Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
253/11.9TBVZL.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
RECOLHA DE AMOSTRAS DE ADN
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO:
I - Nas acções de investigação de paternidade há que respeitar a verdade biológica, postulando o direito à identidade pessoal.

II - O mero decurso do prazo para requerer em juízo o reconhecimento da paternidade, só por si, não é suficiente para se concluir pela existência de abuso de direito.

(Sumário da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1-Relatório:
A autora, (...) intentou acção de reconhecimento e investigação de paternidade, com processo ordinário, contra os réus, (...), peticionando que seja reconhecido que a autora é filha legítima de (...) e de (...), que seja oficiado à Conservatória do Registo Civil para averbamento da ascendência completa e que seja declarado nulo o procedimento simplificado de habilitação de herdeiros com o nº (...) elaborado na Conservatória do Registo Civil de (...).
Alega para tanto, que nasceu do relacionamento sexual havido entre o falecido (...) e a sua mãe e que o falecido sempre tratou a A. como filha.
Citados os Réus, veio o réu AM impugnar a matéria alegada pela autora, dizendo ainda que desconhecia a existência da autora, concluindo pela improcedência da acção.
Também o réu EA contestou, arguindo a incompetência territorial do tribunal de (...) e impugnando os factos alegados pela autora, concluindo também pela improcedência da acção.
O réu AC também contestou reproduzindo o já referido nas demais contestações e arguindo ainda a caducidade da acção., Concluiu pela improcedência da acção. 
A A. replicou mantendo o alegado e dizendo que a acção foi interposta no prazo de um ano desde a data em que teve conhecimento da morte do pai, sendo que tal direito é imprescritível.
Por despacho proferido a fls. 110 dos autos, foi julgada procedente a incompetência do tribunal em razão do território e ordenada a remessa dos autos, ao Tribunal competente. 
Foi proferido despacho saneador, com a elaboração dos factos assentes e pertinente base instrutória.
Por despacho proferido a fls. 220 dos autos foi julgada improcedente a excepção de caducidade invocada.
Prosseguiram os autos, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória:
«Por tudo o exposto, julga-se a presente acção, procedente e, em consequência:
a) Reconhece-se judicialmente (...), como filha de (...) e de (...), devendo ainda figurar como avoenga paterna (...) e (...);
b) Declara-se a nulidade do procedimento simplificado de habilitação n° (...), datado de 15709/2010, elaborado na Conservatória do Registo Civil de (...).
Ordeno a comunicação à Conservatória do Registo Civil de (...), da decisão ora proferida, após trânsito, por meio de certidão, a fim de se proceder ao devido averbamento ao assento nº (...).
Inconformado recorreu o réu EA, concluindo nas suas alegações:
I - Foram incorretamente julgados como provados os seguintes pontos da matéria de facto:
6. Nessa propriedade, numa casa da herdade onde ficavam alojados os trabalhadores, entre os quais a mãe da A., esta manteve relações sexuais com (...);
7. Em finais de Junho de 1952, a mãe da A. e o falecido mantiveram relações sexuais de cópula completa;
8. Foi em consequência de tais relações sexuais que a A. foi gerada;
II - Os depoimentos das Testemunhas JCC [00:12:51 a 00:13:07 e 00:13:58 a 00:14:25], de JC [00:06:24 a 00:07:00] e AC [00:02:31 a 00:03:23 e 00:17:05 a 00:17:16] impunham que tais pontos devessem ter sido julgados como não provados.
III - Foi igualmente incorretamente julgado como provado que:
10. Na localidade onde a A. vive sempre foi reconhecido que (...) era pai da A.
IV - Os depoimentos das Testemunhas MC [00:02:01 a 00:03:00], MA [00:01:34 00:02:16] e Maria L [00:02:06 a 00:03:00] impunham que tais pontos devessem ter sido julgados como não provados impunha antes que se desse como provado que:
10. Na localidade onde a A. vive sempre se disse que (...) era pai da A.
V - Igualmente para dar como provado o ponto 7 e 8 da matéria de facto não se pode considerar da análise crítica efetuada à prova pericial a mesma como relevante, porquanto:
a) Os resultados baseiam-se num conjunto de procedimentos em que devem ser observadas as legis artis reconhecidas pela comunidade científica e que estão tipificadas em procedimentos padrão, reconhecidos como válidos no âmbito da normalização;
b) Para a realização dos exames de genética forense foram efetuadas recolhas de material genético que não foram efectuadas no âmbito de procedimentos certificados;
c) Pelo que da análise crítica de tal prova resulta ter sido obtida fora dos procedimentos científicos reconhecidos como válidos pela comunidade científica;
d) A prova pericial não obsta a que o juiz possa analisar o processo de aquisição de conhecimento dos peritos e aderia ou rejeite o mesmo;
e) Ambas as partes reconhecem não ser possível analisar esse processo porquanto, como pareceres técnicos que juntam, referem a necessidade de fazer acompanhar o relatório dos Senhores peritos das análises dos cromotrogramas para que se possam retirar conclusões;
VI - Ao considerar nulo o procedimento simplificado de habilitação sem que para isso tenha fundamentado a base legal para a referida nulidade a sentença é nula por violação dos disposto no art.º 615.º, n.º 1 al b) do CPC.
VII - Consistindo a falsidade no facto de um determinado documento ser fabricado, forjado, alterado ou dele constar de forma abusiva uma assinatura ou, no ponto de vista penal, em se fazer constar dolosamente de documento facto juridicamente relevante, o que não ocorre não é falso o acto de habilitação de herdeiros;
VIII - O correcto julgamento da prova produzida, que se impõe pelas razões expostas, determina a improcedência da ação por não provada;
IX - Ainda que se entendesse proceder a ação, os efeitos da paternidade deverão se restringir à natureza pessoal da mesma restringindo-se os efeitos patrimoniais da mesma, porquanto se assim não fosse a inconstitucionalidade do disposto no art.º 1871.º do CC, traria uma clara violação dos princípios da confiança e segurança jurídica, permitindo a alguém poder eternamente exercer um direito com importantes consequências patrimoniais;
X - Alegando a A. sempre ter sabido quem era o seu pai e decorridos quase 40 anos sobre a sua maioridade, só vir pedir o estabelecimento da paternidade, após a morte do pretenso pai e peticionando logo a nulidade de um processo sucessório em curso configura uma situação de abuso do direito na modalidade de supressio, violando a sentença recorrida o disposto no art.º 334.º do CC ao não reconhecer a mesma e ao permitir que o reconhecimento da paternidade tenha outros efeitos que não o efeito de atribuir à A. o direito ao uso do nome paterno e satisfazendo assim o seu direito à identidade que determinou o julgamento de inconstitucionalidade do disposto no art.º 1871.º do CC.
Também inconformado recorreu o réu AC, concluindo nas suas alegações:
1- As questões suscitadas no presente recurso prendem-se essencialmente com: I) A Caducidade do Direito de Acção, como excepção peremptória extintiva do direito invocado pela A.; II) No que respeita ao julgamento da matéria de facto: O excesso da matéria de facto dada como provada, no que concerne a relações sexuais entre o pretenso pai com a mãe da A., em face dos meios de prova e da prova produzida, por um lado. Por outro, a junção aos autos de elementos na posse do INML necessários para valorar o Relatório Pericial produzido e a realização de segunda perícia, que o ora R. entende que o tribunal devia oficiosamente ter ordenado. III) No que respeita ao direito: Os efeitos da insuficiência de prova da Posse de Estado; O Abuso de Direito, como causa impeditiva dos efeitos (alguns) pretendidos pela Autora.
II. O art° 1817° do C. Civil, com a redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, aplicável por força do art° 1873° do mesmo diploma, estabelece um prazo regra (nº 1) e prazos especiais (nº 3, ais a), b) e c), consoante a causa de pedir da acção de investigação da paternidade seja directamente o vínculo biológico ou as presunções legais do art. 1871 ° do CC.
III. Contrariamente ao preconizado no despacho de 20/09/2012 em abono da tese da imprescritibilidade deste tipo de acções, o direito de investigação da paternidade mostra-se caducado por força do nº 1 do art° 1817°, com a redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, o qual dispõe que a acção de investigação só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
IV. Não resultando provada a Posse de Estado, nunca poderia ter aplicação no caso o disposto na al b) do nº 3 do art. 1817° do C.Civil, como eventualmente a A. poderia pretender, ao considerar a morte do pretenso pai como causa de cessação do tratamento como filha pelo pretenso pai.
V. O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, publicado no Diário da República, I-A Série, nº 28, de 2006-02-08, a que alude o douto aresto, ao declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 do artigo 1817° do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873° do mesmo código, reportou-se à redacção anterior daquela disposição legal, na medida em que esta previa, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante.
VI. Contrariamente ao afirmado na sentença sob recurso a jurisprudência dominante mais actual, quer do Tribunal Constitucional, quer do Supremo Tribunal de Justiça é também no sentido da constitucionalidade da referida disposição legal com a redacção vigente, introduzida pela Lei nº 14/2009. (vide Ac. do Tribunal Constitucional (Plenário) - Proc. 401/2011 (JusNet 4516/2011); Ac. do TC de 22.5.2012- Processo nº 638/10 - (JusNet 677/2009); Ac. do TC nº 247/2012 (Jusnet 3082/2012 de 22/05/2012) e Acórdãos do STJ de 29/11/2012, Proc 367/10.2TMCBC- A.G1.S1 (Jusnet 7305/2012), de 9/04/2013 - Proc 187/09.7TBPFR.P1.S1 (JusNet 1855/2013) entre outros.
VII.   O despacho de 20/09/2012 viola por erro de interpretação o disposto no art° 1817° nº 1 do C. Civil, na sua actual redacção, decidindo prematuramente a excepção, sem declarar expressamente, como devia, se a norma em questão é ou não constitucional.
VIII. Não resultou da instrução/discussão da causa a prova dos factos constantes de 6,7,8 e 10 da decisão (em III. Fundamentação).
IX. Tal como a perícia por si só não é meio de prova idóneo à afirmação de tais factos; também os referidos factos não podem ser considerados provados com base no depoimento das testemunhas - nomeadamente as que acompanharam a mãe da A. na década de 50 na actividade agrícola sazonal, na herdade do pai de (...) - as quais nada viram, baseando-se apenas no que ouviam dizer.
X. A presunção de paternidade da al e) do art. 1871º do C. Civil, baseada na existência de relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai no período legal de concepção, assenta ainda na ideia de exclusividade das relações sexuais existentes nesse período, o que não se mostra provado, nem tão pouco foi alegado, conforme é até referido na sentença.
XI. Foi a prova perícia que convenceu o tribunal, o qual, a partir daí e do resultado obtido deu como provado o vínculo biológico e com ele factos que seguramente mereceriam a resposta NÃO PROVADOS, não fora o entendimento "que o relatório merece credibilidade e permite-nos concluir pelas relações sexuais entre a mãe da A. e (...), das quais resultou o nascimento da A.
XII. A prova pericial foi indevidamente sobrevalorizada, quando não devia ter sido sequer valorada, em face da constatada falta de elementos e das sérias dúvidas levantadas quanto à amostra recolhida, e ainda no que respeita à acreditação (a colheita, procedimento, resultado/conclusão, não se mostram acreditados, conforme consta até do documento datado de 9/01/2014, apresentado pelo INML nos autos em 15/01/2014, na sequência do pedido de esclarecimentos apresentado pelo R. EA em 1/11/2013 (Refª 14923802).
XIII. Através do despacho de 08/07/2014 (refª 19390201) que não admite a realização de segunda perícia, nos termos do art. 487° do NCPC, o tribunal a quo coarctou a possibilidade das partes obterem um cabal esclarecimento através do referido meio de prova.
XIV. Ao não ter ordenado a junção dos referidos elementos/documentos na posse do INML que o R. tem como integrantes do próprio Relatório Pericial, é o próprio tribunal, no despacho de 11/07/2014, constante da acta de audiência final, quem compromete a credibilidade do exame que já levantava dúvidas sérias.
XV.   Mostram-se violados nos referidos despachos o princípio do inquisitório, da adequação formal, da cooperação e da igualdade das partes. Entre outros, mostram-se violados os artigos 411°, 415° e 417° do NCPC (com correspondência no art° 265°, parcialmente, art° 517° e 519°, todos do anterior CPC).
XVI. A A. invoca como causa de pedir, para além do facto biológico da procriação, a Posse de Estado (reputação e tratamento como filha), sendo que é a própria sentença que declara não se mostrarem provados os factos integrativos/elementos constitutivos do conceito da Posse de Estado.
XVII. Não pode desde logo deixar de se estranhar e censurar a postura da A. que afirma na petição inicial (artigos 10°, 11° e 12°) que "sempre foi tratada pelo falecido, Sr. (...), como filha" "E a autora sempre o tratou como pai" e que" Entre a autora e o falecido, Sr. (...), existia um bom relacionamento", tendo-se apurado a final, e até porque é a própria quem o afirma, em sede de declarações de parte, que nunca o viu.
XVIII. Contrariamente ao defendido na sentença sob recurso mostra-se bem evidenciado que o desiderato primeiro da A. não foi o de obter o estatuto pessoal de filha (de um pai, falecido, que diz sempre saber existir mas que nunca viu, nem fez nada para ver) e que a sua pretensão merece censura no quadro da actuação abusiva do direito, ponderados os valores fundamentais do sistema.
XIX. A abusiva actuação e pretensão da A. mostra-se alegada desde logo na Contestação do ora R (arts. 13°, 14° e 15) e resulta melhor configurada depois da prova produzida (ou da falta dela), ainda que nada de concreto tenha sido "alegado quanto à autora, ou a sua situação patrimonial actual, ou até do pretenso pai, à data da sua morte".
XX.   Mostra-se bem clara a pretensão da A. quando por requerimento apresentado em 06/03/2012, na sequência do despacho de 22/02/2012 c/ refª impetrando "... pela realização dos testes de ADN, atento que estão a correr termos na Comarca do Alentejo Litoral, Tribunal de (...) - Juízo de Média e Pequena Instância Cível, os autos sob o Proc. nº (…), respeitante ao processo de inventário dos bens do "de cujus", onde a aqui autora, deduziu, nos termos do nº 1 do art. 1335º do CPC, incidente de suspensão do inventário... "
XXI. E ainda quando em tribunal a A. afirmou que o seu pretenso "pai" lhe teria dito "... que eu não ficava sem nada... "
XXII. Mostra-se claramente provado que o único desiderato da A. foi o de obter o estatuto patrimonial.
XXIII. A falta de prova da Posse de Estado nos termos específicos em que foi alegada leva a concluir que, também com base na correspondente presunção legal, o direito de acção se mostra caducado (por referencia à al b) do nº 3 do art° 1817º do C.Civil) e ainda que seja reconhecida a paternidade (o que, apenas como hipótese se coloca, e sem conceder) - é ilegítimo o exercício do direito na sua plenitude, ex vi do art. 334º do C. Civil.
XXIV. Os efeitos da paternidade da A., a ser reconhecida, devem limitar-se à questão de estado - a filiação e estabelecimento dos vínculos de filiação - já não valendo para as consequências patrimoniais desse reconhecimento, o que implica a improcedência do pedido de declaração de nulidade do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros com o n° (...) elaborado na Conservatória do Registo Civil de (...), assim se afastando a A. de comungar na herança do progenitor.
Por seu turno, contra-alegou a autora:
1. A Douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.
2. O douto despacho, respeitante à imprescritibilidade da acção de investigação da paternidade foi proferido nos termos da alínea c), nº 1 do art. 595.° do C.P.C. em 20-09-2012.
3. Os recorrentes notificados deste douto despacho, em 20-09-2012, dele não recorreram tendo, o douto despacho em crise transitado em julgado.
4. Neste sentido a obra, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, pág. 160, do Venerando Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. António Santos Abrantes Geraldes, que, com o devido respeito, se transcreve:
"Certo é que a falta de impugnação com o eventual recurso interposto do despacho saneador das decisões interlocutórias anteriores ou contemporâneas do mesmo preclude a possibilidade da sua impugnação com o recurso da decisão final."
5. De resto é abundante a jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido da imprescritibilidade, da acção de reconhecimento e investigação da paternidade, mencionando-se os seguintes Acórdãos:
O douto Acórdão desse Venerando Tribunal, com o Proc. nº 10708/09.0T2SNT.LI-6, de 29-04-2014, disponível em www.gsi.pt, do qual com a devida vénia transcrevemos o nº III do sumário - "III - O direito à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado no art. 26° n.°1 da Constituição da República Portuguesa, inclui, além do mais, os vínculos de filiação, consagrando-se um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento deste. "
E O douto Acórdão do TRP, proferido no Proc. 1261/12.8TBSTS.Pl, JTRPOOO, de 03-06-2014, disponível em www.dgsi.pt. em cujo sumário consta:
"1- O direito fundamental à identidade pessoal (art. 26º nº1, da CRP), na dimensão do direito ao conhecimento e estabelecimento da verdade biológica da filiação, não se compadece com restrições temporais à sua investigação.
II - A limitação temporal ao exercício deste direito decorrente do prazo previsto no art. 1817º nº1, do Código Civil, na redacção da Lei na 14/2009 de 1/4, é inconstitucional por violar o art. 26º nº1, da Constituição da República Portuguesa."
Também o douto Acórdão do STJ, proferido no Proc. Nº. 155/12.1 TBVLC-A.PI.S, de 14-01-2014, disponível em www.dgsi.pt, do qual, com a devida vénia, transcrevemos o sumário "o art. 1817º. n° 1, do CC, na redacção emergente da Lei n. ° 14/2009, de 01-04, ao estabelecer o prazo de caducidade de 10 anos após a maioridade (ou emancipação) do investigante para a propositura da acção de investigação de paternidade (cf art.1873º) é inconstitucional, por violação dos arts. 18º nº.s 2 e 3, 26. n° 1 e 36º, n° 1, da CRP." 
No mesmo sentido o recente AC. do STJ, proferido no âmbito do processo Nº 146/08.7TBSAT.C1.S1, de 19-06-2014, do qual, com a devida vénia, transcrevemos o número II do sumário. "II - Não estando caduco o direito de acção e provada nos autos a paternidade biológica é inevitável o estabelecimento da paternidade jurídica do autor. "
6. A mãe da autora manteve relações sexuais de cópula completa com o falecido (...) até final de Junho de 1952, logo, durante o período legal de concepção, conforme artigo 1798.° do Código Civil, dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento.
7. O tratamento da autora como filha por parte do pai, situação que se prolongou no tempo, perturbou emocionalmente e constrangiu a vontade da autora de agir contra o pai, sendo também esse facto, o tratamento como filha, promessa de reconhecimento, perfilhação e de a vir a beneficiar que se prolongou no tempo, razão para que o direito da autora a investigar a paternidade não tenha caducado ou prescrito.
8. Não resulta da prova produzida se a autora tinha experiência de vida ou autonomia suficientemente consolidada para ter intentado mais cedo a acção, mas resulta de alguns depoimentos que existiram factores, para além das promessas do pai que determinaram de alguma forma a actuação da autora.
9. A causa de pedir na acção de investigação ou reconhecimento da paternidade conforme escreveu o senhor Juiz Conselheiro, Carlos Lopes do Rego em "O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in " Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, VoI. I, páginas 781 a 790) "é o facto naturalístico da procriação biológica do filho pelo réu, a quem a paternidade é imputada, perspectivado como facto natural dotado de relevância jurídica. "
10. Como resulta da transcrição dos depoimentos das testemunhas, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, não há excesso de matéria de facto considerada provada, mas, no modesto entendimento da autora defeito, ou seja o tribunal "a quo ", face à prova que resultou da instrução/discussão, devia ter dado como provados outros factos da base instrutória, praticamente todos.
11. As testemunhas confirmaram que a mãe da autora, em 1950, 1951 e 1952, até regressar à sua terra, em finais de Junho de 1952, data do "terminus" do contrato, manteve relações sexuais de cópula completa com o falecido (...), na casa dos patrões.
12. O falecido (...), na qualidade de filho do patrão disse ao A, manajeiro, para não fechar à chave o local onde dormiam os trabalhadores, para a Srª. Dª. (...), mãe da autora, ir ter com ele à casa dos patrões, pais do falecido.
13. O último contacto telefónico da recorrida com o pai, ocorreu em 10-07- 2010, do seu telefone fixo, para o telemóvel que o pai usava, tendo conseguido esse extracto por esse facto, ter realizado o telefonema do telefone fixo, extracto que a autora juntou como documento 4. da p.i., onde consta o registo dessa chamada com a duração de 10 minutos e 7 segundos.
14. Telefonema para o telemóvel que o pai usava, de resto nunca posto em causa pelos réus, os quais, na contestação apenas se preocuparam que existisse alguma gravação de conversas entre o pai e a autora, conversas que bem conheciam já que, alega o seguinte: "O R. não aceita sejam transcritas eventuais gravações havidas com o seu pai, nem percebe o que tal seja; quem andou a escutar o seu pai e porquê?
15. O falecido (...), assumiu a paternidade junto das testemunhas, já que, quando algum trabalhador da terra da mãe da autora recebia uma carta, o mesmo, perguntava se vinha lá a falar da filha. E disse no início de 2009, no (...), à testemunha JCC que queria ir à terra da autora/recorrida, para a perfilhar e resolver o caso com a mãe. Que também tinha amor pela mãe. Que em 2009 queria lá ir para perfilhar a filha e resolver o caso com a mãe, que também tinha amor pela mãe.
16. A recorrida apenas tinha dado os seus números de telefone e telemóvel ao pai, estranhou por esse facto, os telefonemas dos Drs. (...) que diziam ter escritório em (…), tendo-se deslocado à terra da autora, o senhor Dr. (…) para que a autora lhe passasse uma procuração com plenos poderes que tratavam de tudo.
17. Os recorrentes foram notificados, em 21-10-2013, do Relatório Pericial, tendo o 3.° réu, requerido esclarecimentos, por escrito aos senhores peritos, esclarecimentos que lhe foram prestados em 16-01-2014.
18. Os recorrentes notificados do Relatório Pericial e dos Esclarecimentos, deles não reclamaram nem requereram uma 2ª Perícia, porque isso lhes interessava.
19. Confrontados com as informações prestadas pelos Senhores Peritos em audiência de julgamento, informações que não queriam ouvir, vieram juntar um parecer e requerer uma segunda perícia.
20. O Parecer junto pelos réus em audiência de julgamento, nada teve a ver com as explicações dos Senhores Peritos nem se mostrou necessária a junção, em virtude dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos.
21. Do Parecer, elaborado pelo Senhor Professor Doutor (...), (Catedrático da Universidade do Porto e Investigador Coordenador no IP ATIMUP), junto pela autora, pode-se constatar pela leitura do mesmo que nada do que é aduzido ou apontado pela relatora do Parecer junto pelos réus/recorrentes, fere a credibilidade do exame/Relatório elaborado pelo INML.
22. Mais ainda, ao longo do Parecer do senhor Prof. Dr. (...), é possível perceber que o mesmo vai esclarecendo que os procedimentos do INML e relatório, estão em absoluto, respeito e cumprimento das directrizes internacionais para a área da genética forense.
23. Os Senhores Peritos, nos esclarecimentos por escrito, dizem na fl. 2, 3.° parágrafo, o seguinte: "As colheitas de amostras de referência efectuadas dentro do SGBF-S encontram-se acreditadas." E na fi.3 última folha, consta: "por último sublinhamos que o SGBF-S participa, desde há muitos anos e com sucesso, em ensaios da avaliação externa da Qualidade que envolvem diferentes tipos de amostras em ensaios de parentesco e de criminalística forense".
24. Os testes de ADN não comportam dúvidas sérias ou outra espécie de dúvida, ocupando, actualmente, o recurso a estes meios científicos, posição dominante nas acções de reconhecimento e investigação da paternidade.
25. Conforme douto AC. do STJ, proferido no âmbito do processo Nº 146/08.7TBSAT.C1.S1, de 19-06-2014, do qual, com a devida vénia, transcrevemos o número II do sumário. "II - Não estando caduco o direito de acção e provada nos autos a paternidade biológica é inevitável o estabelecimento da paternidade jurídica do autor. "
26. Não se vislumbra como podem os recorrentes alegar abuso de direito, já que a autora, nem objectiva nem subjectivamente, causou qualquer dano aos recorrentes, nem na forma de dolo nem de mera culpa. Não praticou algum acto abusivo. Antes intentou a acção de Reconhecimento e Investigação de paternidade no cumprimento da necessidade de protecção dos direitos e princípios constitucionalmente consagrados na CRP, não resultando em algum local ou momento que o que a autora pretende é estatuto patrimonial.
27. Não pode ser assacada qualquer culpa à autora/recorrida e a exigência de culpa é um requisito da responsabilidade civil por actos abusivos.
28. Aliás, como bem refere o douto Acórdão do STJ, proferido no Proc. Nº 49/07.2TBRSD.P1.S1, de 15-11-2011, do qual se transcreve o número III do sumário. "III - Não ocorre qualquer abuso de direito na instauração de uma acção de investigação de paternidade, apenas por ter sido proposta decorridos mais de 40 anos desde a maioridade do investigante e se não se provar que essa acção foi instaurada com propósitos censuráveis de obter, exclusivamente, proveitos puramente patrimoniais. "
E O número 9 do sumário do douto Acórdão do STJ, proferido no Proc. 495/04- 3TBOR.C.1.S.1 - 21-09-2010, disponível em www.dgsi.pt. do qual com a devida vénia se transcreve: 9. Conflituando o direito ao reconhecimento da filiação biológica com a privacidade e a tranquilidade do pretenso progenitor ou com a segurança material dos herdeiros deve prevalecer o direito do investigando e também o direito do Estado e da sociedade na defesa de valores éticos e eugénicos."
29. Quanto à alegada nulidade da sentença, na parte em que não fundamenta a nulidade do procedimento simplificado de habilitação nº. (...), datado de 15/09/2010, elaborado na Conservatória do Registo Civil de (...), os recorridos sabem que o facto de ser filho de alguém é condição para ser herdeiro dessa pessoa, não carecendo de fundamentação.
30. A existir fundamentação seria cair em redundância, já que não se fundamenta aquilo que está fundamentado e não passaria, na humilde opinião da recorrida, de um acto inútil.
31. Os réus/recorrentes excluíram a autora que bem sabiam existir, como herdeira legítima e pertencendo à primeira classe de sucessíveis, em igualdade com os recorrentes, como resulta artigos 2132°, e 2133.° do Código Civil.
32. Não sendo, em nossa modesta opinião, admissível a introdução "contra legem", como pretendem os recorrentes, de restrições à plena capacidade sucessória, já que não existem as excepções decorrentes do art.° 2034.° do Código Civil, por motivo de indignidade.
33. A aceitar-se a situação de exclusão de herdeiro legítimo por ter sido reconhecido como filho, como pretendem os recorrentes, torna legítimo questionar porque não se sanciona a pretensão igual dos filhos que foram reconhecidos como tal pelo pai por, igualmente serem herdeiros?
34. Não se vê como pode a um herdeiro legítimo, inserido numa classe de sucessíveis, ser-lhe retirada capacidade sucessória que a lei, nos termos do nº 1 do art.° 2033.° do C. Civil, confere a "todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura sucessão, não exceptuadas por lei", por via do reconhecimento de uma causa de indignidade que afecta quem pretende ver reconhecida a sua filiação, caindo-se na figura do abuso de direito.
Foram colhidos os vistos.
2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº2, 5º, 635º e 639º do CPC. todos do CPC.    
As questões a dirimir consistem em aquilatar:
A) - Na apelação do réu, EA (...)
- Da nulidade de sentença por violação do disposto no art. 615º, nº. 1 al.b) do CPC.
- Sobre o incorrecto julgamento dos factos 6, 7, 8 e 10 da sentença.
- Da configuração de abuso de direito.
B) – Na apelação do réu AC
- Da caducidade do direito de acção.
- Sobre o julgamento da matéria de facto.
- Do abuso de direito.
A matéria de facto delineada na 1ª.instância foi a seguinte:
1.(...), faleceu no dia 3 de Setembro de 2010, com 78 anos, no estado de viúvo de (…) - cf. Fls. 16;
2. Os RR. (...), filhos do falecido foram habilitados como únicos herdeiros do mesmo, pelo procedimento simplificado de habilitação n° (...), elaborado na Conservatória do registo civil de (...) – cf. Fls. 14 e 15 cujo teor se reproduz;
3. (...) nasceu no dia 19 de Março de 1953, na freguesia de (...), concelho de (...), registada como filha de (...) - cf. Fls. 18;
4. (...) outorgou testamento, no dia 15 de Março de 2007, no Cartório de Montemor-o-Novo, no qual estabeleceu legados a favor de seus filhos (...), deixando igualmente ao 1° e 2°, em comum e partes iguais, a quota disponível de prédios identificados no testamento - cf. Doc. de fls. 139 a 143 cujo teor se reproduz;
5. (...) trabalhou sazonalmente nas terras ou herdades do pai do falecido (...), sitas em (…), na década de 50;
6. Nessa propriedade, numa casa da herdade onde ficavam alojados os trabalhadores, entre os quais a mãe da A, esta manteve relações sexuais com (...);
7. Em finais de Junho de 1952, a mãe da A e o falecido mantiveram relações sexuais de cópula completa;
8. Foi em consequência de tais relações sexuais que a A. foi gerada;
9. (...) enviou várias cartas à mãe da A onde expressava o seu amor e preocupação;
10. Na localidade onde a A vive sempre foi reconhecido que (...) era pai da A.
Vejamos:
Questão prévia:
O apelante AC aquando da apresentação do seu recurso, em 31/10/2014, veio aludir que ao abrigo do nº. 3 do art. 644º do NCPC, recorria do despacho datado de 20/9/2012, que julgou improcedente a excepção peremptória de caducidade.
Ora, o artigo 644º do CPC., refere-se a apelações autónomas, aí se enunciando nos números 1 e 2, quais os despachos e decisões em que tal ocorre.
O nº. 3 do art. 644º do CPC. refere que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no nº. 1, ou seja, todas aquelas que não encontrem integração nos restantes números.
A caducidade trata-se de uma excepção peremptória, as quais, nos termos constantes do nº. 3 do art. 576º do CPC. importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
A procedência de excepções peremptórias conduz a uma sentença de mérito, em maior ou menor medida desfavorável ao autor, podendo assumir quer a natureza processual, quer a natureza de direito material ou substantivo (cfr. Novo Código de Processo Civil Anotado, Abílio Neto, 2ª. ed., pág. 629).
Ora, nos termos da alínea b) do nº. 1 do art. 644º do CPC., cabe recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns pedidos.
Este recurso será interposto no prazo de 30 dias, nos termos do nº. 1 do art. 638º e sobe em separado.
Com este recurso é que podem ser impugnadas decisões intercalares que não admitam recurso autónomo, como se prevê no nº. 3 do art. 644º do CPC.
Assim, não tendo sido interposto recurso após a prolação do despacho em apreço, não pode agora o mesmo vir a ser conhecido com o recurso da decisão final, como o pretende o apelante.
De notar ainda que, mesmo que o apelante não chamasse à colação este preceito do novo código, sempre se diria que este regime já era o aplicável, aquando do despacho que conheceu da caducidade, por força do disposto na al. h) do nº. 2 do art. 691º do CPC. vigente em 20-9-2012.
Assim sendo, não se conhecerá da questão da caducidade, na mesma em que a mesma, não tendo sido oportunamente, alvo de recurso, transitou em julgado.
A)- Apelação do apelante EA
Entende o apelante que a sentença é nula, nos termos do disposto na al. b) do nº. 1 do art. 615º do CPC., na medida em que considerou nulo o procedimento simplificado de habilitação sem que para isso tenha fundamentado a sua base legal.
Ora, dispõe concretamente o nº1 do art. 615º do CPC. que é nula a sentença quando:
b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Como alude, Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 221 «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais. Apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão; a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso».
E como refere, Lebre de Freitas, in CPC., pág. 297, «…há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
No caso vertente, não poderemos dizer que o tribunal a quo, não fundamentou o pedido de nulidade do procedimento simplificado. Pode efectivamente ter sido parco na fundamentação, mas compreende-se o que pretendeu dizer, pois, como se lê na sentença, perante o reconhecimento da filiação, não constando do procedimento simplificado de habilitação, o mesmo será de considerar nulo.
Com efeito, na medida em que naquele não consta a autora, como filha do de cujos, aquele procedimento não reflecte a realidade, já que do mesmo não consta a identidade de todos os herdeiros.
Pode-se concordar ou discordar da posição adoptada na sentença, porém, não se pode é arguir que seja nula a sentença, com este fundamento, que inexiste.
Assim, não se encontra a sentença ferida de nulidade.
Discorda também o apelante da forma como foram julgados os pontos 6, 7, 8 e 10 da matéria de facto plasmada na sentença.
Esta questão foi de igual modo suscitada pelo apelante AC, como se identificou em B), pelo que, a apreciaremos em conjunto.
A factualidade da qual discordam os apelantes é a seguinte:
6. Nessa propriedade, numa casa da herdade onde ficavam alojados os trabalhadores, entre os quais a mãe da A., esta manteve relações sexuais com (...);
7. Em finais de Junho de 1952, a mãe da A. e o falecido mantiveram relações sexuais de cópula completa;
8. Foi em consequência de tais relações sexuais que a A. foi gerada;
10. Na localidade onde a A. vive sempre foi reconhecido que (...) era pai da A.
Entendem os apelantes que há excesso de matéria de facto provada, na medida em que, os pontos 6, 7 e 8 não deveriam ter sido considerados provados e quanto ao ponto 10., a resposta apenas deveria ser no entender do apelante EA de: Na localidade onde a A. vive sempre se disse que (...) era pai da A.
E o mesmo facto, no entendimento do apelante AC de: Não provado.
Para tanto, invocam que os depoimentos das testemunhas, JCC, JC, AC, MC, MA e ML, não permitiam tais respostas, bem como, houve uma sobrevalorização da prova pericial, quando havia falta de elementos para tanto e, ainda, a necessidade de realização de uma segunda perícia que o tribunal deveria ter ordenado.
Porém, após a audição de todos os testemunhos, a nossa convicção é assaz diferente da manifestada pelos apelantes.
Com efeito, concretizando cada um dos depoimentos, no que concerne à testemunha, JCC, com a idade de 82 anos e na qualidade de trabalhador rural, o mesmo elucidou o tribunal que juntamente com outras pessoas, igualmente trabalhadores rurais, se deslocaram entre os anos de 1950 a 1952, para uma herdade no Alentejo, pertença do pai do (...), onde permaneciam cerca de oito meses por ano.
De acordo com esta testemunha, a mãe da ora autora «andou com o (...), tendo mantido entre si relações sexuais, na casa dos pais deste, já que nem sempre estes lá estavam. O (...) dizia ao encarregado para não fechar a porta do local onde ficavam alojados os trabalhadores, para permitir que a Beatriz saísse para se ir encontrar com o (...). A testemunha tinha conversas com o (...), tendo-lhe este dito que a (...) era sua filha e que queria ir à terra dela para a perfilhar».
O seu depoimento mereceu-nos credibilidade, na medida em que se mostrou coerente, simples e espontâneo, revelando factos a que assistiu, ou que não tendo assistido, concretamente, as relações sexuais entre a Beatriz e o (...), mas que perante os sinais que presenciou, a isso o levaram a concluir.
Quanto à testemunha, JC, a mesma confirmou que a mãe da autora trabalhou na herdade do Alentejo até ter tido a filha.
A testemunha também afirmou que o manageiro do pessoal, também da era sua terra e da autora, trazia sempre um envelopezinho do (...), o qual entregava à mãe da autora, desconhecendo, no entanto, o que vinha lá dentro.
Mas, como via a autora lá na terra, presume que seria ajuda financeira porque esta «parecia mais filha de um doutor, ou de um engenheiro, do que filha de uma senhora que guardava meia dúzia de cabras e ovelhas».
De acordo com a mesma testemunha, não era só na terra da autora que diziam de quem a mesma era filha, mas também na terra do próprio (...).
A testemunha assistiu à conversa da autora com um senhor «Tito», pedindo-lhe para ela lhe passar uma procuração, depois do «pai» ter falecido, para lhe resolver os problemas lá no Alentejo. Mais esclareceu a testemunha que foi chamado para assistir à conversa, porque o marido da autora é «surdo».
Porém, a testemunha não só ouviu esta conversa, como até acompanhou a autora ao (...) onde estiveram a falar com um dos filhos do falecido.
O depoimento da testemunha também se nos revelou credível, na medida em que se limitou a dizer o que sabia e porquê.
A testemunha AC, acompanhou a mãe da autora a trabalhar no Alentejo e soube do namoro desta com o filho do patrão, como aliás todos os restantes trabalhadores disso sabiam.
A testemunha aludiu que «os pais dele não eram muito do jeito de ele casar com aquela rapariga».
A testemunha JB, na qualidade de filho da autora, teve a virtualidade de corroborar o que já tinha sido afirmado pela testemunha JC, no sentido de a sua mãe ter sido procurada pelo «Tito».       
A testemunha AD trabalhou com a mãe da autora no Alentejo e, de igual modo, confirmou o relacionamento entre aquela e o filho do patrão, encontrando-se os mesmos à noite.
A mãe da autora nunca mais teve outro namorado e a própria autora fala com um irmão.
Quanto à testemunha, FP, o mesmo aludiu ter aparecido na terra da autora «um primo a dizer que não era preciso fazer o teste do ADN, porque toda a gente sabia que ela era filha do (...)».
Também as testemunhas, MC, MA e ML, todas foram unânimes nos seus conhecimentos, ou seja, sempre se considerou a autora como filha do patrão.
A autora até teria levado para a escola, na altura, cartas que seriam do pai e quando soube do seu falecimento até lhe mandou «dizer uma missa por alma».
Com efeito, após a análise de todos os testemunhos, a convicção que nos ficou foi a de ser claro nas pessoas, a identidade do pai da autora.
Todas estas testemunhas revelaram objectividade, respondendo com espontaneidade, simplicidade e destituídas de qualquer interesse.
Porém, já as testemunhas, FC, AC, MM e GM, adoptaram uma postura diametralmente oposta, ou seja, a de invocarem desconhecer completamente a situação, nunca tal lhes tendo sido comentado ou falado.            
A testemunha FC acompanhou sempre a família e trabalhou como empregada doméstica para o falecido (...), nos seus últimos quatro anos de vida.
Do seu depoimento ficou-nos a convicção de que não pretendeu divulgar o que sabia, não obstante na parte final do seu depoimento, ter admitido que «lá na terra se falava que ele namorava com as raparigas que iam para lá trabalhar».
Por seu turno, quanto à testemunha GM, irmã do falecido e tia dos réus, de igual modo, se denotou a sua dificuldade em falar do assunto, refugiando-se na postura de que «nunca na vida ouviu tal coisa, nunca o irmão lhe contou».
Confrontada com as cartas juntas aos autos foi muito assertiva a dizer que não era a letra do irmão, mas questionada como era a forma do mesmo assinar o seu nome, não conseguiu precisar, dizendo que não fazia ideia como é que era a assinatura do irmão.
Perante o supra explanado, e se a prova apenas fosse de natureza testemunhal, não teríamos dificuldade em julgar estar a matéria de facto admitida, adequada ao que se apurou.
Mas, a prova dos autos vai mais além, sendo que o relatório pericial só veio corroborar o que se tinha já percepcionado.
Efectivamente, contrariamente ao alegado pelos apelantes, não houve na situação concreta qualquer sobrevalorização da prova pericial.
Aliás, até é bastante gratificante para o julgador, que em processos desta natureza, a ciência possa prestar um contributo e um grau de certeza tão elevados, que possibilitem descortinar a realidade e alcançar a verdade material.
Apesar da prova pericial ser de livre apreciação pelo tribunal, no caso vertente, ela será verdadeiramente essencial, na medida em que reveste uma tecnicidade que só pessoas qualificadas estarão habilitadas a explicar os resultados obtidos.
Neste particular, entende o apelante AC que no exame pericial se constata falta de elementos, dúvidas quanto às amostras recolhidas e acreditação.
Compulsados os autos, verificamos que ocorreu uma exumação de cadáver, conforme teor de fls. 302 e 303 dos autos.
O relatório pericial junto de fls. 337 a fls. 339 dos autos, contém a metodologia e os procedimentos adoptados, tendo concluído que o índice de parentesco (IP) conduziu a uma probabilidade de o (...) ser o pai biológico de (...) de 99,97%.
Aquando da audiência de julgamento de 2 de Junho de 2014, foram prestados esclarecimentos por uma das peritas, a Dr.ª (...) do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, a qual, com toda a clareza explicou o relatório apresentado.
De acordo com a mesma, não há incompatibilidades genéticas, não sendo possível excluir ser aquele senhor o pai desta filha.
Conseguiram obter um IP elevado, sendo os resultados obtidos 100% seguros.
Posteriormente, também em sede de julgamento, no dia 25 de Junho de 2014, foram novamente prestados esclarecimentos pelos senhores peritos, desta feita com a intervenção dos dois peritos que elaboraram o exame.
De acordo com o perito, Professor (...), a composição química do solo, o clima, o local onde o corpo está depositado, temperatura, tipo de amostra, tudo influencia a quantidade e qualidade de DNA, mas nenhum desses factores influencia o perfil genético que se vai obter.
O perfil, com maior ou menor qualidade será sempre o mesmo. Para a perícia de parentesco, a quantidade de ADN que têm as amostras em estudo é absolutamente irrelevante.
Qualquer teste de paternidade tem que ser sempre realizado utilizando um mínimo de oito marcadores genéticos.
As imagens de cromatogramas dos perfis genéticos não tinham que constar do relatório elaborado, atento o tipo de exame em causa.
Também elucidou o mesmo perito que o Serviço de Genética e Biologia Forenses do INML, que foi quem elaborou o relatório, está devidamente acreditado.
Perante o que se deixa exposto, entendemos que a prova pericial nos oferece toda a credibilidade e segurança, pelo que, em conjunto com a prova testemunhal produzida, poderemos concluir que a matéria de facto plasmada nos pontos 6., 7., 8. e 10. da sentença, não merece qualquer reparo, mantendo-se nos seus precisos termos.
Destarte, improcedem as conclusões do recurso, nesta parte.
Ainda no que concerne à prova pericial, o apelante AC alega que o despacho proferido a fls. 552 dos autos ao não admitir a realização de segunda perícia, coarctou a possibilidade das partes obterem um cabal esclarecimento através deste meio de prova e ao não ordenar a junção de elementos na posse do IML, violou os princípios do inquisitório, da adequação formal, da cooperação e da igualdade das partes.
Ora, na sequência de um «Parecer Técnico», junto a fls. 517 dos autos, da autoria de (...), cuja apresentação pelo réu foi admitida, seguiram-se em sede de julgamento, os esclarecimentos pedidos aos peritos, os quais tiveram lugar na audiência de julgamento do dia 25 de Junho de 2014.
No despacho de fls. 552 dos autos, proferido em 8-7-2014, menciona-se que o parecer técnico junto, em nada contraria os resultados do organismo oficial que elaborou a perícia levada a efeito, bem como, além disso, os esclarecimentos prestados pelos peritos em julgamento permitiram esclarecer algumas dúvidas existentes.
Por tal razão, não foi admitida uma segunda perícia.
Com efeito, o tribunal entendeu dispor de todos os elementos, no que se referia a este meio de prova, mostrando-se esclarecido, o que parece não ter sucedido com o apelante, ou seja, a apreciação do tribunal e da parte não coincidiram.
Porém, o mesmo podia ter reagido a tal despacho, interpondo recurso, se assim o entendesse, o que não resulta dos autos que tivesse ocorrido.
Deste modo, o tribunal não colocou em causa qualquer princípio do inquisitório ou qualquer dos restantes enunciados pelo apelante, na medida em que só teria cometido qualquer violação, se entendesse que não dispunha de todos os elementos necessários para decidir e mesmo assim, se colocasse numa posição passiva de nada determinar.
Assim sendo, não se vislumbra qualquer inadequação de procedimentos.
Deste modo, também improcede este segmento do recurso.
Por último, em ambas as apelações se suscita o exercício abusivo do direito por banda da autora, pelo que, de igual modo, apreciaremos estas questões de A) e B), conjuntamente.
Com efeito, aquando da apresentação da contestação do réu, AC, aludiu este nos arts. 13º a 15º que esta acção, interposta depois da morte do pai é particularmente aviltante para a memória deste, sendo um disparo à queima-roupa, que deve ser valorizado e que acarreta importantes prejuízos não patrimoniais e patrimoniais.
Para além disto, nada mais foi alegado ou provado nos autos, dizendo-se na sentença, que tal questão só veio a ser suscitada em alegações finais, realizado que foi o julgamento.
Porém, tendo sido apreciada em sede de sentença, pronunciar-nos-emos sobre a questão.
Ora, nos termos constantes do art. 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Como se alude no Ac. do STJ. de 16-1-2014, in http://www.dgsi.pt. «Uma das modalidades de abuso de direito, consiste no exercício de um direito de forma imprevista, quando, em termos de boa fé, seria de esperar que esse exercício se não verificasse.
A verwirkung que impossibilita o exercício de um direito subjectivo ou de uma pretensão, quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável, não encontra eco na nossa jurisprudência quando desacompanhados de outros elementos que não apenas o decurso temporal».
Com efeito, na situação concreta, nada se apurou no sentido de a autora ter actuado abusivamente.
Sem entrarmos aqui na matéria atinente à caducidade da acção, que como supra aludimos, se mostra transitada, contudo, há aspectos que se relacionam entre si e que convém realçar.
Com efeito, a mais recente doutrina e jurisprudência (cfr. Ac. do STJ. de 14-1-2014, in http://www.dgsi. e Curso de Direito de Família, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, 2006), vai no sentido da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, precisamente porque há que respeitar a verdade biológica, postulando o direito à identidade pessoal, um princípio de verdade pessoal.
O direito à verdade biológica não é só do investigante, mas também da sociedade em geral, pelo que, os interesses a favor da protecção do progenitor assumirão menor relevância.
Os testes de ADN permitem determinar com grande segurança, muitos anos após a morte do indicado progenitor, a paternidade de uma pessoa.
E a verdade biológica também é importante para efeitos de natureza patrimonial, na medida em que também funcionará para igualar aqueles que têm direitos legais idênticos, ou seja, os irmãos.
Se efectivamente o decurso do prazo vedasse o conhecimento da verdade biológica, então até seria mais fácil a protecção dos direitos patrimoniais, em detrimento dos direitos pessoais, quando ambos objectivamente se interpenetram entre si.
Ora, na situação concreta, nenhum elemento dispomos no sentido de apurar qual a intenção da autora ao intentar volvidos tantos anos a acção e só após o respectivo óbito, já que, o decurso do prazo só por si, não traduz um comportamento abusivo.
Assim sendo, verá não só a autora reconhecida a sua filiação, como os inerentes direitos sucessórios daí advenientes, contrariamente ao preconizado pelos réus.
Destarte, improcedem na totalidade as conclusões dos recursos apresentados.
Em síntese:
 - Nas acções de investigação de paternidade há que respeitar a verdade biológica, postulando o direito à identidade pessoal.
- O mero decurso do prazo para requerer em juízo o reconhecimento da paternidade, só por si, não é suficiente para se concluir pela existência de abuso de direito.
3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedentes ambas as apelações, mantendo-se a sentença proferida.
Custas das apelações a cargo de cada um dos apelantes.

Lisboa, 03-03-2015

Rosário Gonçalves
Graça Araújo
José Augusto Ramos