Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2109/18.5T8LSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CAUSAS DE PEDIR
INCOMPATIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis - existência de contrato de trabalho e inexistência de contrato de trabalho - e a contradição entre, pelo menos, um dos pedidos que pressupõe a aplicação da legislação laboral e a alegação da inexistência de contrato de trabalho, importa a ineptidão da petição inicial e consequente nulidade de todo o processo e de conhecimento oficioso, nos termos dos art. 182º nº 2 al. b) e c) e nº 4 e 577º al b) e 578º, insusceptível de sanação, importando a absolvição a instância da ré.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
A instaurou acção declarativa comum contra B [ …..gest, Lda ] pedindo:
«NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.ª EXA. REQUER-SE QUE SEJA A PRESENTE AÇÃO JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA E CONSEQUENTEMENTE:
I.- SEJA A RÉ CONDENADA A PAGAR AO AUTOR A TÍTULO DE CAPITAL E JUROS VENCIDOS, RESPEITANTES ÁS RETRIBUIÇÕES DO SEU TRABALHO NÃO PAGAS, SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E NATAL NÃO PAGOS, FÉRIAS VENCIDAS E NÃO GOZADAS E AOS PROPORCIONAIS DO SUBSIDIO DE FÉRIAS O MONTANTE GLOBAL DE € 26.862,32;
II.-A COMPENSAÇÃO PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO AUTOR COM JUSTA CAUSA, NUNCA INFERIOR A 3 MESES DE RETRIBUIÇÃO BASE, NO MONTANTE DE € 6.057,99;
III.- QUANTIA Á QUAL DEVEM ACRESCER OS JUROS QUE SE VIEREM A VENCER DESDE A DATA DA PROPOSITURA DA PRESENTE AÇÃO ATÉ AO INTEGRAL E COMPLETO PAGAMENTO.».
Alegou, em síntese:
- no ano de 2016 decidiu vender o estabelecimento comercial Clínica Veterinária São …, tendo encetado negociações com Hélio …….,
- a quem fez esta proposta: o preço do estabelecimento era de 160.000 €, estava disposto a vender apenas 50% da empresa, entendida como o estabelecimento, pelo preço de 80.000 €, constituía-se uma sociedade comercial em que ambos ficavam com 50% cada um, e seria essa sociedade quem iria celebrar novo contrato de arrendamento com o senhorio;
- referiu ainda o autor que não queria ficar como gerente, pretendia um contrato de trabalho ou de prestação e serviços, com o salário líquido mensal de 2.019,33 €;
- Hélio … aceitou a proposta daquele preço e relativamente à proposta do contrato de trabalho ou de prestação de serviços também aceitou, sugerindo que o autor ficasse como uma espécie de formador dele por não ter nenhuma experiência no ramo de clínica veterinária;
- em meados de Abril desse ano, Hélio … propôs-lhe que vendesse os outros 50% também por 80.000 €, sem prejuízo de continuar a trabalhar na clínica com o ordenado acordado;
- mas o autor apenas aceitou vender mais 25% do estabelecimento por 40.000 €, o que fez a Fernando …., tendo Hélio …..dito que precisava dele mais do que nunca como formador;
- porém, dos 80.000 € da 1ª venda, Hélio … apenas lhe pagou 18.500 €;
- relativamente ao seu ordenado como formador, no montante líquido de 2.019,33 € combinados com Hélio …e Fernando …., o autor nunca viu um tostão, apenas lhe pagaram em Maio e Setembro de 2016,  aquantia de 574,16 €;
- de Maio a Setembro de 2016 o autor indagou várias vezes os dois sócios pela real quantia combinada desde o início para o seu ordenado,
- desculpando-se estes com problemas com o contabilista e que lhe iriam pagar tudo;
- farto desta situação, visto que ainda lhe era devida a quantia de 61.500 € por Hélio …. pela compra de 80% do estabelecimento e a quantia de 12.225,98 € pela ré B referente aos ordenados de Maio a Outubro de 2016,
- decidiu suspender a sua prestação de trabalho ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 325º do Código do Trabalho, o que fez por carta endereçada à ré B e com conhecimento à Autoridade Para As Condições do Trabalho,
- tendo a suspensão produzido 8 dias após a recepção daquela carta, conforme dispõe a lei;
- a ré recebeu a carta em 21 de Outubro de 2016 e no dia 27 o autor foi impedido de entrar na clínica;
- em 20 de Janeiro de 2016 (nota: será bem Janeiro de 2017, atento o documento 94 de fls. 100) - o autor recebeu uma carta da ré Animlgest, Lda, dizendo que tinha as retribuições em dívida para lhe pagar, acrescidas dos juros de mora;
- o autor não aceitou os cheques que tinham para lhe entregar porque não era o devido, além de que na carta  está referida a alínea c) do art. 327º do Código do Trabalho onde consta a cessação da suspensão do contrato de trabalho do trabalhador por acordo entre este e o empregador quanto à regularização das retribuições em dívida e juros;
- ou seja, se o autor aceitasse aquele cheque jamais poderia demandar a ré no tribunal para recuperação dos seus créditos laborais por ter chegado a acordo quanto à sua retribuição - neste caso a redução de 2.019,33 € para o ordenado mínimo;
- seguidamente, o autor enviou-lhes a carta de 28 de Janeiro de 2017 fazendo cessar legítima e definitivamente o contrato de trabalho com a ré B, por incumprimento definitivo do pagamento das retribuições mensais que lhe eram devidas, nos termos e para os efeitos do nº 5 doa rt. 394º do Código do Trabalho,
- o autor, coligado com a sociedade de que é único sócio e gerente, ….. - Vet, Unipessoal, Lda, já demandou a ré B , Fernando …. e Hélio …..para serem condenados a pagarem o restante convencionado pelo contrato de compra e venda da clínica e deduziu ali dois pedidos cíveis de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;
- no acordo verbal que celebrou com Hélio ……relativamente à sua prestação de trabalho, aquando da venda dos 50% da empresa, ficou estabelecido que o autor passaria, além de sócio, a ser trabalhador por conta de outrem da B - sendo certo que nessa prestação de trabalho não foi fixado termo, e auferindo a remuneração mensal líquida de 2.019, 33 €, com um contrato de trabalho por contra de outrem e não como membro de órgão estatutário, pois não quis figurar como gerente da nova sociedade e aqui ré;
- por outro lado apenas o contrato de trabalho dá direito à atribuição de subsídio de Natal e de férias, nos termos da nossa lei laboral, e portanto, à sua compensação, enquanto a retribuição num contrato de mandato é o resultado do serviço prestado;
- poderá o beneficiário receber o mesmo valor de remuneração dividido em 14 meses ao ano, como acontece com os trabalhadores subordinado, mas essa forma de retribuição apenas resulta do acordado entre ele e a sociedade, não definindo ou caracterizando a natureza jurídica do seu vínculo contratual,
- e neste caso foi convencionado que o autor, embora não fosse um trabalhador subordinado, receberia o 13º e o 14º meses;
- nunca foi fixado horário de trabalho ao autor, ninguém lhe registava o início e o termo do seu trabalho diário, entrava e saía sempre que necessário, nunca recebeu instruções e orientações técnicas sobre o modo e os critérios como o trabalho deveria ser prestado,
- e era o autor que dava instruções ao gerente Hélio …. e ao outro sócio Fernando …. sobre a forma como deveria ser efectuado o trabalho;
- a ré deve ao autor, a título de retribuições de trabalho vencidas e não pagas desde Maio a Outubro de 2016, a quantia de 12.115,98 €, às quais acrescem os meses de Novembro e Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, no montante de 6.057,99 €, pois a cessação do seu contrato de trabalho produziu efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2017;
- deve ainda ré o montante global de 18.173,97 € referente a férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias, proporcionais do subsídio de férias e subsídio de Natal,
- e bem assim a compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa, nunca inferior a 3 meses de retribuição base, no montante de 6.057,99 €,
- além dos juros de mora sobre todos os montantes devidos,
- pelo que deve a ré ao autor a título de capital e juros vencidos, respeitantes a retribuições não pagas, subsídios de férias e de Natal não pagos, férias vencidas e não gozadas e proporcionais do subsídio de férias, o montante global de 26.862,32 €;
- se o sócio trabalhador agir sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade, subordinado às suas instruções e directivas, ou seja, sem autonomia no exercício da sua actividade, estar-se-á perante um contrato de trabalho,
- subordinação essa que face aos factos essenciais carreados para os autos, auxiliados pelos factos complementares e acessórios não existe no caso concreto.
                                          *
A ré contestou invocando, além do mais, a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, dizendo, em resumo:
- o autor, sem ter pedido que seja declarada válida e lícita, com justa causa, a resolução do contrato de trabalho por sei efectuada, pede que a ré seja condenada a pagar-lhe determinada quantia a título de capital e juros vencidos referente a retribuições não pagas, subsídios de férias e de Natal, férias vencidas e não gozadas e compensação pela cessação do contrato de trabalho;
- ou seja, invoca como causa de pedir questões efectivamente relacionadas com um contrato de trabalho,
- pelo que o juízo materialmente competente é o do Trabalho;
- fundamenta o autor a acção em factos que visam provar que prestou actividade à ré mediante retribuição e sem prejuízo de não querer admitir que prestava essa actividade sob autoridade e direcção da ré, não concretizando factualmente os requisitos do contrato de trabalho - prestação de actividade, retribuição, e essencialmente a subordinação jurídica - a verdade é que clama que celebrou um contrato de trabalho com a ré;
- e sendo assim, se em função do pedido e da causa de pedir se configura a existência de uma relação laboral entre autor e ré, a competência em razão da matéria, a atento o predito terá de recair necessariamente sobre o juízo de Trabalho.
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O autor respondeu à excepção de incompetência absoluta, pugnando pela sua improcedência.
Invocou, neste âmbito e em suma:
- a ré alega essa excepção na sua tese totalmente descabelada que apenas pelo facto de ter pedido que lhe sejam pagas retribuições em dívida, subsídios de férias e compensação pela cessação do contrato de trabalho com justa causa,, só por essa razão, a acção já é da competência do Tribunal do Trabalho;
- das duas uma: ou não anda neste mundo, ou não leu a p.i., ou então a invocação da excepção é manobra dilatória.
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No saneador foi julgada verificada a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria e foi a ré absolvida da instância, com estes fundamentos:
«De acordo com o disposto no artigo 126.º, n.º 1, al. b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013 de 26/08), compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
Apesar do autor alegar na resposta à matéria de excepção que na relação de trabalho que manteve com a ré não existia o vínculo da subordinação jurídica, o certo é que o mesmo peticiona nesta acção o ressarcimento de créditos laborais cujo fundamento assenta precisamente na existência de um contrato de trabalho subordinado.
Na verdade, para além do montante de retribuições não pagas, e de subsídios de férias e de natal, o autor pede o montante monetário correspondente a férias vencidas e não gozadas, bem como a condenação da ré no pagamento de uma compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa, nunca inferior a 3 meses de retribuição base, no montante de € 6.057,99.
A atribuição de compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa depende da existência de uma relação de trabalho subordinado, sendo certo que o autor chega a invocar legislação constante do Código do Trabalho (cfr. art. 126.º da petição inicial), legislação essa que pressupõe precisamente a existência de uma relação de trabalho subordinada.
Desta forma, os pedidos formulados pelo autor pressupõem a existência de um contrato de trabalho subordinado, embora o autor, de forma um pouco ininteligível, na sua resposta à matéria de excepção negue a existência desse mesmo contrato de trabalho.
Assim, julgamos que, de acordo com o pedido formulado nestes autos na petição inicial e os factos alegados que sustentam esse pedido, está preenchida a previsão do artigo 126.º, n.º 1, al. b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
Assim, é competente para a presente acção o Juízo de Trabalho e não o presente Juízo Local Cível.
É quanto basta para se concluir pela incompetência material deste Tribunal.
Sendo a incompetência absoluta do Tribunal uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que no presente caso foi arguida pela ré, tal importa a absolvição da instância desta última - artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 98.º, 99.º n.º 1, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 2, 577.º, al. a), 578º e 595.º, n.º 1, al. a), todos do CPC. ».
                                            *
Inconformado, apelou o autor, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1. – O presente recurso vem interposto da decisão do Meritíssimo Juiz “a quo” no seu despacho Saneador Sentença, no qual este decidiu ser aquele Juízo Cível incompetente em razão da matéria para conhecer do objecto do presente litígio, fundamentado a sua decisão, em síntese, no seguinte:
2. – No facto do autor no seu pedido, naquela acção, peticionar a condenação da ré a pagar-lhe, subsídios de férias e Natal, férias vencidas e não gozadas, os proporcionais dos subsídios de férias, e, ainda, a condenação da ré, a pagar-lhe uma compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa. O que é verdade.
3. – Agora, o que não é verdade, e isto sem quebra do respeito sempre devido, - não deixando de ser algo incompreensível a posição do Meritíssimo Juiz “ a quo” naquele Despacho, ao pretender distorcer a realidade para sustentar tese manifestamente inverídica, (o que é facilmente constatável pela leitura da Petição Inicial junta aos autos) -, dizendo que o autor não alegou na P.I., a inexistência do vinculo de subordinação jurídica, e que só o vem fazer, pela primeira vez, na Resposta à excepção levantada pela Ré na sua Contestação, esta de incompetência absoluta daquele Tribunal em razão da matéria, o que, mais uma vez, não corresponde à verdade;
4. – Dizendo, ainda, na sua Decisão, aquele Magistrado, que o Autor, outrossim, alega na sua P.I., o ressarcimento de créditos laborais “cujo fundamento assenta na existência de um contrato de trabalho “, dando como exemplo, o art.º 126.º da P.I., “onde o Autor invoca legislação laboral “(??????).
5.E baseado neste circunstancialismo, repete-se, não verdadeiro, dá depois, um salto de raciocínio ilógico e incompreensível, dizendo que, e passa a citar-se “……. É quanto basta para se concluir pela incompetência material deste Tribunal……”.
6. – Ora, o Autor não pode conformar-se com tal Decisão, por assentar a mesma, por um lado, em factos não verdadeiros, e por outro lado, na violação e na incorrecta interpretação da Lei ao caso concreto; senão vejamos:
7. - Sabendo-se que a competência material do tribunal se afere em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida, ( art.º 5.º do CPC), e que o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (i. é, o pedido) se encontra necessariamente correlacionado com o facto concreto que lhe serve de fundamento, (causa de pedir), para se saber qual o tribunal competente em razão matéria para
o conhecimento da lide, temos de atentar, sobretudo, na alegação do Autor e no efeito jurídico pretendido. (Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 20.5.1998, in BMJ, 477º, 389).
8. - Na verdade, lido o articulado inicial, constatamos que relativamente ao período em causa, (maio de 2016 a Janeiro de 2017), o Autor, além do pagamento da remuneração pelas funções que desempenhava na Sociedade Ré, estas de Formador dos dois outros sócios da Ré, não indica um único facto caracterizador da existência de um qualquer vínculo laboral - não refere quaisquer tarefas e/ou funções por ele porventura desempenhadas sob as ordens, orientação e fiscalização da Ré, nem sequer que a sua actuação/actividade profissional pudesse ser de algum modo conformada pela Ré; não indica factos conducentes à (eventual) afirmação do elemento distintivo do contrato de trabalho, único critério incontroversamente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho, porquanto nada foi alegado concernente à subordinação jurídica (pressuposta no art.º 11º do Contrato de Trabalho e no art.º 1152º do Código Civil).
9. – Efectivamente, o Autor propôs a acção da qual vem interposto o presente recurso, configurando a mesma como uma acção declarativa com processo comum, junto dos Juízos Cíveis da Comarca Lisboa, tendo essa mesma acção vindo a ser posteriormente distribuída ao Juízo Cível de Lisboa – Juiz 13;
10.- E, tendo especialmente, em consideração, que o articulado da P.I. é extenso, (porque os factos de onde emerge a presente acção tiveram a sua origem em outros factos, nomeadamente, no incumprimento do contrato de compra e venda do estabelecimento comercial do qual o Autor, ainda, é proprietário, e que deu origem a uma outra acção contra a aqui Ré e seus sócios, a qual, corre actualmente, os seus termos pelos pelo Juízo Central de Almada – Juiz 3 ) – vide Certidão junta aos autos pelo Autor em 04/02/2018 Ref. Citius 17804326-;
Por isso mesmo e,
11.- Em ordem a simplificar o trabalho do Meritíssimo(a) Juiz(a) “a quo” a quem este processo viesse a ser distribuído, e também ao abrigo do Principio da Cooperação do art.º 7.º do CPC., o Autor, dividiu os factos da P.I. em “ Factos Complementares e Acessórios”, (aqueles a que aqui se fez referência no número que antecede, e em factos essenciais, indicando, ainda, que os mesmos “Factos Essenciais” se encontrariam a bold na P.I. (vide intróito da p.i. do Autor);
12. -Desses factos essenciais invocados pelo Autor na sua p.i. resulta, primeiramente que, e em face de um inicial projecto de acordo verbal com o actual sócio gerente da Ré, Hélio……, este com vista à venda do estabelecimento comercial do qual a empresa do Autor era a única proprietária– ….. – Vet, Unipessoal, Lda. - (empresa esta em que o Autor figura como único sócio e gerente); (vide art.º 57.º da p.i. e Doc. N.º 8 junto à p.i.);
13.- E, ainda, com vista, também, à constituição de uma nova Sociedade comercial, (a actual Ré), o Autor pretendia: em primeiro lugar, ser apenas sócio, (detentor, na altura, deste inicial projecto de acordo, de 50% do capital social da nova empresa a constituir –, (a atual Ré-), e não sócio gerente da mesma; e em, segundo lugar, pretendia, o Autor, um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, com essa nova empresa a constituir- a actual Ré- com o salário líquido mensal de € 2.019,33 (dois mil e dezanove euros e trinta e três cêntimos). (vide art.º 57.º da p.i. e Doc. N.º 8 junto à p.i.);
14. – Sendo certo que, tal como resulta da última parte deste art.º 57.º da p.i., nesta altura, deste primeiro projecto de acordo inicial, não ficou, desde logo, definido, se esse contrato seria de prestação de serviços, ou não;
15. – Depois, na segunda parte do art.º 58.º da p.i. do Autor, este refere que, relativamente à proposta veiculada pelo mesmo Autor a Hélio …., esta relativa à futura celebração de um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, por parte do Autor na nova empresa a constituir, (a hoje Ré), o actual sócio gerente da Ré, Hélio …., - nesta altura do projecto de acordo inicial- aceitou esta proposta do Autor, sugerindo-lhe até, que ficasse, o aqui autor, como uma espécie de “ formador” de Hélio ….., visto este não ter nenhuma experiência no ramo de clinica veterinária, pois o seus negócios, resumiam-se à loja de rações, a negócios com criadores de cães, e tinha também uma escola de treino para cães, mas que de medicina veterinária, não percebia nada. (vide 2.ª parte do art.º 57.º da p.i.);
16. – Mais uma vez, resulta, igualmente, da última parte deste art.º 58.º da p.i., que, nesta altura, deste primeiro projecto de acordo inicial, não ficou, desde logo, definido, se esse contrato seria de prestação de serviços, ou não;
17. – O que ficou definido, nesta altura, foi, apenas, a futura a qualidade de sócio, detentor de 50% do capital do Autor da nova sociedade a constituir, (a actual Ré), e que este, o Autor, iria trabalhar para essa nova empresa, (a actual Ré), como formador do outro sócio e também gerente, não ficando, no entanto, inicialmente definido, se essa função a desempenhar pelo Autor no futuro, seria no âmbito de um contrato de trabalho, ou, no âmbito de um contrato de prestação de serviços;
18.- Do art.º 66.º da p.i. resulta, ainda, que, antes da constituição da actual Ré, o agora sócio gerente da Ré, Hélio ….., perguntou ao Autor, Francisco Fernandes, - e isto, sem prejuízo de continuar a trabalhar na clinica pelo ordenado acordado -, se o Autor não estaria interessado em vender os outros € 50% da clinica, por outros mesmos € 80.000,00 (oitenta mil euros), a um amigo de Hélio ….que estava também muito interessado na compra do estabelecimento comercial; (vide art.º 66.º da p.i. do Autor);
19. – Deste art.º 66.º da p.i. do Autor, resulta que a compensação económica, inicialmente, acordada com o Autor, -esta da quantia mensal € 2.019,33 (dois mil e dezanove euros e trinta e três cêntimos) - se manteria, o que, apenas se alteraria, era que o Autor, deixaria de ser sócio da nova empresa a constituir, passando, apenas, a ser trabalhador ou prestador de serviços da mesma, pois, nesta segunda proposta de projecto de acordo inicial, o Autor venderia a sua parte do estabelecimento comercial, a adquirir pela nova empresa, (a actual Ré), a um amigo de Hélio …...
20. – Ou seja, deste art.º 66.º da p.i. do Autor, nada mais se poderá extrair, que não seja o seguinte: nesta fase, o projecto de acordo inicial alterou-se, relativamente à venda do estabelecimento, mas não em relação à prestação de trabalho do Autor na nova empresa que, nesta altura, (meados de Abril de 2016, tal como refere o art.º 66.º da p.i.), nem sequer estava constituída. (vide Doc. N.º 56 junto à p.i. através do qual se verifica que a sociedade Ré, apenas, foi constituída em 2 de maio de 2016);
21.- Da mesma forma, resulta, desta vez, do art.º 71.º da p.i., que, na sequência da contra proposta do Autor àquela proposta nova de acordo de Hélio …. e do seu amigo, - a que se referem os números antecedentes- , o Autor aceitou, apenas, vender mais 25% do estabelecimento por € 40.000,00 (quarenta mil euros), e que, na sequência desta contraproposta veiculada pelo Autor, apenas uns dias, mais tarde, Hélio …., disse ao autor, que, afinal, o amigo aceitava a proposta, mas foi logo avisando o autor, que precisava dele, mais do que nunca como “formador”, porque o amigo, em questão, não percebia nada do negócio de clinica veterinária, porque era antigo funcionário do Banco Espirito Santo de onde tinha sido, recentemente, despedido. (vide art.º 71.º da p.i. do Autor);
22. – Depois dos artigos 92.º a 96.º e 122.º a 126.º da p.i. resulta que, relativamente, ao referido ordenado do autor como “formador”, no montante de € 2.019,33, (dois mil e dezanove euros e trinta e três cêntimos), líquidos, combinados, entre Hélio …. e Fernando …., ao autor, a Ré, apenas, pagou, em maio e Setembro de 2016, a quantia de € 574,16 (quinhentos e setenta e quatro euros de dezasseis cêntimos), e nada mais. (Vide Doc. N.º 71 junto à p.i.);
23.- E, que o Autor, já farto desta situação, e depois de muito insistir junto dos seus dois outros sócios e até com o contabilista da Ré, no sentido de esta situação de incumprimento relativa à sua prestação de trabalho ser resolvida; e visto que, ainda lhe era devida por, Hélio …, a quantia de € 61.500,00 (sessenta e um mil e quinhentos euros), relativos aos 80% da compra do seu estabelecimento comercial, e pela empresa Ré, B., os ordenados relativos a Maio a Outubro de 2016, no total de € 12.115,98 (doze mil, cento e quinze euros e noventa e oito cêntimos);E que, na sequência desse incumprimento, autor decidiu suspender a sua prestação de trabalho, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 325.º do Código de Trabalho, por carta endereçada à ré, B., e com conhecimento à Autoridade para as Condições do Trabalho, tendo a suspensão produzido efeito 8 dias após a recepção daquela carta;
24.- Sendo que, posteriormente, à actuação da Ré, numa tentativa desesperada de fazer provar que o acordo relativamente à prestação de trabalho do Autor era sobre o ordenado mínimo e, não sobre aquele que foi, inicialmente combinado com o Autor; o mesmo Autor fez cessar, legitima e definitivamente, o contrato de trabalho com a ré, B., por incumprimento definitivo do pagamento das retribuições mensais que lhe eram devidas, nos termos e para os efeitos do n.º 5 do art.º 394.º do Código de Trabalho. (vide artigos 122.º a 126.º da p.i.);
25. – Depois, e ainda com interesse para o presente recurso, resulta, nomeadamente, do art.º 112.º da p.i., que perante a Segurança Social corre, neste momento, processo de fiscalização à Sociedade Ré por denúncia do Autor;
26.- Do art.º 136.º da p.i. resulta que a Ré da correspondência trocada com o Autor, nunca conseguiu definir a função que o Autor desempenhava na Sociedade Ré, e se o “contrato de trabalho”, celebrado, verbalmente, com o mesmo, correspondia à sua remuneração como sócio, (sócio – Trabalhador), (vide Doc. N.º 77, Ponto 5, paragrafo 1.º); depois já era administrativo, (vide Acta que constitui o Doc. N. º88), e finalmente, era Vendedor de Loja, (vide Doc. N.º 92, Ponto 2);
27.- Os artigos 179.º a 192.º da p.i. do Autor, passam a transcrever-se aqui, pela importância que têm para a apreciação do objecto do presente recurso; a saber da invocação, ou não, pelo Autor da inexistência de subordinação jurídica no contrato que ligou o Autor à Sociedade Ré:
(…)
28.- Assim, do art.º 127.º da p.i. resulta que o Autor se auto intitulou como “trabalhador por conta de outrem” da Sociedade Ré, apenas, no sentido, que não trabalhava por conta própria (pois a Ré é uma pessoa jurídica diferente da pessoa dos seus sócios);
29.- Do art.º 180.º da p.i. resulta, literalmente, que foi convencionado que o autor, embora não fosse um trabalhador subordinado, receberia o 13.º e 14.º meses.
30. – Dos artigos 181.º a 182.º da p.i. resulta que a prestação de trabalho do Autor na Sociedade Ré, consistia em ensinar o negócio de Clínica Veterinária aos seus dois outros sócios na Sociedade Ré.
31.- Depois, nos artigos 184.º a 190.º da p.i., o Autor, numa clara alusão à inexistência de presunções que indicassem um contrato de trabalho subordinado, estas constantes do art.º 12.º, n.º 1 alíneas a) a e) do Código de Trabalho; o Autor vem dizer, que as instalações da clinica onde este prestava o seu trabalho não eram propriedade da Ré, por causa do incumprimento do contrato de compra e venda do estabelecimento Comercial perante a Sociedade Comercial da qual o Autor é único sócio e gerente (a São ….. – Unipessoal, Lda.) ;
32.- Que o horário de trabalho e a sua pontualidade nunca lhe foram fixados pela Ré, sendo certo, que este entrava e saia à hora que lhe apetecia, sem que ninguém vigiasse o seu trabalho diário sendo certo também que, se este necessitasse de faltar um dia ou de se ausentar uma manhã ou uma tarde, ninguém “lhe marcava falta”. (art.º 185.º e 186.º da p.i.);
33.- Que nunca recebeu orientações técnicas da Ré sobre o modo como deveria efectuar o seu trabalho, muito pelo contrário, este é que orientava os outros dois sócios da Ré, no sentido de como deveriam eles fazer o seu trabalho (art.º 187.º e 188.º da p.i.).
34. – E, finalmente, que a retribuição mensal acordada entre a Ré e o Autor não era efectuada em função das horas de trabalho prestadas pelo Autor, (art.º 189.º e 190.º da p.i.).
35. – E, a verdade é que, o facto de o Autor, nomeadamente no art.º 126.º da sua p.i. , (como diz o Despacho recorrido), fazer alusão a artigos constantes do Código de Trabalho e no seu pedido naquela acção, peticionar a condenação da ré a pagar-lhe, subsídios de férias e Natal, férias vencidas e não gozadas, os proporcionais dos subsídios de férias, e, ainda, a condenação da ré, a pagar-lhe uma compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa;
36.- Isto não significa, que nos factos constantes da p.i. resulte a invocação, por parte do Autor, da existência de um contrato de trabalho subordinado, muito pelo contrário, o que este afirma, sem margem para dúvidas, nos factos da sua p.i., é que não era um trabalhador subordinado da sociedade ré;
37.- Sendo, ainda, certo que, a alusão a artigos do Código de Trabalho na p.i. do Autor resulta, apenas, do que foi convencionado entre a Ré e o Autor relativamente aos 13.º e 14.º mês da sua retribuição, além do que, constituem as mesmas, alegações de direito, às quais o Tribunal “a quo”, não está vinculado. (n.º 3 do art.º 5.º do CPC);
38.-A este propósito vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 08.01.1992, 19.3.1992 e 31.5.2001, in BMJ, 413º, 360 e 415º, 421 e AD, 484º, 573, respectivamente; Cf. o citado acórdão do STJ de 19.3.1992.
39. - Veja-se, ainda, Abílio Neto [in Código das Sociedades Comerciais – Jurisprudência e Doutrina, 2ª edição, 2003, pág. 614], também citado na decisão recorrida: “embora a atribuição de um subsídio de férias ou o pagamento do subsídio de Natal ou do subsídio de refeição sejam prestações típicas do contrato de trabalho subordinado, nada obsta a que, por deliberação dos sócios, a remuneração paga aos gerentes compreenda prestações daquele tipo, não obstante as funções por eles desempenhadas não sejam, em princípio, subsumíveis a uma relação laboral subordinada”.
40.-Na mesma vertente, mas, mais recentemente, através de Acórdão datado de 22/03/2017, também, a Relação de Lisboa (Proc. 112/15.6T8CSC 4ª Secção Social; Desembargadores: Manuela Fialho - Sérgio Manuel de Almeida -Sumário elaborado por Isabel Lima), considerou a este propósito que, e passa a citar-se: ” ……1. A subordinação jurídica é o elemento distintivo do contrato de trabalho, pressupondo o poder, atribuído ao empregador, de exercício de autoridade traduzido na possibilidade de emissão de ordens, instruções e efetivação de disciplina mediante aplicação de sanções. 2. Não é de trabalho a relação estabelecida entre as partes em que não se evidenciam traços de subordinação jurídica. 3. Não obstante a presença de algumas das características associadas presunção de laboralidade, tendo-se provado factos que inculcam no sentido da inexistência de subordinação jurídica, o contrato não se tem como de trabalho…”.
41.- Também o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do Proc. 2242/14.2TTLSB.L1.S1 4ª Secção; Relator: António Leones Dantas, por Acórdão de 7/9/2017 considerou também: “…..Presunção de laboralidade. Despedimento de facto. 1 Na relação existente entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, provada a existência de duas ou mais das circunstâncias caracterizadoras dessa relação previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho. 2.- A presunção prevista no número anterior não impede o beneficiário da atividade prestada de demonstrar que, apesar da ocorrência daquelas circunstâncias, a relação em causa não é uma relação de trabalho subordinado. 3.- Não afasta a presunção referida no número 1 o facto de o pagamento do valor do serviço prestado pelo trabalhador ser calculado com base no número de horas prestadas e de nunca ter recebido quaisquer valores a título de subsídio de férias ou de Natal. …..” .
42. – Ou seja, o que este recente Acórdão do STJ vem dizer, é precisamente, aquilo que o Autor afirma, mas no sentido contrário, ou seja, o Autor vem afirmar na sua petição inicial que, apesar, de receber subsídio de férias e Natal, (não recebeu nada, mas pelo menos, foi isso que convencionou com a Ré), este não era trabalhador subordinado da Ré; e este Acórdão do STJ apresenta-nos um caso, ao contrário, mas igual; ou seja, o facto de o Autor, naquele Acórdão nunca ter recebido quaisquer subsídios de Natal ou de férias, não afasta a presunção da subordinação jurídica;
43. – O que acontece é que a questão da subordinação jurídica é que é fundamental para determinar a competência do Tribunal de Trabalho (trabalhadores subordinados) ou do Tribunal Cível (Trabalhadores não subordinados), e essa só se afere, caso a caso, e quase nunca, daquilo que é convencionado pelas partes, mas sim, daquilo que, depois, se vem a verificar, na realidade da prova dos factos.
44. – Também num parecer do Provedor de Justiça, sendo a Entidade visada: Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro Proc.º: R- 2549/06 ; Área: A3 ASSUNTO: Atribuição da prestação compensatória de subsídios de férias e de Natal a sócio-gerente, se considerou a este propósito o seguinte : “…….Apenas o contrato de trabalho subordinado dá direito à atribuição de subsídio de Natal e de férias, nos termos da nossa lei laboral, e portanto à sua compensação, enquanto a retribuição num contrato de mandato é o resultado do serviço prestado. Poderá o beneficiário receber o mesmo valor de remuneração dividido em 14 meses ao ano, como acontece com os trabalhadores subordinados, mas essa forma de retribuição apenas resulta do acordado entre ele e a sociedade, não definindo ou caracterizando a natureza jurídica do seu vínculo contratual ……..”( sublinhado nosso).
45.- No mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 10/10/2016, Proc. N.º 434/14.3TTVNG.P1,4.ª secção Social, em que foi Relator, António José Ramos : “Compete ao trabalhador provar os elementos constitutivos do contrato de trabalho, ou seja, que se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigo 11º do CT).
II – Face às dificuldades que existem na prova de determinados factos, o legislador previu a existência de presunções (art.º 349.º do C.C.). III - Estas presunções (ilações legais ou de direito) são as que têm assento na própria lei, ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto, o que significa que quem tiver a seu favor uma presunção dessa natureza escusa de provar o facto a que a mesma conduz, embora a presunção possa ser ilidida mediante prova em contrário – diz-se então que a presunção é iuris tantum –, excepto nos casos em que a lei o proibir – casos em que a presunção é denominada iuris et de iure – (art.º 350.º do C.C.).
IV - No caso, o legislador previu no artigo 12º do CT uma presunção de laboralidade, cuja finalidade não pode deixar de ser facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação.
46.- De notar que o Sumário deste último Acórdão citado, da Relação do Porto, contém um pequeno lapso, quando refere art.º 32.º, n.º 32.º, pois embora, a lei 110/2009 de 16 de Setembro, tenha sido revogada, a verdade, é que ela correspondia ao, então, Código Contributivo da Segurança Social, art.º 32.º, n.º 2, (e não n.º 32, como por lapso é referido no sumário deste Acórdão), e que hoje corresponde ao n.º 3 do mesmo art.º 32.º ( cuja redacção no ponto que aqui interessa é exactamente a mesma, e passa a citar-se :
Artigo 32.º
Cessação, suspensão e alteração da modalidade do contrato de trabalho
1 - A entidade empregadora é obrigada a declarar à instituição de segurança social competente a cessação, a suspensão do contrato de trabalho e o motivo que lhes deu causa, bem como a alteração da modalidade de contrato de trabalho.
2 - As comunicações previstas no número anterior consideram-se cumpridas sempre que sejam do conhecimento oficioso do sistema de segurança social. (Aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, enquanto não for cumprido o disposto no número anterior, presume-se a existência da relação laboral, mantendo-se a obrigação contributiva. (Renumerado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, correspondendo ao anterior n.º 2) (sublinhado nosso).
4 - Constitui contraordenação leve a violação do disposto no n.º 1. (Renumerado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, correspondendo ao anterior n.º 3);
47. – Também o Acórdão da Relação de Coimbra de 14/07/2010, proferido no âmbito do Proc. N.º 6525/09.5T2AGDA.C1, em que foi Relator Fonte Ramos, contém um erro de escrita no ponto 2 do seu sumário, quando refere: “……O Juízo de Competência Especializada Cível é o competente para conhecer do pedido de condenação da sociedade no pagamento de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal devidos a sócio gerente…”.
48. – Quando, na realidade, e pela leitura do Acórdão, em questão, verificamos, exactamente o contrário daquilo que é referido naquele ponto 2 do sumário do mesmo Acórdão, ou seja, que aquele Acórdão decidiu, outrossim, que o juízo de competência genérica é que era, o competente, senão vejamos, algumas partes do Acórdão que são chaves:
“…….. V (…) instaurou, na Comarca do Baixo Vouga/Águeda-Juízo de Média e Pequena Instância Cível, acção declarativa com processo sumário contra G (…) & A (…) Lda., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de…….” “……..Concluiu depois a Ré que o tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria e pediu, além do mais, a sua absolvição da instância……”
“………No despacho saneador, o tribunal a quo fixou o valor da acção, não admitiu a reconvenção e julgou improcedente a dita excepção da incompetência material……..” “…….Inconformada com o decidido, a Ré interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que, atento o objecto do recurso, assim vão sintetizadas:……….”
“……. Questiona-se, assim, e importa decidir se, atenta a natureza da relação substancial pleiteada, o tribunal recorrido é competente para julgar a acção ou se essa competência cabe ao tribunal do trabalho, sendo aquele materialmente incompetente…”
“…………Sendo assim elemento distintivo do contrato de trabalho uma prestação heterodeterminada de serviços ou, por outras palavras, uma subordinação jurídica que permite ao empregador determinar concretamente, dentro do âmbito definido pelo contrato, pelos instrumentos de regulamentação colectiva e pela lei, a prestação do trabalhador, há que considerar como pode ser subordinante e subordinado, dar e receber ordens, simultânea e contemporaneamente, sendo que a existência de uma remuneração não é relevante, pois o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios, salvo disposição do contrato de sociedade em contrário (art.º 255º, n.º 1 do CSC)………”
“………..Na situação dos autos, também não deixamos de estar perante sócio gerente que, tendo constituído os órgãos directivos e representativos da sociedade, participou na formação da vontade social, agindo no âmbito de um contrato de mandato (ou de administração) e não de um contrato de trabalho subordinado, sendo que ninguém admitiu a situação de eventual cumulação das funções de gerente com a de trabalhador subordinado……..”
 “…………..Neste enquadramento, considerando que o A., enquanto gerente e sócio - qualidade subjacente ao pedido formulado -, não trouxe aos autos factualidade susceptível de configurar a existência de um contrato de trabalho dependente/subordinado no período a considerar nesta lide (01.01.2009 a 14.9.2009), perspectiva que a própria Ré não deixou de corroborar, é evidente não haver a menor razão para que os autos deixem de prosseguir no tribunal/juízo onde foram instaurados, por ser o competente para a sua preparação e julgamento……..” “……….Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida……..”.
49.- Verifica-se assim que a Decisão recorrida fez incorrecta interpretação da lei e do direito, nomeadamente no que se refere ao disposto nos artigos, 126.º, n.º 1 alínea b) e 130.º, n.º 2 alínea f) da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013 de 26 de agosto), dos artigos 11.º e 12.º do Código de Trabalho, dos 349.º, 350.º e 1152.º do Código Civil, violou e fez incorrecta interpretação da lei e do direito, também no que se refere ao art.º 5.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Civil;
50.- Devendo, por isso, ser revogada a decisão constante do despacho saneador que declarou incompetente o Tribunal a quo e substituída por outra que declare tal juízo competente em razão da matéria para apreciar a presente acção. nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.ª Exa. deverá ser revogada a decisão constante do despacho saneador sentença que declarou incompetente o tribunal a quo e substituída por outra que declare tal juízo competente em razão da matéria para apreciar a presente acção, por ter tal decisão recorrida feito incorrecta interpretação da lei e do direito, nomeadamente no que se refere ao disposto nos artigos, 126.º, n.º 1 alínea b) e 130.º, n.º 2 alínea f) da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013 de 26 de Agosto), dos artigos 11.º e 12.º do Código de Trabalho, dos 349.º, 350.º e 1152.º do Código Civil, e ter violado e feito incorrecta apreciação do direito e da lei, também no que se refere ao art.º 5.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 e ao n.º 2 do art.º 6.º do Código de Processo Civil, Assim se fazendo a costumada serena e objectiva justiça.
                                         *
Em 19/03/2019 foi proferido pela ora relatora o seguinte despacho:
«De acordo com a alegação recursiva, a presente apelação tem por objecto a impugnação da decisão da 1ª instância que julgou verificada a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria do tribunal cível, por ter entendido que o pedido e os factos alegados o sustentam impõem concluir que o Tribunal do Trabalho é o competente.
Nessa decisão lê-se, além do mais:
«(…) os pedidos formulados pelo autor pressupõem a existência de um contrato de trabalho subordinado, embora o autor, de forma um pouco ininteligível. Na sua resposta à matéria de excepção negue a existência desse mesmo contrato de trabalho.».
Na petição inicial está pedida a condenação da ré a pagar «A compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa (…)».
E ao longo desse articulado são feitas referências ao Código do Trabalho, designadamente: «O autor decidiu suspender a sua prestação de trabalho, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 325º do Código do Trabalho, por carta endereçada à Ré, (…) e com conhecimento à Autoridade para as Condições do Trabalho, tendo a suspensão produzido efeito 8 dias após a receçao daquela carta, conforme dispõe a lei (…).». (art. 96º da p.i.)
Esse pedido e essa alegação estão em consonância com esta alegação: «Assim e tal como se referiu no art. 57º da presente p.i., no acordo verbal efectuado com o aqui autor, relativamente à sua prestação de trabalho, ficou estabelecido que este passaria, além de sócio, a ser trabalhador por conta de outrem da B, - sendo certo que nessa prestação de trabalho não foi fixado qualquer termo -, e auferindo a remuneração mensal líquida de (…), com um contrato de trabalho por conta de outrem e não como membro de órgão estatutário, (…)».(art. 179º da p.i.)
De referir ainda, que no art. 191º da p.i, vem alegado:
«Pelo que, já deve a ré ao autor, a título de retribuições de trabalho vencidas e não pagas, desde (…), pois a cessação do contrato de trabalho do autor produziu efeitos a partir de 31 de janeiro de 2017 (…)».
Porém, no art. 187º da p.i., vem alegado:
«(…) neste caso, foi convencionado que o autor, embora não fosse um trabalhador subordinado, receberia o 13º e 14º meses (…)».
E na réplica e neste recurso sustenta o apelante que não alegou ter sido celebrado contrato de trabalho.
Assim, na alegação recursiva diz, nomeadamente, «aquilo que o Autor afirma, mas no sentido contrário, ou seja, o Autor vem afirmar na sua petição inicial que, apesar de receber subsídio de férias e Natal (não recebeu nada, mas pelo menos, foi isso que convencionou com a Ré), este não era trabalhador subordinado da Ré».
E na réplica, diz, designadamente:
«Em resumo, vem a Ré alegar, a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, considerando, na sua tese totalmente descabelada que, apenas pelo facto de o aqui Autor ter peticionado que lhe sejam pagas retribuições em dívida, subsídios de férias e compensação pela cessação do contrato de trabalho com justa causa, só por essa razão, a ação já é da competência do Tribunal do Trabalho». (art. 10º).
Portanto, na petição inicial é invocado um contrato de trabalho e simultaneamente, em contradição, é negada a sua existência; é formulado um pedido de condenação da ré no pagamento de compensação pela cessação do contrato de trabalho com justa causa mas na exposição dos factos e nas considerações de Direito é negada, em contradição, a existência de contrato de trabalho.
O art. 186º do CPC dispõe, na parte que ora interessa:
«1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) (…)
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis,
3. (…)
4. No caso da alínea c) do nº 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal (…)».
A nulidade de todo o processo é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (art. 577º al b) e 578º do CPC).
Afigurando-se que no caso concreto são cumuladas causas de pedir substancialmente incompatíveis - existência de contrato de trabalho e inexistência de contrato de trabalho - e que há contradição entre, pelo menos, o pedido formulado em II e a alegação da inexistência de contrato de trabalho, o que importa a ineptidão da petição inicial e consequente nulidade de todo o processo, convido as partes a pronunciarem-se sobre as questões ora suscitadas, ao abrigo do disposto no art. 3º nº 3 do CPC.».
                                             *
O apelante pronunciou-se, dizendo, em resumo:
- a petição inicial só é inepta perante a completa falta de alegação de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir inviabilizando o conhecimento do mérito da causa;
- é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial (art.º 186º, n.º 1). Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (n.º 2, alínea a)). Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (n.º 3);
- conforme se pode verificar pela Contestação da Ré, esta interpretou, convenientemente, a petição inicial, pelo que, apesar de não ter arguido a ineptidão da petição inicial de acordo com o n.º 3 do art.º 186.º do CPC, a verdade é que, o processo civil continua, ainda a ser um processo das partes, onde vigora o princípio do dispositivo, não podendo o Tribunal da Relação, e sempre, salvo o devido respeito, vir decidir, aquilo que as partes não discutem, nos seus articulados, embora se trate de excepção dilatória de conhecimento oficioso;
- Tal decisão de ineptidão da petição inicial pelo Tribunal da Relação seria um caso flagrante de violação do princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais que conforma o nosso processo civil;
- não existem causas de pedir incompatíveis, existem apenas descrição de factos, que implicam, necessariamente, que, no desenrolar do processo, a eventual e originária insuficiência estrutural da petição inicial irá suprir ou ultrapassar, dado o principio dos factos que resultarem provados na instrução da causa plasmando no art.º 5.º do CPC;
- o alcance do peticionado é a existência de uma situação de sócio trabalhador sem subordinação jurídica - que é isso que no fundo, o apelante embora de forma algo confusa, admite - vem invocar- e a quantia que ficou acordada para tal prestação de trabalho;
-a redacção confessadamente algo confusa da petição inicial, ficou a dever-se aos documentos juntos aos autos, os quais consubstanciam, essencialmente, cartas trocadas entre o autor e a ré sobre os factos em litigio, e que foram redigidas pelo autor com a ajuda de um amigo que, apesar de ter o curso de direito, nunca exerceu qualquer profissão na área da justiça, sendo jornalista de profissão, o qual presumiu, quando o autor lhe pediu ajuda na redacção das cartas, tratar-se de um contrato de trabalho subordinado normal, e o autor, não percebendo nada do assunto, assinava e enviava as cartas;
- a petição inicial, apesar de deficientemente concretizada, não padece de ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial do art.º 186.º do CPC, o autor entende que o que existe é uma mera insuficiência na densificação e concretização adequada da vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida;
- apenas mais tarde, quando o autor constituiu mandatária, é que foi percebido, que a relação jurídica subordinada invocada nas cartas não correspondia à situação factual relatada pelo autor à sua mandatária, que foi a responsável pela elaboração da petição inicial, originando esta circunstância, uma enorme dificuldade por parte da mesma, na descrição dos factos com a articulação da documentação que instrui a petição inicial; e é por esta razão que, na petição inicial são feitas referências ao Código de Trabalho, como, por exemplo, no art.º 96.º da p.i.;
- em conclusão, a posição do apelante sobre esta matéria é a de que deverá o mesmo ser convidado a completar e corrigir o seu articulado da petição inicial, ou, podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução da causa - art.ºs 5º, n.º 2, alínea b) e 590º, n.º 4 do CPC.
                                              *
A apelada pronunciou-se, dizendo, em resumo:
- existe contradição entre o pedido e a causa de pedir, pelo que a petição inicial é inepta;
- não é legalmente admissível, por via de aperfeiçoamento, suprir o vício de ineptidão da petição inicial.
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II - Fundamentação
Diz o apelante que confessa ter apresentado uma petição inicial confusa por dificuldade de elaboração pela sua mandatária forense, mas que essa confusão apenas resulta em deficiente concretização factual.
Tem razão o apelante. A petição inicial é confusa. Dela resulta que o apelante nem sabe o que quer. Tanto é invocada a legislação laboral para sustentar a cessação do contrato de trabalho com justa causa e o pedido de condenação da apelada no pagamento de quantias calculadas de acordo com o Código do Trabalho, designadamente, «compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa nunca inferior a 3 meses de retribuição base», como simultaneamente é alegada a inexistência de subordinação jurídica e por isso a inexistência de contrato de trabalho. 
Portanto, não se trata de deficiente alegação da matéria de facto por parte da mandatária forense devido à sua confessada confusão, o que a suceder deveria levar à prolação de despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do disposto no art. 590º nº 4 do Código de Processo Civil.
O que existe é cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis - existência de contrato de trabalho e inexistência de contrato de trabalho - e contradição entre, pelo menos, o pedido formulado em II e a alegação da inexistência de contrato de trabalho, o que importa a ineptidão da petição inicial e consequente nulidade de todo o processo e de conhecimento oficioso, nos termos dos art. 182º nº 2 al. b) e c) e nº 4 e 577º al b) e 578º, insusceptível de sanação, importando a absolvição a instância da ré.
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III - Decisão
Pelo exposto, julga-se verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial, absolvendo-se a apelada da instância.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 16 de Maio de 2019

Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos    
Eduardo Petersen