Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
700/16.3PHLRS.L2-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: REFORMATIO IN PEJUS
REENVIO DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: - A proibição da “reformatio in pejus“, enquanto princípio constitucional com tradução no art.º 32.º n.º 1, da CRP, amplia-se a todos os seus termos, e, no caso concreto, em segunda sentença, proferida por anulação da primeira, na sequência de recurso somente interposto pelo arguido, a dimensão constitucional daquele princípio implica, pelo menos, que o tribunal recorrido não altere a proporção da medida da sanção antes aplicada, e isto porque os termos do recurso, apenas interposto pelo arguido, limitam em toda a linha as decisões conexas, que o não podem desfavorecer, sob pena de lesão do art.º 32.º n.º 1 da C.R.P. e do princípio da acusação – art.º 32.º n.º 5 da C.R.P.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. No Processo Comum, com julgamento com intervenção do tribunal singular, nº 700/16.3PHLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 3, foi, pelo Digno Magistrado do Ministério Público, deduzida acusação contra o arguido:
- JP ;
Tendo, por sentença de 7 de Março de 2019, sido decidido o seguinte:
“Pelo exposto, decido:
A) Condenar o arguido JP  pela prática de um crime de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181° e 184°, por referência ao artigo 132° n.° 2 al. l), todos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no montante total de €330,00 (trezentos e trinta euros).
B) Condenar o arguido JP  pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo arts. 143° n.° 1 e 145° n.° 1 al. a) e n.° 2, por referência ao artigo 132° n.° 2 al. l) do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no montante total de €990,00 (novecentos e noventa euros).
C) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo e da taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) UC’s (arts. 513° e 514° do Código de Processo Penal e art.8.° n.°9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
D) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por TM e consequentemente, condenar, JP  a pagar àquele a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).
E) Não são devidas custas.”
[Esta sentença foi proferida no seguimento de decisão deste Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 22 de Maio de 2018, que julgou verificado o vício do erro notório na apreciação da prova e determinou o reenvio do processo para novo julgamento, por outro Tribunal, nos termos previstos nos arts.426° e 426°A do C.P.Penal, quanto à totalidade do objecto do processo].
                                                           *
2. Não se conformando com a decisão proferida pelo tribunal recorrido, o arguido dela interpôs recurso, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
As conclusões da motivação de recurso são as seguintes:
“Questão prévia: O ónus da prova
Pretende o presente recurso impugnar a matéria de facto e de direito.
Para dirimir a dificuldade que se impõe à defesa do Arguido, o ónus da transcrição deveria ser atribuído ao tribunal de 1ª Instância, que deveria pelos seus próprios meios ou recorrendo a terceiros, conforme a conjugação dos artigos 412°, n° 3 e 101 n° 2 do CPP.
Impugnação da Matéria de facto
Deverão ser considerados Não Provados, os factos dados como provados nos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 26.
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção do Depoimento das testemunhas que corroboram entre si. Referem que efectivamente que o Arguido terá apertado o pescoço ao Agente TM e injuriado o Agente DP.
O depoimento dos Agente TM , DP  e AG  não foi de forma alguma clara, objectiva e coerente Os Agente apresentam um discurso pouco fluente, que denota que terá sido previamente pensado. Nos seus depoimentos apresentam certas reticencias, contradições, desvalorizado o ocorrido. (como aliás resulta da transcrição efectuada
O tribunal a quo justifica a condenação com a aplicação da livre apreciação da prova legalmente produzida, fundamentado ainda com a Convicção do Tribunal.
O erro notório da apreciação da prova resulta quando um homem médio perante o teor da decisão recorrida, facilmente se apercebe que o tribunal na análise da prova, violou regras de experiência ou de conhecimento científico, ou que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
E no depoimento das testemunhas, TM, DP e AG depreendemos são imprecisos, pouco fluentes, e pouco coerentes.
O arguido, encontrava-se a trabalhar, momentos antes de se deslocar à esquadra. Não ingeriu bebidas alcoólicas. Sendo portanto o Facto considerado provado no PONTO 1 como NÃO PROVADO. O Arguido referiu que não ingeriu bebidas alcoólicas, a testemunha AP , também referiu que o arguido não estava alcoolizado. Foi referido pelos Agentes que o Arguido, aparentava estar alcoolizado, mas não existem, provas que o possam comprovar. Aliás do Auto de Notícia, do Brevete da Bombeira não consta essa referência. Em caso de dúvida, não se pode considerar provado.
O Tribunal considerou como provados determinados factos, cuja prova denuncia um sentido contrário ao que foi determinado, nomeadamente quanto às questões ora analisadas.
De facto ficou bem presente, que os agentes da PSP, utilizaram os seus depoimentos para culpabilizar o Arguido. Afirmando que o mesmo se encontrava alcoolizado, levantando suspeitas da eventual exaltação por parte do Arguido, gritos por parte do mesmo que terá levado os Agentes a utilizar técnicas para imobilizar o Arguido, e consequentemente o mesmo terá sofrido lesões graves decorrentes dessas técnicas.
■ As agressões nas mãos, pernas e face seriam por o Arguido andar a bater na porta e nas paredes da cela.
■ O tribunal a quo considerou as agressões consentâneas com os factos supra descrito.
■ A convicção do tribunal a quo fundou-se na análise das provas e nos depoimentos dos agentes, TM e DP , e AG  que segundo o Tribunal, descreveram de forma clara, tranquila e linear a ocorrência dos factos. Aliás, foi bastante clara, a forma como o Agente TM s, afirma de forma clara e categórica que sim, foram usadas técnicas de mãos livres, para imobilizar o arguido, que resultaram nas lesões apresentadas pelo Arguido!
■ Mais, desvaloriza, as declarações do Arguido, mas considera provado e coerente que o Arguido, tenha apertado o pescoço do Agente TM s, na presença de vários agentes!
No entanto, toda a prova deve tendencialmente ter o mesmo valor, devendo para o efeito ser submetida a uma apreciação do Tribunal à luz da sua livre convicção e liberdade para a objectividade.
O tribunal a quo ao valorizar as declarações dos Agentes, desvalorizando as declarações do Arguido e das testemunhas de Defesa, violou o princípio da Presunção de Inocência, explanado no artigo 32°, n°2 da CRP. Com o devido respeito, parece-nos que o tribunal a quo, aplicou o princípio “a contrário”, ou seja, a presunção de culpa. O Arguido seria, antes do julgamento, culpado. E teria de provar a sua inocência.
No que se refere ao FACTO 26, “Foi requerida abertura de instrução pelo ali assistente, o ora arguido, tendo sido proferido despacho de rejeição com fundamento na sua inadmissibilidade legal, por decisão transitada em julgado em 27-11-2018, deverá ser considerado NÃO PROVADO. 
- Porquanto, em relação à queixa apresentada pelo arguido, a mesma foi arquivada, 1976/16,1 T9LRS,- J3) tendo sido fundamento do arquivamento a sentença proferida no presente processo a 10 de Novembro de 2017, e consequente condenação. Sentença da qual se recorreu, tendo o Tribunal da Relação, julgado parcialmente procedente o recurso apresentado, e determinado o reenvio do processo para novo julgamento, por outro Tribunal nos termos previstos nos artigos 426° e 426° -A do Código de Processo Penal, quanto à totalidade do processo. Decisão essa datada de 22 de Maio de 2018, tendo o processo sido reenviado para novo julgamento.
De onde se conclui, que aquando no despacho de Arquivamento do processo 1976/16.1 T9LRS,- J3, e posterior rejeição do requerimento de Abertura de Instrução a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou parcialmente procedente o recurso, datada de 22 de Maio de 2018, seria de conhecimento do Tribunal de Instrução.
Mais uma vez se conclui, conforme vem referido no Acórdão, que considerou parcialmente procedente o recurso “ teria sido muito mais útil à descoberta da verdade e da boa decisão da causa ter^ feito julgamento conjunto da queixa que o arguido apresentou contra os aqui ofendidos e relativamente à qual o Tribunal, nem teve qualquer interesse em saber o estado, ”
O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “Elevado”. Neste caso em concreto existindo uma causa de exclusão da Ilicitude. Pois poderemos estar perante um Estado de Necessidade Desculpante, previsto no artigo 35° do Código Penal.
1º  In casu, Existindo uma causa de exclusão da Ilicitude, não existe culpa por parte do Arguido. O Arguido não pretendeu humilhar o Agentes na sua condição de agentes de PSP, nem quis ferir a sua honra e dignidade pessoal.
2º  Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é inexistente. Nem reduzido nem elevado.
3º  A sentença recorrida viola a alínea a) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal também porque avaliou o modo de execução pela seguinte circunstância: 
- O grau de censura ético-jurídica de que o arguido é merecedor, e que é elevado atento o seu passado criminal
- A intensidade do dolo que é intenso - dolo directo
4º  O grau de ilicitude há-de ter-se por inexistente, conforme anteriormente exposto.
5° O modo de execução não depõe contra o arguido. Tudo decorreu no âmbito de uma tentativa infrutífera, aliás, da apresentação de uma reclamação no livro de reclamações. E após a recusa de entrega do mesmo foi ficcionado todo um cenário, que resultou numa acusação e posterior sentença, da qual se recorre. O Arguido, tem noção do local onde se encontra, esquadra de Polícia, rodeado de agentes, profissionais, fardados e armados, com cassetetes. Agentes no exercício das suas funções.
E mais,
6º As bárbaras agressões também foram infligidas no exercício das funções de Agentes da Polícia de Segurança Pública, não se preocupando minimamente com dignidade da pessoa humana. Violando Princípios fundamentais, constitucionalmente consagrados na CRP artigo 25°, Direito à Integridade Física, artigo 27°, artigo 32°, e consubstanciam direitos fundamentais relativos ao bom nome e reputação dos cidadãos.
7° O Arguido sentiu-se completamente coarctado do seu direito de cidadão. Viu- se defraudado perante uma Instituição que visa a defesa e a segurança dos cidadãos.
O tribunal violou
Nestes termos, deve ser o Recurso apresentado proceder e
Ser considerados Nâo Provados, os factos dados como provados nos pontos 1, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14,17, 18, 19, 20, 21.26 e consequentemente ser o Arguido
- Absolvido do pagamento da indeminização cível, no valor de €250 (duzentos e cinquenta euros) a que foi condenado
- Absolvido do crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 143° n° 1 e 143° n° 1 e 145°, n° 1 al) e 2 e 132°, n° 2, alínea l) todos do Código Penal, da pena de seis meses de prisão, que se substituem por 180 dias de multa à taxa diária de 5,50€/dia, o que perfaz um total de €990 (novecentos e noventa) de que foi condenado.
Absolvido do crime de Injúria agravada, previsto e punido pelo artigo 181° 184°,e artigo 132° n° 2, alínea l) do Código Penal, da pena de 60 dias de multa à taxa de 5,5€/dia, o que perfaz a multa global de €480 (trezentos e trinta euros) de que foi condenado.”
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3. O recurso foi admitido, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo ao mesmo respondido o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se pela sua improcedência e consequente manutenção do decidido.
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4. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, a Ex.ª. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos contidos, quer na resposta apresentada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, quer na decisão recorrida, que deverá ser mantida na sua totalidade, excepção feita quanto à medida da pena aplicada pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, que deverá ser de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de 6€, no total de 720€, bem como no pagamento da quantia de 200€, a título de indemnização ao Demandante Cível, por se ter verificado uma violação do princípio da “reformation in pejus”, regulado no nº 1 do art. 409º do CPP.
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A este Parecer respondeu o arguido, afirmando que é clara a violação do princípio da “reformatio in pejus”, por parte do tribunal “a quo”, ao agravar a pena de prisão, substituída por multa do valor de 900€, bem como ao agravar o pagamento da indemnização cível no valor de 250€.
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5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
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6. O objecto do recurso tal como ressalta das conclusões da motivação versa a apreciação das seguintes questões:
- Do vício do erro notório na apreciação da prova;
- Da impugnação da matéria de facto, na modalidade de erro de julgamento;
- Da medida da pena;
- Da violação do princípio da proibição da “reformatio in pejus”.
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7. Observemos o que consta da decisão recorrida, quanto à factualidade provada e não provada e sua fundamentação:
“De relevante para a discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.           No dia 12.07.2016, pelas 0h 00 quando o agente da PSP TM se encontrava a iniciar o turno de serviço no interior da 39ª Esquadra verificou que o arguido ali se encontrava aos gritos, aparentando encontrar-se alcoolizado.
2. Devido ao descrito comportamento do arguido, o agente TM  deslocou-se para junto do arguido, solicitando-lhe para moderar o tom de voz.
3. Solicitação que o arguido não acatou.
4. Neste circunstancialismo o arguido saiu do interior da esquadra por alguns momentos e regressou de seguida ao interior da mesma.
5. Neste local, o arguido empurrou na zona do peito o agente DP e disse-lhe “Palhaço, filho da puta”.
6. Posto isto, o agente TM ordenou que o arguido saísse da Esquadra.
7. Tal ordem não foi acatada pelo arguido, tendo o mesmo se dirigido ao agente TM  apertando-lhe o pescoço com a mão direita.
8. De imediato o agente TM e o agente DP manietaram o arguido, por forma a imobilizá-lo e algemá-lo.
9. Por via da não colaboração do arguido na imobilização, este foi projectado ao solo e levou a que o agente TM também caísse, embatendo com o punho direito e joelho direito no solo.
10. Em consequência da conduta do arguido sofreu o agente TM dores, o que lhe demandou um período de 8 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
11. O arguido agiu motivado por razões atinentes ao exercício da actividade profissional dos agentes de autoridade, conhecendo a qualidade profissional destes e que se encontravam no exercício de funções.
12. O agente da PSP, DP,  sentiu-se humilhado na sua condição de agente de autoridade e o arguido ao dirigir-se-lhe com as palavras supra referidas, sabia que eram atentatórias da honra, dignidade pessoal e profissional do agente, e ainda assim não se coibiu de as proclamar.
13. Ao apertar o pescoço, quis e logrou o arguido molestar fisicamente o agente da PSP TM, bem sabendo que o mesmo era agente de autoridade e que se encontrava no exercício de funções.
14. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
Mais se provou que:
15. O arguido dirigiu-se ao local em casa nos autos para apresentar uma reclamação relacionada com uma situação em que o seu filho tinha estado envolvido, tendo pedido o livro de reclamações.
16. No circunstancialismo referido em 4. o arguido dirigindo-se à sua mulher que se encontrava no interior de uma viatura parada junto à esquadra, disse- lhe para telefonar para a esquadra de Moscavide.
17. Quando o agente TM caiu, caiu em cima do arguido que se encontrava no solo.
18. Ao cair no solo, o arguido bateu com a face no solo.
19. Após ter sido ter sido imobilizado, detido e algemado, o arguido foi transportado para a cela.
20. Por aquele estar a bater na porta e parede da cela foi da mesma retirado e algemado a um banco existente na entrada da esquadra.
21. Quando se encontrava no interior da cela o arguido partiu o vidro da janela da mesma.
22. O arguido foi transportado para o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E,P,E., onde foi assistido.
23. O arguido esteve incapacitado para o trabalho de 12-07-2016 a 21-07- 2016.
24. Com data de 13-07-2016, JP  redigiu um escrito cuja cópia consta de fls. 39 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido denominado de “Reclamação”.
25. No proc.1976/16.1T9LRS que teve início com base em reclamação elaborada no livro de reclamações da Esquadra de Sacavém apresentada pelo ora arguido, foi proferido despacho de arquivamento.
26. Foi requerida a abertura de instrução pelo ali assistente, o ora arguido, tendo sido proferido despacho de rejeição com fundamento na sua inadmissibilidade legal, por decisão transitada em julgado em 27-11-2018.
27. Pelo Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa foi instaurado processo de averiguações tendo por base a reclamação apresentada no Livro de Reclamações da 39a Esquadra onde AP  alegava agressões ao seu marido JP , tendo sido proferida em 15-05-2017 decisão de arquivamento, por não haver lugar a qualquer procedimento, dada a insuficiência matérias que constitua infracção disciplinar, sem prejuízo de vir a ser reaberto caso surjam novos elementos susceptíveis de demostrarem a existência de infracção disciplinar.
28. O arguido é empregado de mesa e aufere €600,00 mensais.
29. Tem dois filhos de 18 e 10 anos de idade.
30. É casado, a sua mulher está desempregada e recebe cerca de €400,00 mensais.
31. Vivem em casa arrendada da qual pagam €388,70 de renda
32. Ao nível de habilitações literárias completou o 12° ano da escolaridade.
33. Do certificado do registo criminal do arguido consta que aquele já foi julgado e condenado pela prática de crimes de falsificação, peculato, burla agravada, furto, cheque sem provisão, evasão, burla tentada, burla qualificada, burla, abuso sexual de crianças, ofensa à integridade física, por factos praticados entre 10-09-1990 e 18-07-2002, tendo sido condenado em penas de prisão, prisão suspensa na sua execução e multa, ocorrendo o último trânsito em julgado em 2005.
Matéria de facto não provada
1. Nas circunstâncias referidas em 5. o arguido disse “és um incompetente”.
2. O arguido saiu do interior da esquadra e dirigiu-se junto da sua viatura.
3. Quando solicitou o livro de reclamações ao graduado de serviço este olhou- o com um ar ameaçador e de seguida o agente TM  e outro agente posicionaram- se atrás do arguido.
4. Foi recusada a entrega do livro de reclamações.
5. Neste circunstancialismo é agredido pelas costas, pelo agente TM com uma chapada na face direita que dirigindo-se-lhe diz “que o mesmo ali não tem direitos”.
6. Por esta actuação do agente TM , o arguido actua da forma descrita em 7. Dos factos provados.
7. Após ter sido ter sido algemado o arguido foi agredido pelo agente TM  com socos e golpes na cara e no corpo.
8. O arguido foi agarrado pelas algemas, com as mãos atrás das costas, pelo agente que se encontrava de plantão, e que com uma mão puxou as algemas para cima, provocando dor e com a outra mão agredia o arguido com chapadas na cara.
9. Posteriormente retiraram as algemas e arrastaram o arguido para uma cela dizendo que se encontrava detido mas não justificando o motivo de detenção.
10. O arguido foi empurrado para o chão da cela e ali foi atingido com pontapés, socos e chapadas.
11. O arguido pediu ao graduado de serviço que fosse efectuado um telefonema para a sua esposa o que foi recusado.
12. Posteriormente solicitou um telefonema para a Advogada, o que foi recusado sendo-lhe dito que naquele momento não tinha direitos.
13. Por sentir as algemas apertadas o arguido pediu ao graduado de serviço que as afrouxasse o que por este é recusado e de seguida desfere uma bofetada na face direita do arguido.
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Consigna-se que não se fez constar dos factos assentes factos conclusivos, bem como matéria irrelevante para a boa decisão da causa ou meramente instrumental para a mesma, em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
Fundamentação da matéria de facto
Considerando que no nosso ordenamento jurídico processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, legalmente produzida, de acordo com as regras da experiência e livre convicção do julgador, sujeita tal produção ao princípio da imediação e do contraditório que tanto pode assentar em prova directamente colhida, como em prova indirecta, a convicção do tribunal, relativamente aos factos que considerou provados, fundou-se na análise crítica dos depoimentos prestados em audiência.
De acordo com o disposto no art. 127° do Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
O arguido prestou declarações negando a prática dos factos que lhe são imputados dizendo que foi agredido pelo agente TM. Nega ter proferido as expressões que lhe são imputadas embora admita que possa ter dito uma asneira sem que nada mais concretize. No relato que faz dos factos não imputa ao sub-chefe AG , graduado de serviço no local e circunstâncias de tempo em causa nos autos, nenhuma das actuações que constam da contestação apresentada.
A versão dos factos pelo arguido é contrariada pelo conjunto da prova produzida.
A postura exaltada por parte do arguido é relatada pela testemunha AG  a quem o arguido pede o livro de reclamações e que o disponibiliza ao arguido sem que este, no entanto, o utilize mantendo sempre um tom de voz agressivo e exaltado. O encadeamento dos factos é dada pelo depoimento das testemunhas TM e DP , bem como da testemunha AG , que relataram os factos de forma que se revelou objectiva e credível.
Também estas testemunhas referiram que o arguido aparentava encontrar- se alcoolizado o que era evidenciado pelo odor exalado e pela postura do mesmo
Também a testemunha CV , que no exercício das suas funções ao serviço dos Bombeiros Voluntários, transportou o arguido ao hospital, referiu que aquele se encontraria alcoolizado.
No que respeita às lesões apresentadas pelo arguido importa ter em conta que quando caiu ao solo, o agente TM  caiu também e caiu em cima do arguido. Pela testemunha DP  foi dito que o arguido quando caiu ao solo bateu com a cara no chão e ficou com um hematoma. Quando foi retirado da cela, já apresentava hematomas nos pés e nas mãos, sendo que batia na porta e nas paredes, motivo pelo qual foi dali retirado. Como disse a testemunha AG, o arguido foi retirado da cela para salvaguardar a integridade física dele, sendo que como referiu a testemunha DP quando o arguido se encontrava no interior da cela fazia um “barulho ensurdecedor”.
As lesões apresentadas são assim consentâneas com a descrição dos factos feita pelas testemunhas.
De facto, a quebra do vidro da porta da cela pelo arguido, o facto de aparentar estar embriago, a exuberância normalmente associada a este estado e relatada pelas testemunhas, a projecção ao solo e a imobilização com vista à algemagem, o facto de terem retirado o arguido da cela para salvaguardar a sua integridade física e o algemarem num banco que se encontrava na zona de entrada da esquadra, permitem concluir que as lesões apresentadas pelo arguido resultam deste conjunto de factos e não de ter sido agredido pelos agentes que se encontravam na esquadra tal como pelo arguido foi alegado.
Nem se compreenderia que numa estrutura hierarquizada como é a PSP estando o arguido a falar com o subchefe AG e graduado de serviço, actuasse um agente da forma como o arguido imputa ao agente TM.
O depoimento das testemunhas AP, mulher do arguido e EP, filho do arguido, não é susceptível de contrariar ou abalar o depoimento das demais testemunhas.
De facto, a testemunha AP apresenta um relato que não se revela credível. Como se compreende que diga que se deslocou ao interior da esquadra para questionar a razão pela qual tinha sido autuada, quando afirmou que tinha visto o seu marido, o arguido, a ser puxado para o interior da esquadra a dizer que estava a ser agredido, sem que se desloque desde logo ao local para saber o que se passava com aquele e quando ali se desloca questiona primeiro os assuntos relacionados com uma autuação relativa à circulação automóvel do que o estado em que o seu marido se encontraria? Como disse a testemunha DP , quando a mulher do arguido foi à esquadra foi informada de que aquele estava detido e “ela não quis saber”, '”só queria saber porque tinha sido fiscalizada”.
Foi também referido pela testemunha AG que pelo comportamento do arguido e atento o facto de se ter apercebido que a mulher daquele estava numa viatura automóvel no exterior da esquadra, se dirigiu à mesma a solicitar que o acompanhasse ao interior da esquadra e o que esta recusou.
O depoimento da testemunha EP , filho do arguido, revelou-se pouco esclarecedor, em nada contribuindo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. De facto, tenha ou não ouvido a expressão que reproduziu, essa circunstância não é determinante para se concluir que o agente TM tenha actuado da forma como é descrita pelo arguido e que foi contrariada pelo depoimento das testemunhas TM , DP  e AG  que relataram os factos de forma que se revelou objectiva e credível.
Da análise crítica, de acordo com as regras da experiência comum, das declarações do arguido com os depoimentos das testemunhas formou o Tribunal a sua convicção quanto à matéria de facto, atendendo ainda ao teor da prova documental junta aos autos, designadamente, o auto de notícia de fls. 2 a 3, participação de fls. 5, auto de exame directo de fls.35, fls.37 a 51, 82 a 83, 84 a 88, 89 e certidão de fls. 255 a 265 e 274 a 285.
No que respeita à actuação do arguido quanto ao elemento subjectivo, atendeu o Tribunal aos factos objectivos que se apuraram, conjugados com as regras da experiência comum.
No que respeita à matéria de facto provada a mesma resulta da circunstância de a prova produzida não ter permitido ao Tribunal formar a sua convicção quanto à mesma, sendo em alguns pontos contrária à prova produzida.
No que respeita à situação pessoal do arguido atendeu o Tribunal às declarações que quanto a estes factos o mesmo prestou.
No que respeita aos antecedentes criminais atendeu o Tribunal ao teor do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos.
III- DO DIREITO
Ao arguido JP é imputada a prática de Imputando-lhe a prática, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181° e 184°, por referência ao artigo 132° n.° 2 al. l), todos do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143° n.° 1 e 145° n.° 1 al. a) e n.° 2, por referência ao artigo 132° n.° 2 al. l) do Código Penal.
Vejamos cada um dos ilícitos de per si.
Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias (art.181° n°1 do Código Penal).
Dispõe o artigo 184.° do Código Penal que, «As penas previstas nos artigos 180.°, 181.° e 183.° são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.° 2 do artigo 132.°, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.»
 Do exposto resulta que a sua aplicação e, consequente funcionamento da agravação, pressupõe no caso concreto, a verificação de uma injúria, nos termos do artigo 181.° do Código Penal.
O tipo objectivo do crime de injúria, previsto no artigo 181.° do Código Penal, traduz-se no dirigir a outra pessoa palavras ofensivas da sua honra e consideração, sendo que, do ponto de vista do tipo subjectivo, se trata «de um crime essencialmente doloso, a que basta, para uma plena imputação subjectiva, mesmo o mero dolo eventual» (In José Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 632). O elemento subjectivo está mediatizado no facto de o agente ter a consciência de que os factos por si perpetrados são ofensivos da honra e consideração da pessoa visada e que a sua actuação é proibida por lei.
O bem jurídico protegido é pois a dignidade individual do cidadão, pelo que se cometerão tantos crimes de injúria, quantos sejam os sujeitos atingidos na sua honra e respeitabilidade.
Antes de mais, cumpre aferir o que se entende por ofensa à honra e consideração de outra pessoa.
A honra apreende o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade e a rectidão, ou seja, a dignidade de cada pessoa humana, individualmente considerada.
A consideração, espelha o reconhecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o seu bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, em suma, a dignidade que cada um adquiriu ao longo da sua vida, através do juízo que a sociedade faz de cada cidadão.
Resulta da matéria de facto provada que no dia 12.07.2016, pelas 0h00 no interior da 39a Esquadra de Sacavém, sita na Rua Loriga, em Sacavém o arguido empurrou na zona do peito o agente DP  e disse-lhe “Palhaço, filho da puta”. O arguido agiu motivado por razões atinentes ao exercício da actividade profissional dos agentes de autoridade, conhecendo a qualidade profissional destes e que se encontravam no exercício de funções. O agente da PSP DP sentiu-se humilhado na sua condição de agente de autoridade e o arguido ao dirigir-se-lhe com as palavras supra referidas, sabia que eram atentatórias da honra, dignidade pessoal e profissional do agente, e ainda assim não se coibiu de as proclamar. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
 Tendo em conta a matéria de facto que resultou provada, importa concluir que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de injúria agravada, pelo que se impõe a sua condenação.
Ao arguido é ainda imputada a prática de um crime de crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143° n.° 1 e 145° n.° 1 al. a) e n.° 2, por referência ao artigo 132° n.° 2 al. l) do Código Penal.
Dispõe o artigo 145° n.° 1, alínea a), que “se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até 4 anos no caso do art.° 143°”.
Assim, para fazer funcionar tal qualificação mantem-se a exigência de que as ofensas sejam produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, esclarecendo a lei que, para este efeito, são susceptíveis de as revelar, entre outras, as previstas no n.° 2 do art.° 132°, designadamente, no que ao caso interessa, a circunstância ínsita na alínea l), de o agente praticar o facto contra agente das forças ou serviços de segurança, no exercido das suas funções ou por causa delas.
Resulta do disposto no citado artigo 143.°, n.° 1 do Código Penal que, «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
Neste tipo legal, o bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana.
Trata-se de um crime material e de dano, abrangendo um determinado resultado, qual seja a lesão do corpo ou da saúde de outrem, independentemente da dor ou do sofrimento causados, sendo que, conforme assinala Paula Ribeiro de Faria (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 204), «estamos também perante um crime de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito (a gravidade dos efeitos ou a sua duração poderão conduzir à qualificação da lesão como ofensa à integridade física grave ou ser valoradas no âmbito da determinação da medida da pena)».
Assim, ao nível do tipo objectivo de ilícito, o artigo 143.° do Código Penal abrange quer as condutas de mau trato corporal, quer as lesivas da saúde.
O mau trato corporal é entendido como uma intervenção prejudicial na integridade física, para o que não é sequer indispensável que o ofendido sinta dores (neste sentido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J. de 18 de Dezembro de 1991, In D.R., I Série - A, de 08/02/1992).
Como se deixou escrito no aresto da Relação de Évora de 16 de Abril de 2002, "a ofensa à integridade física, quer seja uma lesão anatómica, quer psicológica, consiste numa perturbação ilícita da integridade corporal, morfológica ou do funcionamento normal do organismo (...)" (In CJ, XXVII, tomo 3, p. 264).
Assim, ofensa do corpo é, como salienta Maia Gonçalves (Código Penal Português, 15.a edição, Almedina, 2002, p. 505), «toda a alteração ou perturbação da integridade corporal, do bem estar físico ou da morfologia do organismo», sendo que por ofensa na saúde deve entender-se «toda a alteração ou perturbação do normal funcionamento do organismo».
No que respeita ao tipo subjectivo, é o mesmo constituído pelo dolo, que pode manifestar-se em qualquer das modalidades consignadas no artigo 14.° do Código Penal - dolo directo, necessário, ou eventual, donde se torna necessário que o arguido tenha querido atentar contra a integridade física ou tenha considerado esse resultado como consequência necessária da sua conduta, ou, pelo menos, tenha concebido a hipótese desta o produzir, conformando-se com tal eventualidade.
Neste contexto, a motivação do agente é, assim, irrelevante, embora possa ser tida em conta para efeitos de determinação da medida da pena, o que terá sempre de suceder.
O crime fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde não insignificante, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho.
Em termos subjectivos, o tipo exige o dolo em qualquer das suas modalidades.
A qualificação do artigo 145.° do Código Penal não é determinada por razões de ilicitude relacionadas com a gravidade do resultado das ofensas, mas sim, determinada por razões ligadas à culpa do agente que a agravam, e derivadas da especial censurabilidade ou perversidade do agente (A propósito vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/03/2000, in CJ, STJ, Tomo I, p. 212. e Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, p. 146 e 147).
Tais circunstâncias, elencadas nas várias alíneas daquele artigo 132.° n.° 2, não são assim, de funcionamento automático, impondo-se a análise em concreto da culpa do agente, dos exactos motivos que determinaram a respectiva conduta, assim como do concreto circunstancialismo em que a mesma ocorreu, para se determinar se o agente revelou, ou não, a especial censurabilidade ou perversidade que a qualificação pressupõe.
No dizer dos Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques (Código Penal Anotado, 2.° Volume, Editora Rei dos Livros, 2000, p. 59), há que averiguar se aquelas circunstâncias «constituem meros indicadores ou referenciais, não levando, só por si, à qualificação do facto, obrigando, pois, ao apuramento, no caso concreto, sobre se o índice em causa tem a virtualidade de revelar força que justifique a tal qualificação».
O mesmo é dizer, pois, que o preenchimento de uma das alíneas do n.° 2 do artigo 132.° não qualifica automaticamente o tipo-base de ilícito, estando sempre sujeito ao crivo do n.° 1 daquele mesmo preceito, isto é, à verificação da «especial censurabilidade ou perversidade».
A especial censurabilidade refere-se àquelas condutas em que, o especial juízo de culpa se fundamenta na atitude do agente reflectida na forma de realização do facto especialmente desvaliosa. Já a especial perversidade, respeita àquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta nas qualidades do agente documentadas na prática dos factos especialmente desvaliosas.
Resulta da matéria de facto provada que no dia 12.07.2016, pelas 0h 00 quando o agente da PSP TM se encontrava a iniciar o turno de serviço no interior da 39a Esquadra verificou que o arguido ali se encontrava aos gritos, aparentando encontrar-se alcoolizado. Devido ao descrito comportamento do arguido, o agente TM  deslocou-se para junto do arguido, solicitando-lhe para moderar o tom de voz. Solicitação que o arguido não acatou. Neste circunstancialismo o arguido saiu do interior da esquadra por alguns momentos e regressou de seguida ao interior da mesma. Neste local, o arguido empurrou na zona do peito o agente DP  e disse-lhe “Palhaço, filho da puta”. Posto isto, o agente TM ordenou que o arguido saísse da Esquadra. Tal ordem não foi acatada pelo arguido, tendo o mesmo se dirigido ao agente TM  apertando-lhe o pescoço com a mão direita. De imediato o agente TM e o agente DP  manietaram o arguido, por forma a imobilizá-lo e algemá-lo. Por via da não colaboração do arguido na imobilização, este foi projectado ao solo e levou a que o agente TM  também caísse, embatendo com o punho direito e joelho direito no solo. Em consequência da conduta do arguido sofreu o agente TM dores, o que lhe demandou um período de 8 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho. O arguido agiu motivado por razões atinentes ao exercício da actividade profissional dos agentes de autoridade, conhecendo a qualidade profissional destes e que se encontravam no exercício de funções. Ao apertar o pescoço, quis e logrou o arguido molestar fisicamente o agente da PSP, TM , bem sabendo que o mesmo era agente de autoridade e que se encontrava no exercício de funções. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
Assim, e tendo em conta a matéria de facto provada, importa concluir que se verificam os elementos do crime de ofensa à integridade física qualificada.
Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
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O crime de injúria agravada p. e p. pelos arts. 181° e 184° do Código Penal é punível com pena de prisão ou de multa.
Em concreto é punido com pena de prisão de 45 dias até 4 meses e 15 dias ou com pena de multa de 15 dias até 180 dias (arts. 41° n°1,47° n°1, 181° e 184° do Código Penal).
O crime de ofensa à integridade física qualificada é punido com uma pena de prisão até 4 anos (arts. 143° e 145° al.a) do C.Penal).
Nos termos do artigo 70.° do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
Estas finalidades da punição são atingíveis pela aplicação de penas, sendo certo que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (art.40 n°s 1 e 2 do Código Penal).
A fundamentação a que se refere o art.70° do Código Penal consiste na demonstração de que a pena não detentiva se mostra suficiente para que, no caso concreto, sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com qualquer reacção criminal, na justificação da prognose social favorável que está na base da opção pela pena não privativa da liberdade.
No caso em apreço, não obstante o arguido ter antecedentes criminais registados, tendo em conta o tempo decorrido quer aos factos ali praticados, quer à data do trânsito em julgado daquelas decisões considera, assim, o Tribunal que se revela possível a formulação de um juízo positivo quanto à adequação e suficiência da pena de multa face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, pelo que opta por uma pena de multa no que respeita ao crime de injúria agravada sendo que no que respeita ao crime de ofensa à integridade física qualificada a lei prevê somente a pena de prisão.
Importa ter em conta que neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.
Na determinação da medida concreta da pena, a culpa do agente e as exigências de prevenção são os dois vectores a considerar (artigo 71° do Código Penal). O primeiro fornece o limite máximo da pena que ao caso cabe aplicar, sendo depois razões de prevenção (geral de integração e especial de socialização) que determinada abaixo daquele máximo, condicionam a medida final e concreta da pena.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, como determina o artigo 71°, do Código Penal, que exemplificadamente, enumera alguns daqueles factores.
Nos termos do artigo 40°, daquele diploma legal, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, a propósito do modelo de determinação da pena, compete “à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente” (DIAS, Figueiredo - Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro de 1993, pág. 186 e 187).
Em consonância, segundo o artigo 71° do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo ainda às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, revelem a favor ou contra o arguido, nomeadamente as aludidas no n.° 2 desse preceito.
 A pena concreta há-de pois, fixar-se entre um limite mínimo e um limite máximo adequados à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial.
A aplicação de qualquer pena tem desde logo em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente. Com efeito, as finalidades de aplicação da pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade, surgindo a defesa da ordem jurídico-penal como finalidade primeira a prosseguir.
A prevenção geral afigura-se particularmente elevada, tendo em conta os bens jurídicos atingidos sendo certo que o cometimento deste tipo de crimes na nossa sociedade, geram intranquilidade, havendo, assim, necessidade de desincentivar condutas desta natureza.
As finalidades de prevenção e de reprovação dos crimes em apreço são, assim, elevadas.
A pena a aplicar deve permitir que o arguido a sinta como tal, valorando e interiorizando a sua conduta.
Importa ainda ter em conta a circunstância de o arguido não ter confessado os factos, ter actuado da forma apurada no interior de uma esquadra de polícia e encontrar-se social, familiar e profissionalmente inserido.
Ponderando todas estas circunstâncias, entende-se adequada e proporcionada a condenação do arguido numa pena de 60 (sessenta) dias de multa no que respeita ao crime de injúria agravada e uma pena de 6 (seis) meses de prisão no que respeita ao crime de ofensa à integridade física qualificada.
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Dispõe o art. 45° n°1 do Código Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.°
No caso sub judicie, a execução da prisão não é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, pelo que importa substituir a mesma por multa.
Assim, a pena única de 6 (seis) meses de prisão em que o arguido é condenado é substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa.
No que respeita à fixação da taxa diária da pena de multa a mesma é fixada, por força do disposto no artigo 47.° do Código Penal, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, nos termos do disposto no artigo 40.°, n.° 2 do Código Penal.
É ponto assente na jurisprudência o que se escreveu no Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 1997, que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixarem de lhe ser asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar" (In CJSTJ, Ano II, Vol. 3.°, p. 183).
Nestes termos, fixa-se a taxa diária da pena de multa em €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
IV- DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Foi deduzido pedido de indemnização cível por
De harmonia com o disposto no art.° 129° do Código Penal “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Assim, para a existência de responsabilidade civil extracontratual necessário é que sejam preenchidos os requisitos constantes do artigo 483° do Código Civil, a saber: um facto voluntário do agente, ilicitude, imputação do facto ao lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Deste modo, temos que se exige “um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana” (neste sentido João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2000, pág. 527).
Porém, esse facto tem de ser ilícito, isto é, violar um direito subjectivo de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Tem também de haver um nexo de imputação do facto ao lesante, o mesmo é dizer, tem de haver culpa no sentido de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, pois que face à sua capacidade e pelas circunstâncias concretas da situação o agente podia e devia agir de outro modo, podendo revestir a forma dolosa ou negligente.
É ainda necessário que o facto culposo tenha causado um prejuízo a outrem, podendo consistir em danos patrimoniais, ou seja, naqueles que “incidem sobre interesses de natureza material ou económica, que se reflectem no património do lesado” ou em danos não patrimoniais (neste sentido Mário Júlio de Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 1998, pág. 515).
A indemnização devida por danos patrimoniais abrange não só o dano emergente, mas também o lucro cessante ou frustrado, conforme dispõe o art.° 564°, n.° 1, do Código Civil, sendo que, em respeito pelo art.° 566°, n.° 2, do mesmo Código, essa indemnização mede-se pela diferença entre a situação real actual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria não fora o facto lesivo.
Os factos provados apontam para a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, uma vez que estamos perante acções, factos positivos (prática de factos violadores da integridade física), que importam a violação de um dever geral de abstenção, de um dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto. A actuação foi culposa na medida em que agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, o que se verifica. E a conduta é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.
Para que exista obrigação de indemnizar é ainda necessária a existência de danos.
Importa ainda ter em conta que a obrigação de indemnização tem uma função essencialmente reparadora e subsidiariamente sancionatória ou preventiva em virtude de uma conduta ilícita causadora de dano.
Essa dupla função tanto ocorre na indemnização por danos patrimoniais, como naquela que é devida por danos não patrimoniais, sendo certo que aqui apenas devem atender-se àqueles que “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (496.°, n.° 1 Código Civil).
Por outro lado, o seu montante indemnizatório é “fixado equitativamente”, “de acordo com o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem” (496.°, n.° 3 e 494.°, ambos do Código Civil).
Tendo em conta os factos apurados e as considerações supra expendidas, o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante TM deve procede, ainda que parcialmente, e o demandado condenado a pagar àquele a quantia de €250,00 euros a titulo de indemnização, absolvendo-o no demais peticionado.
A indemnização é devida a quem a lei confere legitimidade para o efeito, no caso o demandante.
Não são devidas custas (art.4° n°1 al. n) do Regulamento das Custas Processuais).”
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8. Apreciando, agora, as questões objecto do recurso em causa:
- Do vício do erro notório na apreciação da prova:
É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P., ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.
O art. 410º nº 2 do CPP admite o alargamento dos fundamentos do recurso às hipóteses previstas nas suas três alíneas, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Como se lê no Ac. do STJ de 06.04.2000, in BMJ nº 496, p. 169, ocorre quando a matéria de facto sofre de uma irrazoabilidade passível de ser patente a qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.
O recorrente não concretiza este vício, referindo-se a ele a respeito da apreciação do tribunal sobre a prova produzida em audiência, quando o mesmo tem de resultar do próprio texto de decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, mas sem recurso a elementos estranhos a ela, ainda que constantes do processo.
Não se pode deixar passar em claro que o recorrente confunde erro notório na apreciação da prova com a divergência que invoca entre a prova produzida, na sua pessoalíssima interpretação, e a matéria dada como provada, de modo explicado e fundamentado, efectuado após criterioso exame crítico da prova pelo tribunal recorrido, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º do CPP.
Efectivamente, observada a decisão recorrida, o texto da mesma apresenta-se lógico e conforme com as regras da experiência comum, não decorrendo qualquer erro, muito menos notório, susceptível de integrar o vício invocado de erro notório na apreciação da prova.
O que verdadeiramente o recorrente não aceita é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido, mas que nada tem a ver com o vício do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P.
Nestes termos, não padece a decisão recorrida do apontado vício de erro notório na apreciação da prova.
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- Da impugnação da matéria de facto, na modalidade de erro de julgamento:
Veio o recorrente impugnar a matéria de facto, questionando a suficiência da prova produzida, pretendendo que este Tribunal considere como não provados os pontos 5 a 14, 17 a 21 e 26 dos dados como provados.

Cumpre apreciar:
A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por via do erro de julgamento, exige aos recorrentes a especificação dos artigos ou pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente apreciados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, as provas que devem ser renovadas – art.º 412º nº 3 do Código de Processo Penal. E havendo provas gravadas cumpre ao recorrente, por força do disposto no nº 4 do art.º 412º do CPP, fazer tais especificações, por referência aos suportes técnicos, indicando as expressões e sentidos que das transcrições fundamentariam a sua pretensão, caso queira impugnar a matéria de facto fixada, o que, no caso, se mostra deficientemente efectuado.
Com efeito, o recorrente indicou os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, mas não indicou as provas concretas que permitem uma decisão diferente da recorrida, no sentido de se dar tal factualidade como não provada, limitando-se a criticar a valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, pugnado uma perspectiva diferente da mesma, por não aceitar a credibilidade que aquele tribunal atribuiu às declarações prestadas pelos agentes da PSP, TM, DP  e AG , que, no seu entender, não foram claros, objectivos ou coerentes, e apelando às suas próprias declarações, o que é substancialmente diferente de proceder a uma real impugnação da matéria de facto.
O recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do art. 412º do CPP, pois limita-se a discordar da generalidade dos factos provados e a dar como assente a sua versão dos factos, sem fazer a selecção dos segmentos relevantes que considera provados e não provados e sem indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, relativamente a cada um dos factos que considera ter sido mal julgado, não relacionando, assim, o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado.
A sentença recorrida, de forma que não merece censura, fundamentou a decisão proferida sobre a matéria de facto na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência e julgamento, principalmente nas declarações das mencionadas testemunhas, bem como na prova pericial e documental que indicou, juntas aos autos, melhor indicadas na decisão, apreciadas de acordo com o seu valor probatório e as regras da experiência comum e de forma que não suscitou dúvidas ao julgador.
O juiz é livre de relevar ou não elementos probatórios que sejam sujeitos à sua avaliação. Pode credibilizar as declarações do arguido ou do ofendido, em detrimento dos depoimentos, ainda que em sentido contrário, de uma ou de várias testemunhas, como sucedeu no caso dos autos, sem que tal consubstancie qualquer violação do princípio da presunção de inocência do arguido, nos termos previstos no art. 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
O recurso não pode visar a obtenção, por parte do Tribunal Superior, de um segundo julgamento da matéria de facto, que se substitua ao já feito, sendo antes e apenas uma oportunidade para remediar eventuais males, ou erros cometidos pelo tribunal recorrido, já que aquele é «estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo», daí que, «o tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta os elementos de que se serviu o tribunal que a proferiu” (Germano Marques da Silva, in “Registo da Prova…”, pág. 809; Cunha Rodrigues, Lugares do Direito, Coimbra, 1999, pag. 498; Ac. do STJ de 20/02/2003, Proc. 240/03-5, “Boletim de Sumários dos Acórdãos do STJ”).
A censura dirigida à decisão proferida deverá, pois, assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos, ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão” (Ac. do TC n.º 198/2004 – DR II série, de 2/6/2004; Ac. do TRL de 7/11/2007, Proc. 4748/07-3).
Dentro de tais parâmetros, a reapreciação da prova só determinará uma alteração da matéria de facto quando, daquele reexame, se concluir que as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadas com as demais, impõem uma decisão diversa. Se isso não acontecer e ainda que tal reexame possa, também, eventualmente, dar cobertura a uma decisão diferente, no caso da que foi proferida se mostrar devidamente fundamentada, nomeadamente na parte impugnada, e constituir uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, na medida em que não é passível de crítica, não podendo, em tais circunstâncias, se afirmar que houve violação das regras e/ou dos princípios de direito probatório.
O que não cabe é ao recorrente substituir a sua convicção à convicção do julgador, cabendo-lhe, sim, individualizar os concretos factos que, no seu entender, não deveriam ter sido considerados provados e aqueles que, pelo contrário, o deveriam ter sido e explicar as razões para cada uma das apontadas divergências, como é exigido das alíneas a) e b) do art. 412º nº 3 do CPP e que aqui não se mostra cumprida, nem nas conclusões, nem devidamente ao longo de toda a motivação.
Assim sendo, e considerando a falta de cumprimento do ónus de especificação previsto no referido art. 412º nº 3 do CPP, nos termos expostos supra, impossibilita este Tribunal de recurso de reapreciar a matéria de facto, que, deste modo, se dá por assente.
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Em face da factualidade dada como provada, que não nos merece qualquer reparo ou censura, não sofre qualquer dúvida que o recorrente se vê incurso na prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181° e 184°, por referência ao artigo 132° n.° 2 al. l), todos do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo arts. 143° n.° 1 e 145° n.° 1 al. a) e n.° 2, por referência ao artigo 132° n.° 2 al. l) do Código Penal, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude, designadamente o invocado estado de necessidade desculpante, previsto no art. 35º do Código Penal.
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- Da medida da pena aplicada. Da violação do princípio da proibição da “reformation in pejus”, consagrado no art. 409º do CPP:
Considera o recorrente que a sentença recorrida violou as normas contidas no art. 71º nº 2 al. a) do C.P, já que o grau de ilicitude é inexistente e o modo de execução não depõe contra ele, mais considerando, após o parecer emitido pela Exma. Procuradora Geral Adjunta, que é clara a violação do princípio da proibição da “reformation in pejus”.

Vejamos:
Antes de mais cumpre salientar que as considerações tecidas no recurso apresentado pelo arguido, quanto à invocada violação do art. 71º nº 2 al. a) do CP, pelo tribunal recorrido, reproduzem segmentos da sentença inicialmente proferida nos autos, [relativamente à qual, como já vimos, este Tribunal julgou verificado o vício do erro notório na apreciação da prova e determinou o reenvio do processo para novo julgamento], que não foram transpostos para a sentença ora impugnada.
Ainda assim, sempre se dirá que não se tendo procedido, como pretendido pelo recorrente, a qualquer alteração da factualidade dada como provada, não existe qualquer fundamento que permita considerar que o grau de ilicitude é inexistente, ou que o modo de execução dos factos não depõe contra o arguido, nenhuma reparo merecendo as considerações feitas na sentença recorrida na escolha e determinação da pena.
Já o mesmo não poderemos considerar quanto à medida concreta da pena que foi aplicada, pelo tribunal recorrido, pela prática do crime de ofensa à integridade física, por força do princípio da proibição da “reformation in pejus”.
Com efeito, o art. 409º nº 1 do CPP prescreve que, interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, como é o caso, ou pelo M.º P.º, no interesse exclusivo do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
O princípio da proibição em causa repousa na teoria dos direitos adquiridos, no sentido de que o arguido adquire, após a primeira sentença condenatória, o direito a não ser sujeito a uma sentença mais grave do que a proferida em antecedente julgamento.
JP Pinto de Albuquerque, no "Comentário do Código de Processo Penal", em anotação ao artigo 409° do CPP, refere: «Esta proibição é ainda aplicável ao agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso interposto pelo arguido».
Para Damião Cunha, in “Caso Julgado Parcial”, pág. 227, o princípio assume uma função garantística do exercício do direito ao recurso, questionando-se, no entanto, se a proibição se deve limitar ao estrito âmbito impugnatório ou deve consagrar-se como afloramento de um princípio geral de processo penal, ligado ao exercício do direito de defesa.
Lê-se, a propósito, no Ac. do STJ de 14.09.2011, Pº138/08.6TALRA.C1.S1, Relator Conselheiro Armindo Monteiro, disponível in www.dgsi.pt: 
Enquanto circunscrito ao direito ao recurso interposto pelo arguido no seu exclusivo interesse ou pelo M.º P.º no mesmo sentido, o princípio, ou seja a proibição de “ reformatio “ denominada nesta modalidade de directa, é fortemente limitativa do poder decisório do tribunal; porém concebido, embora com controvérsia, como um princípio geral de direito de processo penal, enquanto direito de defesa, consagrado no art.º 32.º n.º 1 da CRP, o princípio, em nome do direito a um processo justo, “ due process of law “, actua com maior latitude, e, assim, no caso de anulação ou reenvio do processo para novo julgamento, em 1.ª instância, o princípio não se esvai – é a apelidada “ reformatio “ indirecta -, limitando, igualmente, o poder decisório do tribunal inferior, que não pode em tal caso agravar a situação do arguido. O tribunal inferior, diz –se, não há-de ter poderes mais amplos do que o tribunal superior; a proibição de “ reformatio “ se limita o tribunal superior por maioria de razão há-de limitar o inferior, atenta a cadeia hierárquica que se estabelece entre ambos e a íntima conexão entre o decidido nas instâncias, dada a decorrência lógica entre a solução a alcançar. Aliás sempre que o titular da acção penal não manifesta discordância, não se concebe que o Estado, através dos seus órgãos de administração da justiça, sobrepondo-se ao arguido, lhe possa impor uma reacção penal mais severa do que a cominada do antecedente”.
Observamos, pois, que, na tese dominante do nosso Supremo Tribunal de Justiça, quando uma decisão do Tribunal superior anula uma audiência de julgamento, a nova decisão não pode prejudicar o direito de defesa, mantendo-se nos limites condenatórios anteriores, só assim se concorrendo para o exercício livre, sem receio de prejuízo, de todos os seus direitos processuais, em ordem a fazer valer a sua liberdade posta em jogo por uma acusação do Ministério Público, cujos termos não desejou fazer prevalecer, antes se conformando – cf., neste sentido também os Acs. do STJ, de 8.7.2003, P.º n.º 2616/03-5.ª; de 17.2.2005, P.º 04P4324 ; de 17.2.2005, P.º n.º 565 /05 -5 .º Sec.; de 2.3.2006, P.º 550/06 -5.ª Sec.; de 29.4.2003, P.º 768 /03-5.ª; de 5.7.2007, in CJ, STJ, Ano XV, II, 2007, pág. 239 (sumário retirado da CJ (STJ), T2, pág.239: anulada uma decisão em recurso da defesa, na subsequente decisão a proferir pelo tribunal recorrido, não pode o arguido ser condenado numa pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes dessa anulação); e de 14.09.2011, Pº138/08.6TALRA.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, também disponíveis in www.dgsi.pt, cf.:
- Ac. TRC de 29-02-2012: Declarada, pelo Tribunal de Recurso, a nulidade da sentença do Tribunal de 1ª Instância, determinando que aí se proceda à elaboração de nova decisão final, no caso de só o arguido ter interposto recurso desta decisão, por força do princípio da proibição de reformatio in pejus, as penas (principal e acessória) em que o arguido venha a ser condenado na nova sentença não podem ultrapassar os limites já fixados na sentença agora anulada
- Ac. TRC de 20-06-2012: Declarada em decisão de recurso interposto pela defesa a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre questão que devia apreciar e conhecer e, consequentemente, dever ser proferida nova decisão que não enferme de tal nulidade, não pode o tribunal recorrido agravar a condenação do arguido com pena mais severa do que aquela que lhe havia sido aplicada antes dessa anulação;
- Ac. TRL de 22.05.2012 - processo nº 611/09.9PDOER.L2 - Condenado em processo sumário, em pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, anulada essa sentença, na sequência de recurso interposto, apenas, pelo arguido, não pode o tribunal, em novo julgamento, ainda que sob outra forma de processo, condenar o arguido pelo mesmo crime em pena de prisão e pena acessória mais gravosa do que a imposta na primeira sentença, sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no art.409, nº1, do Código de Processo Penal;
- Ac. TRL de 14.05.2019 - processo nº 2507/09.5TASXL.L2: Não pode a arguida ver agravar-se a sua condenação por força do recurso por si interposto, em violação das garantias constitucionais de defesa consagradas no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito ao recurso.
Dos art.ºs 6 .º da CEDH e 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a da jurisprudência do TEDH também resulta que, em respeito por um processo equitativo estruturado em princípios como os da lealdade processual, contraditório e igualdade de armas, se adoptem posições de equilíbrio e assim que, quando o recurso só é usado pela defesa, em nome do princípio da proibição da “ reformatio“, se imporá que o arguido não seja surpreendido em recurso e nas suas consequências com uma situação de gravame.
O TC no seu Ac. n.º 236 /2007, de 30.3.2007, P.º n.º 201/4, veio a julgar inconstitucional a norma do art.º 409.º n.º 1, do CPP, por violação do art.º 32.º n.º 1, da CRP, quando interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado em consequência de recurso apenas interposto pelo arguido.
Vejamos, então, o caso concreto:
O arguido interpôs recurso da sentença proferida e depositada em 10 de Novembro de 2017 [cf. fls. 120-140, 146 e 147-157], por intermédio da qual fora condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de injúria agravada, respectivamente, nas penas de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de 6€, no total de 720 €, e de 80 dias de multa à taxa diária de 6 €, no total de 480€, tendo sido julgado parcialmente procedente o pedido cível deduzido e condenado no pagamento da quantia de 200 €, a título de indemnização ao Demandante Cível.
Na sequência de tal recurso interposto pelo arguido, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 22 de Maio de 2018, julgou o mesmo parcialmente procedente e determinou o reenvio do processo para novo julgamento, por outro tribunal, nos termos do disposto nos artigos 426° e 426°-A, do Código de Processo Penal [cf. fls. 199/208].
Observada a sentença ora impugnada, proferida na sequência do determinado por este Tribunal, em resposta ao recurso interposto pelo arguido, constatamos que foi decidido condenar o mesmo pelos mesmos crimes, mas numa pena mais elevada da anteriormente aplicada, no que concerne ao crime de ofensa à integridade física qualificada, e num montante superior no que concerne ao pedido de indemnização civil, peticionado pelo demandante cível TM .
Com efeito, na sentença proferida em 10 de Novembro de 2017, pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, foi aplicada ao arguido uma pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de 6€, no total de 720€, enquanto na decisão sob censura, proferida em 7 de Março de 2019, lhe foi imposta pela prática do mesmo crime, uma pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 5,50€, no total de 990€.
E, no que toca à condenação em indemnização cível, enquanto lhe fora fixado o montante de 200€ na sentença de 10 de Novembro de 2017, foi-lhe imposto na decisão agora sob censura o pagamento da quantia de 250€, a título de indemnização ao demandante cível.
Ora, no caso, ao estabelecer para o crime de ofensa à integridade física qualificada uma pena mais severa do que aquela que havia sido aplicada antes da anulação da primeira sentença, e, bem assim, quanto à condenação na procedência parcial do pedido de indemnização cível, ao condenar o arguido em montante superior, verifica-se uma violação do princípio da proibição da "reformatio in pejus", regulado no n° 1, do artigo 409°, do Código de Processo Penal.
A proibição da “reformatio“, enquanto princípio constitucional com tradução no art.º 32.º n.º 1, da CRP, amplia-se a todos os seus termos, e, no caso concreto, nesta segunda sentença, proferida por anulação da primeira, na sequência de recurso somente interposto pelo arguido, a dimensão constitucional daquele princípio implica, pelo menos, que o tribunal recorrido não altere a proporção da medida da sanção antes aplicada, e isto porque os termos do recurso, apenas interposto pelo arguido, limitam em toda a linha as decisões conexas, que o não podem desfavorecer, sob pena de lesão do art.º 32.º n.º 1 da C.R.P. e do princípio da acusação – art.º 32.º n.º 5 da C.R.P.
Nestes termos, pelos motivos expostos, a medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada não pode ultrapassar os 4 meses de prisão, substituídos por 120 dias de multa, à taxa diária de 5,5 € [considerando que a taxa diária da pena de multa que agora foi aplicada é inferior à anteriormente decretada, será a esta, por mais favorável ao arguido, que iremos atender], no total de 660€ (seiscentos e sessenta euros), o mesmo sucedendo no que toca à condenação em indemnização cível ao demandante cível, que não poderá ser superior ao que lhe fora inicialmente fixado, ou seja, o montante de 200€ (duzentos euros).
                                                           ***
- Decisão:
Pelo exposto, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, dando parcial provimento ao recurso, acordam:
- Em reduzir a medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada para 4 (quatro) meses de prisão, substituídos por 120 dias de multa, à taxa diária de 5,5 € (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de 660€ (seiscentos e sessenta euros);
- Em reduzir a condenação do arguido no que respeita ao pedido de indemnização cível, formulado pelo demandante cível, TM, para o montante de 200€ (duzentos euros);
- No mais, mantém-se a decisão recorrida, improcedendo o recurso, no restante.
Sem tributação.

(Elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Lisboa, 8 de Outubro de 2019            

Relatora: Anabela Simões Cardoso
Adjunto: Cid Geraldo