Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5855/19.2T8FNC.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: FIANÇA
PAGAMENTO PELO FIADOR
SUB-ROGAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
MEIOS DE DEFESA
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Nos termos do disposto no art.º 644º do CC, e no que se refere à sua relação com o devedor, o fiador que pague a dívida, fica sub-rogado nos direitos do credor;
2. No que tange aos co-fiadores, aplicam-se as regras relativas às obrigações solidárias, cfr. art.º 650º, nº 1 do CC, gozando o fiador que cumpriu, relativamente aos demais fiadores, de um simples direito de regresso segundo as normas da solidariedade;
3. Tendo satisfeito o direito do credor para lá da parte que lhe competia, o fiador titular do direito de regresso contra os restantes fiadores, apenas pode peticionar a parte que a cada um competiria, isto é, na medida da quota parte de responsabilidade de cada um dos demais fiadores, as quais se presumem iguais entre si, cfr. art.º 516º do CC;
4. Aquele contra quem é exercido o direito de regresso pode invocar os meios de defesa que lhe seria lícito opor ao credor, tal como resulta do art.º 525º, nº 1 do CC;
5. A perda de benefício do prazo pelo devedor a favor do credor não é extensível ao fiador, cfr. art.º 782º, do CC, salvo se as partes expressamente convencionarem o contrário;
6. Assim, não tendo o fiador renunciado ao benefício do prazo, o credor só poderá exigir do fiador o imediato pagamento da totalidade da dívida antecipada se previamente o tiver interpelado, com essa cominação, para por termo à mora, pagando as quantias em dívida vencidas pelo decurso do prazo contratual para elas estipulado, não sendo bastante, para esse efeito, a citação do fiador na acção executiva contra si instaurada pelo credor com vista a obter dele o pagamento da totalidade de tal crédito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A intentou a presente acção declarativa de condenação contra B e C pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 9.711,45 cada um, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, contabilizados desde a interpelação de 24/10/2019 até integral pagamento.
Para tanto, alega que a A. e os RR. se constituíram fiadores solidários e principais pagadores de todas a quaisquer importâncias concedidas através de contrato de abertura de crédito em conta-corrente da sociedade comercial QUIMILHA – Comércio de produtos de higiene, Lda, tendo a A., na sequência de execução intentada, efectuado o pagamento, na qualidade de fiadora, da quantia de €48.557,26 a título de capital em divida, juros moratórios, taxas de justiça e despesas com agente de execução e que, apesar de interpelados para tanto, os RR. não efectuaram o pagamento da parte que lhes correspondia.
2. Contestando, a R. arguiu a excepção de inexistência do direito de regresso invocado pela A. e impugnou a factualidade alegada na petição inicial, defendendo a improcedência da acção ou, subsidiariamente, a condenação em apenas parte do valor peticionado.
3. No decurso do processo, A. e R. chegaram a acordo, o qual foi homologado por sentença, tendo os autos seguido unicamente contra a R..
4. Convidada a pronunciar-se sobre a excepção deduzida, defendeu a A. a sua improcedência.
5. Foi proferida decisão, condenando a R. no pagamento da quantia de €2.493,90, acrescida da quantia devida a título de juros moratórios à taxa civil que se for sucedendo no tempo, computados desde 24-10-2019 até integral pagamento e absolvendo-a do demais peticionado
6. A A. recorre desta decisão, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“I – A recorrente não se conforma com a sentença que julgou apenas parcialmente procedente a acção instaurada e condenou a “a Ré C a pagar à A. A a quantia de € 2.493,90 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros com noventa cêntimos) acrescida da quantia devida a título de juros moratórios à taxa civil que se for sucedendo no tempo, computados desde 24-10-2019 até integral pagamento”. E “Absolver a Ré do demais peticionado”.
II – Do dispositivo da sentença que aqui se recorre foi dado como não provado, “Que o exequente tenha interpelado os fiadores do escrito referido em 1) dos factos provados, de que o mesmo se encontrava em incumprimento, a fim de assumirem os pagamentos em atraso, antes da instauração do processo referido em 2) dos factos provados.”
III – Não deveria, contudo ser aqui despiciente perceber que a Ré C era casada no regime da comunhão de adquiridos com o sócio-gerente Lino Paulo Pereira da Sociedade Comercial “Quimilha Comércio de produtos de Higiene, Lda.”, principal devedor (Vide Doc. 1 Certidão Judicial com “Contrato de Abertura de Conta Corrente”, a fls 5 e “Alteração ao Contrato de Empréstimo N..” a fls 10 do mesmo documento). E que apenas a Autora e o falecido ex-marido, CSS, eram os únicos verdadeiros fiadores completamente alheios à principal devedora (sociedade comercial) e os únicos que não possuíam sequer forma de saber os valores e extratas bancários em divida, ao contrário do que sugere a Ré na sua contestação. Não obstante,
IV - Ao contrário do que defende a sentença a quo, a exequente não precisava de alegar “em sede de requerimento executivo, qualquer interpelação admonitória aos executados/fiadores (entre eles a A. e a Ré), para pagamento das quantias vencidas.”, pois resulta da leitura do contrato, que os co-fiadores, constituíram-se também avalistas e renunciaram ao beneficio do prazo.
VI – Assim consta do contrato inicial em anexo ao Requerimento Executivo, que foi subscrito pela Ré em todos os seus termos, incluindo aqueles dispostos nos artigos 22 e seguintes, por esta rubricados e assinados:
“22.º Titulação por livrança em branco:
22.1. – Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, o 1.º CONTRATANTE e os FIADORES atrás identificados para o efeito, entregam à Caixa uma livrança em branco subscrita pelo primeiro e avalaizadas pelos segundos e autorizam desde já a CAIXA a preencher a dita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente o seguinte:
a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA em caso de incumprimento pelo devedor das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respectivo crédito;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do empréstimo, nomeadamente em capital, judos remuneratórios e moratórios, comissões e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança ….” (Vide DOC. 1 – primeiro contrato dado como título executivo.
VI –Destarte, nem a Ré, nem a Autora, nem qualquer outro dos fiadores e simultaneamente avalistas tinha, no caso em apreço direito ao benefício da excussão prévia e todos eles renunciaram ao benefício do prazo, mediante a sua assinatura.
À cautela,
VII - Ainda que os fiadores tivessem o benefício da excussão prévia, poderiam sempre ser demandados judicialmente pelo credor para cobrança coerciva, em caso de incumprimento da divida por parte do devedor principal, juntamente com este ou só, como resulta do disposto nos artigos 641º do Código Civil e 745 do Código de Processo Civil.
VIII - O que sucede não apenas em sede de ação executiva, como também em sede de ação declarativa, conforme estes mesmos autos constituem exemplo.
Sucede que,
IX – A, aliás douta sentença não se pronuncia pelas consequências práticas de excepção invocada nesta sede de ação declarativa de condenação, como era expetável já que para que a Ré beneficiasse da excussão prévia fora do âmbito do processo executivo, (onde se reitera que foi citada e nunca se opôs), deveria ter requerido o incidente de intervenção principal provocado, regulado nos artigos 316.º e seguintes do Código de Processo Civil, chamando, por essa via, o devedor principal à ação.
X - E dessa falta de chamamento do devedor principal à demanda, só poderia resultar uma decisão totalmente diferente daquela que se recorre, que seria a de julgar improcedente a exceção perentória invocada, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 641.º do CPC., por expressamente renuncia da Ré.
XI – Assim, é nula nos termos do disposto no n.º 1, alínea e) do artigo 615 do C.P.C a sentença proferida.”.
7. A A. apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso são:
- do direito de regresso da A. sobre a R.;
- da extensão de tal direito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
 “Do acordo das partes e instrução da causa resultaram, com interesse para a presente decisão, os seguintes factos:
Factos provados
1) A. e R. por escrito particular outorgado a 12/12/1999, constituíram-se fiadores solidários das importâncias concedidas, nos termos do escrito outorgado, pela Caixa Geral de Depósitos à sociedade comercial Quimilha – Comércio de produtos de Higiene, Lda.
2) No escrito referido em 1) a A. e Ré assumiram, na cláusula 20.º, termo de fiança, a qual prevê “As pessoas indicadas para o efeito no início deste contrato, constituem-se FIADORES solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que vierem a ser devidas à CAIXA pelo 1.º CONTRATANTE no âmbito do presente contrato e das operações nele previstas, e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre CAIXA e a EMPRESA devedora, sem prejuízo de a dívida poder ser liquidada dentro do prazo inicialmente fixado”
3) Na clausula 19.ª do escrito referido em 1) consta: “A Caixa poderá resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pelo mutuário, quer neste quer noutros contratos, acordos, protocolos ou consensos, que com ele tenha celebrado ou venha a celebrar.”
4) Em virtude de incumprimento por parte da referida sociedade comercial, o banco Caixa Geral de Depósitos instaurou em 25/10/2005 a ação executiva que correu termos na Comarca da Madeira – Juízo de Execução do Funchal, com o nº de processo 450/05.6TBPTS, peticionando à referida sociedade (devedora) e aos demais executados, entre os quais a aqui Autora e Réus (na qualidade de fiadores), o pagamento das seguintes quantias, em dívida, num total e €24.108,27:
a. €12.469,95, a título de capital;
b. €11.395,38, a título de juros desde 13/03/2000 a 25/10/2005;
c. €208,71, a título de comissões;
d. €34,23, a título de despesas
5) Nos autos referidos em 4) a Ré foi citada inicialmente a 06/03/2006 na pessoa de NR, mas por não se ter dado cumprimento ao disposto no artigo 241.º do anterior CPC, foi repetida a citação, recebida por MRF., com a posterior advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa (cf. fls 81 e 74 a 79 do Doc. 2 junto com a PI).
6) Nos referidos referidos em 4) foram penhorados bens da Autora, tendo, a 05/06/2013, sido registada a penhora do prédio urbano que Autora possui, sito à Rocha Alta, Serrado, da freguesia da Serra de Água, concelho de Ribeira Brava, descrito na CRP sob o n.º …, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo … (cf. fls. 43 a 45, do Doc. 2 junto com a PI).
7) Na mesma data, foi também registada penhora sobre o veículo automóvel da Autora, veículo ligeiro de passageiros, da marca Mercedes-Benz, modelo 204, com a matrícula ..-EE-.., de cor cinzenta, do ano de 2007.
8) Das penhoras tomou a Ré conhecimento por via postal registada, tendo a Ré assinado o aviso de receção a 22/05/2014 (cf. fls. 47 e 46 a 67 do Doc. 2 junto com a PI).
9) Da quantia exequenda referida em 4), acrescida dos juros de mora, e encargos com Agente de Execução, a 22/11/2016, a Autora pagou à Exequente Caixa Geral de Depósitos a quantia de €31.578,65 (trinta e um mil euros, quinhentos e setenta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos) – cf. fls. 133 dos presentes autos.
10) Da quantia referida em 9) foi entregue à Exequente € 30.273,78 e o remanescente retido pelo A.E. (cf. fls. 28 a 33, do Doc. 2 junto com a PI, fls. 134 e 135 dos presentes autos).
11) A quantia referida em 9) não foi considerada suficiente para extinção da execução e cancelamento das penhoras registadas, por não permitir o pagamento integral da dividida exequenda.
12) A 7/02/2017 os Réus tomaram conhecimento do pagamento de parte da divida, pela Autora, através da notificação por correio registado, remetido pelo Exmo. Sr. Agente de Execução (cf. fls. 6 a 15, do Doc. 2 junto com a PI).
13) A 25/09/2018, através de correio eletrónico, a Autora foi informada diretamente pelos mandatários da Exequente da quantia em falta para liquidar integralmente o valor em divida, ou seja, o valor de €16.834.64 (dezasseis mil, oitocentos e trinta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) – cf. Doc. 3 junto com a PI e fls.135 dos presentes autos)
14) Após o facto descrito em 13) a A. procedeu ao depósito da referida quantia a 15/10/2018 (cf. Doc. 4 junto com a PI).
15) A 07/11/2018, pagou ainda €143,97 a título de honorários do Sr. Agente de Execução (cf. Doc. 5 e 6 junto com a PI).
16) A A. pagou a quantia total de 48.557,26€ (quarenta e oito mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e vinte e seis cêntimos), à ordem do identificado processo executivo (€31.578,65+€16.834,64 + €143,97).
17) Por requerimento datado de 08/11/2018, veio a Exequente, aos autos do identificado processo executivo informar “que a quantia exequenda em causa nos presentes autos já se encontra liquidada, considerando-se a Exequente ressarcida” (fls. 3 a 5, do Doc.2 e fls. 135 dos presentes autos).
18) Por carta registada com aviso de receção, a 24/10/2019, a Autora instou a Ré a pagar a sua quota-parte do valor pago por esta (vide Docs. 7 a 13 juntos com a PI).
19) Encontra-se averbado no registo comercial da sociedade referida em 1., a setembro de 2016, a sua dissolução e liquidação (Cf. doc. 17 junto com a PI).
Factos não provados
1) que o exequente tenha interpelado os fiadores do escrito referido em 1) dos factos provados, de que o mesmo se encontrava em incumprimento, a fim de assumirem os pagamentos em atraso, antes da instauração do processo referido em 2) dos factos provados.”.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.
Decorre da análise dos articulados que a A., ora apelante, intentou a presente acção por forma a obter a condenação dos RR. no pagamento de quantias referentes a dívida que a mesma assumiu a qualidade de fiadora.
Resulta dos factos provados que a A. e R., por escrito particular outorgado a 12/12/1999, se constituíram fiadores solidários das importâncias concedidas, nos termos do escrito outorgado, pela Caixa Geral de Depósitos à sociedade comercial Quimilha – Comércio de produtos de Higiene, Lda (factos nºs 1 e 2); que, em virtude de incumprimento por parte da referida sociedade comercial, o banco Caixa Geral de Depósitos instaurou em 25/10/2005 acção executiva contra a sociedade devedora e os fiadores (facto nº 4), tendo a A. efectuado o pagamento da quantia exequenda (factos nºs 5 a 17).
É, pois, com fundamento no pagamento desta quantia e na qualidade de fiadora da R. que a A. sustenta o seu pedido, peticionando a condenação da R. no pagamento da sua quota parte no total da quantia por si paga.
Entendeu o tribunal recorrido que o valor devido era inferior, referindo que “o direito do credor (com relação aos fiadores, é diverso do que aquele peticionou no requerimento executivo) abrangia apenas o montante de capital vencido, ou seja, €12.469,95”, fundando essa sua decisão no regime da fiança e no disposto no art.º 782º do CC.
Discorda a apelante deste entendimento, porquanto “resulta da leitura do contrato, que os co-fiadores, constituíram-se também avalistas e renunciaram ao benefício do prazo”.
Apreciando.
Nos termos do art.º 627º, nº 1 do CC, “O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”, referindo o nº 2 deste artigo que “A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor”.
Donde, a fiança assume-se como uma garantia pessoal das obrigações, nos termos da qual o fiador assegura com o seu património a satisfação do direito do credor, passando o seu património a responder, cumulativamente com o património do devedor, pelo pagamento da dívida.
Do disposto no art.º 627º, nº 2 resulta a acessoriedade da fiança, a qual, a par da sua subsidiariedade, se assume como uma das características fundamentais da fiança apontadas pela doutrina.
Esta acessoriedade tem as seguintes consequências essenciais: “i) a fiança está submetida à forma exigida para a dívida principal (art.º 628.º, n.º 1 do CC; ii) a fiança não pode exceder a dívida principal, podendo, no entanto, ficar aquém desta; iii) caso exceda a dívida principal, a fiança não será nula, mas apenas redutível de acordo com a dívida afiançada (art.º 631.º, n.º 1 e 2 do CC); iv) a nulidade ou anulabilidade da dívida principal provoca a invalidade da fiança; v) se estabelecida para garantia de obrigações condicionais (art.º 628/2 CC), constitui-se na dependência da mesma condição à qual se submete a obrigação que garante; vi) extinta a dívida principal, fica extinta a fiança (art.º 651.º do CC); vii) o carácter civil ou comercial da fiança depende da natureza da obrigação principal” (Ac. TRC de 03-07-2012, proc. 1959/11.8T2OVR-A.C-1, relator Carlos Querido).
Por seu turno, a subsidiariedade da fiança traduz-se no benefício de excussão, enquanto direito que assiste ao fiador, de recusar o cumprimento, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal (art.º 638º do CC), sendo tal benefício renunciável, nos termos do nº 1 do art.º 640º do CC.
Este benefício da excussão prévia do devedor circunscreve-se à fase executiva, pelo que o credor tem a faculdade de demandar, na fase declarativa, apenas o fiador ou este em conjunto com o devedor, como decorre do artigo 641º, nº 1, 1ª parte do CC.
Saliente-se que o fiador pode renunciar a este benefício da excussão prévia e constituir-se como principal pagador, caso em que ao invés de poder recusar o cumprimento da obrigação, enquanto o credor não tiver excutido todos os bens dos devedores sem ter obtido a satisfação do seu crédito, responderá, em solidariedade com os devedores, pelo cumprimento das obrigações destes.
A responsabilização pela satisfação do direito do credor abrange todo o património do fiador, salvo se for convencionado que a mesma se limita a alguns dos bens que o integram, nos termos do art.º 602º do CC.
Por outro lado, nos termos do art.º 634º do CC, “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”.
Como nos ensinam Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 651, em anotação ao art.º 634º, “As duas obrigações – a do devedor e a do fiador –, embora distintas, têm o mesmo conteúdo. A fiança cobre, diz o artigo, as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
O fiador é responsável, portanto, não só pela prestação devida, como pela pena convencional (cfr. art.º 810.º), ou pela reparação dos danos, havendo culpa do devedor (cfr. art.º 798.º), salvo se outra coisa se tiver convencionado, já que, como resulta do artigo 631.º, n.º 1, a fiança pode ser contraída em menos onerosas condições”.
Nos termos do disposto no art.º 644º do CC, “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos”.
Tal como decorre dos art.ºs 589º e 593º, ambos do CC, na sub-rogação há uma transmissão de créditos, operando-se a substituição da pessoa do credor, adquirindo o sub-rogado os poderes que ao credor competiam.
Por outro lado, existindo vários fiadores quanto à mesma dívida, responde cada um deles pela satisfação integral do crédito, excepto se foi convencionado o benefício da divisão, sendo aplicáveis as regras das obrigações solidárias, cfr. art.º 649º, nº 1 do CC.
Relativamente aos direitos do fiador que pague a dívida, cumpre distinguir consoante se trate do exercício desse direito quanto ao devedor ou quanto aos co-fiadores.
Assim, quanto à relação com o devedor, o fiador que pague a dívida, fica sub-rogado nos direitos do credor, tal como resulta do citado art.º 644º.
No que tange aos co-fiadores, aplicam-se as regras relativas às obrigações solidárias, cfr. art.º 650º, nº 1 do CC, nos termos do qual “Havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores”.
Tem sido entendido que o fiador que cumpriu goza, relativamente aos demais fiadores, de um simples direito de regresso segundo as normas da solidariedade.
Como se pode ler no Ac. TRG de 02-06-2016, proc. 18/13.TBVLP-E.G1, relator Isabel Silva, “como refere Almeida Costa, «A redação do art.º 650º não se apresenta muito feliz. Dados os seus termos, poderia pensar-se que o fiador que cumpriu fica sub-rogado nos direitos do credor tanto contra o devedor como contra os outros fiadores. Mas não oferece dúvidas que, em relação a estes últimos, se trata de um simples direito de regresso segundo as normas da solidariedade.»
Que, quanto aos cofiadores é de um direito de regresso que se trata, di-lo expressamente o art.º 524º do CC.
A diferenciação entre estes dois direitos que assistem ao cofiador que paga a dívida assume toda a relevância dado o distinto regime jurídico do direito de regresso e da sub-rogação: nesta, há a transmissão dum direito de crédito já existente, pelo que a transmissão do crédito é acompanhada, como atrás se disse, com todas as garantias e acessórios da dívida; já no direito de regresso, trata-se dum direito de crédito novo pois só surge na titularidade da pessoa (que pagou para além do que lhe competia) depois de extinto o crédito anterior, ou seja, é a extinção da anterior relação creditória que faz nascer o direito. Para além disso, tratando-se de um direito novo, não é acompanhado pelas garantias e acessórios da dívida extinta. Assim, nas relações entre os vários fiadores, «(…) dá-se a circunstância curiosa, mas perfeitamente lógica, de o fiador que cumpra integralmente a obrigação adquirir um duplo direito: por um lado, como fiador solvens que é, fica sub-rogado nos direitos do credor sobre o devedor; por outro lado, como co-obrigado solidário que também é, goza do direito de regresso contra os outros fiadores, de acordo com as regras das obrigações solidárias.
É evidente que não pode exercer os dois direitos conjuntamente»”.
Também Pires de Lima e Antunes Varela ob. cit., pág. 668, em anotação ao art.º 650º, ensinam que “Aquele que paga fica com dois direitos: fica com o direito de regresso contra os outros fiadores, em harmonia com as regras das obrigações solidárias (art.ºs 524.º e segs.), e fica, em relação ao devedor, com os direitos do credor, isto é, fica sub-rogado no seu crédito.
Claro que não pode exercer estes dois direitos conjuntamente. Se exercer o direito de regresso, a sub-rogação só se dá em relação à parte que lhe cabe, a final, na responsabilidade, e não na parte que recebeu dos outros confiadores (cfr. art.º 593.º)”.
E esta distinção é muito importante, já que os regimes jurídicos do direito de regresso e da sub-rogação são distintos, levando a consequências diversas.
Assim, na sub-rogação, há a transmissão de um direito de crédito já existente, sendo a transmissão do crédito acompanhada de todas as garantias e acessórios da dívida.
Ao invés, no direito de regresso, estamos perante um direito de crédito que surge ex novo por força da extinção da anterior relação creditória e sempre desacompanhado das garantias e acessórios da dívida extinta.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que assiste inteira razão ao tribunal recorrido quando refere que “… dúvidas não existem que satisfeito o direito do credor no âmbito da fiança, faz nascer na A. o direito de regresso sobre os demais fiadores, entre eles a Ré.
Dúvidas também não existem que a execução no âmbito da qual a A. efetuou os pagamentos está extinta, pelo que os direitos existem na sua esfera jurídica (cf. artigos 523.º e 524.º, ambos do Cód.Civil)”.
Isto é, e como bem se conclui na sentença recorrida, apenas haverá que determinar o montante pelo qual a A. deverá ser ressarcida de acordo com o direito de regresso que lhe assiste.
A este propósito, cumpre salientar que, tendo satisfeito o direito do credor para lá da parte que lhe competia, o fiador titular do direito de regresso contra os restantes fiadores, apenas pode peticionar a parte que a cada um competiria, isto é, na medida da quota parte de responsabilidade de cada um dos demais fiadores, as quais se presumem iguais entre si, cfr. art.º 516º do CC.
Recorde-se que, nos termos do art.º 524º do CC, O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.
Por esse motivo, “o direito de regresso “tem por conteúdo, em relação a cada um dos condevedores, a parte da sua responsabilidade no crédito”, sendo normalmente iguais as suas quotas, e só excepcionalmente diferenciadas” (Ac. TRL de 09-07-2020, proc. 310/13.7TVLSB.L1, relator Arlindo Crua.
É ainda importante salientar que aquele contra quem é exercido o direito de regresso pode invocar os meios de defesa que lhe seria lícito opor ao credor, tal como resulta do art.º 525º, nº 1 do CC, nos termos do qual os condevedores podem opor ao que satisfez o direito do credor a falta de decurso do prazo que lhes tenha sido concedido para o cumprimento da obrigação, bem como qualquer outro meio de defesa, quer este seja comum, quer respeite pessoalmente ao demandado.
Como se refere no Ac. TRL de 09-07-2020, já referido, “Podem, assim, os condevedores “afastar o direito de regresso com fundamento, não só nos meios pessoais de defesa (…), como nos meios comuns, ainda que o devedor que cumpriu os não tenha oposto, sem culpa sua, ao credor (…)”.
Por outro lado, o próprio devedor interpelado, pode “ainda opor os meios pessoais de defesa, que tenha contra o próprio titular do direito de regresso (como seja a compensação da sua obrigação com o crédito que tenha contra ele)”.
Foi esse o caso dos autos, já que a R. veio invocar não ter sido interpelado pelo devedor exigindo a totalidade da dívida, nos termos do art.º 782º do CC.
Foi com base neste preceito que o tribunal recorrido restringiu o valor da quantia devida pela R., referindo que não foi afastado o regime geral que decorre do art.º 782º do CC.
Nos termos do art.º 781º do CC, “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Dispõe o art.º 782º do mesmo diploma que “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. II, pág. 33, em anotação ao art.º 782º, “A perda do benefício do prazo também não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos”.
Como nos ensinam estes autores, “O artigo 782.º, quanto às obrigações a prazo, estabelece um princípio que é extensivo aos co-obrigados do devedor e a terceiros que tenham constituído qualquer garantia a favor do crédito. Não lhes pode ser imposta a perda do benefício do prazo (cfr. art.ºs 780.º e 781.º), o que traduz um desvio da regra do artigo 634.º” (vol. I., pág. 651).
Também no Ac. TRC de 03-07-2012 supra citado, se pode ler que “Como refere Mário Júlio de Almeida Costa, a perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do artigo 782.º do Código Civil.
Conclui o autor citado: “A lei abrange nesta excepção mesmo os co-obrigados solidários, o que logo decorre do regime de solidariedade, «maxime» a respeito dos meios de defesa pessoais. Assim como, quanto à exclusão da eficácia da perda do benefício do prazo relativamente a terceiro que haja garantido o crédito, se não distingue entre garantias reais e pessoais”.
Uma primeira conclusão se retira do regime legal enunciado: aos opoentes (fiadores) não é extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no artigo 782.º do Código Civil.
No entanto, a norma citada tem natureza supletiva, de acordo com o entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual genericamente enunciado no artigo 405.º do Código Civil.
Em harmonia com tal princípio, a regra prevista no artigo 782.º, que prevê a inaplicabilidade da perda do benefício do prazo (nomeadamente) aos fiadores, considera-se afastada sempre que as partes convencionem de modo diverso, o que ocorreria in casu se os fiadores (ora opoentes) tivessem consignado nos títulos a renúncia ao aludido benefício.
Nesse sentido, vejam-se os seguintes arestos: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.05.2007; acórdão da Relação de Lisboa, de 6.06.2002; acórdão da Relação de Lisboa, de 19.11.2009”.
Donde, e na síntese feliz do Ac. TRP de 11-05-2021, proc. 475/04.9TBALB-A.P1, relator José Igreja Matos, “o regime previsto no art.º 781º do Código Civil (CC) não se aplica aos fiadores por força do preceituado no art.º 782º do mesmo diploma legal. Estatui-se neste preceito que “a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.” Consequentemente, quanto às obrigações a prazo, este artigo estabelece um princípio que impede, para estes destinatários, a perda do benefício do prazo (cite-se a este propósito, tal como o faz o acórdão de que fomos signatários, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 652).
Destarte, a perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações nunca se estende ao fiador, salvo se for convencionado expressamente o afastamento desse regime legal, atenta a natureza supletiva deste art.º 782º do CC”.
Por outro lado, não se estendendo ao fiador a perda do benefício do prazo, tem este de ser interpelado para a satisfação imediata da totalidade das prestações em dívida, para obstar à realização coactiva da prestação. Ou seja, e como se explica neste último aresto “a renúncia do fiador ao benefício da excussão prévia, bem como a sua constituição como principal pagador, não relevam para o efeito de se considerar também afastado o princípio contido no art.º 782º do Cód. Civil, no sentido de dispensar a comunicação ao fiador da perda do benefício do prazo que se verificasse relativamente ao mutuário”.
Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se a interpelação admonitória dos fiadores pode considerar-se realizada com a citação para a execução, afastando, dessa forma, a regra do art.º 782º e fazendo funcionar o regime do ar. 781º, com vencimento da totalidade das prestações, ou se é necessária uma interpelação extrajudicial nesse sentido.
A questão não é pacifica.
Assim, alguma doutrina e jurisprudência admite que a citação para a acção executiva basta para que se efectue tal interpelação. Neste sentido, veja-se Ac. STJ de 11-03-2021, proc. 1366/18.1T8AGD-B.P1.S1, relator Fernando Baptista, onde se faz referência a vários arestos neste sentido e que conclui que “a interpelação admonitória dos Fiadores pode considerar-se realizada com a citação para a execução, dessa forma afastando a regra do artigo 782.º e fazendo funcionar o regime do artigo 781.º, com vencimento da totalidade das prestações (…), mas com ressalva no que tange aos juros de mora que aos fiadores possam ser exigidos, pois que, dada a ausência da já aludida prévia interpelação por banda da credora, ais juros moratórios contar-se-ão, somente, a partir da citação”.
Por seu turno, outra parte da jurisprudência entende que essa citação não permite ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas, o que determina a necessidade de interpelação extrajudicial do fiador por parte do credor. Neste sentido, Ac. STJ de 11-05-2022, proc. 1511/19.0T8STB-A.E1.S1, relator Isaías Pádua, onde se pode ler que “a citação judicial da fiadora, levada a efeito credora/ora exequente na ação executiva que contra si instaurou, não tem a virtualidade, por não ser o meio idóneo para o efeito, de substituir a interpelação (prévia) que, no caso, se impunha que aquela levasse a efeito junto da última, no sentido de a mesma perder o benefício de prazo de que goza (à luz do art.º 782º). Neste sentido, vide, entre outros, o Ac. do STJ de 29-11-2016, proc. n.º 100/07.6TCSNT-A.L1.S1 – e demais jurisprudência nele citada – disponível em www.dgsi.pt.”.
Parece-nos ser esta última a solução a adoptar.
Salvo nos casos em que o fiador tiver renunciado expressamente ao benefício do prazo, tornando, por esse motivo, desnecessária a aludida interpelação admonitória, é necessária a existência de uma interpelação admonitória.
Com efeito, a citação não permite ao fiador a oportunidade de pagar as prestações vencidas, por forma a por termo à mora e evitar a exigibilidade das prestações vincendas, o que apenas ocorre com a interpelação extrajudicial do fiador por parte do credor.
E foi esse o caminho trilhado pelo tribunal recorrido quando, embora sem o dizer expressamente, escreve que “Dessa forma, beneficiando do prazo, caber-lhe-ía ter tido conhecimento de tal incumprimento contratual (por parte da sociedade), sendo que, a exequente no referido processo executivo não o terá feito, pelo menos não alegou em sede de requerimento executivo, qualquer interpelação admonitória aos executados/fiadores (entre eles a A. e a Ré), para pagamento das quantias vencidas.
Assim, o direito ao benefício do prazo invocado pela Ré só se encontrará afastado se do título dado à execução constar a expressa renúncia por parte dos mesmos, o que não sucedeu, motivo pelo qual, a interpelação do credor era necessária, uma vez que daria aos executados/fiadores (entre eles a A. e a Ré), a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas (pelas quais eram imediatamente responsáveis), assumirem a posição do devedor principal (sociedade comercial), pagando as prestações que se fossem vencendo, impedindo, dessa forma o avolumar da dívida.
Em conclusão, não foi afastado o regime legal previsto no art.º 782.º do Cód.Civil, não se estendendo aos fiadores (entre os quais figuravam a A. e a Ré) a perda do benefício do prazo, pelo que os executados/fiadores apenas poderiam responder pelas prestações vencidas, excluindo-se, necessariamente, os juros devidos pela mora pois que, no mesmo raciocínio, se não foram interpelados quanto ao incumprimento, não lhes pode ser assacada a obrigação moratória”.
Tem, pois, de se concluir pelo correcto enquadramento da questão pelo tribunal recorrido, uma vez que não foi dado como assente nem que os fiadores tenham renunciado expressamente ao beneficio do prazo, nem que o exequente tenha interpelado os fiadores para a existência de incumprimento, a fim de assumirem os pagamentos em atraso, antes da instauração da correspondente acção executiva (cfr. factos não provados).
Com efeito, dos factos assentes e que reproduzem o contrato celebrado não se descortina, de forma minimamente segura, que os fiadores tenham renunciado ao benefício do prazo, assim se submetendo à aplicação da regra da sua perda, nos termos do art.º 781º do CC, como bem decidido em primeira instância.
Defende a apelante que “nem a Ré, nem a Autora, nem qualquer outro dos fiadores e simultaneamente avalistas tinha, no caso em apreço direito ao beneficio da excussão prévia e todos eles renunciaram ao beneficio do prazo, mediante a sua assinatura” (cls. VI) e ainda que “para que a Ré beneficiasse da excussão prévia fora do âmbito do processo executivo, (onde se reitera que foi citada e nunca se opôs), deveria ter requerido o incidente de intervenção principal provocado, regulado nos artigos 316.º e seguintes do Código de Processo Civil, chamando, por essa via, o devedor principal à ação” (Cls. IX)
Mais alega que essa falta de chamamento do devedor principal à demanda configura nulidade da sentença nos termos do art.º 615º, al. e) do CPC (Cls. X e XI).
Parece-nos que a apelante confunde a questão subjacente à decisão proferida.
Com efeito, não está em causa nos autos o benefício da excussão prévia, enquanto direito que assiste ao fiador, de recusar o cumprimento, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, mas sim a efectivação do direito de regresso que assiste ao fiador que efectuou o pagamento da quantia em dívida perante os demais fiadores.
Ora, a declaração de renúncia ao benefício da excussão prévia não tem qualquer relevância para efeitos da renúncia do prazo. Neste sentido, veja-se o Ac. TRL de 11-02-2014, proc. 12878/09.8T2SNT-A.L1, relator Rosa Ribeiro Coelho, onde se pode ler o seguinte: “O facto de se terem constituído principais pagadores de todas as obrigações que para os mutuários emergiram dos contratos de mútuo, com renúncia ao benefício da excussão prévia, significa tão só que assumiram “a vinculação fidejussória sem esse benefício”, afastando, por convenção, aquilo que é uma caraterística natural da fiança.
Ao invés de poderem recusar o cumprimento da obrigação, enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem ter obtido a satisfação do seu crédito – nisto consistindo, nos termos do art.º 638º, nº 1, o benefício da excussão -, os fiadores opoentes, porque renunciaram a tal benefício, respondem, em solidariedade com o devedor, pelo cumprimento das obrigações deste último.
A sua responsabilidade que, em princípio e por via daquele benefício, seria subsidiária relativamente à do devedor principal, passou a ser, com a dita renúncia, solidária com a deste último, podendo o credor exigir de qualquer um deles a totalidade da dívida – cfr. o art.º 640º, alínea a).
Tal declaração dos opoentes fiadores é, pois, absolutamente inócua para efeitos de renúncia do benefício do prazo”.
Donde, não se compreende a alegação da apelante, nem quais os motivos que sustentam a sua tese de necessidade de chamamento à demanda do devedor principal.
Como já se referiu, o fiador que efectuou o pagamento, in casu, a apelante, fica com o direito de regresso contra os outros fiadores, em harmonia com as regras das obrigações solidárias, e em relação ao devedor, com os direitos do credor, isto é, fica sub-rogado no seu crédito, mas não pode exercer estes dois direitos conjuntamente, não se justificando, por esse motivo, o chamamento do devedor principal para os autos.
Concluindo, não tendo procedido a esse chamamento, o tribunal recorrido não incorreu em qualquer nulidade nos termos alegados.
Assim sendo, entende-se que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo improcedentes as conclusões da apelante.
As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante, cfr. art.º 527º do CPC.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 30 de Maio de 2023
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano