Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22006/19.6T8LSB.L1-8
Relator: OCTÁVIO DOS SANTOS DIOGO
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SERVIÇO POSTAL
PREÇO
JUROS DE MORA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: “Estando prescrita a obrigação principal, também os juros peticionados, obrigação acessória, estão prescritos.”

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :


1.–Relatório.


C…….., intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra B……… . pedindo a condenação desta no pagamento da a quantia de 157.478,79€ (cento e cinquenta e sete mil quatrocentos e setenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), acrescidos de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a data da entrada da presente ação até efetivo e integral pagamento.

Contestou a Ré, alegando, em síntese, a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, as exceções perentórias de caducidade prescrição o concluindo pela procedência da exceção dilatória, declarando a ineptidão da petição inicial, o que implica a nulidade de todo o processo e, consequentemente, absolver a Ré da instância, subsidiariamente, declarar a prescrição do direito ao recebimento do preço, incluindo os juros de mora, exigido pela Autora e  declarar a caducidade da autora propor a presenta ação, absolvendo a Ré do pedido.

Replicou a Autora alegando que não se verificam as alegadas exceções, tanto mais que a requerida sabe a que serviços se reporta, que assinou a corresponde confissão de dívida junta como doc. 12, coma as assinaturas dos legais representantes devidamente reconhecidas, concluindo que devem ser julgadas improcedentes por não provadas as exceções arguidas pela Requerida e ser a ação julgada procedente por provada condenando-se a Requerida na totalidade do pedido.

Respondeu a Ré, alegando que deveria a Autora, por força do n.º 1 do artigo 423.º do CPC, ter apresentado tais documentos com o seu articulado (PI), o que não fez, nem justifica essa apresentação tardia, tal como estatui o n.º 2 daquele artigo 423.º. e não tendo alegado, na PI, os factos essências para fundamentar o pedido não pode haver lugar ao convite para aperfeiçoamento da PI, concluindo como na contestação.

Foi dispensada a realização da audiência prévia e em saneador/sentença foi decidido:
Julgar procedente a excepção de prescrição do direito da autora a reclamar o pagamento da divida de capital titulada pelas facturas supra identificadas, absolvendo a ré do pedido nessa parte;
- Julgar improcedente a excepção de prescrição da obrigação de juros de mora e, consequentemente, condenar a ré a pagar à autora os juros de mora à taxa comercial, vencidos desde a data de vencimento de cada uma das supra identificadas facturas até à data da prescrição do crédito de capital.

Inconformada com esta decisão dela recorre a Autora pedindo que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, sendo substituída por outra onde seja julgada improcedente a exceção de prescrição por aplicabilidade ao contrato celebrado entre as partes do regime jurídico do Decreto-Lei 239/2003 de 4 de Outubro, tendo, para o efeito e após doutas alegações, apresentado as seguintes conclusões:
A.- O Tribunal a quo decidiu qualificar erroneamente a relação jurídica estabelecida entre as partes como contrato de prestação de serviços postais.
B.-Firmando tal decisão no facto de a Autora ter como objeto social a prestação de serviços de recolha, tratamento, transporte e distribuição de documentos, mercadorias e outros objetos postais de âmbito nacional e internacional, bem como serviços complementares na área da logística”.
C.-E ainda que a Autora se obrigou a prestar os serviços nas condições previstas no contrato e nos Anexos ao contrato que dele fazem parte integrante, junto a fls. 132 a 134 e respetivos anexos, conforme alínea c) da factualidade provada.
D.- Pelo que mal andou o tribunal a quo, ao não qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de prestações de serviços de transporte rodoviário de mercadorias.
E.- Sendo-lhe aplicável o Decreto-lei 239/2003 de 4 de Outubro.
F.-E não o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais no território nacional.
G.- A Lei 17/2012 estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais no território nacional, bem como serviços internacionais com origem ou destino no território nacional.
H.- O regime de exploração e utilização dos serviços postais no território nacional, bem como dos serviços postais internacionais com origem ou destino no território nacional, consta de diploma de desenvolvimento da presente lei.
I.- É A CTT - Correios de Portugal, S. A., em território nacional, a prestadora do serviço postal universal, até 31 de dezembro de 2020.
J.- Sendo que, a Autora nos autos é a C…. pessoa jurídica distinta e que não se confunde com a CTT - Correios de Portugal, S.- A., não lhe sendo aplicável, pois, o disposto neste diploma legal como decorre da restrição explicitada no artigo 57º nº 1.
K.- “Aos contratos de transporte de bens e mercadorias em território nacional celebrados com a C……, aplica-se o regime legal do DL n.º 239/2003 de 4 de Outubro diploma que revogou os anteriores artigos 366.º a 393.º do Código Comercial na parte aplicável ao contrato de transporte rodoviário de mercadorias.”
L.- O serviço em causa não se enquadra na definição de serviço público essencial, mas sim de transporte rodoviário de mercadorias.
M.- A Lei nº 17/2012 de 26/04, que define as bases gerais a que obedece regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais, define por serviço postal encomendas postais cujo valor não exceda os 20 kg.
N.- E que, de uma análise do contrato e adendas celebrados entre as partes, se depreende que os valores propostos vão para além dos 20Kg, pelo que o serviço proposto nunca poderia ser o serviço postal.
O.- O serviço expresso encontra-se excluído do âmbito dos serviços públicos essenciais.
P.- De uma leitura atenta das faturas juntas com a p.i. se conclui que os objetos expedidos excedem os 20kg.
Q.- Pelo que não poderia o Tribunal a quo ter feito tábua rasa de tais factos, devidamente alegados e provados por documentos juntos aos autos.
R.- Não podendo, pois, entender que a dívida se encontrava prescrita, por ser aplicável ao contrato celebrado entre as partes o Regime Jurídico do Transporte Rodoviário de Mercadorias.
S.- Vem o Tribunal a quo defender que a prescrição foi interrompida pela celebração de Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento, assinado a 15/10/2018.
T.- Tendo começado a correr novo prazo prescricional de 6 meses, que se completou a 15/04/2019,
U.- O que não poderá proceder!
V.- Não só pela não aplicabilidade ao contrato celebrado pelas partes da Lei dos Serviços Públicos Essenciais,
W.- Como pelo facto de ter sido contraída nova obrigação pela Ré, com a assinatura do referido documento, nos termos do 857.º do CC.
X.- Nem sentido poderia fazer que, assumindo a R. o pagamento da dívida em 11 meses, passados 6 meses, quer cumprisse ou incumprisse o acordo, o remanescente da dívida já estaria prescrito.
Y.- O que colocaria em causa a boa-fé e a liberdade contratual das partes.
Z.- O que também não pode proceder.
Termina pedindo que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, sendo substituída por outra onde seja julgada improcedente a exceção de prescrição por aplicabilidade ao contrato celebrado entre as partes do regime jurídico do Decreto-Lei 239/2003 de 4 de Outubro.

Contra-alegou a Ré pedindo que deve a apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.

Subsidiariamente, caso alguma das questões suscitadas na Apelação venham a ser consideradas procedentes, o que não se concebe, deverá deferir-se a ampliação do objeto do recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte que considerou improcedente a ineptidão da petição inicial e a exceção de caducidade, proferindo-se outra que as considere procedentes tendo, para o efeito e após doutas alegações, apresentado as seguintes conclusões:
A.- Não é aplicável aos presentes autos o Decreto-Lei n.º 239/2003, de 4 de outubro, nem a doutrina sufragada no Aresto proferido, a 11/02/2021, por esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
B.- Confunde a Recorrente os conceitos de serviço postal e serviço postal universal, que são diferentes, daí que quanto a este último esteja a sua concessão sob a alcançada exclusiva dos CTT – Correios de Portugal, S.A., e aquele outro pode ser prestado por qualquer ente privado, incluindo a Recorrente.
C.- Por conseguinte, a Lei n.º 23/96, de 26/07, que o Tribunal a quo muito bem aplicou, no que à prescrição do capital diz respeito, é aplicável a serviços postais, que é o que se discute no caso sub judice.
D.- A Recorrente vem inovatoriamente invocar o instituto da Novação – que constitui uma causa de pedir distinta – para, em última instância, tentar pôr termo à prescrição, olvida, todavia, que à data em que foi celebrado o acordo de pagamento o direito ao recebido do preço das facturas aludidas na douta sentença estava prescrito.
[Qualificação do contrato de prestação de serviços]
E.- O Tribunal a quo considerou como provado – o que não é impugnado pela Recorrente –, que, atento o modelo de negócio prosseguido pela Recorrente e, também, ao objeto social da ora Recorrida (e.g. Edição de livros, revistas e jornais, websites, comércio de livros e outras publicações), o contrato de celebrado entre as partes subsume-se ao conceito prestação de serviço postal.
F.- Por conseguinte, não é aplicável aos presentes o Decreto-Lei n.º 239/2003,  de 4 de outubro, por duas ordens de razão:
1)- os livros transportados pela Recorrente tinham em parte grande como destino locais fora do território nacional;
2)- Por tais objetos se subsumirem ao conceito de serviço postal (cf. Artigo 2.º, n.º 1 e 4).
G.- Por serviço postal entende-se a actividade que integra as operações de aceitação, tratamento, transporte e distribuição de envios postais; para este efeito, entende-se por envio postal um objecto endereçado na forma definitiva obedecendo às especificações físicas e técnicas que permitam o seu tratamento na rede postal, designadamente: b) Livros, catálogos, jornais e outras publicações periódicas (cfr. Artigo 4.º da Lei n.º 102/99, de 26 de julho).
H.- Conceito que é diverso do serviço postal universal, tal como definido no artigo 6.º da aludida Lei n.º 102/99, de 26 de julho.
I.- Veja-se que a própria Recorrente sente necessidade de fazer alusão ao peso das encomendas, para tentar excluir a aplicação da referida Lei n.º 102/99, mas se verificarmos com rigor as facturas que ela própria invoca como tendo vários objetos que excedem os 20 kg, constamos que a sua maioria não excede, e quando excede não o foi numa só caixa de livros, mas sim, num conjunto de caixas, cada uma delas com um código de envio único, ainda que para o mesmo remetente, e, ademais, muitas dessas facturas têm mais de 800 (oitocentos) objetos, o que, nessa perspectiva, inviabiliza a Recorrente de ter o direito a receber a totalidade do preço inscrito nessas facturas – por estar prescrito – mas tão-só o correspondente aos bens que excedem aquele peso.
J.- Acresce que a Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, diz no seu preâmbulo de forma cristalina que se aplica à prestação de serviços postais, em plena concorrência, no território nacional, bem como de serviços internacionais com origem ou destino em território nacional, sendo, por conseguinte, aplicável a todos os prestadores de serviços postais que o queiram fazer, incluindo, naturalmente, a Recorrente.
K.- Esta mesma Lei, esclarece nos seus artigos 4.º e 5.º, quais as actividades que se inserem no âmbito do serviço postal e o que se considera por serviço postal,entre  eles, o envio de livros.
L.- Dos aludidos normativos legais resulta que o envio postal não está limitado ao peso da mercadoria enviada, excepto às encomendas postais e nestas terá de ser inferior a 20 kg – o que sucede nos presentes autos -, segundo, qualquer entidade privada que preste serviços postais está sob alçada da referida Lei n.º 17/2012, de 16 de abril.
M.- O artigo 57.º da Lei n.º 17/2012, de 16 de abril, diz que os CTT – Correios de Portugal, S.A., é, em território nacional, a prestadora do serviço postal universal, e cujo conceito vem plasmado no artigo 12.º, n.º 1, da citada Lei, excluindo-se do mesmo o correio expresso, o qual se insere no conceito de “serviço postal” (vd. n.º 2 do art. 12.º).
N.- Ora, face à factualidade provada dúvidas não restam de que o serviço prestado pela Recorrente à Recorrida não se insere no conceito de “serviço postal universal”, nem podia deixar de ser assim, por cuja atividade se encontrar exclusivamente confiada aos CTT – Correios de Portugal, S.A.
O.- Donde, a doutrina sufragada no Aresto proferido por esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a 11/02/2021 (Proc. n.º 20633/19.0T8LSB.L1-8), não é manifestamente aplicável ao presente caso, desde logo por aí estar em causa um contrato de prestação de serviços celebrado entre a aí Autora e os CTT Expresso, nos termos do qual esta se obrigou a entregar àquela um medidor de caudal portátil híbrido DXN e em território nacional, ao passo que nestes autos a Recorrente obrigou-se a entregar livros e catálogos aos clientes da Recorrida, a esmagadora maioria fora do território nacional.
P.- Além de tudo isto, não fez a Recorrente prova – como lhe competia (art. 342.º do CC) – em como o contrato que celebrou com a Recorrida tem as características descritas no citado Decreto-Lei n.º 239/2003, desde logo não apresentou guias de transporte – cf. Art. 3.º - que são tipicamente emitidas nos contratos de transporte de mercadorias.
Q.- Destarte, nos termos do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, a obrigação da Recorrente subsume-se ao conceito de serviço postal (entrega de livros, com menos de 20kg, a clientes da Recorrida) – tal como é entendido pela Lei n.º 102/99, de 26/07 e pela Lei n.º 17/2012-, aqui se sublinhando novamente que a obrigação assumida pela Recorrente não se subsume ao conceito de serviço postal universal – que é prestado exclusivamente pelos CTT – Correios de Portugal, S.A. [Prescrição]
R.- A Lei n.º 23/96, de 26 de julho, na redacção actualmente em vigor, é aplicável aos serviços postais – cf. artigo 1.º, n.º 2, alínea e).
S.- Os serviços postais [envio de livros], titulados pelas facturas descritas no facto provado D, eram à razão diária e durante um período de 8 (oito) anos, assumindo a natureza de serviço público essencial, foram prestados a um utente, por um profissional, é-lhes aplicável a citada Lei n.º 23/96, de 26 de julho.
T.- Este tipo de envio postal integra o âmbito dos serviços essenciais, o qual não é afastado nem pela Lei de Bases, nem pela Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, na redacção em vigor, aqui dizendo-se, nomeadamente, «constitui um envio postal o objecto, endereçado na forma definitiva (…), designadamente: b) Livros, catálogos, jornais e outras publicações periódicas» (art. 5.º, n.º 1, desta última Lei).
U.- Donde, os envios postais que a Recorrida solicitou à Recorrente subsumem-se ao conceito de serviço postal, estando, portanto, submetidos à disciplina da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.
V.- De acordo com as referidas facturas, o serviço postal terá sido prestado entre julho de 2017 até maio de 2018 e a presente acção foi intentada em 23 de 2019.
W.- Com efeito, de harmonia com o artigo 10º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, o direito ao recebimento do preço prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação, e o envio da factura não importa ou determina a interrupção do prazo prescricional, funciona, quanto muito, como interpelação para pagamento e, consoante artigo 805º, nº 1 do Código Civil, constituirá o devedor em mora.
X.- A prescrição, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 323º do CC, «(…) interrompe-se pela citação ou notificação judicial (…)».
Y.- Destarte, as facturas constantes da matéria de facto provada que titulam a prestação de serviços de envio postal, revelam que este terá ocorrido entre 13-07-2017 até 25-05-2018, e como a Recorrida foi citada para a presente acção a 09.12.2019, mais de um ano após a última prestação de serviço, o direito ao recebimento do preço está prescrito, nos termos do artigo 10º, n.º 1 da LSPE, seja contando o prazo a partir da última prestação de serviço, seja após a assinatura da confissão de dívida, uma vez que entre todos estes prazos e a citação da Ré, que ocorreu a 09.11.2019, decorram mais de 6 meses, devendo manter-se o sentido decisório sufragado pela 1.ª Instância.
[Novação – art. 857.º do CC]
Z.- A novação resulta de um negócio jurídico através do qual se procede à substituição de um vínculo obrigacional mediante a sua prévia extinção e constituição de um novo vínculo entre as mesmas partes ou com alteração de uma delas, desde que essa vontade resulte de declaração expressa a determinar a contração de uma nova obrigação em substituição da antiga (vd. art. 859.º do CC), o que implica não se poder inferir uma novação através de simples modificações da obrigação, como alterações de prazo de pagamento.
AA.- Não consta da matéria de facto provada – que não foi impugnada – qualquer facto que indicie a vontade de as partes terem querido constituir uma nova obrigação, com a extinção da anterior, nem essa inferência se pode retirar da confissão de dívida a fls. 110 verso e 111 dos autos.
BB.- Aliás, esse instrumento pode reconduzir-se ao “instituto” de confissão de dívida previsto no artigo 458.º do CC.
CC.- Contudo, mesmo que se sustente que a aludida confissão de dívida e acordo de pagamento, constituía uma renúncia à prescrição, não foram considerados provados factos que demonstrem o conhecimento pela Recorrida de que essa data que a prescrição já havia decorrido como, além disso, sendo válida essa renúncia, que não é, começou a correr novo prazo de 6 (seis) meses após o dia 15 de outubro de 2018, data em que foi assinado a referida confissão, tal como sufragou o Tribunal a quo.
DD.- Sob outra perspectiva, mesmo que estivéssemos perante o instituto da novação – que não estamos -, sempre estaria vedada a sua apreciação por constitui uma nova causa de pedir, que não foi alegada em qualquer um dos articulados deduzidos em 1.ª Instância, tendo sido apenas em sede recursória, devendo, naturalmente, esta questão ser igualmente julgada improcede.
[Ampliação do objecto do recurso – art. 636.º do CPC]
EE.- De acordo com o disposto no artigo 636.º do CPC, a Recorrida desde já requer a ampliação do objecto do recurso, atendendo a que o Tribunal a quo considerou improcedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e não apreciou, por ter ficado prejudicada, a exceção peremptória de caducidade.
[Ineptidão da Petição Inicial]
FF.- Nesta questão entendeu o tribunal a quo que a Recorrente alegou perfunctoriamente os factos dos quais emerge a causa de pedir, referindo ainda que a ora Recorrida compreendeu cabalmente tais factos, o que seria suficiente para julgar improcedente a ineptidão da PI.
GG.- Contudo, não podemos acompanhar este entendimento, porquanto é na petição inicial o autor deve, entre outras, expor os factos (e as razões de Direito) que servem de fundamento à acção (vd. artigo 552º, nº 1, al. d) do CPC), ónus que cumpre através da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, isto é, todos aqueles de cuja verificação depende a procedência da pretensão deduzida (vd. Art. 186º, n.º 1, al. a) do CPC).
HH.- O nosso sistema jurídico processual não exige uma alegação pormenorizada e atomística dos factos que integram a causa de pedir, é necessário e obrigatório que o Autor alegue o facto ou factos jurídicos concreto(s) que serve(m) de fundamento ao efeito jurídico pretendido. É o facto (ou conjunto de factos) que, à luz da ordem normativa, desencadeia consequências jurídicas. É o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia a sua pretensão, isto é, o pedido.
II.- Com efeito, quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista não o facto jurídico abstracto, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto cujos contornos se enquadram na definição legal: Certo contrato, um determinado testamento, um individualizado facto ilícito, etc.
JJ.- Se assim é, a Recorrente, apenas alegou que «a ré contratou os serviços à Autora, a qual os prestou nos termos contratados, tendo emitido e enviado as correspondentes facturas. Sucede, porém, que, a Ré apesar de ter aceitado os serviços prestados pela Autora, não pagou o seu preço» (vd. Pontos 2 e 3 da PI).
KK.- Esta enunciação é manifestamente genérica, sendo insuficiente para cumprir o ónus da alegação que sobre a Recorrente impende, faltando o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, sendo omisso o concreto contrato ou contratos que a integram, as suas datas e locais.
LL.- Pese embora a Recorrente proceda à junção de vários documentos, estes são considerandos instrumentais dos factos essenciais, não podendo, naturalmente, substituir-se a estes últimos.
MM.- Consequentemente, não mencionado o facto concreto que lhe serve de fundamento [não basta, para o preenchimento da exigência legal, a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão], a petição é inepta.
NN.- Consequentemente, não tendo a A., ora Recorrente, invocado o facto ou factos concreto(s) dos quais emerge a sua pretensão (o pedido), sendo totalmente inexistente o acto jurídico (negócio jurídico) subjacente ao alegado incumprimento da Recorrida, a petição inicial é inepta, implicando a nulidade de todo o processado, o que se invoca, conduzindo à absolvição da instância da Ré, ora Recorrida, nos termos dos artigos 186º, n.os 1 e 2, alínea a), 278º, n.º 1, alínea b) e 577º, alínea b), todos do CPC, o que deverá ser apreciado logo no despacho saneador, em cumprimento do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, o que desde já se requer.
[Caducidade]
OO.- Por força do n.º 4 do artigo 10º da LSPE e pelas mesmas razões supra apontadas para a prescrição, caducou o direito de a ora Recorrente propor a presente acção, constituindo uma excepção peremptória, que implica a absolvição do pedido.
PP.- Ora, resulta à saciedade que a Recorrente propôs a acção muito para além do prazo de 6 (seis) meses que tinha ao seu dispor, fê-lo, aliás, um ano e meio após a prestação dos serviços e um ano após a confissão de dívida.
QQ.- Destarte, o direito de propor a presente acção extinguiu-se, por caducidade, nos termos e para os efeitos do artigo 10º, n.º 4 da LSPE, caducidade que desde já se invoca.

Em requerimento autónomo veio a Ré interpor recurso subordinado da sentença recorrida na parte que considerou não prescrita a obrigação de juros, tendo apresentado as seguintes conclusões:
A.- O Tribunal a quo considerou, e bem, a dívida de capital exigida nestes autos pela aqui Recorrida, C…, como estando prescrita.
B.- Contudo, sustentou que a dívida de juros não estaria prescrita por estar submetida ao regime do artigo 561.º do CC, constituindo uma obrigação autónoma do crédito principal, e cujo prazo de prescrição vem previsto na alínea d) do art. 310.º do Código Civil, ou seja, 5 anos.
C.- Salvo douta e melhor opinião, não podemos acompanhar tal entendimento, pelo que a Recorrente impugna a sentença recorrida na parte que considerou não prescrita a obrigação de juros, o que constitui, salvo melhor e douta opinião, uma violação do disposto nos artigos 309.º, 310.º, alínea d) e 561.º, ambos do Código Civil e artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 23/96 de 26/07.
D.- O direito da Recorrida aos juros está sempre dependente da alegação e prova dos factos que o constituem, designadamente, a existência do contrato de prestação de serviços de postais entre ela e a Recorrente e a violação por parte desta do pagamento pontual do preço do serviço a que se obrigou, quando lhe era possível fazê-lo.
E.- Como regra, o prazo de prescrição da obrigação de juros é de cinco anos, à luz da alínea d) do artigo 310º do Código Civil, contendo esta norma uma das imposições legais que consagra a autonomia da obrigação de juros em relação à obrigação principal, no que toca aos prazos de prescrição que estabelece para uma e outra.
F.- Mas daqui não se pode concluir que, não tendo o legislador previsto expressamente a autonomização e diferenciação dentre créditos de juros e de capital na área dos créditos dos serviços públicos essenciais, se deverá recorrer, às normas gerais que regulam esta matéria.
G.- Não há justificação para distinguir em tal regime de prescrição especial os   juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal, antes fazendo todo o sentido que partilhem de igual regime (especial).
H.- Posto que a obrigação de juros está igualmente prescrita, por força do disposto no artigo 10.º da LSPE, não sendo, por conseguinte, aplicável o disposto no artigo 310.º, alínea d) do CC.
I.- A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito; mas se tais actos não forem levados a cabo nos cinco dias seguintes à propositura da acção ou do procedimento equivalente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorridos esses cinco dias.
J.- Ora, tendo a Recorrente sido citada para a presente acção a 09.12.2019, mais de um ano após a última prestação de serviço (25-05-2018), o direito ao recebimento dos juros está prescrito.
K.- Destarte, concluiu-se que, tendo a obrigação de juros a natureza de um crédito que decorre directa e necessariamente da violação de uma das cláusulas do contrato de prestação de serviços de postais [envio de livros, com peso inferior a 20 kg e quando se excedeu os 20kg, não o foi numa só caixa de livros, mas sim, num conjunto de caixas, cada uma delas com um código de envio único, ainda que para o mesmo remetente], esse crédito também se encontra prescrito (vd., por ex., o Aresto desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 20.12.2016 (Proc. n.º 140866/14.9YIPRT.L1-1).
L.- Assim, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo e salvo melhor e douta opinião, o crédito de juros, por estar em causa a prestação de serviço essencial (postal), prescreve no mesmo prazo, isto é, em 6 (seis) meses, nos termos do artigo 10.º da LSPE.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida na parte que não declarou a prescrição da obrigação de juros, proferindo-se Acórdão que declare esta obrigação prescrita.
Não foi apresentada resposta ao recurso subordinado.
Recebidos os recursos e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir.

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II–Mérito dos recursos

1.–Objeto dos recursos
Este objeto, como é sabido, é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, observando este critério no caso presente, o objeto dos recursos é, no essencial:
- Quanto ao recurso da Autora, saber se deve ou não ser julgada improcedente a exceção de prescrição do direito da autora a reclamar o pagamento da divida de capital titulada pelas faturas, por aplicabilidade ao contrato celebrado entre as partes do regime jurídico do Decreto-Lei 239/2003 de 4 de Outubro.
- Quanto ao recurso da Ré, saber se deve ou não ser julgada procedente a exceção de prescrição da obrigação de juros de mora

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2.– Fundamentação de facto.

Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
A)-A Autora é uma sociedade comercial, que se dedica à prestação de serviços de recolha, tratamento, transporte e distribuição de documentos, mercadorias e outros objectos postais de âmbito nacional e internacional, bem como serviços complementares na área da logística. 
B)-A ré tem por objecto social a “Edição de livros, revistas e jornais, websites, comércio de livros e outras publicações, importação e exportação. Restauração e similares, estabelecimento de bebidas, pastelaria e casa de chá.
C)-Autora e ré celebraram contrato de prestação de serviços, em 23-04-2010, junto a fls. 132 a 134 e respectivos anexos e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
D)-A autora emitiu e enviou à ré as seguintes facturas correspondentes a serviços prestados: - nº ZFT 0001/2001263463, emitida em 31-07-2017, no valor de € 24.058,13; - nº ZFT 0001/2001264228, emitida em 31-08-2017, no valor de € 22.831,02; -nº ZFT 0001/2001278849, emitida em 30-09-2017, no valor de € 21.882,77; -nº ZFT 0001/2001279586, emitida em 31-10-2017, no valor de € 21.326,34; -nº ZFT 0001/2001294688, emitida em 30-11-2017, no valor de € 20.513,57; -nº ZFT 0001/2001304974, emitida em 31-01-2018, no valor de € 18.385,85; -nº ZFT 0001/2001320169, emitida em 28-02-2018, no valor de € 6.169,05; -nº ZFT 0001/2001325009, emitida em 31-03-2018, no valor de € 631,73; -nº ZFT 001/2001091659, emitida em 30-04-2018, no valor de € 1.143,86; -nº ZFT 001/2001340291, emitida em 31-05-2018, no valor de € 2.048,04.
E)- Em 15/10/2018 autora e ré celebraram “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, no qual a ré se confessa devedor à autora da quantia de 153.296,93 euros (que incluía juros de mora) e se compromete a pagar a referida quantia em dívida em 11 prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo as primeiras 10 no montante de 15.000,00 euros cada e a última no montante de 3.296,93 euros, tudo como melhor consta do documento junto a fls. 110 verso a 111, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
F)- A presente acção deu entrada em tribunal no dia 23/10/2019.
G)- A ré foi citada no dia 8/11/2019. 

3.– Fundamentação jurídica.

A - Quanto ao recurso da A.
1.-Como vimos, a questão essencial a solucionar no presente recurso é saber se está ou não prescrito o direito da Recorrente a receber o capital titulado nas faturas, sendo para o efeito desde logo necessário definir qual o regime jurídico aplicável ao contrato discutido nos autos, se o regime jurídico que resulta das leis nº 23/96 de 26/07, nº 102/99 de 26/07 e nº 17/2012 de 26 de abril, como foi defendido na sentença sob recurso ou o regime jurídico do Decreto-Lei 239/2003 de 4 de Outubro, como defende a Recorrente.
Como resulta da matéria de facto tida por provada, o objeto social da Recorrente consiste na “prestação de serviços de recolha, tratamento, transporte e distribuição de documentos, mercadorias e outros objetos postais de âmbito nacional e internacional, bem como serviços complementares na área da logística”, sendo o objeto social da Recorrente “Edição de livros, revistas e jornais, websites, comércio de livros e outras publicações, importação e exportação. (…).”
Mais estando demonstrado que no âmbito dos seus objetos sociais Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de prestação de serviços por via do qual a Recorrente se “obrigou a prestar serviços de aceitação, tratamento, transporte e distribuição de objectos” nas condições previstas no contrato e nos Anexos ao contrato que dele fazem parte integrante.
Afigura-se a este tribunal que com este objeto social o modelo de negócio da autora assenta na prestação de um serviço com enfoque particular nas operações típicas e necessárias de uma rede postal, tais como aceitação, tratamento, transporte e distribuição, serviços que, aliás, a Recorrente se obrigou a prestar à Recorrida nos termos do contrato entre ambas celebrado.
Não é de aplicar ao presente caso o Decreto-Lei n.º 239/2003, de 4 de outubro.
Com efeito, a Recorrente confunde os conceitos de serviço postal e serviço postal universal, que são diferentes, daí que quanto a este último esteja a sua concessão sob a alcançada exclusiva dos CTT – Correios de Portugal, S.A., e aquele outro pode ser prestado por qualquer ente privado, incluindo a Recorrente.
Decorre do preâmbulo do aludido Decreto-Lei que «o regime jurídico que ora se consagra visa aplicar-se a todos os contratos em que a deslocação de mercadorias se efetue por estrada entre locais situados no território nacional exceptuando-se apenas os envios postais, cuja natureza especifica aconselha a um enquadramento jurídico distinto».
Diz-se no n.º 1 do art.º 2.º que «o contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias é celebrado entre o transportador e expedidor nos termos do qual o primeiro se obriga a deslocar mercadorias, por meio de veículos rodoviários, entre locais situados em território nacional e a entregá-las ao destinatário».
O primeiro obstáculo à aplicabilidade deste diploma legal é, à luz das faturas descritas nos factos provados (facto D), a circunstância de a “mercadoria” transportada pela Recorrente se circunscrever a livros, muitos dos quais com destino a locais situados fora do território nacional.
Ora, este diploma legal, cuja aplicação a Recorrente defende, circunscreve-se ao transporte de mercadorias em território nacional e não fora dele.
Em segundo lugar, estatui o n.º 4 do citado artigo 2.º que «Não estão abrangidos pelo disposto no presente diploma os contratos de transporte de envios postais a efectuar no âmbito dos serviços postais e o transporte de mercadorias sem valor comercial».
Por serviço postal «entende-se a atividade que integra as operações de aceitação, tratamento, transporte e distribuição de envios postais.
2–Para efeitos do número anterior, entende-se por envio postal um objecto endereçado na forma definitiva obedecendo às especificações físicas e técnicas que permitam o seu tratamento na rede postal, designadamente:
a)-Envios de correspondência — comunicação escrita num suporte físico de qualquer natureza e destinada a ser transportada e entregue no endereço indicado no próprio objecto ou no seu invólucro, incluindo a publicidade endereçada;
b)- Livros, catálogos, jornais e outras publicações periódicas;
(…)
O que é diverso do conceito de serviço postal universal descrito no artigo 6.º dessa mesma Lei n.º 102/99.
Donde, apelando uma vez mais à informação constante das faturas descritas na sentença recorrida, facilmente se depreende que os objetos transportados pela Recorrente representam livros e/ou catálogos, que se inserem no conceito de serviço postal.
Assim, não seria de aplicar o diploma defendido pela Recorrente, mas antes a Lei n.º 23/96, de 26/07, que o Tribunal a quo aplicou, no que à prescrição do capital diz respeito, que é o que se discute no presente caso, pois a Lei n.º 23/96, de 26/07 que o Tribunal a quo aplicou, no que à prescrição do capital diz respeito, é aplicável a serviços postais, cujo conceito é bastante mais amplo do que o de serviço postal universal.
Com efeito, nos termos do contrato celebrado entre as partes, os serviços que a Recorrente se obrigou a prestar subsumem-se ao conceito de serviço postal – tal como é entendido pela Lei nº 102/99 de 26/07 (Lei de Bases dos Serviços Postais) e pela Lei nº 17/2012 que aprova o Regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais – e daí estar submetido à disciplina da já referida LSPE.
Preceitua esta no nº 1 do seu art.º 10º que “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.”
Em matéria de contagem do prazo de prescrição dispõe o art.º 306º do C. Civil que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, e uma vez iniciado, o prazo de prescrição interrompe-se nos casos e termos previstos no art.º 323º do C. Civil.
Assim, para efeitos de prescrição, o momento relevante é o último dia do período mensal de referência para efeitos de faturação – Jorge Morais de Carvalho, Manual do direito do Consumo, pg. 373.
Donde, considerando a data de propositura da ação – 23/10/2019 – a data em que a ré se deve ter por citada – 29/10/2019 – e os períodos de faturação abrangidos por cada fatura, temos de considerar que, à data da citação da ré há muito se mostrava decorrido o prazo de seis meses referido no nº 1 do art.º 10º da LSPE.
Assim, como bem se decidiu na sentença sob recurso, tem de se considerar prescrito o direito da autora de exigir em juízo o pagamento do preço dos serviços prestados e titulados nas referidas faturas.

2.Da confissão de divida/novação.

A Recorrida celebrou com a autora em 15/10/2018 a “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, no qual a Recorrida se confessa devedora à Recorrente da quantia de 153.296,93 euros (que incluía juros de mora) e se compromete a pagar a referida quantia em dívida em 11 prestações mensais, iguais e sucessivas, sendo as primeiras 10 no montante de 15.000,00 euros cada e a última no montante de 3.296,93 euros.
Parece que a tese da Recorrente para defender a não prescrição da obrigação de capital, assenta na ideia de que houve novação da obrigação.
Não se aceita esta tese.
Estabelece o art.º 857.º do Código Civil - Dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.
A lógica que está por detrás desta forma de extinção das obrigações é a constituição de um novo vínculo, embora idêntico do ponto de vista económico com a obrigação extinta, tem uma fonte jurídica diferente, o acordo entre credor e devedor para substituir a obrigação extinta por nova obrigação.
Como refere o Prof. Menezes Leitão «… entre as causas de extinção das obrigações inclui-se a novação. Esta consiste na extinção de uma obrigação em virtude da constituição de uma nova, que a substitui. A razão determinante da extinção da obrigação é neste caso a constituição de um novo vínculo que, embora se identifique economicamente com a obrigação extinta, tem uma fonte jurídica diferente.
(…) para que em qualquer dos casos referidos exista novação [objetiva ou subjetiva], terá que haver sempre a intenção das partes de extinguir a anterior obrigação, criando uma nova em sua substituição. (Direito das Obrigações, Vol. II, 6.ª Edição, Almedina, pág. 211).
Para haver novação, como resulta do citado normativo, e doutrina citada, é essencial que o devedor, com aceitação do credor, contraia perante uma nova obrigação em substituição da anterior.
Por nova obrigação, entende-se outra obrigação, não a mesma ainda que alterada quanto ao modo e prazo de pagamento.
Ora, do documento em análise não resulta que a obrigação da Recorrida foi extinta e “novada” por outra, pois, trata-se da mesma obrigação da Recorrida perante a Recorrente, tendo esta apenas aceite alterar a forma e prazo de pagamento daquela obrigação que continua a existir.
Ora, da matéria de facto provada, não é possível apurar que com a referida “confissão de dívida” foi vontade das partes terem querido constituir uma nova obrigação, com a extinção da anterior.
E ainda que se sustente que a aludida confissão de dívida e acordo de pagamento, constituía uma válida renúncia à prescrição, constata-se que entre 15 de outubro de 2018, data em que foi assinado a referida confissão, começou a correr novo prazo de 6 (seis) meses, logo, quando a Ré foi citada, no dia 8/11/2019, al. G) da matéria de fato provada, o prazo de 6 meses há muito havia terminado.
Improcedem, assim, as conclusões da Recorrente, ficando prejudicado o conhecimento das exceções subsidiariamente deduzidas pela Recorrida.

B-Quanto ao recurso da Ré.
1.-Como vimos, a questão essencial a solucionar no presente recurso é saber se deve ou não ser julgada procedente a exceção de prescrição da obrigação de juros de mora.
As dívidas resultantes da prestação de serviços públicos essenciais prescrevem, como se referiu supra, no prazo de seis meses.
Trata-se de uma prescrição extintiva que permite ao devedor recusar o pagamento, quando decorridos mais de seis meses contados do momento em que a dívida se tornou exigível.
Na sentença sob recurso sustentou-se a autonomia da obrigação de juros da obrigação de capital, cf. art.º 561º do Código Civil e visto o regime geral de ambas as obrigações, aplicando o disposto no art.º 310º alínea d), do mesmo diploma legal, conclui-se que a obrigação de juros não estava prescrita,
É certo que o dito art.º 561º do C. Civil estabelece que a obrigação de juros é autónoma do crédito principal, podendo qualquer um deles extinguir-se ou ser cedido sem o outro e também o prazo de prescrição, no regime geral, não é o mesmo para o crédito principal e para a obrigação de juros, vigorando para o primeiro o prazo do art.º 309º do C. Civil e para a segunda o prazo referido no art.º 310º alínea d) do mesmo diploma legal.
Mas a questão não é assim tão simples.
A questão que importa responder é a de saber se estando a obrigação principal – pagamento do capital - prescrita se mantém a obrigação acessória – pagamento de juros – como se defendeu na sentença.
É certo que a Lei n.º 23/96, de 26/07, nem no art.º 10º, sob a epigrafe -   Prescrição e caducidade -, nem em qualquer outro artigo refere expressamente a prescrição da obrigação de juros, mas tal implica que inexistindo norma que imponha um prazo de prescrição igual ao do crédito principal, tem de se considerar aplicável àquela obrigação o disposto no art.º 301º d), do Código Civil?
Entende-se que não.
Com efeito, estabelece o nº 1, do art.º 10º, da citada lei, “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”
Donde, pese embora, o citado normativo não referir expressamente a prescrição de juros, entende-se que o prazo de prescrição destes, está abrangido pelo prazo prescricional previsto, cf. do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26/07, para o pagamento dos serviços prestados
Não existem dúvidas que os juros se enquadram no âmbito das relações jurídicas obrigacionais ou creditórias inseridas no Livro II do Código Civil, o do Direito das Obrigações e, também, não existem dúvidas que a obrigação de juros vem expressamente prevista nos artigos 559.º a 561.º, inseridos na Secção VII do Capítulo III, do Título I, do aludido Livro.
A fonte de obrigação de indemnização de juros decorre diretamente da violação por parte do devedor em prestar ao credor o pagamento do preço do serviço a que se vinculou, dentro do prazo acordado, constituindo-se assim, em mora o que gera a obrigação de indemnizar, artigos 804.º e 806.º do Código Civil.
Logo, obrigação da Recorrente tem como contrapartida para a Recorrida um direito à indemnização – juros de mora – motivados pela violação do contrato de prestação de serviços postais, não pagamento do preço ajustado dentro do prazo estabelecido.
Donde a obrigação acessória – juros devidos pela mora – está sujeita ao mesmo prazo de prescrição da obrigação principal – pagamento dos serviços prestados, não havendo qualquer justificação para distinguir em tal regime de prescrição especial os juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal, antes fazendo todo o sentido que partilhem de igual regime.
A autonomia dos juros em relação à obrigação principal não afasta este entendimento.
No regime geral, estabelece-se um prazo mais curto para a prescrição da obrigação de juros, para desmotivar o credor a não exigir o pagamento.
Com efeito, poderia ser até eventualmente lucrativo para ele/credor que se mantivesse o incumprimento, pois, caso não houvesse a norma do art.º 310º alínea d), do Código Civil, o capital em divida estaria a render juros durante 20 anos, art.º 309º do CC.
A razão do estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26/07, para o pagamento dos serviços prestados, prende-se com a defesa do consumidor e fazer recair sobre o prestador do serviço que exija o pagamento num prazo curto, 6 meses, a fim de evitar a acumulação de dividas por parte do consumidor.
Faz algum sentido que a lei imponha ao prestador do serviço o prazo de 6 meses para exigir o pagamento dos serviços prestados e aceitar que obrigação de indemnizar pela falta de pagamento atempada – juros de mora – possa ser superior, ser de 5 anos?
A autonomia proclamada no art.º 561º do CC, entre o crédito de juros e o crédito principal não impõe uma resposta positiva à pergunta formulada, mas tão só estabelece que qualquer daqueles créditos podem ser cedidos ou extinguirem-se sem o outro.
Com efeito, a obrigação de pagar os juros de mora – obrigação acessória - é fundada na violação de um contrato de prestação de serviços de postais, logo, deve ser aplicada a esta obrigação o mesmo regime jurídico em vigor para obrigação principal.
Não ocorre, pois, justificação para distinguir em tal regime de prescrição especial os juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal, antes fazendo todo o sentido que partilhem de igual regime.
Ora, considerando a data de propositura da ação – 23/10/2019 – a data em que a ré se deve ter por citada – 29/10/2019 – e os períodos de faturação abrangidos por cada fatura, temos de considerar que, à data da citação da ré há muito se mostrava decorrido o prazo de seis meses referido no nº 1 do art.º 10º da LSPE.
Assim, estando prescrita a obrigação principal, também os juros peticionados, obrigação acessória, estão prescritos.

III-DECISÃO

Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao Recurso interposto pela Autora e em conceder provimento ao recurso interposto pela Ré e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida na parte que julgou improcedente a exceção de prescrição da obrigação de juros de mora e, consequentemente, na procedência da exceção da prescrição absolve-se a Ré também do pedido quanto ao pagamento de juros de mora.
Custas, em ambos os recursos pela Autora.



Lisboa, 30 de setembro de 2021



Octávio dos Santos Moutinho Diogo
Cristina da Conceição Pires Lourenço
Fernando Silva Bastos