Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2032/19.6YRLSB-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
UNIÃO ESTÁVEL
BRASIL
ESCRITURA PÚBLICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A escritura pública declaratória da união estável é uma das formas adequadas de constituição, regulação e publicitação dessa situação de facto de cariz familiar, com expressa e directa cobertura jurídica no sistema legal brasileiro, consolidando o requisito da observância de forma escrita, enquanto absolutamente essencial para o reconhecimento da figura jurídica, sendo condição necessária para a legalização da união estável face à lei brasileira aplicável, tornando-a juridicamente relevante, produtora dos seus efeitos típicos e salvaguardando-a perante terceiros a quem é dada, desse modo, a conhecer.
II – Basicamente, o que está em causa é o reconhecimento jurídico de determinada situação de facto duradoura que constitui um verdadeiro modelo de família, em que existe entre os conviventes uma relação contínua, pública e análoga ao relacionamento próprio entre os cônjuges, com reflexos no plano do regime de bens vigente entre eles (com a aplicação do regime de comunhão parcial de bens) e a atribuição de outros benefícios no domínio da saúde e da proteção social.
III – Esta escritura pública tem a ver com o reconhecimento próprio e efectivo de determinada situação de facto que o legislador brasileiro erigiu à qualidade de modelo familiar, associando-lhe a produção de significados efeitos jurídicos, com a atribuição de direitos e deveres, não podendo ser afinal perspectivada - apenas e só - enquanto simples meio de prova, descobrindo-se nessa desfocada percepção da realidade o motivo decisivo para negar a pedida revisão e confirmação, a pretexto do disposto no artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil.
IV -  Perante a solenidade formal do acto; o cuidadoso e especificado clausulado que contém em pormenor as regras jurídicas que regulam esta nova célula familiar em múltiplos e bem concretizados aspectos; as variadas assunções de responsabilidade dos declarantes, entre si e com reflexos junto de terceiros; o manifestado propósito de usarem este instrumento como forma de fazer valer perante entidades públicas e privadas a nova figura familiar que passam a constituir; a própria presença de testemunhas durante a prática a sua realização no Cartório de Notas, tutelando a autenticidade e fidedignidade do que foi dito e assumido pelos intervenientes, é por demais evidente que esta escritura pública declaratória da união estável corresponde indiscutivelmente à prática de um acto administrativo, presidido por oficial dotado de fé pública, onde se procede efectivamente ao caucionamento do reconhecimento de direitos privados conferidos aos conviventes.
V -  Não faz sentido a desvalorização ou desconsideração de um acto jurídico formal e solene, praticado em plena conformidade com o ordenamento jurídico estrangeiro que o rege, perante uma entidade oficial desse país que o autoriza e certifica, dotado de fé pública e força probatória plena, destinando-se a servir para a constituição, mesmo perante terceiros, de relevantes direitos privados no plano geral das relações familiares e mesmo sucessórias.
VI – O regime jurídico estrangeiro que estabeleça regras próprias, de natureza patrimonial e pessoal, no quadro de um novo figurino familiar que tenha por base a convivência douradoura de um casal que não esteja unido pelo vínculo do casamento, mas que vive, em conjunto e reciprocamente, um relacionamento análogo ao dos cônjuges, não fere qualquer princípio fundamental do ordenamento jurídico nacional, que o poderia acolher com toda a abertura e naturalidade, existindo notória similitude entre a união estável brasileira e a figura da união de facto consagrada pela legislação nacional e consolidada na nossa comunidade jurídica e social (vide o artigo 1º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, alterada pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto) - embora se trate de realidades jurídicas perfeitamente distintas quanto ao seu regime.
VII – Deve a acção especial de revisão de sentença estrangeira que tem por base a escritura pública declaratória de união estável outorgada no Brasil, em conformidade com as regras exigidas pelo direito civil brasileiro, e não se verificando qualquer dos óbices formais previstos no artigo 980º, alíneas a) e f) do Código de Processo Civil, ser objecto de revisão e confirmação pelo Tribunal da Relação competente, produzindo os seus efeitos perante o ordenamento jurídico português.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO.
A [ Ricardo …]  e B [ Sheila ….] , ambos residentes na Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, nº …, apartamento …., Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, Brasil, intentaram em conjunto a presente acção especial de revisão de sentença estrangeira pedindo que seja revista e confirmada a decisão constante da escritura pública declaratória de união estável, lavrada no 17º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, datada de 10 de Abril de 2010.
Alegaram, em síntese, que esta decisão não ofende os princípios de Ordem Pública do Estado Português e os demais factos conducentes à procedência do pedido formulado.
Juntaram certidão da decisão que pretendem ver revista e confirmada.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 982º, nº 1 do Código de Processo Civil.
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto contestou a revisão e confirmação pedida.
Alegou essencialmente:
Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e com a qual nos revemos a escritura pública em questão não é mais do que um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, ou seja, de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal.
Ou seja, o documento não faz prova plena; prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação.
Nos termos do artigo 980º do Código de Processo Civil, para que uma sentença seja confirmada é necessário que haja uma sentença ou decisão de entidade pública que respeite os requisitos de validade e eficácia da lei competente.
O documento apresentado não contém qualquer decisão nem declaração de entidade administrativa que lavrou a escritura que ateste os factos ali descritos, pelo não se mostram verificados os pressupostos de revisão de sentença estrangeira.
Conclui pelo indeferimento do pedido formulado.
(cfr. fls. 37 a 38).
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia. Não existem vícios que anulem todo o processo. As partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade. Não se verificam outras excepções dilatórias ou nulidades de que cumpra conhecer.
II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se documentalmente provado nos autos que :
No dia 10 de Abril de 2010 foi lavrada escritura pública declaratória da união estável, no 17º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, nos seguintes termos:
“Saibam – quantos esta pública escritura virem que, no ano de 2014, aos 3 dias do mês de Setembro, nesta cidade do Rio de Janeiro, neste Cartório do 17º Ofício de Notas sito (...) e perante mim Sheila …., escrevente deste cartório (...) encontrei como declarantes A, brasileiro, divorciado (...), e B, brasileira, solteira (...) e assim pelos declarantes me foi dito, sob as penas da Lei e aos devidos fins, e para que produza todos os efeitos legais permitidos, o seguinte:
1. Que mantêm vida em comum desde 10 de Abril de 2010, estabelecida com o objetivo de manter uma célula caracteristicamente familiar, nos termos da legislação em vigor, a qual passam a legalizar através deste instrumento.
2. Que dessa convivência em comum não há filhos.
3. Prestam a presente declaração, para fazer prova junto de qualquer órgão de repartição pública, federal, municipal, estadual, autarquias, ministérios, e INSS, em quaisquer planos de saúde, e também como instrumento legal para quaisquer fins em que se faça necessária a comprovação de união estável.
4. Que resolvem adoptar para esta união o equivalente ao regime de comunhão parcial de bens, não cabendo qualquer outra forma de administração ou entendimento legal que contrarie esta mútua declaração de vontade.
4.a. Que os bens móveis e imóveis adquiridos por ambos os conviventes na constância da união, são considerados frutos do trabalho e da colaboração comum passando a pertencer a ambos.
4.b. Que, em caso de falecimento ou impossibilidade física e mental para gerir o seu património comum, os declarantes nomeiam-se mutuamente como responsáveis pela administração de quaisquer bens existentes em seus nomes, respeitados os trâmites legais.
4.c. Que, as partes declaram mutuamente como responsáveis em manter como seus dependentes junto a quaisquer órgãos assistenciais e de seguridade, valendo a presente para que os mesmos se inscrevam em qualquer plano de saúde ou benefício que pertençam ou venham a pertencer.
4.d. Dissolvida a entidade familiar por rescisão, a assistência material prevista em lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.
5. Que, conforme acima declarada, esta escritura, em seus termos, servirá como instrumento legal para quaisquer fins em que se faça necessária a comprovação de união estável, obrigando-se os declarantes aos deveres de lealdade, respeito e assistência, guarda, assistência moral e material recíprocas.
6. Declaram ainda estar perfeitamente cientes das regras legais que regem o regime da comunhão parcial de bens, onde se comunicam os bens adquiridos pelo casal na constância da união, ficando excluídos os bens adquiridos anteriormente.
7. Pelos declarantes então foi dito que aceitam a presente como está feita e redigida, nos termos das leis vigentes, e que será cumprida e respeitada por eles, seus herdeiros e sucessores, assinando este instrumento sem qualquer coação ou induzimento, sendo certo que têm consciência e conhecimento de que, em qualquer caso de constatação de falsas declarações, estarão sujeitos às responsabilidades civis e criminais daí decorrentes.
Assim me pediram e lhes fiz lavrar nestas notas a presente escritura, a qual sendo lida em voz alta, acharam em tudo conforme, outorgam, aceitam e assinam, na presença das testemunhas:
Primeiro: Paulo Codeceira Lopes Júnior (...); Segunda: Lurdes Campello Codeceira Lopes (...).
Do encerramento: certifico que serão recolhidas custas no valor (...)”.
Esta escritura encontra-se seguidamente assinada pela escrevente Sheila …., pelo substituto legal do Tabelião, Fábio ….., e ainda  por Ricardo A, B, Paulo …. e Lurdes …..  .   
Não houve, até ao momento, qualquer impugnação desta escritura.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
Da verificação dos requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da decisão estrangeira apresentada. Escritura Pública Declaratória da União Estável outorgada segundo o ordenamento jurídico brasileiro. Razões para o deferimento do pedido de revisão e confirmação. Análise da figura. Caucionamento administrativo do reconhecimento de direitos privados conferidos aos conviventes. Jurisprudência.
Passemos à sua análise:
Nos termos do artº 980º, do Código de Processo Civil, para que a sentença seja confirmada é necessário:
“ a) que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) que o réu tenha sido regularmente citado para acção nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português“.
Dispõe o artº 983º, nº 1, do Código de Processo Civil : “O pedido só poder ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980º, ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g), do artigo 696º“.
Na situação sub judice, o Ministério Público entendeu deduzir oposição ao pedido de revisão e confirmação formulado pelos requerentes com base nos seguintes argumentos:
- A escritura pública em questão não é mais do que um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, ou seja, de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal.
- O documento não faz prova plena; prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação.
- Nos termos do artigo 980º do Código de Processo Civil, para que uma sentença seja confirmada é necessário que haja uma sentença ou decisão de entidade pública que respeite os requisitos de validade e eficácia da lei competente.
- O documento apresentado não contém qualquer decisão nem declaração de entidade administrativa que lavrou a escritura que ateste os factos ali descritos, pelo não se mostram verificados os pressupostos de revisão de sentença estrangeira.
Sobre esta matéria, e perfilhando a mesma fundamentação jurídica essencial – na qual o Ministério se louvou -, manifestaram-se os seguintes arestos:
- Os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro e de 9 de Maio de 2019 (relator – em ambos os casos - Pinto de Oliveira), publicados in www.dgsi.pt
- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março e de 9 de Maio de 2019 (relator – em ambos - Ilídio Sacarrão Martins), publicados in www.dgsi.pt.
- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Outubro de 2019 (Teresa Prazeres Pais), publicado in www.dgsi.pt.
- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019 (relator Sousa Pinto), publicado in www.dgsi.pt.
- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2019 (relator António Moreira), publicado in www.dgsi.pt.
- O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7 de Novembro de 2019 (relatora Ana Margarida Leite).
Em sentido oposto pronunciaram-se os seguintes acórdãos:
- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2019 (relator Alexandre Reis), publicado in www.dgsi.pt.    
- Os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Outubro e de 21 de Novembro de 2019 (relator – de ambos – Pedro Martins), publicados in www.jusnet.pt e www.dgsi.pt, respectivamente.
- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2019 (relatora Ana Azaredo Coelho), publicado in www.dgsi.pt.
- Os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Dezembro de 2019 (relator Luís Filipe Sousa, em ambos).
Por facilidade de exposição, passamos a resumir os principais argumentos a favor e contra que foram contrapostos nos arestos citados.
1 – Contra a revisão e confirmação:
1.1. – Os requerentes apenas declararam que se mantém a união de estável desde determinada data até aos dias actuais, constituindo um modelo familiar nos termos do artigo 1723º do Código Civil Brasileiro.
1.2. – O artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil é claro no sentido de que não é necessária a escritura declaratória de união estável para que a figura tenha eficácia em Portugal.
Independentemente de ser ou não confirmada/revista a escritura declaratória de união estável prevista pelo direito brasileiro, será sempre, em qualquer circunstância, um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de decidir sobre o reconhecimento dos direitos constituídos pela união de facto.
1.3. – O documento apresenta não assegura nem demonstra a realidade daquilo que os próprios outorgantes declaram e fizeram verter na escritura.
1.4. – A escritura declaratória da união estável prevista na lei brasileira não faz com o que o acto composto pela declaração dos requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”.
2 – A favor da revisão e confirmação:
2.1. – Uma vez emitida pela autoridade administrativa brasileira, competente para o efeito, a escritura declaratória de união estável, a mesma tem no ordenamento jurídico daquele país força igual à de uma sentença que reconheça a “união estável homoafectiva” (cfr. artigo 1723º do Código Civil brasileiro).
Assim deve ser considerada como uma decisão sobre direitos privados abrangida pelo artigo 978º, nº 1, do Código Civil português, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.
2.2. – A revisão do conteúdo da dita decisão (administrativa) estrangeira envolve, tão só, a verificação de uma regularidade formal ou extrínseca, não pressupondo, por isso, a apreciação do fundamento de facto ou de direito da mesma.
2.3. – A união estável reveste apenas a natureza de situação de facto informal, com relevo para oficializar aspectos referentes ao regime de bens aplicável à união, tais como a concessão de benefícios no âmbito da inserção em plano de saúde e para efeitos de apresentação em órgãos previdenciais.
2.4. – Ainda que a escritura declaratória da união estável possa não ter utilidade mediata para os requerentes (através da sua revisão e confirmação), não há razões para não admitir que vigore em Portugal e que possa servir de título de registo/averbamento desta figura jurídica, correspondendo a uma vantagem efectiva ao nível da publicidade da situação e da sua invocação perante terceiros.
 2.5. A escritura pública integra um verdadeiro contrato, designadamente com disposições sobre as relações patrimoniais entre os companheiros. Esse contrato pode ser objeto de registo, colhendo então efeitos perante terceiros. A lei processual equipara a extinção consensual da união estável aos casos de divórcio consensual, podendo efetuar-se todos por escritura pública, a qual não depende de homologação judicial.
2.6. -  A ordem jurídica brasileira atribui efeitos e reconhece a união estável, formalizada por escritura pública, sem necessidade de intervenção judicial. E, no que tange quer à extinção do casamento por divórcio consensual quer à extinção da união estável, não exige que as escrituras que os determinam sejam objeto de homologação judicial.
2.7. – No caso da escritura declarativa da união estável envolve mais do que a força probatória acrescida, uma vez que autoriza, nomeadamente, o registo da situação de facto e a possibilidade de usufruir direitos e privilégios atribuídos em razão dessa situação.
2.8. – A jurisprudência firme e consolidada pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de revisão e confirmação das escrituras públicas de divórcio consensual implica o seu alargamento às escrituras públicas de declaração de união estável.
Apreciando:    
Cumpre, agora, tomar posição quanto à questão jurídica que nos é colocada.
Refira-se preliminarmente que constitui entendimento uniforme nos tribunais portugueses que uma decisão de uma entidade administrativa estrangeira, competente no país onde foi proferida a decisão a rever, não assumindo embora a natureza de entidade jurisdicional e não sendo a peça por ela produzida qualificável como “sentença”, é, não obstante, passível de revisão e confirmação pelo Tribunal da Relação no âmbito de um processo com a natureza do presente.
Exemplo paradigmático disso é o caso das escrituras públicas de divórcio consensual, admitidas à luz do ordenamento jurídico brasileiro, e que são comummente revistas e confirmadas em Portugal, sem suscitar qualquer  objecção ou rebuço, e em que não existe igualmente uma verdadeira e própria decisão (jurisdicional ou administrativa) decretando os efeitos de dissolução do vínculo matrimonial entre os outorgantes.
Conforme se expressou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2013 (relator Granja da Fonseca). “Exige-se apenas a “emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório”, e casos em que não há exactamente uma emissão formal de vontade — em que há, tão-só, “um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”.
(vide, neste sentido e entre outros, acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 2007 (relator Abrantes Geraldes); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2013 (relator Granja da Fonseca); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 30 de Junho de 2009 (relatora Cristina Coelho), todos publicitados in www.jusnet.pt); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2005 (relator Moitinho de Almeida); acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2019 (relator Pinto de Oliveira); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Maio de 1983 (relator Lopes Bento); acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Maio de 2010 (relator Costa Fernandes); todos publicados in www.dgsi.pt).     
Sobre o mérito do peticionado pelos requerentes A e B :
Adiantamos desde já que não existe, a nosso ver, respaldo legal para recusar a revisão e confirmação da escritura de declaratória de união estável proferida à luz do ordenamento jurídico brasileiro, desde que a mesma preencha os requisitos de forma estabelecidos no artigo 980º do Código de Processo Civil.
Tal conclusão assenta essencialmente na seguinte ordem de razões:
1 – A presente escritura pública declaratória da união estável apresentada para revisão e confirmação não se reconduz, de forma indevidamente redutora, a um simples meio de prova, não se integrando manifestamente na previsão do artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil:
“Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa”.
Esta disposição legal prevê basicamente a possibilidade de a sentença estrangeira que não seja revista nem confirmada pelos tribunais portugueses (designadamente por inércia ou omissão dos interessados ou por força da eventual rejeição pelo tribunal) vir a ser aproveitada enquanto mero elemento probatório, isto é, meio instrumental de demonstração de um determinado facto ou situação que serão tomados em conta em processo judicial pendente ou a instaurar, sujeitos portanto ao crivo do respectivo julgador.
(Sobre este ponto, vide assento de 16 de Dezembro de 1988 (relator Eliseu Figueira), publicado no Diário da República nº 50/89, Iª Série, de 1 de Março de 1989, onde se conclui que: “A sentença estrangeira não revista nem confirmada pode ser invocada em processo pendente em tribunal português como simples meio de prova, cujo valor é livremente apreciado pelo julgador”).
Ora, saber se a presente decisão estrangeira pode ou não ser revista e confirmada perante o ordenamento jurídico nacional é precisamente a questão jurídica crucial que cumpre dissecar e dilucidar, não havendo notícia nos autos de que os requerentes tivessem por objetivo (directo ou indirecto) a utilização da escritura declaratória da união estável para comprovação de facto ou situação em processo pendente ou a instaurar.
Pode vir a acontecer; nada nos garante ou interessa (no âmbito restrito destes autos) que assim venha a suceder.
De notar que, como se compreende, não compete ao juiz da causa averiguar o destino que os requerentes projectem para a decisão revidenda; a sua intervenção e competência prende-se exclusivamente com a verificação judicial dos condicionalismos legais necessários e suficientes para conceder - ou negar - a revisão e confirmação.
Logo, o conhecimento do mérito da presente causa não tem a ver com a concreta aplicação do artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Não se alcança inclusive como possa conceber-se que esta escritura pública que consubstancia o reconhecimento próprio e efectivo de determinada situação de facto que o legislador brasileiro erigiu à qualidade de modelo familiar, associando-lhe a produção de significados efeitos jurídicos, seja afinal perspectivada, atomisticamente e fora do contexto em que a presente acção especial foi concretamente instaurada, apenas e só como um simples meio de prova, descobrindo-se nessa desfocada percepção da realidade o motivo decisivo para negar a pedida revisão e confirmação.
 É evidente que tal escritura não se reconduz a um simples elemento probatório a utilizar instrumentalmente em processo a instaurar futuramente, a não ser, porventura, na amplíssima acepção – que não é a do artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil, assim entendido – que comportará a abstracta invocação ou avocação como prova de uma qualquer sentença, certidão ou escritura, nacionais ou estrangeiras, como forma de demonstrar em juízo a realidade de qualquer facto controvertido.
Não colhe, por conseguinte, tal argumentário.
2 - A escritura pública declaratória da união estável celebrada à luz do ordenamento jurídico brasileiro contém o efeito jurídico próprio e típico, respeitante ao reconhecimento de direitos privados, sendo objecto de verdadeiro caucionamento pela entidade administrativa competente que preside ao acto.
A união estável constitui uma figura própria do ordenamento jurídico brasileiro, com um sentido, fundamento e lógica perfeitamente definidos e justificados.
Encontra-se prevista nos artigos 1723º e seguintes do Código Civil brasileiro, integrada no Título III, do Capítulo V referente ao “Direito Patrimonial” do Livro IV concernente ao “Direito da Família”.
É o seguinte o seu regime legal:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1 o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521 ; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2 o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.
Nos termos do Artigo 733º do Código de Processo Civil Brasileiro de 2015: “O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual da união estável , não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731º.
§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial”.
A única exigência legal para o reconhecimento da união estável é a de que revista forma escrita, não sendo estabelecido qualquer limite temporal mínimo relativamente à duração da relação entre os conviventes.
Com efeito, pode ser constituída por escritura pública ou contrato particular.
Tal contrato pode ainda ser levado à averbação ou registo no competente Cartório de Registo (o mesmo que é responsável por realizar registo de nascimento, casamento ou óbito), conferindo uma maior segurança aos companheiros que formam a união estável e salvaguardando ainda direitos que cabem a terceiros relativamente a negócios jurídicos celebrados com um dos conviventes.
Sendo celebrada por escritura pública, a declaração de união estável tem lugar no Cartório de Notas.
Neste caso, os requerentes devem apresentar um acervo documental imprescindível: Registo Geral (RG) original; Cadastro de Pessoa Física (CPF) original; no caso de viúvo ou divorciado, certidão de casamento; no caso dos solteiros, certidão de nascimento; comprovativo de residência; definição sobre regime de bens; documento com a declaração sobre a convivência do casal.
Acresce, ainda que, em conformidade com o disposto no artigo 215º do Código Civil brasileiro, a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.
Conforme escreve Ronan Cardoso Naves Neto, in “A União Estável nas Serventias Extrajudiciais”, páginas 51 a 58:
 “As actividades notariais e de registro, portanto, são transferidas ao particular pelo Estado através de um acto de delegação administrativa” (...) a prestação dos serviços notariais e de registo devem observar os princípios gerais que regem a Administração Pública, a saber, supremacia do interesse público, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...) pode-se afirmar que o entendimento mais coerente e consentâneo com o Supremo Tribunal Federal é que, de acordo com a Constituição da República de 1988, a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro corresponde a uma função pública transferida ao particular, por meio de delegação administrativa sui generis, após aprovação em concurso público de provas e títulos, para ser exercido em caráter particular, sujeito à fiscalização por parte do Poder Judiciário, seja através das Corregedorias Gerais de Justiça dos estados, seja através dos juízes corregedores locais”.
A união estável poderá ainda conduzir à sua convolação em relação jurídica constituída pelo casamento, bastando para o efeito que os conviventes formulem esse pedido e que o mesmo seja objecto do correspondente assento no Registo Civil.
Define Álvaro Villaça de Azevedo a união estável, in artigo publicado na Revista Advogado nº 58, AASP, São Paulo, Março/2000, do seguinte modo: “A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e continuam de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo tecto ou não, constituindo, assim, a sua família de facto”.
Francisco Eduardo Orciole Pires e Albuquerque Pizzolante, caracterizam a figura da união estável, in “União Estável no sistema jurídico brasileiro”, São Paulo, Atlas, 1999, página 150, da seguinte forma: “meio legítimo de constituição de entidade familiar, havida, nos termos estudados, por aqueles que não tenham impedimentos referentes à sua união, com efeito de constituição de família”.
Ou seja, e basicamente, o que está em causa é o reconhecimento jurídico de determinada situação de facto duradoura que constitui um verdadeiro e singular modelo de família, existindo entre os conviventes uma relação contínua, pública e análoga ao relacionamento entre os cônjuges (no fundo a expressão da convivência marital entre eles), com reflexos no plano do regime de bens vigente entre eles (com a aplicação do regime de comunhão parcial de bens) e a atribuição de outros benefícios no domínio da saúde e da proteção social.
O dever de assistência mútua entre os conviventes implicará a obrigação de prestação de alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação, conforme se prevê no artigo 1694º do Código Civil brasileiro, onde pode ler-se:
“Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
A escritura pública declaratória da união estável é uma das formas adequadas de constituição, regulação e publicitação dessa situação de facto de cariz familiar, com expressa e directa cobertura jurídica no sistema legal brasileiro, bem traduzida através a expressão inicial nela constante: “Saibam – Quantos esta Pública Escritura virem que...”, consolidando o requisito da observância de forma escrita, enquanto absolutamente essencial para o reconhecimento da figura jurídica.
A escritura é, portanto, a condição necessária para a legalização da união estável face à lei brasileira aplicável, tornando-a juridicamente relevante, produtora dos seus efeitos típicos e salvaguardando-a perante terceiros a quem é dada, desse modo, a conhecer.
Saliente-se que, uma vez reconhecida a união estável, os conviventes passam a ter quase todos os direitos e deveres inerentes ao casamento: têm o direito de partilha sobre os bens adquiridos na constância da união; o convivente que não possua condições de subsistência poderá exigir do outro pensão alimentícia; e no caso de morte, aquele que sobreviveu entrará na linha sucessória do outro.
(Relativamente a este último aspecto, cumpre atentar no regime sucessório pertinente ao ordenamento jurídico brasileiro, o qual se encontra consagrado na lei da seguinte forma:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Tal significa que cada um dos conviventes, no domínio sucessório, só poderá ter direito a bens que foram adquiridos onerosamente na vigência da união estável, não abrangendo os bens exclusivos ou próprios do outro.
Cumpre ainda salientar que os conviventes não são herdeiros necessários.
Nos termos do artigo 1845º do Código Civil brasileiro os herdeiros necessários são apenas os descendentes, ascendentes e cônjuge).
Por tudo isto e face ao exposto, não podem subsistir dúvidas de que a escritura pública declaratória da união estável constitui efectivamente um verdadeiro acto registral que cauciona o reconhecimento de direitos privados conferidos aos conviventes, em diversos planos jurídicos do maior relevo no âmbito do direito da família e do direito das sucessões, entendidos segundo os princípios professados pelo ordenamento jurídico (brasileiro) em que se integra.
Neste mesmo sentido, lendo a escritura revidenda, junta a fls. 32 a 33, verifica-se que esta constitui o exemplo perfeito e acabado da realidade supra referida (reconhecimento, caucionado por entidade pública de direitos privados conferidos aos conviventes), a qual é, na nossa perspectiva, absolutamente insofismável e isenta de dúvidas.
Tal escritura declaratória encontra-se estruturada nos seguintes moldes:
1 – Identificação completa e pormenorizada dos ora declarantes, os conviventes A e B , com a menção que no dia 3 de Setembro de 2014 compareceram ambos no 17º Ofício de Notas da Capital, Rio de Janeiro, Brasil, perante o oficial público competente para o acto.
2 – Relato das declarações produzidas pelos conviventes A e B, que versaram sobre os seguintes pontos:
2.1. – Manutenção da vida em comum entre si, desde 14 de Abril de 2010 até ao presente, com o objetivo de manter uma célula caracteristicamente familiar, a qual será legalizada através deste instrumento.
2.2. – A alusão à inexistência de filhos.
2.3. – A consignação das finalidades típicas servidas pela presente declaração: fazer prova junto de qualquer órgão de repartição pública, federal, municipal, estadual, autarquias, ministérios, INSS, em quaisquer Planos de Saúde, e também como instrumento legal para quaisquer fins em que se faça necessária a comprovação da união estável.
2.4. – A expressa adopção pelos conviventes do regime de comunhão parcial de bens, não cabendo qualquer outra forma de administração ou entendimento legal que contraria esta mútua declaração.
2.5. – O estabelecimento de regras muito definidas e precisas, aplicáveis a futuras situações pessoais entre os conviventes: regime dos bens móveis e imóveis adquiridos pelos conviventes na constância da união e que passam a ser considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos; a nomeação mútua dos conviventes como responsáveis pela administração de quaisquer bens existentes em seus nomes, em caso de falecimento ou impossibilidade física e mental do outro para gerir o património comum; obrigação reciprocamente assumida de se manterem como  dependentes junto a quaisquer órgãos assistências e de seguridade; a faculdade concedida entre os conviventes, através desta declaração, de inscrição em qualquer plano de saúde ou benefício que pertençam ou venham a pertencer.
2.6. – A previsão da manutenção da obrigação assistencial, em termos materiais (alimentos para aquele dos membros da união estável que deles necessitar), para a hipótese de dissolução da entidade familiar.
2.7. – A assunção genérica de que esta declaração dos conviventes, estampada através desta forma solene, servirá como instrumento legal para quaisquer fins em que se faça necessária a comprovação de união estável.
2.8. – A afirmação solene dos deveres de lealdade, respeito, assistência, guarda, assistência moral e material recíprocas a que cada um dos conviventes se encontra vinculado perante o outro.
2.9. – A declaração de conhecimento e consciência, pelos conviventes, das regras inerentes ao regime de comunhão parcial de bens, frisando-se que, segundo este regime, comunicam-se os bens adquiridos pelo casal na constância do casamento, ficando excluídos os bens adquiridos anteriormente.
3 – Declaração solene da livre aceitação por cada um dos conviventes dos termos que constantes na presente escritura pública declaratória da união estável, acrescida da solene afirmação de que: “será cumprida e respeitada por eles, seus herdeiros e sucessores”.
4 – Declaração de que os conviventes têm consciência de que a falsidade de qualquer das declarações constantes da presente escritura pública declaratória da união estável os sujeitará a responsabilidade civil e criminal daí decorrentes.
5 – A leitura em voz alta das Notas da presente Escritura.
6 – O registo das testemunhas (Paulo … e Lourdes …..) que assistiram ao presente acto.
7- A assinatura completa de todos os intervenientes no acto (conviventes e testemunhas e oficial público que presidiu ao acto e o certificou nos termos registrais aplicáveis, bem como o funcionário que o redigiu).
Perante a solenidade formal do acto; o cuidadoso e especificado clausulado que contém em pormenor as regras jurídicas que regulam esta nova célula familiar em múltiplos e bem concretizados aspectos; as variadas assunções de responsabilidade dos declarantes, entre si e com reflexos junto de terceiros; o manifestado propósito de usarem este instrumento como forma de fazer valer perante entidades públicas e privadas a nova figura familiar que passam a constituir; a própria presença de testemunhas durante a prática a sua realização no Cartório de Notas, tutelando a autenticidade e fidedignidade do que foi dito e assumido pelos intervenientes, é por demais evidente que esta escritura pública declaratória da união estável corresponde indiscutivelmente à prática de um acto administrativo, presidido por oficial dotado de fé pública, onde se procede efectivamente ao caucionamento do reconhecimento de direitos privados conferidos aos conviventes.
Ora, trata-se de uma evidência tão clara, cristalina e inequívoca que não pode, de forma séria e razoável, ser equiparada ou reduzida a um simples e meramente instrumental meio de prova a utilizar em processo a instaurar ou pendente, descurando a essencialidade do seu conteúdo e o profundo significado jurídico, pessoal, familiar e social de que se reveste.
Não faz sentido a desvalorização ou desconsideração de um acto jurídico formal e solene, praticado em plena conformidade com o ordenamento jurídico estrangeiro que o rege, perante uma entidade oficial desse país que o autoriza e certifica, dotado de fé pública e força probatória plena, destinando-se a servir para a constituição, mesmo perante terceiros, de relevantes direitos privados no plano geral das relações familiares e mesmo sucessórias.
3 – Não compete ao sistema jurídico português preocupar-se, no momento em que decide da procedência ou improcedência da acção de revisão e confirmação de decisão estrangeira, com os eventuais propósitos que os respectivos requerentes se proponham prosseguir em termos da futura utilização dessa escritura face ao ordenamento jurídico nacional.
 A motivação para a recusa da revisão e confirmação da escritura declaratória da união estável não se pode fundar em questões puramente marginais ou circunstanciais, relacionadas com a alegada facilidade que a mesma proporcionaria, em termos pretensamente desajustados, na futura aquisição da nacionalidade portuguesa por parte dos membros da união estável.
Não descortinamos sequer motivo substantivo ou processual para tais preocupações.
De resto, do ponto de vista estritamente jurídico, é absolutamente irrelevante para o conhecimento do mérito da presente causa cuidar do destino que os requerentes se proponham dar à escritura declaratória da união estável, uma vez obtida, com intervenção do órgão jurisdicional português, a sua revisão e confirmação.
Desde logo, o critério para a revisão e confirmação de decisões estrangeiras (incluindo a proferidas por entidades administrativas – e não jurisdicionais) encontra-se estabelecido, em termos de quadro legal, nos artigos 978º a 985º do Código de Processo Civil.
Nenhum outro, para além do que se extrai dessas disposições legais, será legítimo avocar no momento de decidir se a decisão estrangeira (ou acto administrativo que cauciona a atribuição de direitos privados) deverá, ou não, produzir os seus efeitos perante o ordenamento jurídico português.
 As normas referentes à atribuição da nacionalidade portuguesa a cidadãos estrangeiros pertencem à esfera de competência própria do direito nacional, incumbindo ao legislador português, independentemente dos modelos existentes noutros ordenamentos, assegurar-se, avisadamente, quanto à instituição de um sistema criterioso, idóneo à atribuição adequada dessa qualidade pessoal, e que seja, por um lado, equilibrado, moderno e inclusivo e, por outro, suficientemente rigoroso, fiscalizador e paritário, sem gerar disfuncionalidades ou injustiças relativas.
Não é o reconhecimento em Portugal, por via da procedência da acção especial de revisão de sentença estrangeira, dos efeitos jurídicos associados à figura, pertinente ao direito brasileiro, da união estável, que proporcionará, automática e directamente, a aquisição de nacionalidade portuguesa dos requerentes, concretizada – alegadamente - por vias ínvias, iníquas, privilegiadas ou excessivamente facilitadoras.
Nos termos da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações da Lei nº 2/2018, de 5 de Julho (Lei da Nacionalidade), e em especial, do seu artigo 3º, nº 3, que resultou do aditamento realizado pelo artigo 1º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril: “o estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português, pode adquirir nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível”.
Logo, é no plano processual e próprio de uma acção nova e autónoma a instaurar junto dos tribunais cíveis – e não por via do presente processo especial decidido no Tribunal da Relação – que os interessados deverão realizar, em termos originários e individualizados, a prova do preenchimento dos requisitos legais enunciados no artigo 3º, nº 3, da Lei nº 2/2018, de 5 de Julho (Lei da Nacionalidade).
(Quanto à constitucionalidade deste preceito, vide acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2013 (relatora Maria Lúcia Amaral Pinto Correia), publicitado in www.jusnet.pt).
Acresce, a este propósito, que, conforme é comummente sabido, a revisão do conteúdo da dita decisão (administrativa) estrangeira envolve apenas a verificação de uma regularidade formal ou extrínseca, não pressupondo, por isso, a apreciação do fundamento de facto ou de direito da mesma, pelo que não deve o órgão jurisdicional português preocupar-se com a exacta configuração dos termos que a definem e caracterizam no país que a consagra e contempla, tendo como o único limite o da ofensa aos Princípios de Ordem Pública Internacional do Estado Português.
Nenhum sentido tem ainda o argumentário que sustenta não assistir interesse aos conviventes na produção dos efeitos jurídicos associados à união estável perante o nosso ordenamento jurídico que não contempla tal figura.
Desde logo, não há fundamento sério e consistente para opor aos legítimos desideratos acalentados pelos requerentes, que exerceram legitimamente o seu direito de acção, tal presunção de intransponível inutilidade.
É evidente que os membros da união estável poderão ter todo interesse – perfeitamente legítimo - na publicitação em Portugal da constituição dessa sua célula familiar, apresentando-a e fazendo-a valer perante entidades públicas ou privadas para os fins que entendam por bem prosseguir (mormente relacionados com questões previdenciais, de planos de saúde, burocráticas ou outras).
De resto, trata-se de uma questão que lhes compete em exclusivo – tendo já suportado os respectivos custos de tempo e dinheiro com a realização da escritura, bem como com a instauração da presente acção – e não ao tribunal a quem cabe apenas zelar pela verificação dos requisitos legais de que depende a pedida revisão e confirmação.
De referir finalmente, que não se levanta qualquer objecção à figura da união estável, tal como a mesma resulta dos artigos 1723º a 1727º do Código Civil brasileiro, em termos de ofensa à Ordem Pública Internacional do Estado Português.
Conforme clarividentemente se analisa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2017 (relator Alexandre Reis), publicitado in www.jusnet.pt, a propósito da densificação desse conceito:
“(...) Como é pacificamente admitido, estando em causa o reconhecimento dos efeitos de uma decisão estrangeira, «tem de haver uma maior tolerância para com as regras do sistema jurídico estrangeiro. Na verdade, conforme salienta a Professora Isabel de Magalhães Collaço, o Direito Internacional Privado assenta, justamente, no princípio do respeito pela diversidade de regulamentações e no reconhecimento da diferença entre as várias ordens jurídicas. (...) Em todo o caso, esta maior tolerância para com a lei estrangeira não é sinónimo, evidentemente, de subserviência total. Com efeito, não está aqui em causa um "cheque em branco" que o legislador nacional passa à lei estrangeira aplicável. Assim, e porque a remissão para uma lei estrangeira, lei esta de conteúdo vário e desconhecido, é sempre - na expressão feliz de Leo Raape - um "Sprung ins Dunkel", isto é, um salto no escuro, um salto no desconhecido torna-se necessário dotar o juiz de um meio ou expediente que lhe permita afastar a aplicação de uma norma de direito estrangeiro, quando o resultado dessa aplicação for inadmissível no sistema da "lex fori", nomeadamente quando representar uma intolerável ofensa da harmonia jurídico-material interna ou uma contradição flagrante com os princípios fundamentais da sua ordem jurídica. Esse meio ou expediente é, precisamente, a ressalva, reserva ou excepção de ordem pública internacional”.
(sobre o conceito de Ordem Pública Internacional do Estado Português, vide, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2018 (relator Manso Rainho); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2016 (relator Jorge Leal); acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Novembro de 2016 (relator Mata Ribeiro); acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de Novembro de 2010 (relator Manuel Capelo); acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 2017 (relator Jorge Arcanjo), todos publicitados in www.jusnet.pt).
Ora, o regime jurídico estrangeiro que estabeleça regras próprias, de natureza patrimonial e pessoal, no quadro de um novo figurino familiar que tenha por base a convivência douradoura de um casal que não esteja unido pelo vínculo do casamento, mas que vive, em conjunto e reciprocamente, um relacionamento análogo ao dos cônjuges, não fere qualquer princípio fundamental do ordenamento jurídico nacional, que o poderia acolher com toda a abertura e naturalidade.
De resto, existe notória similitude entre a união estável brasileira e a figura da união de facto consagrada pela legislação nacional e consolidada na nossa comunidade jurídica e social (vide o artigo 1º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, alterada pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, que no seu artigo 1º, nº 2, define o conceito de união de facto como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente, do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”) - embora se trate de realidades jurídicas perfeitamente distintas quanto ao seu regime.
Improcede necessariamente a oposição deduzida pelo Ministério Público, na sequência da notificação que lhe foi efectuada nos termos do artigo 982º, nº 1, do Código de Processo Civil, sendo certo que a mesma nada trouxe de novo para a presente discussão, louvando-se exclusivamente em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e respectivos fundamentos que, por todos os motivos invocados, se entende não seguir.
Resta referir que não se levantam dúvidas sobre a autenticidade do documento que incorpora a decisão revidenda – cfr. fls. 32 a 33-, nem sobre a inteligência da decisão, que não se mostra contrária aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
E, não tendo sido suscitada nem resultando do exame do processo a sua falta, é de presumir a verificação dos demais requisitos enunciados nas alíneas b) a e) do artº 980º, do Código de Processo Civil.
Verificando-se, assim, todos os requisitos necessários para a confirmação da sentença, impõe-se dar procedência à pretensão dos requerentes.
IV - DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se conceder a revisão para o efeito de confirmação, como se confirma, a decisão atrás referida, ou seja, escritura pública declaratória de união estável, lavrada no 17º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, datada de 10 de Abril de 2010 , confirmando a união estável entre os intervenientes no acto, A e B.
Custas pelos requerentes.
Proceda-se às comunicações registrais.
Notifique e registe.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2019.        
Luís Espírito Santo
Isabel Salgado
Conceição Saavedra