Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9909/2005-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: ACÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- O ónus de alegação e prova de ligação efectiva à comunidade nacional exigido pelo artigo 9.º,alínea a) da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro não se basta com o conhecimento da língua portuguesa, a nacionalidade portuguesa de cônjuge e filhos, o desejo de adquirir a nacionalidade portuguesa.
II - Por isso, não pode ser considerado preenchido esse ónus a partir do momento em que o interessado não tem quaisquer conhecimentos da Historia de Portugal, desconhece qualquer personalidade ligada à cultura portuguesa, não consegue indicar qualquer figura que se tenha evidenciado nas áreas literária, política, social, desportiva e artística portuguesas, desconhece o hino nacional, não fazendo qualquer ideia quanto à respectiva letra ou música, não tem ideia dos usos e costumes tradicionais portugueses em qualquer área.
(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção).

1 – RELATÓRIO.

O Ministério Público, ao abrigo do preceituado nas disposições conjugadas dos artºs 9° e seguintes da Lei de Nacionalidade nº 37/81, de 3 de Outubro, e 22º e seguintes do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, constante do Decreto-lei n°322/82, de 12 de Agosto – ambos na sua nova redacção introduzida pela Lei nº 25/94, de 19 de Agosto e pelo Decreto-lei nº 253/94, de 20 de Outubro -, instaurou acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, contra A…, filha de…, nascida a 16 de Dezembro de 1972 residente em Lisboa.

Para o efeito, alega que :

A requerida é natural da Índia, onde nasceu, tendo nacionalidade indiana.

Em 22 de Setembro de 1996, em Rajkota, Gujrat, República da Índia, contraiu casamento com M… natural de Nairobi, República do Quénia

Em 9 de Novembro de 2004, na…Conservatória do Registo Civil de Lisboa, declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa com base naquele casamento.

Em sequência foi autuado na Conservatória dos Registos Centrais o processo nº…-NAC, onde se questionou a existência de um facto impeditivo da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa, razão porque o registo não chegou a ser lavrado.

É que, pela actual lei portuguesa, a atribuição da nacionalidade portuguesa não constitui um efeito automático do casamento.

Vem formando-se jurisprudência no sentido de que a integração na comunidade nacional tem que assentar num complexo de liames expressos pelo conhecimento da língua portuguesa, o domicílio, comunhão cultural, integração social (que não meramente familiar), e até por factos económico--profissionais, ou outros, complexo esse que traduza a ideia de um sentimento de pertença perene a tal comunidade.

Assistindo-lhe o direito de, no decurso da presente acção, indicar ao Tribunal todas as provas em direito admitidas, sob pena de poder ser insuficiente o complexo de factos de que já apresentou prova em ordem à concessão da nacionalidade.
Conclui, assim, que deve a presente acção ser julgada procedente, ordenando-se o arquivamento do processo conducente ao registo da aquisição de nacionalidade portuguesa pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

Citada a requerida, apresentou esta contestação à oposição à aquisição de nacionalidade.

Essencialmente alegou que :

Vive em Portugal desde 1997.

É casada com cidadão de nacionalidade portuguesa.

É mãe de dois filhos de nacionalidade portuguesa.

Vive e trabalha em Portugal desde 1977.

Habita casa própria.

O cônjuge da requerida é sócio de uma sociedade que explora dois estabelecimentos comerciais, trabalhando a requerida num deles, auferindo remuneração.

Fala fluentemente português.

A ligação efectiva, psicológica, à comunidade nacional é o desejo de ser portuguesa.

Também está ligada pelo trabalho à comunidade, pagando as respectivas contribuições e impostos.

Já visitou o país de norte a sul.

A requerida é portuguesa porque quer ser portuguesa.

Conclui pela improcedência da acção, concedendo-se a nacionalidade portuguesa à requerida.

Não apresentou nem requereu qualquer diligência probatória.

Foi determinada oficiosamente a tomada de declarações à requerida ( cfr. despacho de fls. 163 ), que tiveram lugar conforme consta da audiência a que respeita a acta de fls. 167 a 168.

Foi fixada a matéria de facto através do despacho de fls. 173 a 175.

O Tribunal é competente e o processo é o próprio, não existem excepções nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.

II – FACTOS PROVADOS.

Encontra-se provado nos autos que :
A… nasceu em 16 de Dezembro de 1971, em… Gurajat, Índia, tendo a nacionalidade indiana, sendo filha de…
Em 22 de Setembro de 1996, em Rajkot, Gujarat, República da Índia, casou com M…natural de Nairobi, República do Quénia, que tem nacionalidade portuguesa.
Em 9 de Novembro de 2004, na… Conservatória do Registo Civil de Lisboa, A… declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa com base no seu casamento.
A…. tem dois filhos, nascidos em Lisboa :
Yash… nascido a 8 de Maio de 2001 ;
Jai…, nascido em 1 de Agosto de 2004.
A… viveu na Índia até 1997, tendo vindo, desde então, residir para Portugal com seu marido, o que se verifica, ininterruptamente, até ao presente.
Residem… em Lisboa, sendo o agregado familiar composto por marido, mulher e filhos.
A… e seu marido são sócios duma sociedade comercial que exerce a sua actividade na zona do Martin Moniz, em Lisboa.
A… atende o público ao balcão do estabelecimento comercial explorado pela mesma sociedade.
A… fala fluentemente o português, tendo tirado um curso de aprendizagem desta língua, organizado no seio da comunidade hindu.
A…. encontra-se a tirar a carta de condução em Portugal, tendo sido aprovada no teste teórico a que se submeteu.
Os filhos de A… frequentam escola portuguesa.
A… não tem quaisquer conhecimentos da História de Portugal.
A… desconhece qualquer personalidade ligada à cultura portuguesa.
Não consegue indicar – com conhecimento mínimo da sua biografia - qualquer figura que se tenha evidenciado nas áreas literária, política, social, desportiva, artística portuguesas.
A… desconhece o hino nacional, não fazendo qualquer ideia quanto à respectiva letra ou música.
A… não tem ideia acerca dos usos e costumes tradicionais portugueses, em qualquer área.
A… tem uma ideia muitíssimo vaga da realidade política actual portuguesa, desconhecendo a esmagadora maioria dos respectivos intérpretes, bem como o regime político vigente e seus antecedentes.
O desejo de A… em adquirir a nacionalidade portuguesa prende-se exclusivamente com o facto do seu marido e filhos terem a nacionalidade portuguesa e de haver sido informada, na Conservatória do Registo Civil, que, se quisesse, também poderia adquirir essa nacionalidade.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

É a seguinte a única questão jurídica que importa dilucidar nestes autos.

Prova da efectiva ligação da requerida A… à comunidade nacional, enquanto requisito essencial para o prosseguimento do processo de aquisição da nacionalidade portuguesa.

Passemos à sua análise :
Nos termos do artº 3º, nº 1 da Lei da Nacionalidade, nº 37/81, de 3 de Outubro :

“ O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio “.

Estabelece, por seu turno, o artº 9º, alínea a), do mesmo diploma legal :

“ Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa :
( … ) a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional ; “.

Dispõe o artº 22º, nº 1, alínea a), do Decreto-lei nº 322/82, de 12 de Agosto :

“ Todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve :

( … ) comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível, a ligação efectiva à comunidade nacional “.

Os factos dados como provados são, a nosso ver, insuficientes para integrar, sem dúvidas, o conceito de ligação efectiva da requerida A… à comunidade nacional. (Verificável através da “ prova de algumas circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, do domínio ou conhecimento da língua, dos laços familiares, das relações de amizade ou de convívio, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, do interesse pela história ou pela realidade presente do País “ ( acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1999, publicado in BMJ nº 485, pags. 366 a 371 ))

Com efeito,

Conforme se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1999, publicado in BMJ nº 485, pags. 366 a 371 : “ …hoje a ligação efectiva à comunidade nacional constitui um autêntico pressuposto de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade, tendo o requerente – candidato à aquisição – o ónus da correspondente alegação e prova. Não o fazendo, há fundamento bastante para a procedência da acção de oposição “. (No mesmo sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 1998, publicado in BMJ nº 474, pags. 426 a 430, onde se salienta que “ Nessa acção, o ónus de prova imposto ao autor é apenas o da “ não comprovação pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional “, o que significa que o requerente terá de fazer também prova dessa ligação, sob pena de ficar sujeito à instauração da referida acção e à sua procedência. “)

Ora, a requerida A…, na contestação que juntou ao processo, não forneceu qualquer elemento probatório acerca da matéria em discussão.

O teor dos documentos juntos antes da instauração desta acção – desacompanhados de qualquer prova testemunhal -, não são susceptíveis de conduzir à demonstração de qualquer factualidade que permita integrar o conceito de ligação efectiva à comunidade nacional. (Salienta-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2002, publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano X, tomo II, pags. 104 a 106, que “ Um requerente terá que demonstrar uma ligação efectiva à comunidade portuguesa, não bastando, segundo a nova lei, o próprio facto do casamento com uma portuguesa.
Ligação cujo conteúdo comunga dos valores e participa nos objectivos fundamentais da comunidade nacional, revelando propósito e seriedade de exercício de cidadania portuguesa, de forma interessada, consistente, prática, efectiva, operacional, na directa relação cidadão/Estado e Estado/cidadão ( nos dois sentidos ), e entre cidadãos do mesmo Estado. “.)

Ouvida em declarações, oficiosamente determinadas pelo Tribunal, a requerida… revelou um desconhecimento absoluto da história, cultura e realidade política portuguesas.

Praticamente nada sabe acerca dessas matérias, nenhum interesse ou curiosidade tendo revelado, ao longo destes anos em que passou a viver em Portugal, em tomar conhecimento – ainda que perfunctório – com esses temas.

O seu interesse em ser portuguesa partiu, pura e simplesmente, duma informação prestada na Conservatória do Registo Civil a que decidiu anuir, sem qualquer profundo sentimento de pertença à comunidade nacional – e apenas pelo facto do seu marido e filhos terem nacionalidade portuguesa.

Não existe demonstrado nestes autos um autêntico e enraízado enquadramento pessoal, familiar, social, económico, cultural e afectivo da requerida A… relativamente à comunidade nacional. (Verificável através da “ prova de algumas circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, do domínio ou conhecimento da língua, dos laços familiares, das relações de amizade ou de convívio, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, do interesse pela história ou pela realidade presente do País “ ( acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1999, supra citado )).
(Sobre o critério de ligação efectiva à comunidade nacional, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano V, tomo II, pags. 83 a 84)

Sendo certo que tal ónus incumbia à interessada na aquisição da nacionalidade portuguesa. (Conforme sublinha o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1998, publicado in BMJ nº 473, pags. 451 a 460 : “ … será, agora, o interessado que terá que comprovar a sua ligação efectiva à comunidade nacional para que lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa.
Terá, assim, de afirmar ( e provar ) factos onde se possa inferir, no seu desenvolvimento lógico, a sua ligação efectiva à comunidade nacional. ( … ) a prova da ligação à comunidade nacional há-de ser feita em função dos factos relacionados com diversos factores : o domicílio, a língua, a família, a cultura, as relações de amizade, a integração sócio-económica-profissional, etc., de sorte a convencer da existência de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa. “)

Procederá, pois, inevitavelmente, a presente acção de oposição ao registo de aquisição de nacionalidade.

IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa procedente e, em consequência, ordena-se o arquivamento do processo relativo ao registo da aquisição de nacionalidade portuguesa por parte de A… pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

Sem custas ( artº. 27º, do Regulamento aprovado pelo Decreto-lei nº 322/82, de 19 de Agosto ).

Lisboa, 9 de Maio de 2006.

( Luís Espírito Santo )

( Isabel Salgado )

(Soares Curado)