter sido dados como provados ainda os seguintes factos:
1-A remuneração fixa do gestor público foi reduzida com os contratos de gestão, que visaram a melhoria do desempenho através de remuneração variável.
2-A remuneração variável não é uma liberalidade mas sim uma componente concreta de remuneração.
3-A avaliação do desempenho era feita pelo CF o que permitia o seu cálculo à luz do estipulado no contrato de gestão.
4-Noutras empresas públicas a remuneração de 2008 e 2009 foi paga.
5-O accionista é que decidia sempre o que os gestores tinham que fazer.

Por outro lado, o autor considera, em relação aos seguintes dois factos dados como não provados na sentença recorrida:
1.-Para a remuneração variável relativa ao ano de 2009, o autor e os restantes membros do CA da R enviaram, até ao final do 3º trimestre de 2008, o plano estratégico a médio prazo.
2.-Esse plano foi enviado ao único accionista da ré, nas pessoas do SEAOPC e SETF.
que, em vez disso, devia ter sido considerado provado que:
6-os objectivos para 2009 foram conhecidos pelo accionista, no primeiro trimestre de 2009, que os confirmou e aceitou a gestão com base nos seus princípios.
Isto com base nas seguintes considerações:
Desde logo isso está em contradição com o facto 16 da matéria provada. Aí reconhece-se que em Maio de 2009 o CA da ré foi informado dos objectivos para esse ano e isso não é compatível com os dois factos dados como não provados.
Esse plano contém toda a previsão e orçamentação da actividade de 2009 que, claro está, tinha que ser enviado no inicio do exercício sob pena de não haver orientação estratégica para esse ano.
Por outro lado no documento nº 5 junto com a p.i., do Ministério das Obras Publicas, na página 2 de 3, documento com data de 15/04/2009 é dito o seguinte: “O plano e orçamento de 2009 foi entregue e aprovado pela Tutela em Março de 2009”.
E o plano consta de documento junto pela ré, no decurso da audiência, pelo que demonstrado fica que o Governo recebeu o plano, recebeu-o no primeiro trimestre e, por isso, conhecia os objectivos a cumprir pela administração.
Ora, com base neste documento só pode considerar-se que tais factos não provados estão em contradição com documentos, pelo que tal decisão de facto deve ser devidamente revogadas
Mas como se isso não bastasse as testemunhas GT e RD também confirmaram o envio (o autor aqui invoca as passagens em causa desses depoimentos, que transcreve).
Como se esses documentos e depoimentos não fossem suficientes, existe ainda nos autos o documento n.º 6 da p.i , onde está inserida o relatório de avaliação do CF, que esclarece que a avaliação do desempenho foi realizada de acordo com os objectivos fixados para 2009.
Ora se os objectivos não tivessem sido enviados como é que o documento n.ºs 5 e 6 poderiam existir e fazer referência a objectivos?
Por outro lado se os objectivos não tivessem sido fixados, como é que o CF elaborava relatório de desempenho por delegação de funções do accionista único?
E se não tivessem sido fixados como poderia a administração prosseguir objectivos de gestão e como se enquadram os identificados depoimentos?
A fundamentação da decisão de dar como não provados aqueles dois factos foi apenas que: “foram assim julgados em virtude da ausência de prova a propósito.”
O Estado defende a improcedência de toda a impugnação, porque os pontos 1, 2, 4 e 5 não são factos, mas conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos; quanto ao ponto 3, porque o CF não faz avaliação de desempenho, emite opinião (cf. facto provado sob 44). Por outro lado, diz, os simples extractos dos depoimentos das testemunhas LF, GM, GT e RD, sem correspondência com o teor global dos depoimentos produzidos não permitem retirar as alterações pretendidas pelo recorrente. Na verdade, limita-se a enumerar os meios de prova que (na sua opinião) conduzem a uma decisão diversa relativamente à matéria de facto, sem fundamentar tal pretensão numa análise crítica dos meios de prova constantes do processo que serviram de base à formulação da convicção do tribunal, indicando as (eventuais) contradições e disparidades que invalidem a decisão impugnada. Acresce que, ainda que por mera hipótese se considerassem tais alegações como integrando matéria de facto, sempre seriam insuficientes para a obtenção do efeito pretendido, atentos os efeitos dos arts. 172º da Lei nº 3B/2010, de 28/4 (Lei do Orçamento do Estado) e nº 1 do Despacho nº 5696-A/2010, de 25/3, do Ministro do Estado e das Finanças e o art. 4º do DL 8/2012 de 18/1).

Decidindo:

Como se verá já se seguida a decisão da questão de direito não está minimamente dependente da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que, por manifesta inutilidade, não se teria de conhecer desta. Isto é válido quanto a toda a impugnação da decisão da matéria de facto. No entanto, como o Estado utiliza a decisão de não provado quanto aos dois pontos em causa na segunda parte da impugnação para argumentar quanto à decisão de direito, entende-se, à cautela, que deve haver pronúncia expressa quanto a eles.
Ora, é por demais evidente que aquilo que o autor quer dar como provado – corporizado no ponto 6 – está provado pois que senão não faziam sentido todas as referências que, aos objectivos para 2009, foram feitas na decisão recorrida. Assim, apenas por exemplo, os pontos 16 a 30 e 33 e 34 da decisão da matéria de facto. Mas está ainda provado mais do que aquilo que o autor expressamente quer que se dê como provado, pois que, no documento n.º 5, por ele invocado, o ofício enviado do MOPTC, gabinete do SEAOPC, diz expressamente: “O plano e orçamento de 2009 foi entregue e aprovado pela Tutela em Março de 2009”. E “com base nesse plano pretendemos fixar os objectivos anuais e plurianuais para o ano de 2009, conforme quadros anexos.” Ora, perante isto e todas as referências que aos objectivos para 2009 são feitas na decisão da matéria de facto, é claro que o CA da R enviou à tutela o plano e orçamento em Março de 2009 com base no qual a tutela elaborou os objectivos anuais e plurianuais para esse ano, pelo que obviamente tinha conhecimento desses objectivos para 2009 e a gestão devia ser feita com base neles (como resulta do ponto 17 dos factos provados), o que deve ficar a constar expressamente dos factos provados (embora já resultasse deles implicitamente), mesmo sem se ter em conta os depoimentos invocados pelo autor.
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença recorrida depois de dizer que:
(i) entre o autor e o Estado na qualidade de [único] accionista da R foi celebrado em 2008 um contrato de gestão, enquadrado pelos arts. 18 e 30 do DL 71/2007 (que aprovou o Estatuto do Gestor Público),
(ii) resulta do ponto 2 do anexo II ao contrato que constituíam condições para pagamento da remuneração variável o cumprimento dos objectivos anuais e dos objectivos plurianuais em percentagem superior a 80%,
(iii) em 10/10/2009 o SEAOPC reconheceu que o cumprimento dos objectivos para o ano de 2008 foi alcançado na percentagem de 104%,
(iv) tal está de acordo com, para além do art. 399/1 do Código das Sociedades Comerciais, o art. 6/3 do DL 71/2007, de 27/03, que exigia, para a avaliação do desempenho, uma proposta do accionista a formular em AG, proposta que existiu e foi aprovada (tendo em conta os arts. 1/1, 5/1 e 7/4 do DL 374/2007, que aprovou os estatutos da R),
considera que faltava ainda uma deliberação da AG a deliberar o pagamento da remuneração variável (art. 7/5-l daqueles estatutos), que não existe, pois que o que existe é uma deliberação de sinal contrário, de 2010, que impede esse pagamento.
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Decidindo:
Desde logo, o contrato em causa diz que o autor tem direito a uma remuneração variável, a qual tem o valor definido no anexo II ao presente contrato, do qual decorria que “A remuneração variável será função do nível médio de consecução dos objectivos estabelecidos”, nos termos da tabela constante do referido anexo.
Daqui não decorre que a remuneração variável esteja dependente de qualquer deliberação de pagamento por parte do devedor.
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Quanto ao art. 7/5-l dos Estatutos da R que estavam em vigor à data do contrato, ele dispõe que compete à AG deliberar sobre as remunerações dos membros dos corpos sociais, podendo, para o efeito, designar uma comissão de fixação de remunerações com poderes para fixar essas remunerações nos termos do Estatuto do Gestor Público e demais legislação aplicável.
Daqui não decorre que a AG tenha de deliberar qualquer pagamento das remunerações acordadas. Trata-se de deliberação sobre as remunerações (ou seja, trata-se da deliberação que consta do ponto 35 com reflexos no ponto 36, ambos dos factos provados), não sobre o pagamento delas.
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Ou seja, ou os contratos (art. 270 do CC) ou a lei, podem condicionar a produção dos efeitos do negócio jurídico a um acontecimento futuro e incerto. Tal como, já noutro nível, os contratos podem colocar no arbítrio do devedor o cumprimento da prestação (art. 778 do CC). Mas isso terá que resultar claro da lei ou do contrato.
Ora, nem do contrato ou da lei resulta que a remuneração variável do autor estivesse dependente de mais nada do que da prestação do serviço com 80%, pelo menos, de cumprimento dos objectivos.
Com outras palavras é também isto que o autor vem dizer nas alegações de recurso: a fonte da obrigação é o contrato e não qualquer deliberação do devedor. Ele, credor, não ficou dependente de uma deliberação de pagamento pelo devedor.
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Resta pois, da sentença recorrida, o argumento da existência de uma deliberação que impede o pagamento da remuneração variável.
O raciocínio é o seguinte: embora o contrato com o autor tenha estipulado o direito a uma remuneração variável em 2008 se fossem atingidos determinados objectivos durante a prestação de serviços contratados e esses objectivos tenham sido atingidos (o que a sentença demonstra e não é posta em causa quanto a isso), no entanto, o devedor do pagamento pode decidir sozinho, em 2010, que não pagava essa remuneração variável.
Só que a deliberação invocada, de 23/07/2010, foi tomada sobre uma declaração da CFR, que propunha que não houvesse lugar à remuneração variável, nos anos de 2010 e 2011 (pontos de facto 12, 32, 38, 39). Ora não existe o mais pequeno suporte que seja para defender que uma deliberação tomada para as remunerações de 2010 e 2011, pode ser aplicada à remuneração do ano de 2008.
O autor diz ainda, para além de coincidir com o que antecede, que a deliberação em causa invoca o art. 172 da Lei 3-B/2010, de 28/04, que diz que nos anos de 2010 e 2011 não há lugar ao pagamento da remuneração variável nos anos de 2010 e 2011; ora, é assim de facto, como também mais à frente se dirá, pelo que não tem razão, a sentença, ao aceitar este suporte para a sua posição, já que, se a lei se refere a 2010 e 2011, não tem aplicação a 2008, que é o que está em causa (por agora).
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Diz, no entanto, a sentença, que:
“a forma como foi aprovada a outra deliberação coeva, sobre o ponto 5 da ordem de trabalhos, relativa ao cumprimento dos objectivos para 2008, lança a dúvida, pois declara-se que “o accionista reconhece que o grau de cumprimento dos objectivos fixados aos membros do CA relativos ao exercício de 2008, é de 104%, sem prejuízo da decisão constante do ponto 7 da presente ordem de trabalhos” Ora, este ponto 7 é precisamente a deliberação sobre a declaração relativa ao pagamento das remunerações, não fazendo sentido, à luz da leitura daquela declaração que o autor faz [e que este acórdão também está fazer, ou seja, de que esta declaração do CFR não se aplica a 2008] e que é aparentemente consentida pelo seu teor literal, que se ressalve a declaração numa deliberação que não se afigura estar com ela conexa.”
Mas, sem razão: primeiro, este argumento da sentença baseia-se num erro: a deliberação sob o ponto 5 não é coeva da deliberação sobre o ponto 7: a do ponto 5 ocorreu a 30/06/2010 (ponto 12 dos factos provados, acta 4 da AG) e a do ponto 7 ocorreu a 23/07/2010 (ponto 32 dos factos provados, acta 6 da AG). Depois, não se vê que dúvida possa haver sobre a proposta da CFR que diz expressamente respeito apenas aos anos de 2010 e 2011 [“deverá ser adoptada uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à remuneração dos titulares do órgão da administração, designadamente não havendo lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração.” (parte final do ponto 32 dos factos provados)].
A sentença diz, no entanto, que o Presidente do CA também sentiu dúvidas sobre a questão pois que (ponto 40 dos factos provados) na acta respeitante à AG que teve lugar a 23/07/2010 foi consignado que ele registou o facto de não ser clara a interpretação da declaração no que respeita à remuneração variável relativa aos anos anteriores, e solicitou ao representante do accionista único que lhe fossem prestados os esclarecimentos pertinentes com a brevidade possível.”
No entanto, o facto de o presidente do CA ter tido dúvidas, não quer dizer que elas se levantem realmente.
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Continua depois a sentença:
“Nada consta da matéria de facto provada no sentido de que tais esclarecimentos tenham sido prestados, mas foi provado o envio de uma carta [melhor ofício, que é o do ponto 42 dos factos provados] a outro gestor da R, que se encontrava na mesma situação do autor, ao qual foi respondido que [… a transcrição está feita no ponto 42 e por isso não se repete].
Mas este argumento traduz-se apenas em constatar que o Estado e a R, que não querem que seja paga a remuneração variável ao autor, também não querem que ela seja paga a outras pessoas em situações semelhantes. O que não tem nenhum relevo, por si. Apenas teria relevo se tal se baseasse noutros argumentos.
Depois, a sentença vai buscar todos os diplomas ou normas mencionados no tal ofício do ponto 42 dos factos provados - despacho nº 5696-A/2010, arts 172 e 29 dos OE para 2010 e 2011, e art. 4 do DL n.º 8/2012 – como se confirmassem o que aí consta. Mas, lidas as referências feitas, constata-se também que todas elas se referem aos anos de 2010 e 2011 ou 2010-2013.
O que, como se disse acima, já tinha sido lembrado pelo autor, pelo que também aqui tem razão o autor nas suas alegações, que vão no mesmo sentido do que antecede.
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Diz a seguir a sentença que:
[…] tanto a deliberação, quanto a lei, não são claras com respeito aos pagamentos que foram vedados, proibindo-se a “retribuição” dos gestores e a “atribuição” de prémios de gestão, mas não se dizendo se com essa afirmação se pretendem atingir apenas as remunerações relativas ao trabalho desenvolvido durante os anos referidos nas normas, ou também todos as outras remunerações que ainda não tenham sido pagas, ainda que relativas a trabalho desenvolvido em data anterior.
Depois faz nova referência ao ofício do ponto 42 dos factos provados e continua:
Apelando às regras de interpretação da lei, temos que no art. 9/3, parte final do CC, se dispõe que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, se o legislador pretendesse que apenas o trabalho desenvolvido em 2010 ou 2011 ficasse abrangido pela proibição de pagamento da remuneração variável, não faria sentido que se tivesse reportado genericamente à “retribuição” do gestor, antes sendo mais lógico que tivesse especificado que se tratava exclusivamente da remuneração referente ao exercício de funções naqueles anos.
Aliás, onde o legislador não distingue, não é lícito ao intérprete fazê-lo, pelo que se a previsão é de tal modo abrangente que alcança todas as situações potencialmente incluídas no seu âmbito, sem qualquer ressalva ou restrição, há que concluir que a norma regula todas estas situações.
Ora, a verdade é que não se vê que alguma dúvida possa emergir da deliberação ou das normas invocadas já que todas elas se referem às remunerações de 2010-2011 ou 2010-2013. Em concreto, quanto à deliberação invocada como impedimento ao pagamento, o que ela faz é aprovar uma proposta que diz expressamente só e apenas o seguinte – e repete-se aqui para se constatar mais facilmente o que se diz – “deverá ser adoptada uma política assente na contenção acrescida de custos no que toca à remuneração dos titulares do órgão da administração, designadamente não havendo lugar, nos anos de 2010 e 2011, à atribuição de qualquer componente variável da remuneração.” Ou seja, a deliberação fala tão só e apenas em 2010 e 2011, nunca em 2008 e 2009. É pois evidente que “o legislador” não faz uma lei para 2008 a 2013, sem distinguir entre 2008 e 2009 e os outros anos, mas, sim, faz uma lei para 2010 a 2013, sem abranger claramente os anos de 2008 e 2009.
O autor, que também diz o que antecede, diz ainda que a interpretação feita igualmente não faz sentido porque, quando a deliberação e as normas legais invocadas surgiram, ele e outros gestores já podiam ter sido pagos pelos serviços prestados em 2008. Ora, desenvolvendo agora este argumento, a deliberação e as normas em causa não prevêem o reembolso de valores já pagos, o que teria de acontecer se, realmente, a deliberação e as normas legais dos diplomas invocados se aplicassem retroactivamente.
Para além de que, acrescenta ainda o autor, tal interpretação esquece a regra do art. 12/1 do CC: A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
E continua, com inteira razão: “A verdade é que quando se sabe que por princípio uma norma não tem aplicação retroactiva, não é sensato – nem legal - que se procure essa retroactividade por via de interpretação. Assim, sendo as remunerações anteriores a 2010 não cabem na previsão. Mas se se entender que a mesma é tão abrangente que promove a dúvida, então impõe-se interpretar a norma restringido ou corrigindo o seu sentido para que este seja conforme com a lei e a constituição.”
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De seguida, a sentença recorrida considera que a interpretação que está a fazer das normas que invocou, é constitucional, tendo em vista os argumentos do acórdão nº 396/2011 do Tribunal Constitucional, onde se apreciou da constitucionalidade das normas do Orçamento de Estado para 2011 que introduziram reduções remuneratórias.
Esta argumentação não pode ser aceite: mesmo que fosse constitucional – e não é, como resulta do estudo do Professor António Manuel Hespanha (A revolução neoliberal e a subversão do “modelo jurídico”. Crise, Direito e Argumentação Jurídica, publicado na Revista do Ministério Público 130, Abril-Junho 2012, págs. 9 a 80, especialmente 42 e segs) com referência à jurisprudência do TC (que inclui, entre outros, o ac. 396/2011) e é demonstrado pelo comentário do Professor Luís Menezes Leitão a esse ac. do TC 396/2011 (publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Out./Dez. 2011, págs. 1279 a 1285, este também citado pela sentença recorrida) - que o Estado pudesse, excepcionalmente e através de uma lei, diminuir de forma unilateral, para o futuro, os vencimentos que tinha acordado com os funcionários públicos, com base num estado de crise económico-financeira (estado de excepção nunca declarado formalmente) que, segundo alegações do Estado/governo, só poderia ser resolvida com aquela diminuição, a verdade é que nunca se viu defendido, nem pelo mesmo pela maioria dos juízes do TC que votaram aqueles acórdãos, que o Estado (actuando como accionista de um SA), ou qualquer outra entidade patronal, possa diminuir, por decisão unilateral, os vencimentos acordados com os funcionários públicos (ou empregados) para trabalho já prestado.
Ou seja, nunca se viu defender a possibilidade de aplicação retroactiva de uma diminuição unilateral, sem base legal, de vencimentos/preços, solução que seria ilegal (art. 406/1 do CC) e duplamente inconstitucional (por diminuir unilateralmente preços acordados com o credor sem justificação bastante e por o fazer com efeitos para um serviço já prestado), nem que fosse por força da violação do princípio da confiança, corolário do princípio do Estado de Direito (art. 2 da CRP). 
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A sentença ainda invoca os arts. 399/2 e 440/3, do Código das Sociedades Comerciais, e a discussão que tem havido sobre a possibilidade de redução das remunerações dos administradores das sociedades comerciais e o conexo problema da abusividade de deliberações sociais. Mas não invoca qualquer apoio jurisprudencial ou legal no sentido de que as deliberações dos sócios possam reduzir, retroactivamente, remunerações que já fossem devidas por se terem verificado os seus pressupostos. Pelo que, não interessa discutir esta argumentação (apesar de o autor argumentar contra ela).  
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Por fim, a sentença recorrida entende que:
Apesar do autor ter exercido as funções em causa no ano de 2008, porque a remuneração variável não é certa, podendo ou não existir, e não sendo previsível o seu exacto montante, caso venha a existir, por ser variável em função do grau de consecução dos objectivos, o encargo inerente só fica quantificado no momento em que se avalia o cumprimento dos objectivos, que é a condição da qual depende a existência e o valor exacto de tal remuneração variável.
Ou seja, só com aquela [de 30/06/2010, ponto 12 dos factos provados] deliberação da AG a remuneração variável se torna exigível e líquida.
[…]
[…] tendo a deliberação referida sido tomada em junho de 2010, a obrigação de pagamento constituir-se-ia nesse ano, pelo que a execução orçamental que suportaria o encargo correspondente seria a de 2010, para a qual foi estabelecido o citado impedimento de atribuição de remuneração variável aos gestores públicos.
Vê-se, do que antecede, que a sentença ora considera que a obrigação de pagamento da remuneração apenas se constitui quando ocorre aquilo que ela considera uma condição – ou seja, quando o Estado avalia o cumprimento dos objectivos –, ora considera que tal evento é antes uma condição da exigibilidade e vencimento dessa obrigação, o que é uma contradição que põe a nu o artificialismo da construção.
Com efeito, não é assim: o direito à remuneração constitui-se quando se verifica a condição de que depende (art. 270/1 do CC), que é o cumprimento dos objectivos pelo menos a mais de 80%, e não quando o Estado considera que eles se cumpriram. Também não é uma sentença judicial que constitui um direito dependente de uma condição, mas sim o evento de que depende esse direito. Essa sentença limita-se a constatar que o evento condicionante se verificou.
No mesmo sentido vão as alegações do autor que ainda diz: E se é assim não tem o autor que aguardar por uma deliberação para ser pago. Se essa deliberação não surgir, como não surgiu, terá que ser o tribunal a determinar o pagamento. E sendo esse o pressuposto do recurso às vias judiciais, não pode constituir fundamento para que o Tribunal não decida ou não condene, já que dizer que não condena porque não há deliberação é uma não decisão. […O] legislador nunca deixaria que a sorte ou a ineficiência da máquina gerasse discriminação negativa face àqueles que eram gestores em empresas que, por sorte ou por outro motivo qualquer, conseguiram fixar os seus objectivos relativos a 2008 antes de 2010. Este argumento do tribunal, que surpreende, constitui via para o tratamento desigual de cidadão perante a Lei, com brutal violação do princípio da igualdade. Todo o trajecto descrito na sentença, ocorrido em 2009 e 2010, a propósito da remuneração variável não podia ter ocorrido antes? Que culpa tem o autor que outros deixassem de desenvolver atempadamente […] o seu trabalho? E se esse procedimento tivesse ficado concluído em 2009, o autor não teria sido pago? Claro que teria […]”
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Posto isto, sendo a remuneração variável em causa uma remuneração para um trabalho prestado em 2008, prevista num contrato celebrado em 2008, com base em pressupostos cumpridos em 2008, o facto da verificação formal desses pressupostos, pelo próprio devedor, só ter ocorrido em 2009 ou 2010, não pode ter qualquer influência na existência ou não no direito à remuneração variável de 2008. Este existe desde o fim de 2008.
Devendo os contratos ser pontualmente cumpridos (art. 406/1 do CC), não podendo eles ser, por regra, unilateralmente alterados por uma das partes (no caso pelo devedor) e não havendo qualquer norma legal que permitisse a alteração unilateral excepcional (que, alias, se existisse, sem justificação bastante e se pretendesse aplicar com efeitos retroactivos, seria inconstitucional), nada justifica o não pagamento da remuneração variável de 2008.
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Quanto a 2009
Quanto à remuneração variável de 2009, a sentença recorrida, de acordo com a construção que fez para a do ano de 2008, considera que era necessário, por força do art. 6/3 do DL 71/2007 que houvesse uma proposta do Estado, accionista único da R – que não é, segundo demonstrado pela sentença, uma unidade pública empresarial -, para que pudesse haver uma avaliação de desempenho.
Como não houve essa proposta do Estado – relativa à remuneração de 2009 – em AG, não interessa, continua a sentença, que tenha havido uma avaliação de desempenho feita pelo CF da ré e que ela se pudesse considerar a coberto do ponto 17 da Resolução do CM 49/2007, de 28/03, e do art. 37 do EGP, pois que uma resolução do CM é hierarquicamente inferior a um DL. Para além de que, por outro lado, a resolução do CM não diz que a avaliação do cumprimento dos objectivos passa a ser feita pelo CF.
O Estado, nas contra-alegações, acrescenta, às razões da sentença para a improcedência do pedido, (i) o facto de, relativamente a 2009, ter-se dado como não provado que os administradores tenham enviado o plano com os objectivos à tutela, (ii) a AG não ter fixado as percentagem de cumprimento dos objectivos (iii) a tutela não ter aprovado o desempenho e respectiva percentagem da remuneração variável. E estes pontos correspondem a requisitos cumulativos para a atribuição de uma eventual remuneração variável: o (i) por força da figura 1, coluna esquerda, do anexo II do contrato, o (ii) por força da figura 1, coluna direita, do anexo II do contrato e art. 2 da Lei 28/2009, de 19/06, e o (iii) por força do art. 6 do DL 71/2007, de 27/3 e art. 10 do DL 558/1999, de 17/12, à data vigente.
Depois, o Estado acrescenta que o tribunal não se pode substituir à AG na fixação das percentagens de cumprimento dos objectivos. E que, não tendo a R cumprido a totalidade dos objectivos fixados para 2009 (ponto de facto provado sob 19), o autor não pode peticionar a remuneração variável.

Decidindo:

A verdade é que, como se disse acima, a remuneração variável dependia apenas da prestação do serviço/trabalho com o cumprimento de objectivos e a verificação destes objectivos não era uma das condições do nascimento da condição.
É certo que sem a verificação do cumprimento dos objectivos não se pode dizer que eles foram cumpridos, mas essa verificação não pode ficar a cargo de procedimentos unilateralmente predispostos pelo próprio devedor ou que só sejam cumpridos se ele o quiser fazer.
Se o devedor não faz o que tem de fazer para que se possa ter por verificado o cumprimento dos objectivos pelo credor, o credor tem o direito de, na acção em que pede a remuneração, poder provar que cumpriu esses objectivos.
Ora, uma das formas de o fazer, pode ser aproveitando – conformando-se – com os resultados de uma verificação feita pelo próprio devedor, através de procedimentos previstos na lei para o efeito, mesmo que, noutra lei, se possa exigir mais uma outra formalidade. Esta exigência adicional, se não for cumprida, pode ser suprida pelo tribunal, pois caso contrário colocar-se-ia, na prática, no arbítrio do devedor o pagamento ou não do devido por uma obrigação já nascida.
Ora, como a sentença reconhece, a verificação do cumprimento dos objectivos de 2009, a 98%, foi feita pelo CF da ré, a coberto do ponto 17 da Resolução do CM 49/2007, de 28/03, e do art. 37 do EGP. Ora, foi esse mesmo CF que fez o relatório que foi considerado pelo Estado para reconhecer o cumprimento dos objectivos relativos ao exercício do ano de 2008 (ponto 12 dos factos provados).
Posto isto, no caso está provado o cumprimento dos objectivos fixados, em 98% pelo menos, pelo que, pelo menos quanto a 98% o autor tem direito, sendo que foi só isso que ele pediu nestes autos.
A argumentação do Estado, no último § transcrito acima, revela o erro da argumentação constante do primeiro §(i), pois que no último § reconhece a existência de objectivos a atingir. De qualquer modo, para além do que já constava sobre os objectivos, foi neste acórdão acrescentado expressamente o que consta do ponto 45 dos factos provados, o que retira todo o relevo a esta discussão.
Quanto ao argumento final do Estado - não tendo a R cumprido a totalidade dos objectivos fixados para 2009 (ponto de facto provado sob 19), o autor não pode peticionar a remuneração variável –, o Estado esquece o ponto de facto 22 dos factos provados que diz que o CF reconhece o cumprimento dos objectivos a 98% e que para haver a remuneração variável bastava que a percentagem não fosse inferior a 80% (ponto 9 dos factos provados). O facto de a percentagem ser inferior a 100%, só tem reflexo no montante da remuneração, não na sua existência.
As restantes objecções que a R e o Estado opuseram, já foram apreciadas quanto à remuneração de 2008 e a questão põe-se do mesmo modo em relação à de 2009, pelo que quanto a esta também improcedem.
A remuneração variável de 2009 é de 37.030€ [= 23% (ponto 34 dos factos provados) x 161.000€ (ponto 7 dos factos provados)].
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por esta que condena a ré a pagar ao autor 44.597€ de remuneração variável em 2008 e 37.030€ de remuneração variável em 2009, com juros de mora de 4% ao ano desde a data da citação até integral pagamento.
Custas pela ré.



Lisboa, 26/10/2017



Pedro Martins
Arlindo Crua
António Moreira