Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1121/13.5TVLSB.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE
GESTÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A dispensa, em contravenção dos critérios legais, da audiência prévia constitui nulidade prevista no art.º 195º do CPC.

II. Porque tal nulidade está coberta por decisão judicial o modo processual adequado de a denunciar é o recurso daquela decisão judicial.

III. A realização da audiência prévia não deve ser abordada numa dicotomia maniqueísta entre obrigatório ou facultativo, mas numa ponderação finalística: a realização da audiência prévia deve ter lugar sempre que for a forma mais adequada de realizar os fins por ela visados; na impossibilidade de alcançar esses fins ou se eles já tiverem sido alcançados de outra forma ou possam vir a ser mais adequadamente alcançados de outra forma a audiência prévia não deve realizar-se.

IV. Essa ponderação é deixada fundamentalmente ao juiz, no exercício do seu dever de gestão processual, numa estreita interacção com as partes, e que em última análise têm de ser convencidas do bem fundado da opção do juiz.

V. Destinando-se a audiência prévia, entre outras finalidades, a facultar às partes a discussão de facto e de direito quanto ao mérito da causa e a proceder à delimitação do litígio, se necessário complementando e concretizando a alegação factual (art.º 591º, nº 1, als. b) e c) do CPC, há-de considerar-se compreendida nessa finalidade a actividade conducente à dedução de uma ampliação do pedido.

VI. Tendo a Autora invocado expressamente a sua intenção de formular ampliação do pedido na audiência prévia, não podia o Mmº juiz a quo dispensar a audiência prévia.

VII. Não contendendo a nulidade praticada com a decisão já proferida (verificação de caso julgado relativamente ao primeiro pedido e procedência do segundo pedido) esta haverá de manter-se intocada. O único efeito dessa nulidade será a determinação de realização de audiência prévia para formulação de ampliação do pedido e a prossecução do procedimento consequente a tal formulação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM
NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Processo nº 1121/13.5TVLSB.L1
[24/2018]
Valor: 681.233,02 €
NO RECURSO DE APELAÇÃO (aqui autuado em 07MAI2018)
DO DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA DE 11JAN2018
PROFERIDA PELO J16 – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA
COMARCA DE LISBOA
NESTES AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA
ENTRE

Q..., Lda.
(Patrocinada por CP... e ML..., advs., de C..., RL)

Autora / Apelante

CONTRA

MUNICÍPIO DE LISBOA

(que sucedeu à primitiva Ré, EPUL – EMPRESA PÚBLICA DE URBANIZAÇÃO DE LISBOA)

(Patrocinado, inicialmente, por FT..., adv., e posteriormente por SC..., adv., MP... e PS..., sols.)

Réu / Apelado

I – Relatório

A Autora intentou, em 12JUN2013, a presente acção pedindo a condenação do Réu a reconhecer ter a Autora sobre ele um crédito, no montante de 681.233,02 €, e juros, referente ao que a mesma Autora despendeu em obras de manutenção e conservação de dois imóveis propriedade do Réu e que este lhe havia arrendado; bem como se reconheça a existência, a favor da Autora, do direito de retenção sobre aqueles imóveis, cuja devolução agora pretende na sequência de ter invocado a resolução do arrendamento, relativamente àquelas despesas.
O Réu contestou invocando litispendência, impugnando e, subsidiariamente, pedindo a substituição do objecto da retenção.
A Autora veio ampliar o pedido no sentido de o Réu ser condenado ainda a pagar-lhe a quantia de 56.759,25 €, e juros, referentes a despesas com obras de manutenção e conservação urgentes que, entretanto, veio a realizar.
O Réu impugnou a ampliação do pedido.
A Autora deduziu réplica, propugnando pela improcedência das excepções que considerou invocadas.
A ampliação do pedido não foi admitida.
Em 15DEZ2014 foi decretada a suspensão da instância por prejudicialidade da acção invocada na excepção de litispendência.
Por despacho de 04OUT2017 o tribunal convidou as partes a pronunciarem-se sobre a sua intenção de declarar a instância extinta por inutilidade superveniente da lide quanto ao 1º pedido formulado (reconhecimento de crédito), por o mesmo se encontrar integralmente decidido na acção prejudicial, devendo a acção prosseguir apenas para conhecimento do 2º pedido (direito de retenção).
A Autora pronunciou-se no sentido de que não havia total coincidência entre os factos apreciados na acção prejudicial e os referentes ao 1º pedido formulado na presente acção pelo que a mesma deve prosseguir para apreciar a parte não coincidente e não apreciada na acção prejudicial (com a consequente redução do pedido a essa parte) e que, ademais, pretendia proceder à ampliação desse pedido na audiência prévia, para que seja considerado o seu crédito no seu montante actual.
O Réu pronunciou-se no sentido de se verificar a excepção de caso julgado relativamente ao 1º pedido.
O Mmº juiz a quo dispensou a realização de audiência prévia e proferiu despacho saneador onde, considerando que a factualidade apreciada na acção prejudicial é totalmente coincidente com a invocada no 1º pedido (sendo irrelevante que se lhes tenha feito corresponder divergente quantificação), julgou verificada a excepção de caso julgado relativamente ao 1º pedido absolvendo o Réu do 1º pedido e, conhecendo de imediato do mérito da causa, julgou procedente o 2º pedido reconhecendo à Autora o invocado direito de retenção; mais considerou manifestamente improcedente a redução do pedido pretendida pela Autora.
Inconformada, apelou a Autora concluindo, em síntese, pela nulidade da decisão recorrida, decorrente da dispensa da audiência prévia e de a mesma constituir decisão surpresa quanto à impossibilidade de deduzir ampliação do pedido.
Não houve contra-alegação.

II – Questões a Resolver


Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

- da ilegalidade da dispensa da audiência prévia;
- da ocorrência de decisão surpresa.

III – Fundamentos de Facto

A factualidade relevante é a constante do relatório deste acórdão, para o qual se remete.

IV – Fundamentos de Direito[1]

Os denunciados vícios de que padecerá a decisão recorrida não são seguramente integradores das nulidades da sentença previstas taxativamente no art.º 615º do CPC.
Eles traduzir-se-ão na omissão de um acto determinado na lei (realização de audiência prévia) e na prática de um acto proibido por lei (decisão surpresa); e como tal integraram as nulidades inominadas previstas no art.º 195º do CPC[2].
Pelo que logo se levanta a questão de descortinar se a via recursiva – que foi a utilizada - é adequada para invocar tais nulidades, tendo em conta o princípio de que das nulidades cabe, por regra, reclamação perante o tribunal onde o vício se consumou.
A esse propósito Alberto dos Reis afirmava[3] que “a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”.
Ensinamento esse reiterado por Manuel de Andrade (“se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: ’dos despachos recorre-se, contra a nulidades reclama-se’”[4]), Antunes Varela (“se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”[5]) e Anselmo de Castro (“tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso”[6]).
E que tem sido acolhido na jurisprudência, como se pode ver, a título exemplificativo, nos acórdãos do STJ de 30JUN2011 (proc. 527/05.8TBVNO.C1.S1), da Relação de Lisboa de 04JUN2009 (Proc. 67/00.1DSTB-B.L1-2) e 11JAN2011 (Proc. 286/09.5T2AMD-B.L1-1), e da Relação do Porto de 24ABR2012 (Proc. 10336/11.0TBVNG-B.P1) e 24SET2015 (Proc. 128/14.0T8PVZ.P1).
No caso concreto dos autos é manifesto que as nulidades invocadas estão cobertas e sustentadas pela decisão recorrida, pelo que o recurso deduzido se mostra o meio processual adequado para contra elas reagir, sendo lícito a esta Relação delas conhecer.

Concluindo-se pela propriedade do meio processual utilizado importa, no entanto, precisar qual a nulidade invocada, uma vez que tendo a mesma de ser arguida os poderes de cognição do tribunal se restringem ao âmbito da arguição.
A nulidade arguida é, como muito precisamente é invocada nos pontos XXV da alegação e nas conclusões G e H, a preterição de audiência prévia após ter sido expressamente referido pela Autora que pretendia ampliar o pedido na audiência prévia.
O que significa que não está em causa, não sendo objecto do recurso, o facto de ter sido preterida audiência prévia quanto ao conhecimento da excepção de caso julgado e quanto ao conhecimento do mérito do 2º pedido (direito de retenção).

Tem vindo a fazer o seu curso a posição – doutrinária e jurisprudencial – de que o novo Código de Processo Civil, consagrou a obrigatoriedade de realização da audiência prévia nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação; invocando-se para o efeito a afirmação constante do segundo parágrafo d exposição de motivos que acompanhou a correspondente proposta de lei segundo a qual com ela se visa a “consagração de novas regras de gestão e tramitação e de tramitação processual, nomeadamente a obrigatoriedade da realização da audiência preliminar tendo em vista a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova”.
Não cremos, no entanto, que essa seja a posição mais acertada; nem, tão pouco, que seja a visada pelo legislador.
Desde logo a citada afirmação da exposição de motivos da Proposta de Lei 113/XII é complementada mais adiante com outras afirmações com outra conotação: “a audiência prévia é, por princípio, obrigatória porquanto só não se realizará nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas acções que devam findar no despacho saneador pela improcedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados” mas “numa perspectiva de flexibilidade, mas nunca descurando a assinalada visão participada do processo, prevê-se que o juiz, em certos casos, possa dispensar a realização da audiência prévia”.
Por outro lado as disposições normativas referentes à audiência prévia – designadamente os artigos 591º, 592º, 593º e 597º – não devem ser interpretadas isoladamente mas antes sistematicamente com os princípios estruturantes e conformadores do processo civil, em particular as garantias do processo equitativo (art.º 20º da Constituição), o princípio do contraditório (art.º 3º do CPC), o princípio do pedido e da autoresponsabilidade das partes (artigos 3º e 5º do CPC), o princípio da cooperação (art.º 7º do CPC), o princípio da economia processual[7] e proibição da inutilidade (art.º 130º do CPC) e, ainda, os deveres de gestão processual e adequação formal (artigos 6º e 547º do CPC).
Nessa perspectiva afigura-se-nos a realização da audiência prévia não deve ser abordada numa dicotomia maniqueísta entre obrigatório ou facultativo, mas numa ponderação finalística: a realização da audiência prévia deve ter lugar sempre que for a forma mais adequada de realizar os fins por ela visados (e que ao legislador se afigura ser a situação mais frequente); na impossibilidade de alcançar esses fins ou se eles já tiverem sido alcançados de outra forma ou possam vir a ser mais adequadamente alcançados de outra forma a audiência prévia não deve realizar-se. Sendo que essa ponderação é deixada fundamentalmente (sem prejuízo de o legislador ter efectuado essa ponderação relativamente aos casos previsto no art.º 592º do CPC) ao juiz, no exercício do seu dever de gestão processual, numa estreita interacção com as partes, e que em última análise têm de ser convencidas do bem fundado da opção do juiz, pois que lhes assiste o direito potestativo de impor a realização daquela audiência (art.º 593º, nº 3, do CPC).
A realização da audiência prévia “é a regra. E, como sucede com qualquer regra, carece de ser interpretada, de modo a só ser seguida quando a actividade prescrita sirva os fins perseguidos pelo legislador”. Audiência prévia “faz parte da infraestrutura do processo comum de declaração, integrando a sua realização o modelo a seguir (preferencialmente) em cada processo individual. O juiz pode (e deve) afastar-se deste modelo, mas apenas quando tenha motivo (especial e concreto) bastante para tanto – tendo sempre as partes a última palavra (art.º 593º, nº 3). O legislador não quer que o juiz realize a audiência prévia, como um fim em si mesmo. Quer, sim, que realize a melhor gestão do processo, de modo a que, com base numa adequada preparação da instrução, se venha a obter uma decisão que possa constituir uma justa composição do litígio”[8].
O novo CPC “consagrou a não obrigatoriedade da audiência prévia, prevendo a sua convocação por regra, admitindo, no entanto, que o juiz (…) a dispense, quando entenda existir solução processual alternativa mais adequada à satisfação dos fins previstos” no art.º 591º do CPC. “A audiência prévia é hoje um ato de gestão processual, concedendo-se a quem está em condições de compreender se é adequada ao caso concreto o poder de decidir da sua realização. Não se trata, no entanto, de aceitar um individualismo autocrático de juiz; trata-se de lhe conceder um elevado grau de autonomia na gestão do processo, numa permanente interacção com os advogados”[9].
Esta posição encontra, ainda, apoio no disposto no art.º 597º do CPC.
Em primeiro lugar porquanto nele se encontra a afirmação clara e inequívoca de que a ponderação acerca da necessidade da realização da audiência prévia é uma decisão levada a cabo no uso dos poderes de gestão e adequação processual (estabelecidos nos artigos 6º e 547º do CPC). E não faz sentido que o seja nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação e não seja nas demais; o simples aumento do valor não se nos afigura como elemento susceptível de alterar a natureza daquela decisão[10].
Por outro lado, não se nos afigura que o artigo em causa deva ser visto na já acima rejeitada dicotomia de estabelecer o carácter obrigatório ou facultativo da audiência prévia e, consequentemente, se deva dele extrair o estabelecimento do carácter facultativo da audiência prévia nesse tipo de acção. Em nossa opinião o corpo do artigo continua a impor ao juiz o mesmo tipo de actividade que impõe nas acções de valor superior à alçada da Relação: que usando dos seus poderes de gestão e adequação processual pondere qual o melhor meio de dar satisfação às finalidades (necessidades) elencadas no nº 1 do art.º 591º do CPC. Onde ele estabelece uma diferença de regime é no modo de exercício de tais poderes.
Enquanto nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação o juízo de ponderação tem ser feito em interacção com as partes, que em última análise têm de ser convencidas do bem fundado da decisão do juiz (sendo-lhes atribuído o poder potestativo de impor a realização da audiência prévia), nas acções que não atinjam aquele valor são reduzidas as necessidades de interacção com as partes e os poderes destas na conformação do resultado (eliminando-se a possibilidade prevista no nº 3 do art.º 593º, do CPC), aproximando (se não equiparando) a actividade de ponderação do juiz nesse caso do ‘uso legal de um poder discricionário’ (na acepção do art.º 630º, nº 1, do CPC).

No concreto caso dos autos temos que foram formulados dois pedidos: o reconhecimento de um crédito correspondente a despesas feitas nos locados e o reconhecimento do direito de retenção dos locados em garantia desses créditos. A controvérsia dos autos centrou-se fundamentalmente na existência e montante do invocado crédito (de cuja resposta positiva ou negativa decorreria consequencialmente a existência ou inexistência do direito de retenção). A instância foi suspensa até que em acção prejudicial se decidisse da existência do invocado crédito. Após um longo período de suspensão da instância foi proferida decisão definitiva na acção prejudicial reconhecendo à Autora um crédito sobre a Ré por despesas feitas no locado. Perante tal facto o Mmº juiz a quo expressou o seu entendimento que que haveria fundamento para julgar extinta a instância por inutilidade superveniente quanto ao 1º pedido, instando as partes a pronunciarem-se sobre a questão. A Autora veio expressar o seu entendimento de não havia uma coincidência total entre os créditos apreciados na acção prejudicial e no 1º pedido desta acção, pelo que continuava a haver utilidade na apreciação do crédito referente ao 1º pedido na parte que que excedia o pedido na acção prejudicial; por outro lado, dado o tempo de suspensão da instância, haviam-se constituído outros créditos por despesas que continuou a efectuar nos locados, cujo reconhecimento pretendia peticionar através de ampliação do pedido que intentava formular na audiência prévia. A Ré pronunciou-se no sentido de que a decisão proferida na acção prejudicial constituía, antes, caso julgado relativamente ao 1º pedido. Em face dessa pronúncia o Mmº juiz a quo, dispensando a audiência prévia por ‘as partes já terem procedido ao debate das mesmas, sendo que as mesmas foram advertidas da possibilidade de conhecimento do mérito dos presentes autos’, julgou verificada a excepção de caso julgado, dado haver coincidência total do pedido em ambas as acções, relativamente ao 1º pedido e, conhecendo do mérito, julgou procedente o pedido de reconhecimento do direito de retenção.
A ampliação do pedido, nos termos do admitido no art.º 265º do CPC, é susceptível de ser efectuada por simples requerimento, se decorrer da factualidade já presente no processo, ou em articulado superveniente se a sua formulação necessitar de ser sustentada em factos supervenientes (art.º 588.º do CPC). Sendo que na economia da presente acção, e como já havia sido decidido em despacho anterior (fls. 1637-1639) a ampliação do pedido por créditos originados por despesas que vieram a ser efectuadas na pendência da causa implicavam a alegação da correspondente factualidade em articulado superveniente; e o momento processual próprio para a apresentação deste é, segundo o disposto no art.º 588º, nº 3, al. a) do CPC, na audiência prévia.
Destinando-se a audiência prévia, entre outras finalidades, a facultar às partes a discussão de facto e de direito quanto ao mérito da causa e a proceder à delimitação do litígio, se necessário complementando e concretizando a alegação factual (art.º 591º, nº 1, als. b) e c), do CPC, há-de considerar-se compreendida nessa finalidade a actividade conducente à dedução de uma ampliação do pedido.
Em face do que, tendo a Autora invocado expressamente a sua intenção de formular ampliação do pedido na audiência prévia, não podia o Mmº juiz a quo dispensar a audiência prévia uma vez que a mesma se mostra necessária para permitir uma das suas finalidades e não resulta dos autos que essa finalidade fosse mais adequadamente concretizável de outra forma. Pelo contrário, o que ocorreu foi a completa inviabilização da pretensão da Autora.
Temos, assim, por cometida a invocada nulidade.

Segundo o art.º 195º, nºs, 2 e 3, do CPC a nulidade processual não provoca necessariamente a invalidade de todos os actos subsequentes ou todos os efeitos do acto anulado, mas apenas daqueles de dependam absolutamente do acto anulado.
No caso concreto em apreço a nulidade encontrada é a de ter inviabilizado a possibilidade dedução de ampliação do pedido (que não só ainda não foi formulado, como também se encontra em aberto se, na eventualidade de formulação, virá a ser admitido, determinando o prosseguimento da lide), situação essa que em nada contende com a declaração de verificação de caso julgado relativamente ao pedido já formulado e de existência do direito de retenção relativamente ao crédito já reconhecido. Ou seja, a nulidade praticada em nada contende com a decisão já proferida, que se mantém intocada. O seu único efeito será a determinação de realização de audiência prévia para formulação de ampliação do pedido e a prossecução do procedimento consequente a tal formulação.

V – Decisão

Termos em que, na procedência da apelação, se declara ter sido cometida nulidade processual ao não ter sido convocada audiência prévia para permitir a formulação de ampliação do pedido por banda da Autora, determinando-se a convocação e realização de tal acto processual.

Sem custas (uma vez que o Apelado não deu causa, aderiu ou acompanhou a decisão recorrida, proferida em matéria processual).
                                                                                  Lisboa, 23OUT2018

Rijo Ferreira
Afonso Henrique
Rui Vouga

[1] - salvo outra indicação, toda a jurisprudência dos tribunais nacionais referida, pode ser consultada em www.dgsi.pt.
[2] - nesse sentido cf. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 1ª ed., 2014, pgs. 17 e 369.
[3] - Comentário ao Código de Processo Civil, II, pgs. 507-508.
[4] - Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 183.
[5] - Manual de Processo Civil, 1985, pg. 393.
[6] - Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, 134.
[7] - “Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade, o máximo rendimento com o mínimo de custo”, na definição de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1993, pg. 387.
[8] - Cf. Paulo Ramos Faria / Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo CPC, 2ª ed., 2014, pgs. 526-527.
[9] - Idem, pg. 525.
[10] - Não sufragamos, por isso, o entendimento expresso nalguma jurisprudência de que a utilização dos poderes de gestão e adequação processual para decretar a dispensa de audiência prévia têm de ser expressamente invocados; tal tipo de decisão é sempre, pela sua própria natureza, uma decisão proferida no uso de poderes de gestão e adequação processual.