Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2921/18.5T8SXL.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: GARANTIA DE IMÓVEL REPARADO/MODIFICADO
PRAZO DE DENÚNCIA DOS DEFEITOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A lei remete para a livre apreciação das declarações de parte, nada obstando a que factos que não tenham de ser demonstrados por um meio de prova específico sejam considerados provados, se o Tribunal assim se convencer, com base nas declarações da parte, tudo dependendo das circunstâncias concretas do caso, não sendo irrelevante, nesta parte, a influência da imediação.
II – No circunstancialismo dos autos não se justifica a adesão à (desacompanhada) versão dos factos que foi relatada pelo R. – não se harmonizando com o que se extrai de outros meios de prova produzidos, não se justifica uma sobrevalorização daquelas declarações.
III – Ao vendedor que, como o R., tenha reparado/modificado uma casa para habitação, por administração directa, aplicam-se as regras do art. 1225 do CC - a garantia é de cinco anos a contar da entrega (consoante resulta do nº 1 do art. 1225), a denúncia deve ser feita no prazo de um ano a partir da descoberta dos defeitos e o prazo para intentar a acção é de um ano desde a denúncia (nº 2 do art. 1225), mesmo quando estiver em causa o direito à eliminação dos defeitos (nº 3 do art. 1225).
IV - Não se verifica a invocada caducidade uma vez que o R. reconheceu a existência de anomalias no imóvel que alterara/reparara e vendera à A. bem como a sua responsabilidade quanto às mesmas, ao comprometer-se a executar a reparação dos defeitos denunciados (executando, aliás, algumas obras no imóvel) aceitando o direito alegado pela A..
V – O R. é responsável pelos danos não patrimoniais causados à A. (angústia, tristeza, abatimento psicológico, sofrimento, desgosto, raiva, frustração e ânimos depressivos) os quais são merecedores da tutela do direito, sendo adequada a indemnização arbitrada a esse título pelo Tribunal de 1ª instância.
VI - Justificadamente, devido às condições impróprias da habitação que adquirira ao R., a A. deixou de nela residir, ficando privada da sua utilização, não havendo o R. procedido às reparações que sanariam as anomalias – assim, entre os prejuízos sofridos pela A. em consequência da conduta do R. inclui-se o da privação do uso do imóvel.
VII - Os juros de mora contam-se desde a citação do R., mesmo considerando o disposto no nº 3 do art. 805 do CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

IT… intentou a presente acção declarativa com processo comum contra J… e M…, bem como contra «… – Construções, Lda.».
Alegou a A., em resumo:
Por escritura pública de 8-7-2016 a A. adquiriu aos RR. J… e M… o direito de propriedade sobre um prédio urbano, composto de rés do chão e 1º andar, sito no …, destinando-se o prédio à habitação própria da A.. Os RR. promoveram a venda com fim lucrativo, havendo previamente procedido à remodelação do edifício, sendo a empreitada de execução dessa obra sido entregue à R. «… – Construções, Lda.».
Em Fevereiro de 2017 a A. detectou humidade no interior do imóvel – manchas de humidade e de bolor, empolamentos nas paredes – bolhas na pintura da empena, acumulação de água no terraço. Em Março de 2017 a A. comunicou os defeitos aos 1ª e 2ª RR. e exigiu a sua reparação.
 Em Junho de 2017 o R. procedeu a reparações que não terminou, ficando uma mancha de estuque por pintar na sala.
Em Janeiro de 2018 foram verificadas novas manchas de humidade, bolor e fungos e a A., por razões de saúde, deixou de poder habitar na casa, tendo regressado a casa dos seus pais. A A. exigiu aos 1º e 2ª RR. a reparação das anomalias, reiterando essa exigência, sem que os mesmos a ela procedessem e não dando qualquer resposta à A..
Depois das chuvas de Outubro de 2018, sugiram novas anomalias resultantes do fraco isolamento e da deficiente descarga de águas do terraço, com a humidade daí adveniente.
Devido à situação do imóvel, algum mobiliário da A., nele contido, ficou danificado.
A R. «… – Construções, Lda.» executou deficientemente os trabalhos cuja execução fora contratada.
Para a aquisição do imóvel a A. contraiu um empréstimo bancário que se encontra a liquidar. Toda a situação lhe causa angústia, raiva e frustração.
Pediu a A. que os RR. sejam condenados solidariamente:
a) Na eliminação dos defeitos de construção descritos nos artigos 59.º, 60.º, 61.º, 62.º, 63.º, 67.º, 68.º, 69.º, 73.º, 74.º e 75.º da petição inicial, verificados no imóvel dos auto se adoptando as técnicas construtivas descritas no artigo 79.º desse articulado, em prazo não superior a 60 (sessenta) dias;
b) No pagamento à A. da quantia de € 829,37 (oitocentos e vinte e nove euros e trinta e sete cêntimos), a título de indemnização de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, computados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
c) No pagamento à A. da quantia de € 3.333,88 (três mil, trezentos e trinta e três euros e oitenta e oito cêntimos), a título de indemnização pela privação de uso do imóvel, acrescida do montante de € 303,08 (trezentos e três euros e oito cêntimos) por cada mês que decorra desde 15 de Dezembro de 2018 até reparação dos defeitos do imóvel, acrescida de juros de mora, à taxa legal, computados desde o termo de cada mês que decorreu desde 15 de Janeiro de 2018 até efectivo e integral pagamento;
d) No pagamento à A. da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
e) No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso na conclusão das obras de reparação após o termo do prazo fixado.
Citados, os RR. contestaram. Essencialmente invocaram a ilegitimidade da 3ª R., alegaram que caducou o direito da A. reclamar a reparação dos defeitos e apresentaram outra versão dos factos no que concerne à existência de defeitos de construção, defendendo que a existirem tais anomalias as mesmas são provenientes de infiltrações derivadas da casa adjacente.
Concluíram pela procedência das excepções e pela improcedência da acção.
A A. respondeu às excepções e, no saneador, foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade que fora deduzida.
O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «…julgo parcialmente procedente, por provada em parte, a presente acção e, em consequência:
a) Condeno o réu J… a proceder, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, à eliminação de todos os defeitos de construção elencados nos pontos 36. a 39. 43., 44., 48., 49. e 50 ([1]) dos factos provados e verificados no prédio urbano da autora T…, para habitação, sito na Rua…, composto de edifício de rés-do-chão e primeiro andar, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de … sob o artigo… descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º …da freguesia do …, mediante efectuação dos trabalhos elencados no ponto 53. dos factos provados;
b) Condeno o réu J… a pagar à autora T… uma indemnização no valor de € 3.029,37 (três mil e vinte e nove euros e trinta e sete cêntimos), acrescida do valor de € 50,00 (cinquenta euros) mensais, a entregar desde Janeiro de 2018 até que ocorra a eliminação dos defeitos na habitação da autora nos termos determinados da alínea a) do dispositivo, ao que acrescem os juros moratórios, à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até integral pagamento;
c) Absolvo o réu J… do restante pedido contra ele deduzido pela autora T…;
d) Absolvo as rés M… e «… – Construções, Ld.ª» do pedido contra elas deduzido pela autora T… (…)».
Apelaram os RR. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
A. As declarações de parte do réu, prestadas na audiência de 02 de Julho de 2019, registadas no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo em 01:42:38, conforme consta da respectiva acta, declarações estas prestadas de forma sincera, coerente e credível, tratando-se de factos em que teve intervenção pessoal e directa, assumindo particular relevância as passagens da gravação registada no ficheiro 20190702150119_19684367_2871182, aos minutos: 26:45 a 00:00, 20:33 a 22:45, 23:44 a 26:42, 28:24 a 29:00, 41:54 a 44:22, 49:59 a 41:51, 30:12 a 32:00, 38:15 a 40:00, impõem que se dê por provada a matéria de facto alegada nos artigos 61, 62, 63, 64, 67, 69, 70, 72, 74, 75, 76 e 77 da contestação, que se integra no objecto do litígio e temas da prova, pelo que devem aditar-se ao elenco dos factos provados, os seguintes factos:
1. Em Junho de 2017, o réu iniciou as reparações necessárias a suprir as humidades existentes no interior do imóvel. (Passagens da gravação de 26:46 a 27:20).
2. No que respeita à humidade no quarto do 1º andar, o réu J… verificou que a humidade não estava no tecto, mas sim na parede do vizinho do lado direito. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
3. O que permitia concluir que seria impossível a humidade ter origem no terraço, por não ser possível passar o tecto e parte da parede junto ao tecto. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
4. Ou seja, se a origem fosse o terraço, esta origem só poderia estar localizada no telhado do vizinho, que tem uma estrutura do telhado aproximadamente a 30 cm do tecto, onde aparece a humidade. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
5. A autora não quis aceitar esta evidência. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
6. No canto inferior da parede do lado direito existia também humidade, com origem no facto de o silicone da base do duche ter sido arrancado e não substituído, tendo o réu João voltado a colocar silicone no local, apesar de ser alheio à situação, uma vez que o mesmo tinha sido removido. (Passagens da gravação de 23:44 a 26:42).
7. Para além disso, as paredes foram novamente pintadas e reparadas, tendo a autora assumido a limpeza dos móveis, dado que seria da sua responsabilidade o facto de ter deixado o quarto chegar ao estado em que se encontrava, por não ter avisado mais cedo. (Passagens da gravação de 28:24 a 29:00).
8. Pôde ainda o réu João constatar que a água que estava presente por baixo do chão amovível do terraço não era muita e era normal dado tratar-se de uma zona aberta e exposta ao exterior. (Passagens da gravação de 41:54 a 44:22).
9. Contudo, no terraço foi efectuada a limpeza na zona junto do ralo (que nunca havia sido feita), foi colocado mais isolamento, de forma a minimizar a quantidade de água existente, que era muito pouca, mas desta forma a autora podia entender que não era devido ao terraço que tinha humidade no quarto. (Passagens da gravação de 41:54 a 44:22).
10. De qualquer forma, como era do conhecimento da autora, a estrutura que suporta os pisos é a existente e em madeira, o que pode trabalhar de acordo com o clima, provocando naturais oscilações no desnível do terraço. (Passagens da gravação de 41:54 a 44:22).
11. Relativamente à sala, no rés-do-chão, na parede do lado direito (parede comum com a do vizinho), o réu João demonstrou à autora a incorrecção do “relatório” acima referido, que refere que é devido ao isolamento do telhado, por não ser possível o isolamento ao nível do 2º andar provocar humidade no rés-do-chão, sem aparecer qualquer evidência de humidade entre o rés-do-chão e o 2º andar. (Passagens da gravação de 40:59 a 41:39).
12. Depois de explicar à autora, que naquela zona não existem infraestruturas (tubagens de águas ou esgotos), e que a única hipótese seria a infiltração ter origem na casa do vizinho, uma vez que o esgoto da casa dela era no mesmo local, mas na parede oposta, o réu João sugeriu que autora falasse com o vizinho, o que autora repudiou, dizendo que o réu J…era quem tinha que falar com o vizinho. (Passagens da gravação de 30:12 a 32:00).
13. Tentando resolver a situação da melhor maneira possível, o réu J…propôs retirar a massa com humidade e a restante massa até chegar à parede original em pedra, e desta forma a autora podia verificar que não existiam infraestruturas (tubagens de águas ou esgotos) na zona. (Passagens da gravação de 38:15 a 40:00).
14. Assim ficou combinado e assim foi feito, sendo que, depois de abrir o buraco e a autora confirmar que não existiam infraestruturas (tubagens de águas ou esgotos), a autora pediu ao réu João para tapar novamente o buraco, ao que este acedeu, alertando, no entanto, que, se colocasse novamente massa e a infiltração se mantivesse, a humidade voltava novamente. (Passagens da gravação de 38:15 a 40:00).
15. A autora pediu para tapar o buraco, o que o réu J…fez, tendo ficado combinado que quando a massa secasse, a autora informava o réu João para poder lixar e pintar. (Passagens da gravação de 38:15 a 40:00).
B. Resultando da matéria de facto provada, com o aditamento enunciado na conclusão anterior, que, muito embora tenha havido intervenção do réu no imóvel após a denúncia das anomalias feita em 2017, este não aceitou inequivocamente as causas de todas elas como sendo de sua responsabilidade, tem de se considerar que o mesmo não reconheceu o direito da autora.
C. Estando provado que o imóvel foi entregue em Julho de 2016, que a denúncia ocorreu, estritamente no que toca ao réu J…, em 9 de Março de 2017, que a autora instaurou a acção em 20 de Dezembro de 2018, quando havia claramente decorrido o prazo de um ano de caducidade contado sobre a data em que ocorreu a denúncia dos alegados defeitos (em Março de 2017), não se evidenciando que a denúncia ocorrida em 9 de Fevereiro respeitasse a outros defeitos ou a defeitos que tenham sido conhecidos nessa altura ou no ano antecedente, nem tal factualismo foi alegado pela autora, pelo que as denúncias posteriores que tenha efectuado sobre as mesmas anomalias não relevam como nova denúncia apta a sustentar o decurso de novo prazo de caducidade, deve considerar-se que verificada a caducidade do direito de acção, sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no regime que resulta da conjugação do disposto nos artigos 905º, 908º a 910º, 912º, 913º, 914º, 915º, 916º, 921º, 939º, 1219º e seguintes, 1221º e 1225º, todos do CC.
D. O facto de o réu ter procedido às reparações acordadas em 14 e 22 de Junho de 2017, comprometendo-se a terminá-las após secagem de uma parede, mas tendo afastado a sua responsabilidade por determinadas causas das anomalias, não pode ter como sentido inequívoco o reconhecimento dos defeitos comunicados e a assunção da sua reparação, nem impedir a caducidade, por não ter o réu reconhecido inequivocamente o direito da autora, por não haver reconhecimento concreto e preciso, de modo a que não subsistam dúvidas sobre a aceitação dos direitos sob pena de, assim não se entendendo, ocorrer violação do disposto no artigo 331º nº 2 do CC.
E. Os factos assentes sob os pontos 36 a 38 dos factos provados estão incorrectamente julgados, existindo prova nos autos que impõe decisão diversa quanto aos mesmos.
F. O relatório pericial da autoria do Sr. Perito Joaquim… de Junho de 2020, após vistoria ao imóvel, realizada em 2020 (respostas aos quesitos 6 e 15 do réu), conjugado com as declarações de parte prestadas pelo réu, na audiência de 02 de Julho de 2019, registadas no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo em 01:42:38, conforme consta da respectiva acta, assumindo particular relevância as passagens da gravação registada no ficheiro 20190702150119_19684367_2871182, aos minutos: 30:12 a 32:00, 38:15 a 40:00, onde se pode constatar que o réu disse e explicou que a mancha na parede resulta de uma sondagem feita, com o acordo da autora, para demonstrar que naquele local da parede não existem infraestruturas do próprio imóvel, nomeadamente canalizações ou tubagens de água que pudessem provocam uma infiltração, impõem a alteração da decisão de facto consignada no ponto 36 dos factos provados, devendo este passar a ter a seguinte redacção:
36. No imóvel referido em 1. verifica-se, no Piso 0, onde se insere a sala e a cozinha:
− verifica-se a existência de uma reconstituição de estuque após sondagem, que não foi pintada após a sua finalização;
− betume a descolar nas juntas dos azulejos da cozinha, devido à humidade;
G. Do mesmo relatório pericial (respostas aos quesitos 1, 11 e 24 do réu), conjugado com as declarações de parte do réu, prestadas na audiência de 02 de Julho de 2019, registadas no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo em 01:42:38, conforme consta da respectiva acta, assumindo particular relevância as passagens da gravação registada no ficheiro 20190702150119_19684367_2871182, aos minutos: 24:00 a 26:41, em que disse ter colocado silicone que fora arrancado, resulta que nenhum problema existiu com a base de duche, pelo que se impõe a alteração da decisão de facto consignada no ponto 37 dos factos provados, devendo este passar a ter apenas a seguinte redacção:
37. Verifica-se, no Piso 1, onde se inserem os quartos, casa-de-banho e sacada: − vestígios de infiltrações e humidade no quarto frontal do piso 1;
− tinta a descascar no corrimão do varandim.
H. Do relatório pericial conjugado com: o depoimento da testemunha António…, na audiência de 03 de Outubro de 2019, registado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, no período da manhã, com início a 00:00:00 e termo em 00:57:02, e no período da tarde, com início a 00:00:00 a 00:53:49, conforme consta da respectiva acta, assumindo particular relevância as passagens da gravação registadas no ficheiro 20191003113521_19684367_2871182, aos minutos: 13:18 a 17:14; o depoimento da testemunha Ricardo…, prestado na audiência de 03 de Outubro de 2019, período da tarde, registado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo em 01:08:04, conforme consta da respectiva acta, assumindo particular relevância as passagens da gravação registadas no ficheiro 20191003150232_19684367_2871182, aos minutos: 22:10 a 22:50; o depoimento da testemunha Paulo…, prestado na audiência de 03/10/2019, período da tarde, registado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 00:00:00 e termo em 00:55:18, conforme consta da respectiva acta, assumindo particular relevância as passagens da gravação registadas no ficheiro 20191003161155_19684367_2871182, aos minutos:10:10 a 13:30, resulta que deve ser alterada a decisão de facto consignada no ponto 38 dos factos provados, devendo este passar a ter a seguinte redacção:
38. No piso 2, no qual existe o terraço, existe um orifício para descarga de águas pluviais com dimensões adequadas e suficientes ao escoamento dessas águas, desde que esteja desobstruído, sendo esse escoamento impedido pelo tapete de plástico existente no terraço.
I. A alteração da decisão que recaiu sobre estes pontos 36, 37 e 38 da matéria de facto, nos termos enunciados nas conclusões anteriores implica, necessariamente, a alteração da decisão do ponto 53 dos factos provados, no que concerne aos trabalhos que terão de ser realizados, devendo este passar a ter a seguinte redacção:
Para reparação das descritas anomalias, será necessário desobstruir-se o orifício de escoamento de águas pluviais e remover-se o tapete de plástico nele existente, tal como terão de ser reparadas as infiltrações, fungos, manchas, betumes, pinturas interiores e exteriores existentes nas paredes externas e internas, pavimentos e revestimentos da habitação, nos moldes descritos quanto a estes aspectos no relatório de fls. 749 verso, 750 e 750 verso, cujo teor se dá por reproduzido.
J. Estando provado que o réu decidiu proceder à remodelação do imóvel quer a nível exterior, com isolamento e pintura exterior, substituição de toda a cobertura do edifício e criação de um terraço, quer a nível interior, com isolamento e pintura e alteração das divisões, bem como casas-de-banho, cozinha e escada de ligação entre pisos e estando provado que a autora reclamou em Fevereiro de 2017, o réu reparou em Junho de 2017 e erradicou a grande parte dos problemas reclamados, ficando apenas por pintar a parede da sala, e não constando do relatório pericial menção exacta dos mesmos problemas, está demonstrado que a reclamação feita pela autora em Fevereiro de 2018 é exactamente igual à de Fevereiro de 2017, como se o réu nada tivesse feito ou erradicado.
K. Se em Fevereiro e em Setembro de 2018, o imóvel estava no estado referido nos pontos 25 e 35 dos factos provados, tal estado teria de estar relatado no relatório pericial, o que não sucede, o que demonstra que as intervenções do réu em Junho de 2017 foram adequadas e surtiram efeito.
L. A sentença em crise deve ser considerada é excessiva, por vincular o réu à realização de trabalhos já realizados de forma eficaz, sendo, portanto, desnecessários, pelo que, nesta parte, a sentença viola o disposto nos artigos 1221º do CC, porquanto exige do réu a execução de trabalhos desajustados à situação, por se reportarem a defeitos já eliminados em 2017.
M. Estando demonstrado que a autora acordou com o réu que as despesas com a manutenção ou substituição dos móveis seria de sua responsabilidade, deve o réu ser absolvido do pedido de pagamento do respectivo valor.
N. Estando toda a fundamentação da condenação do réu no pagamento de indemnização por danos morais estruturada como se o réu nada tivesse feito desde que em Março de 2017 a autora o contactou reclamando a existência de anomalias, e estando assente nos pontos 17 a 21 dos factos provados, reveladores das intervenções do réu no imóvel, que permitiram que em 2020 não houvesse evidência de parte dos problemas apontados pela autora, como resulta do relatório pericial, deve entender-se que o réu desenvolveu prontamente a actividade necessária para erradicar as reclamações feitas pela autora, não existindo fundamento para indemnização.
O. O montante de 2.200,00 € (dois mil e duzentos euros) atribuído à autora a título de danos morais é manifestamente excessivo.
P. Não estando provado que a autora não pode viver no imóvel, antes estando comprovado que o imóvel tem licença de utilização e é habitável, não ocorre a verificação dos pressupostos para atribuir uma indemnização por provação de uso, que pressuporia igualmente a alegação e prova de que o réu, com a sua acção ou omissão, teve como intenção privar a autora do uso do imóvel, de nele viver, o que não sucedeu, não foi alegado e provado, pelo que não existe fundamento para a condenação do réu no pagamento de uma indemnização de 50,00 € (cinquenta euros) desde Janeiro de 2018, sob pena de violação do disposto no artigo 562º do CC.
Q. Tendo os danos ficado quantificados apenas com a sentença, os juros terão de ser contados a partir desta, por antes da mesma o crédito era ilíquido, não podendo haver mora enquanto não se tornou líquido, sob pena de violação do artigo 805º nº 3 do CC, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
R. A sentença em crise viola o regime que resulta da conjugação do disposto nos artigos 905º, 908º a 910º, 912º, 913º, 914º, 915º, 916º, 921º, 939º, 1219º e seguintes, 1221º e 1225º, o artigo 331º nº 2, o artigo 562º e o artigo 805º nº 3, todos do CC.
A A. contra alegou nos termos de fls. 966 e seguintes.
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II - São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Assim, face ao teor das conclusões de recurso apresentadas, as questões que se nos colocam são, essencialmente, as seguintes: se deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto efectuada pelo Tribunal de 1ª instância; se operou a excepção da caducidade do direito de acção invocada pelos RR.; se inexiste fundamento para condenação do R. numa indemnização por danos não patrimoniais, bem como se, de qualquer modo, o valor arbitrado é exagerado; se, igualmente, inexiste fundamento para a condenação do R. no pagamento de uma indemnização pela privação do uso do imóvel; desde quando são contados os juros de mora.
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III – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. No dia 8 de Julho de 2016, compareceram, perante Notário, como primeiros outorgantes, J… e sua mulher, M…; como segunda outorgante, T…, solteira e maior; como terceiro outorgante, L…, casado, na qualidade de procurador de «Caixa Geral de Depósitos, S.A.»; e, como quartos outorgantes, D… e sua mulher, Maria…, tendo declarado, entre o mais, no instrumento epigrafado de “escritura pública”, cuja cópia consta de fls. 16 a 27 e se dá por reproduzida, os primeiros outorgantes, que, por essa escritura e pelo preço de € 105.000,00 (cento e cinco mil
euros), que já receberam, vendem à segunda outorgante o prédio urbano sito na Rua …, composto de edifício de rés-do-chão e primeiro andar, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de… sob o artigo…, descrito na Conservatória do Registo Predial do …sob o n.º… da freguesia do …, com a aquisição registada a favor dos vendedores, pela apresentação 66 de 06.08.2013, e com o valor patrimonial de € 26.290,25, tendo a segunda outorgante declarado que aceita a venda nos termos exarados e que o prédio adquirido se destina exclusivamente a sua habitação própria permanente, bem como declararam a segunda e o terceiro outorgantes que a «Caixa Geral de Depósitos, S.A.», concede à segunda um empréstimo, na quantia de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), importância da qual a segunda se confessa devedora, bem como declarou esta constituir hipoteca sobre o dito imóvel, para garantia do capital emprestado, juros, comissões e despesas, sendo pelos quartos outorgantes declarado que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à «Caixa» em consequência desse empréstimo, sendo pela segunda, terceiro e quartos outorgantes declarado que o dito empréstimo se rege pelas cláusulas constantes do documento complementar anexo à escritura, em cuja cláusula oitava ficou estipulado o prazo de 40 (quarenta) anos para reembolso do capital do empréstimo, tendo ainda o terceiro outorgante declarado, na mesma escritura, que, na qualidade em que outorga, aceita a confissão de dívida, a hipoteca e a fiança constituídas, nos termos e condições exaradas.
2. Mostra-se inscrita no registo predial, pela ap. 1307 de 2016/07/08 12:45:46 UTC, a aquisição do prédio descrito em 1., a favor a autora, T…, solteira e maior, por compra a J… e a Maria….
3. Mostra-se inscrita no registo predial, pela ap. … de 2016/07/08 12:45:46 UTC, hipoteca voluntária sobre o prédio descrito em 1., a favor de «Caixa Geral de Depósitos, S.A.», para garantia de empréstimo no valor de capital de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), acrescido de juros à taxa anual de 3,700%, acrescida da sobretaxa de 3%, em caso de mora, e de despesas no valor de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), no montante máximo assegurado de € 130.305,00 (cento e trinta mil e trezentos e cinco euros).
4. Os réus J… e M…, previamente à venda referida em 1., decidiram proceder à remodelação do imóvel aí descrito, quer a nível exterior, com isolamento e pintura exterior, substituição de toda a cobertura do edifício e criação de um terraço, quer a nível interior, com isolamento e pintura e alteração das divisões, bem como casas-de-banho, cozinha e escada de ligação entre pisos.
5. O réu J…, em 22 de Julho de 2014, na qualidade de proprietário, requereu o licenciamento de obras de edificação nos serviços da Câmara Municipal do …, que deu origem ao processo n.º B/2014/72, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 190 a 194 e se dá por reproduzido.
6. O réu J…, na qualidade de requerente do alvará de licença de construção, em 13 de Maio de 2015, declarou que as obras de construção a executar no imóvel dos autos seriam realizadas por empreitada adjudicada à ré «… – Construções, Ld.ª», a qual assinou igualmente tal declaração, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 195 e se dá por reproduzido.
7. Por despacho de 25.02.2015, do vereador do pelouro do urbanismo, mobilidade, equipamentos e espaço público do Município do… – Câmara Municipal, cuja cópia consta de fls. 196 e se dá por reproduzido, foi emitido o alvará de licença de construção a favor do réu J….
8. O réu J… assumiu a direcção técnica da obra, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 197 e se dá por reproduzido.
9. O réu J…, como técnico responsável pela obra, acompanhou integralmente os trabalhos de remodelação do imóvel descrito em 1..
10. Após a conclusão desses trabalhos de construção civil, foi emitido o alvará de licença de utilização n.º 78/2016, de 22 de Junho de 2016, a favor do réu J…, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 41 verso e se dá por reproduzido.      
11. A autora destinou o imóvel dos autos à sua habitação própria permanente, com o objectivo de aí pernoitar, tomar as suas refeições, receber seus familiares e amigos e recepcionar a sua correspondência, facto que era do conhecimento dos réus J… e a Maria…, porquanto declarado pela autora na escritura mencionada em 1..
12. A autora passou a residir no imóvel referido em 1. em Outubro de 2016.
13. Em Fevereiro de 2017, a autora começou a detectar humidade no interior do imóvel, sendo verificadas manchas de humidade e de bolor no tecto e nas paredes de um dos quartos, humidade nos móveis juntos às paredes do quarto, manchas de humidade e empolamentos nas paredes da sala, humidade no lambrim da sala e acumulação de água no terraço, bem como bolhas na pintura da empena do imóvel.
14. Por isso, a autora solicitou uma análise técnica ao seu imóvel, que foi realizada pela empresa «… – Construção e T…, Ld.ª».
15. A referida empresa concluiu, após vistoria realizada em 26 de Fevereiro de 2017, que as humidades detectadas se deviam a deficiente isolamento da pintura exterior, à deficiente descarga das águas do terraço, por a sua saída se encontrar demasiado alta para permitir o escoamento da água, ao deficiente isolamento do telhado, por não apresentar as dimensões necessárias para a função pretendida, e à falta de circulação de ar entre o exterior, a cozinha e a sala, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 42 e se dá por reproduzido.
16. A autora deu conhecimento ao réu J… das referidas deficiências e exigiu a sua reparação, através de missiva datada de 3 de Março de 2017 e recebida em 9 de Março de 2017, cuja cópia consta de fls. 42 verso e se dá por reproduzida, na qual declarou o seguinte: “(...) Durante a última semana, detetei os seguintes defeitos, que passo a descrever:
- Humidade no teto do quarto;
- Humidade nas paredes do quarto;
- Humidade nos móveis junto à parede do quarto;
- Humidade nas paredes da sala;
- Pouco escoamento de água no terraço;
- Rebordo do telhado curto e suscetível de infiltrações;
- Empena da casa com infiltração por não estar impermeabilizada.
(...) venho por este meio exigir que os defeitos em causa sejam eliminados sem quaisquer encargos para mim. (...)”
17. Ainda no decurso de Março de 2017, o réu J… deslocou-se ao imóvel dos autos, tendo acordado com a autora que as reparações necessárias seriam efectuadas no Verão, porquanto o Inverno estava a ser muito chuvoso, pelo que era aconselhável realizar as obras apenas após as paredes secarem, o que foi aceite pela autora.
18. Nos dias 14 e 22 de Junho de 2017, o réu J… procedeu a reparações no imóvel descrito em 1., tendo aplicado produto impermeabilizante nas paredes exteriores, picou a parede da sala onde se evidenciavam empolamentos, aí colocando estuque, bem como abriu dois roços na tela do telhado para facilitar o escoamento das águas, tendo dito que tais obras seriam as necessárias a resolver os problemas existentes no imóvel.
19. No dia 22 de Junho de 2017, o réu J… considerou que as obras estavam terminadas, com excepção da parede da sala, em que o estuque aplicado teria de secar durante uns dias, para depois ser lixado e pintado.
20. Por isso, em dia não concretamente apurado de Julho de 2017, a autora telefonou para o réu J… a informar que a parede da sala aparentava estar seca.
21. Nessa mesma semana, o réu J… deslocou-se ao imóvel e voltou a aplicar estuque na parede da sala, na zona por si reparada, voltando a referir que a mesma teria de secar durante um período mais longo.
22. Em dia não concretamente apurado de Novembro de 2017, a autora voltou a contactar o réu J… solicitando o acabamento em falta na parede da sala e referindo que a mesma aparentava estar seca.
23. Nessa sequência, o réu J…. disse que, de momento, não tinha tinta branca para efectuar os trabalhos de acabamento e que contactaria a autora quando tivesse tal tinta.
24. Deixou o réu, por isso, a sala da autora com uma mancha de estuque por pintar, com um perímetro superior a um metro, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 229 e se dá por reproduzido.
25. A autora esperou o contacto do réu J…, até que, chegado dia não concretamente apurado de Janeiro de 2018, foram verificadas novas manchas de humidade, bolor e fungos no tecto e nas paredes do quarto, humidade nos móveis junto às paredes do quarto, manchas de humidade e empolamentos nas paredes da sala, e, de novo, acumulação de água no terraço.
26. As duas cómodas existentes no quarto de dormir da autora ficaram com a madeira apodrecida por acção da humidade das paredes.
27. O ar, no interior do quarto de dormir da autora, tornou-se irrespirável, sendo constante a sensação de desconforto em face da elevada humidade existente nos quartos e sendo intenso o cheiro a bolor nas divisões da casa, principalmente no piso intermédio onde se situam os quartos.
28. Nesse dia referido em 25., a autora sentiu dificuldade em respirar dentro de casa e surgiram eczemas na sua pele, por força da degradação da qualidade do ar interior da sua casa, deteriorado pela humidade, bolores e fungos manifestados nas paredes e tectos.
29. A precedente situação levou a autora a deixar de dormir na sua casa, passando, desde esse dia, a pernoitar na casa dos seus pais.
30. A autora é alérgica ao pó doméstico, com manifestações respiratórias, incluindo rinite, e cutâneas, incluindo eczema, padecendo de síndrome de dor musculo-esquelética difusa crónica que lhe causa ansiedade e incapacidade, sobretudo quando submetida a esforços físicos, ambientes frios e húmidos e situações de stress físico ou emocional, tendo sido aconselhada por médico a evitar ambientes com pó e humidade, por causarem risco e agravamento para as suas queixas clínicas.
31. A autora remeteu nova carta, dirigida ao réu J…., com a indicação das deficiências que reapareceram no imóvel e exigiu a sua reparação, através de missiva datada de 2 de Fevereiro de 2018 e recebida em 9 de Fevereiro de 2018, nos termos constantes dos documentos cuja cópia consta de fls. 46 a 48 e se dá por reproduzida, na qual, entre o mais, comunicou o seguinte: “(...) No dia 24 de Fevereiro de 2017, detetei os seguintes defeitos, que passo a descrever:
- Humidade no teto do quarto;
- Humidade nas paredes do quarto;
- Humidade nos móveis junto à parede do quarto;
- Humidade nas paredes da sala;
- Pouco escoamento de água no terraço;
- Rebordo do telhado curto e suscetível de infiltrações;
- Empena da casa com infiltração por não estar impermeabilizada.
(...)
Vossa Excelência deslocou-se então à casa, para fazer as devidas reparações nos dias 14 e 22 de junho de 2017.
(...)
Neste momento há problemas que se agravaram novamente devido à estação do ano em que nos encontramos, apesar de ainda não ter chovido muito.
Assim sendo, no dia 15 de janeiro de 2018, detetei os seguintes defeitos, que passo a descrever:
- Pouco escoamento de água no terraço;
- Humidade no teto do quarto;
- Humidade nos móveis junto à parede do quarto;
(...) venho, por este meio, exigir que os defeitos em causa sejam eliminados sem quaisquer encargos para mim.
(...) Neste momento está a ser insuportável dormir naquela divisão, pelo que tenho problemas de alergias e não é comportável para uma pessoa sem problemas de saúde quanto mais para uma que tem diagnosticado alergias.
Desta forma solicito-lhe ainda de que se seja da sua responsabilidade a compra de duas cómodas novas, uma vez que estas já não têm qualquer arranjo.
(...)”.
32. As cómodas da autora referidas na precedente missiva, de marca IKEA, modelo MALM, foram adquiridas pelo preço toral de € 129,98 (cento e vinte e nove euros e noventa e oito cêntimos), nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 48 verso e se dá por reproduzido.
33. Para minorar os efeitos da humidade no interior da sua habitação e evitar a degradação do mobiliário aí existente, a autora despendeu, na aquisição de equipamento desumidificador, uma quantia total de € 81,39 (oitenta e um euros e trinta e nove cêntimos), nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 64 verso a 65 verso.
34. A autora solicitou uma peritagem ao técnico especializado José …, com o intuito de detecção das referidas anomalias e suas causas.
35. Esse técnico efectuou peritagem ao imóvel da autora e concluiu, através de relatório disponibilizado à autora em Setembro de 2018, pela verificação de anomalias associadas a humidade e ao deficiente isolamento do imóvel, ocasionadas por “fraca qualidade do processo de construção e reabilitação do imóvel”, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 66 a 69 verso e de fls. 230 a 237 e se dá por reproduzido.
36. No imóvel referido em 1., verifica-se, no Piso 0, onde se insere a sala e a cozinha:
- infiltrações na parede de junção entre a cozinha e a sala;
- reparações de estuque que não foram pintadas após a sua finalização;
- fungos, existentes de forma generalizada nas paredes, devido à humidade;
- lambril de madeira com manchas escuras de humidade;
- betume a descolar nas juntas dos azulejos da cozinha, devido à humidade;
- “cruz de Santo André”, que se trata de elemento decorativo em madeira, com manchas de humidade.
37. Verifica-se, no Piso 1, onde se inserem os quartos, casa-de-banho e sacada:
- infiltrações e humidade generalizada nos dois quartos;
- infiltração na base de duche da casa-de-banho;
- tinta a descascar no corrimão do varandim.
38. No Piso 2, no qual existe o terraço, o pavimento não possui as inclinações necessárias para o escoamento da água, originando a sua acumulação.
39. E, nos alçados exteriores, verificam-se manchas e empolamentos generalizados da tinta aplicada, relacionados com a humidade.
40. As referidas deficiências existentes no interior e exterior do prédio devem-se a infiltrações e humidades provocadas pelo deficiente isolamento do imóvel e pela insuficiente descarga de águas do terraço, ocasionadas pela baixa qualidade do processo de construção e reabilitação do imóvel executado pelo réu J….
41. Para reparação das precedentemente aludidas deficiências, a autora solicitou orçamento à empresa especializada «…l – Construção e T…, Ld.ª».
42. Após vistoria ao imóvel, a «… – Construção e T.., Ld.ª» facultou à autora, em Agosto de 2018, orçamento no valor de € 11.144,20 (onze mil e cento e quarenta e quatro euros e vinte cêntimos), acrescido de IVA, contemplando trabalhos de construção civil para o correcto funcionamento do ralo de descarga do terraço, reparação das infiltrações, fungos, manchas, betumes, pinturas interiores e exteriores, execução dos necessários isolamentos e limpezas finais, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 70, 70 verso e 71 e se dá por reproduzido.
43. Já após a realização da análise técnica de José … e após as chuvas do mês de Outubro de 2018, surgiram novas anomalias, resultantes do deficiente isolamento do imóvel e da humidade daí advenientes, incluindo na zona de ligação da sala com a cozinha, o rodapé começou a descolar da parede, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 238 a 240 e se dá por reproduzido.
44. Na zona em redor da mancha de estuque por pintar, surgiram novos empolamentos de tinta, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 229 e se dá por reproduzido.
45. O mobiliário da sala apresenta manchas de humidade, nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 241 a 243 e se dá por reproduzido.
46. Sendo que, por acção da humidade, ficaram danificadas a poltrona da sala, o móvel da televisão de sala, a cama e a cabeceira da cama do quarto da autora, nos termos constantes dos documentos cuja cópia consta de fls. 244 a 250 e se dá por reproduzido.
47. Mobiliário esse, de marca IKEA, respectivamente, modelos JENNYLUND, a poltrona da sala; BESTA, o móvel da televisão de sala; ORJE, a cama; e BORGANN, a cabeceira da cama, que tinham um valor total de € 618,00 (seiscentos e dezoito euros), nos termos constantes do documento cuja cópia consta de fls. 48 verso.
48. Bem como sugiram novas manchas de humidade na sala e nos quartos e destacamentos do betume das juntas dos azulejos da cozinha, nos termos constantes dos documentos cuja cópia consta de fls. 251, 252 e 81 verso a 84 e se dá por reproduzido.
49. E, bem assim, novas manchas, empolamentos e anomalias da pintura exterior do imóvel, nos termos constantes dos documentos cuja cópia consta de fls. 253 a 264 e se dá por reproduzido.
50. Tendo, ainda, agravado o destacamento da tinta no corrimão do varandim exterior existente no primeiro andar do prédio, nos termos constantes dos documentos cuja cópia consta de fls. 265 a 268 e se dá por reproduzido
51. A autora espalhou pelos móveis diversos sacos de arroz, que rapidamente escurecem por força da humidade do ar interior do imóvel, nos termos constantes dos documentos cuja cópia consta de fls. 269 e 270 e se dá por reproduzido.
52. Sendo frequentes o apodrecimento de embalagens de cartão, as manchas de bolor em tecidos, eletrodomésticos e de loiças guardados no interior do mobiliário do imóvel dos autos, nos termos constantes dos documentos cuja cópia consta de fls. 271 a 274 e se dá por reproduzido.
53. Para reparação das descritas anomalias, será necessário proceder a trabalhos de construção civil ao nível do terraço do imóvel, de modo a criar-se uma pendente que possibilite a correcta descarga de águas, bem como se terá que proceder à impermeabilização do terraço, tal como terão de ser reparadas as infiltrações, fungos, manchas, betumes, pinturas interiores e exteriores existentes nas paredes externas e interiores, pavimentos e revestimentos da habitação, e terão de ser realizados os trabalhos de alteração dos vãos, nos moldes descritos no relatório de fls. 749 verso, 750 e 750 verso, cujo teor se dá por reproduzido.
54. Desde que foi viver com os seus pais que a autora não pernoita, cozinha, goza momentos de lazer ou recebe convidados no imóvel por si adquirido.
55. Desde Fevereiro de 2017, que a autora, por vergonha do estado em que se encontrava a sua casa, primeiro bolorenta e bafienta e depois com a parede no estado documentado na fotografia de fls. 229, se inibe de receber visitas na sua casa, sentindo-se triste com a situação que estava a viver.
56. Mensalmente, a autora despende uma quantia, referente à amortização do empréstimo bancário e aos seguros associados, em valor mediano de € 303,08 (trezentos e três euros e oito cêntimos), nos termos constantes dos documentos de fls. 96 a 98 verso, cujo teor se dá por reproduzido.
57. Tal circunstância, associada ao facto de se tratar de um imóvel que a autora havia adquirido havia cerca de ano e meio quando o deixou de habitar, causa-lhe angústia, raiva e frustração.
58. A circunstância de o réu J… não proceder à eliminação das descritas anomalias provoca na autora raiva e ânimos depressivos, que perduram até à data.
59. As condições de salubridade e habitabilidade da casa acarretam para a autora angústia, tristeza e abatimento psicológico, sofrimento e desgosto.
60. Os réus J…. e Maria… não se dedicam, nem têm actividade profissional que vise a obtenção de benefícios, o fornecimento de bens, a prestação de serviços ou a transmissão de quaisquer direitos, destinados a uso não profissional.
61. Os réus J… e Maria… adquiriram o imóvel dos autos no dia 06/08/2013, inicialmente, para habitação própria e permanente de ambos e não para revenda do mesmo.
62. Em Outubro de 2013, foi o réu J…, com a ajuda do seu pai, profissional da construção civil, mas actualmente reformado, que começaram a fazer obras de remodelação no imóvel, durante os fins-de-semana, obras que, por essa razão, acabaram por demorar mais de um ano.
63. A aposição da assinatura do/a representante da ré «… – Construções, Ld.ª» no documento mencionado em 6. consistiu estritamente no cumprimento de uma formalidade exigida pela Câmara Municipal do …, no âmbito do processo ARU (Autorização de Reabilitação Urbana).
64. Foi o réu J… quem, no âmbito das suas competências de engenheiro, além de ter assumido a direcção da obra de reabilitação por ele próprio executada, elaborou e apresentou o desenho de arquitectura.
65. O imóvel descrito em 1. foi originalmente construído antes de 1951.
66. A presente acção deu entrada em juízo no dia 20/12/2018.
*
III – 2 - O Tribunal de 1ª instância não considerou provados os seguintes factos:
67. O despacho referido em 7. tem data de 4 de Junho de 2015.
68. O despacho referido em 7. tem data de 15 de Julho de 2015.
69. Os réus J… e a Maria…, como proprietários do imóvel descrito em 1., planearam o seu investimento, tendo, desde logo, em vista a comercialização desse imóvel após a sua reconstrução integral, promovendo a sua venda, com intuito lucrativo, para tanto tendo encomendado o projecto de arquitectura e celebrado um “contrato de empreitada” de execução da obra de remodelação do imóvel com a ré «…. – Construções, Ld.ª».
70. A ré «…– Construções, Ld.ª» executou trabalhos de construção civil para remodelação do imóvel descrito em 1., por efeito da declaração referida em 6..
71. A ré «… – Construções, Ld.ª» executou deficientemente os trabalhos de impermeabilização e o isolamento exterior do imóvel referido em 1..
72. A ré «… – Construções, Ld.ª» omitiu os cuidados exigíveis na execução dos trabalhos, descurando a necessária pendente e impermeabilização da cobertura e das empenas do prédio durante a execução da empreitada.
73. A ré Maria… teve intervenção e tomou decisões quanto às técnicas e materiais empregues nos trabalhos de reabilitação do imóvel descrito em 1., bem como lhe foram comunicadas as anomalias existentes no imóvel.
74. Os trabalhos de construção civil para remodelação do imóvel descrito em 1. iniciaram-se em Julho de 2015.
75. Os réus J… e a Maria… declararam vender o imóvel descrito em 1. à autora como se fosse novo.
76. A autora passou a residir no imóvel logo após a escritura referida em 1..
77. O telefonema referido em 20. ocorreu no dia 4 de Julho de 2017.
78. O contacto mencionado em 22. teve lugar no dia 17 de Novembro de 2017.
79. Foi no dia 15 de Janeiro de 2018 que ocorreu o evento relatado em 2. e que a autora saiu de sua casa para ir viver para a casa dos seus pais.
80. A autora nunca habitou no imóvel descrito em 1., com regularidade, utilizando-o apenas para festas.
81. A humidade existente no quarto do primeiro andar provém da casa do vizinho do lado direito.
82. Na parede do lado direito da sala, no rés-do-chão, a humidade provém de infiltração existente na parede do vizinho comum com essa.
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IV – 1 - Defende o apelante/R. que a matéria alegada pelos RR. nos arts. 61, 62, 63, 64, 67, 69, 70, 72, 74, 75, 76 e 77 da contestação e que foi objecto de declarações de parte do R. em audiência de discussão e julgamento impõe que sejam aditados aos factos provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da excepção da caducidade por si invocada:
1. Em Junho de 2017, o réu iniciou as reparações necessárias a suprir as humidades existentes no interior do imóvel. (Passagens da gravação de 26:46 a 27:20).
2. No que respeita à humidade no quarto do 1º andar, o réu João verificou que a humidade não estava no tecto, mas sim na parede do vizinho do lado direito. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
3. O que permitia concluir que seria impossível a humidade ter origem no terraço, por não ser possível passar o tecto e parte da parede junto ao tecto. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
4. Ou seja, se a origem fosse o terraço, esta origem só poderia estar localizada no telhado do vizinho, que tem uma estrutura do telhado aproximadamente a 30 cm do tecto, onde aparece a humidade. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
5. A autora não quis aceitar esta evidência. (Passagens da gravação de 20:33 a 22:45).
6. No canto inferior da parede do lado direito existia também humidade, com origem no facto de o silicone da base do duche ter sido arrancado e não substituído, tendo o réu J… voltado a colocar silicone no local, apesar de ser alheio à situação, uma vez que o mesmo tinha sido removido. (Passagens da gravação de 23:44 a 26:42).
7. Para além disso, as paredes foram novamente pintadas e reparadas, tendo a autora assumido a limpeza dos móveis, dado que seria da sua responsabilidade o facto de ter deixado o quarto chegar ao estado em que se encontrava, por não ter avisado mais cedo. (Passagens da gravação de 28:24 a 29:00).
8. Pôde ainda o réu João constatar que a água que estava presente por baixo do chão amovível do terraço não era muita e era normal dado tratar-se de uma zona aberta e exposta ao exterior. (Passagens da gravação de 41:54 a 44:22).
9. Contudo, no terraço foi efectuada a limpeza na zona junto do ralo (que nunca havia sido feita), foi colocado mais isolamento, de forma a minimizar a quantidade de água existente, que era muito pouca, mas desta forma a autora podia entender que não era devido ao terraço que tinha humidade no quarto. (Passagens da gravação de 41:54 a 44:22).
10. De qualquer forma, como era do conhecimento da autora, a estrutura que suporta os pisos é a existente e em madeira, o que pode trabalhar de acordo com o clima, provocando naturais oscilações no desnível do terraço. (Passagens da gravação de 41:54 a 44:22).
11. Relativamente à sala, no rés-do-chão, na parede do lado direito (parede comum com a do vizinho), o réu João demonstrou à autora a incorrecção do “relatório” acima referido, que refere que é devido ao isolamento do telhado, por não ser possível o isolamento ao nível do 2º andar provocar humidade no rés-do-chão, sem aparecer qualquer evidência de humidade entre o rés-do-chão e o 2º andar. (Passagens da gravação de 40:59 a 41:39).
12. Depois de explicar à autora, que naquela zona não existem infraestruturas (tubagens de águas ou esgotos), e que a única hipótese seria a infiltração ter origem na casa do vizinho, uma vez que o esgoto da casa dela era no mesmo local, mas na parede oposta, o réu João sugeriu que a autora falasse com o vizinho, o que autora repudiou, dizendo que o réu João era quem tinha que falar com o vizinho. (Passagens da gravação de 30:12 a 32:00).
13. Tentando resolver a situação da melhor maneira possível, o réu João propôs retirar a massa com humidade e a restante massa até chegar à parede original em pedra, e desta forma a autora podia verificar que não existiam infraestruturas (tubagens de águas ou esgotos) na zona. (Passagens da gravação de 38:15 a 40:00).
14. Assim ficou combinado e assim foi feito, sendo que, depois de abrir o buraco e a autora confirmar que não existiam infraestruturas (tubagens de águas ou esgotos), a autora pediu ao réu João para tapar novamente o buraco, ao que este acedeu, alertando, no entanto, que, se colocasse novamente massa e a infiltração se mantivesse, a humidade voltava novamente. (Passagens da gravação de 38:15 a 40:00).
15. A autora pediu para tapar o buraco, o que o réu João fez, tendo ficado combinado que quando a massa secasse, a autora informava o réu João para poder lixar e pintar. (Passagens da gravação de 38:15 a 40:00).
Os factos pretendidos aditar pelo apelante, se em certos segmentos correspondem a factualidade que se insere na matéria de facto julgada provada [assim, que em Junho de 2017, o R. iniciou as reparações destinadas a suprir as humidades existentes no interior do imóvel], na sua grande parte, vão além dessa factualidade, nem sempre sendo com ela conciliáveis – ver, assim, os pontos 18) a 27) dos factos provados.
Para o efeito, o apelante fundamenta-se, tão só, nas declarações de parte por si prestadas em audiência. Ora, o que resulta dessas declarações de parte do R., não se harmonizando com o que extraímos de outros meios de prova produzidos - nomeadamente, face ao relatório pericial de fls. 724 e seguintes e à prova testemunhal - não justifica a sobrevalorização daquelas declarações.
 Considerou o Tribunal de 1ª instância quando da motivação da decisão sobre a matéria de facto provada:
«Aqui chegados, importa explicitar, desde já, que as declarações do réu J…, tal como as declarações da autora T…, foram ambas valoradas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova a que o tribunal está adstrito, em consonância com a disposição do art.º 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mas sendo, logicamente, sopesado que as declarações prestadas pelas partes não são naturalmente desinteressadas, isentas e imparciais, antes apresentando ambas um inequívoco, relevante e directo interesse no desfecho da acção, sendo, por isso, as suas declarações valoradas com particular exigência e rigor, dado que terão que ter algum suporte na restante prova testemunhal e documental oferecida ou terão que ser concordantes com as prestadas pela parte contrária, dado que, caso contrário, bastaria que as partes viessem reproduzir coerentemente na audiência final quanto afirmaram previamente por escrito nos articulados que ofereceram respectivamente para que ficasse evidenciada a realidade dos factos que invocam para sustentar a acção ou a defesa, o que não pode evidentemente ser, dado se tratar de meio de prova dotado de destacada fragilidade, porquanto inevitavelmente desprovidas as partes de neutralidade e equidistância face ao conflito que as opõe e que as próprias delinearam nos autos, ante o qual ambas pretendem obter vencimento».
Efectivamente, nos termos do nº 5 do art. 607 do CPC, o juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, princípio que apenas cede perante situações de prova legal. O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: «é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis» ([2]).
Decorre do nº 3 do art. 466 do CPC que o tribunal aprecia livremente as declarações da parte, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro ([3]) consideram que a «experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por essa razão compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente. Já integrado num acervo probatório mais vasto, poderá mesmo ser decisivo na prova desse facto…».
E Lebre de Freitas ([4]) entende que «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas».
Pires de Sousa ([5]) esquematiza as posições assumidas pela doutrina e jurisprudência no que tange à função e valoração das declarações de partes, reconduzindo-as a «três teses essenciais:
 i. Tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;
ii. Tese do princípio de prova;
 iii. Tese da autossuficiência/valor probatório autónomo das declarações de parte».
Ponderando «que a posição mais correta radica na tese mais ampla e permissiva sobre a potencialidade e centralidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz».
Vejamos.
A lei remete para a livre apreciação das declarações de parte, nada obstando, pois, a que factos que não tenham de ser demonstrados por um meio de prova específico sejam considerados provados, se o Tribunal assim se convencer, com base nas declarações da parte. Tudo dependerá das circunstâncias concretas, não sendo irrelevante, nesta parte, a influência da imediação – imediação a que supra aludimos.
No circunstancialismo dos autos, como decorre do supra exposto, entendemos não se justificar a adesão à (desacompanhada) narrativa dos factos que nos é trazida pelo R..
Pelo que não se aditam aos factos provados os factos acima referidos, consoante pretendido pelo apelante.
*
IV – 2 - Insurge-se o apelante contra a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que concerne aos pontos 36, 37 e 38 dos factos provados.
É o seguinte o teor destes pontos da matéria de facto provada:
«36. No imóvel referido em 1., verifica-se, no Piso 0, onde se insere a sala e a cozinha:
- infiltrações na parede de junção entre a cozinha e a sala;
- reparações de estuque que não foram pintadas após a sua finalização;
- fungos, existentes de forma generalizada nas paredes, devido à humidade;
- lambril de madeira com manchas escuras de humidade;
- betume a descolar nas juntas dos azulejos da cozinha, devido à humidade;
- “cruz de Santo André”, que se trata de elemento decorativo em madeira, com manchas de humidade.
37. Verifica-se, no Piso 1, onde se inserem os quartos, casa-de-banho e sacada:
- infiltrações e humidade generalizada nos dois quartos;
- infiltração na base de duche da casa-de-banho;
- tinta a descascar no corrimão do varandim.
38. No Piso 2, no qual existe o terraço, o pavimento não possui as inclinações necessárias para o escoamento da água, originando a sua acumulação».
Sustenta a apelante que a redacção daqueles pontos da matéria de facto provada deverá passar a ser a seguinte:
«36. No imóvel referido em 1. verifica-se, no Piso 0, onde se insere a sala e a cozinha:
− verifica-se a existência de uma reconstituição de estuque após sondagem, que não foi pintada após a sua finalização;
− betume a descolar nas juntas dos azulejos da cozinha, devido à humidade;
37. Verifica-se, no Piso 1, onde se inserem os quartos, casa-de-banho e sacada:
− vestígios de infiltrações e humidade no quarto frontal do piso 1;
− tinta a descascar no corrimão do varandim.
38. No piso 2, no qual existe o terraço, existe um orifício para descarga de águas pluviais com dimensões adequadas e suficientes ao escoamento dessas águas, desde que esteja desobstruído, sendo esse escoamento impedido pelo tapete de plástico existente no terraço».
Alicerça-se, para o efeito:
Quanto aos pontos 36) e 37), no relatório pericial junto aos autos e nas declarações de parte do R.; quanto ao ponto 38), do relatório pericial conjugado com os depoimentos das testemunhas António…, Ricardo… e Paulo…  
Na motivação da decisão sobre a matéria de facto provada, referiu o Tribunal de 1ª instância:
«Os factos vertidos sob 14., 15. e 34. a 39., ficaram provados com base na credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha José…, em conjugação com os documentos de fls. 42, 66 a 69 e 230 a 237, tendo o tribunal constatado que essa testemunha, não obstante amigo da autora e da sua família, apresentou um depoimento destacadamente escorreito, racional e coerente, o qual veio a ser, no essencial e aliás, consistentemente consolidado pelo teor do relatório pericial que consta de fls. 724 a 751 e pelos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo Sr. Perito Joaquim…, que o elaborou, tendo a testemunha José… relatado, com serenidade, lógica e contextualização, esses eventos, que confirmou e nos quais teve intervenção, sobre eles revelando ter, portanto, conhecimento pessoal, directo e rigoroso, tendo sido o próprio o autor do documento de fls. 42 e do documento de fls. 66 a 69 verso e de fls. 230 a 237, autoria essa que confirmou e que elaborou ante a observação que fez da casa da autora, documentos esses sobre cuja exactidão e autenticidade não existem quaisquer elementos objectos que permitam questioná-las e que também serviram, respectivamente, o documento de fls. 42 para sustentar a realidade do facto 15. e o documento de fls. 66 a 69 verso e de fls. 230 a 237 para evidenciar os factos 34. a 39.».
Ouvimos o depoimento de José…, encarregado geral de obras (construção civil), autor dos documentos de fls. 66 a 69 verso e de fls. 230-237, referindo que a A. o chamou à casa a que se reportam os autos, com queixas sobre a mesma, tendo-se ali deslocado e observado o imóvel. Designadamente, mencionou, no exterior, as manchas e bolhas na pintura e mesmo zonas já sem tinta, decorrentes da aplicação de uma tinta de má qualidade e de um deficiente isolamento; no interior, referiu a humidade, manchas de humidade, infiltrações (assim, na base do duche), falta de uma janela (que abrisse efectivamente, permitindo a ventilação) no alçado traseiro do edifício, falta de inclinação no terraço. Confirmou o que consta daqueles documentos acima referidos quando com eles foi confrontado e situou e explicou as fotografias de fls. 238 e seguintes.
O que é dito pela testemunha e consta dos ditos documentos foi confirmado, em termos gerais, pelo relatório pericial de fls. 724 e seguintes. Efectivamente, na parte em que aquele relatório não coincide inteiramente com os documentos de fls. 66-69 e 230-237, haverá que ter em conta o tempo decorrido e a situação de não utilização da casa, sendo certo que do relatório pericial não nos parece que se possa retirar o que o apelante pretende extrair, tornando-o consonante com a sua posição nos autos, no que concerne aos pontos 36) e 37) dos factos provados. Consta do mencionado relatório, nomeadamente:
- «ainda que na data da vistoria pericial não tenha sido observado qualquer “bolor” nas paredes e tectos dos quartos, foram observadas algumas evidências de que tal possa acontecer com enorme probabilidade. Desde logo, identifica-se e sente-se perfeitamente, uma temperatura ambiente muito baixa a par de uma certa humidade atmosférica, o que tem origem na falta de isolamento e impermeabilização das paredes exteriores, nas anomalias na pintura exterior e na ausência de ventilação interior. Isto é, atentas as características morfológicas e arquitectónicas da casa, esta quando habitada será muito húmida, sendo que na época mais fria e húmida do ano, é propícia ao nascimento e crescimento de “bolor”, sobretudo quando existe produção de humidades (a temperatura superior) no seu interior…;
- «observam-se eflorescências/salitre nas juntas dos mosaicos. De igual forma, deve já circular humidade por debaixo do pavimento em madeira na sala»; «… ainda na sala, foi observada uma enorme mancha no revestimento da parede de encosto com a casa confrontante do lado direito/Poente, sendo que esta mancha é o resultado de uma reparação já efectuada pelo Réu (segundo informação da Autora e Réu),
- «Existe humidade por capilaridade nas paredes exteriores e interiores (ela é evidente nas juntas de azulejos de paredes exteriores da cozinha, nas paredes interiores da instalação sanitária, e acima do lambrim existente na sala)»;
- «existem infiltrações na casa: «Infiltração num canto do tecto do quarto frontal do piso 1 (1ºandar)»; «Infiltração num canto da parede do quarto frontal do piso 1 junto do quarto de banho (1ºandar); «A hipotética infiltração (inactiva no momento da vistoria), cujo resultado visível é a enorme mancha na parede de encosto com a casa confrontante do lado direito/Poente, resultado de uma reparação já efectuada pelo Réu»; «Infiltração por capilaridade que se observa no piso 0»; «Infiltração/absorção generalizada de água pelas paredes exteriores»
- O piso 0 é o correspondente ao rés-do-chão da casa dos autos, onde se identificam as seguintes anomalias:
- Existência de humidade por capilaridade no pavimento da cozinha, e eventualmente em todo o pavimento do piso térreo. Ela é evidente nas juntas dos mosaicos do pavimento;
- Existência de humidade por capilaridade nas paredes exteriores e interiores (ela é evidente nas juntas de azulejos de paredes da cozinha, nas paredes interiores da instalação sanitária, e acima do lambrim existente na sala);
- Existência de vestígios de humidade por condensação nos vãos exteriores existentes na sala (…).
- Existência de uma enorme mancha na parede de encosto com a casa confrontante do lado direito/Poente, sendo que esta é o resultado de uma reparação já efectuada pelo Réu (segundo informação da Autora e Réu), a qual não foi ainda (correctamente) concluída. Mais foi esclarecido o Perito que essa mancha resulta da reparação de uma possível infiltração que ocorreu nessa zona, na base de duche do piso superior. No momento da vistoria, não se observou qualquer infiltração activa.
- Infiltração/absorção generalizada de água pelas paredes exteriores, como o comprovam as muitas manchas brancas observadas nas fachadas (sinais de humidade), micro-fissuras e pedaços de tinta a descascar».
- «observou-se o descasque pronunciado do revestimento em tinta do corrimão (com lascas de tinta soltas) da guarda da varanda», fruto «de falta de adesão da tinta ao substrato/madeira, resultante da sua má preparação para receber a tinta».
Tal não permite proceder à alteração dos pontos 36) e 37) dos factos provados consoante pretendido pelo apelante.
Quanto ao ponto 38) dos factos provados, a falta de inclinação no terraço referida pela testemunha José … e mencionada nos documentos de fls. 66-69 e 230-237 é, também, indicada no relatório pericial, ali se dizendo: «… o nível do terraço é inferior ao nível de saída do orifício de saída, parecendo mesmo, apenas por observação visual, que o terraço não possui a pendente adequada e suficiente à descarga completa e eficaz das águas pluviais, ficando as mesmas depositadas nesse terraço»; «Ainda que o terraço esteja devidamente impermeabilizado, não foi acautelada a pendente/declive do mesmo, nem foi acautelada a forma de recolha e desembaraço da água no orifício de descarga existente na parede».
Nas passagens da gravação identificadas pelo apelante a testemunha António… explicou como procedeu quando da execução da obra no terraço, que abriu o buraco e as dimensões dele (110), a testemunha Ricardo… mencionou o escoamento por um tubo de 110 m, confirmando que o terraço tem pouca inclinação, a testemunha Paulo… falou de um buraco de escoamento de 90 m ou 110m de diâmetro, suficiente para o escoamento, admitindo que a pendente do terraço era ligeira.
Neste contexto, entende-se não ser de alterar o decidido pelo Tribunal de 1ª instância a propósito do ponto 38) dos factos provados.
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IV – 3 - Defende o apelante que em face da pretendida alteração dos pontos 36) a 38) dos factos provados, deverá ser correspondentemente alterado o ponto 53 dos factos provados.
Consta deste ponto dos factos provados:
«Para reparação das descritas anomalias, será necessário proceder a trabalhos de construção civil ao nível do terraço do imóvel, de modo a criar-se uma pendente que possibilite a correcta descarga de águas, bem como se terá que proceder à impermeabilização do terraço, tal como terão de ser reparadas as infiltrações, fungos, manchas, betumes, pinturas interiores e exteriores existentes nas paredes externas e interiores, pavimentos e revestimentos da habitação, e terão de ser realizados os trabalhos de alteração dos vãos, nos moldes descritos no relatório de fls. 749 verso, 750 e 750 verso, cujo teor se dá por reproduzido».
Segundo o apelante deverá passar a ter a seguinte redacção:
«Para reparação das descritas anomalias, será necessário desobstruir-se o orifício de escoamento de águas pluviais e remover-se o tapete de plástico nele existente, tal como terão de ser reparadas as infiltrações, fungos, manchas, betumes, pinturas interiores e exteriores existentes nas paredes externas e internas, pavimentos e revestimentos da habitação, nos moldes descritos quanto a estes aspectos no relatório de fls. 749 verso, 750 e 750 verso, cujo teor se dá por reproduzido».
Sucede que mantendo-se o decidido quanto aos pontos 36) a 38) dos factos provados e atendendo ao teor do relatório pericial de fls. 724-750 – relatório em que o Tribunal de 1ª instância essencialmente se motivou – não existe fundamento para alteração do decidido relativamente ao ponto 53) dos factos provados.
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IV – 4 - No que tange à aplicação do Direito a divergência do apelante situa-se, desde logo, quanto à verificação da invocada excepção da caducidade.
No que à excepção da caducidade concerne a sentença recorrida seguiu este percurso:
- o regime aplicável ao caso dos autos é o decorrente da utilização do disposto no nº 4 do art. 1225 do CC;
- o prazo de caducidade é, no caso, de um ano para a denúncia e de um ano para instaurar a acção após aquela, não se suspendendo nem se interrompendo senão nos casos em que a lei o determine;
- tendo o imóvel sido vendido e entregue à A. em 8 Julho de 2016, os defeitos do mesmo foram conhecidos em Fevereiro de 2017, tendo a denúncia dos defeitos ocorrido, estritamente no que toca ao réu J…, em 9 de Março de 2017, portanto, antes de decorrido o prazo de um ano após o conhecimento dos defeitos e mesmo desde a entrega do imóvel;
- «a autora instaurou a acção em 20 de Dezembro de 2018, quando havia claramente decorrido o prazo de um ano de caducidade contado sobre a data em que ocorreu a denúncia dos alegados defeitos (em Março de 2017), não se evidenciando que a denúncia ocorrida em 9 de Fevereiro de 2018 respeitasse a outros defeitos ou a defeitos que tenham sido conhecidos nessa altura ou no ano antecedente, nem tal factualismo foi alegado pela autora, pelo que as denúncias posteriores que tenha efectuado sobre as mesmas anomalias não relevam como nova denúncia apta a sustentar o decurso de novo prazo de caducidade»;
- a «caducidade não opera caso o empreiteiro reconheça ter ocorrido a denúncia dos defeitos e a sua existência, admitindo inequivocamente perante o respectivo titular o direito de obter da sua parte a eliminação de tais anomalias, nos termos do art.º 331.º, n.º 2, do Código Civil».
- o réu J…. reconheceu claramente a deficiência da execução da sua obra nessa parte, tanto que se comprometeu a repará-la, não podendo deixar de improceder a excepção de caducidade do direito
Refere o apelante:
- que «muito embora tenha havido intervenção do réu no imóvel após a denúncia das anomalias feita em 2017, este não aceitou inequivocamente as causas de todas elas como sendo de sua responsabilidade, tem de se considerar que o mesmo não reconheceu o direito da autora».
- que estando provado «que o imóvel foi entregue em Julho de 2016, que a denúncia ocorreu, estritamente no que toca ao réu J…, em 9 de Março de 2017, que a autora instaurou a acção em 20 de Dezembro de 2018, quando havia claramente decorrido o prazo de um ano de caducidade contado sobre a data em que ocorreu a denúncia dos alegados defeitos (em Março de 2017), não se evidenciando que a denúncia ocorrida em 9 de Fevereiro respeitasse a outros defeitos ou a defeitos que tenham sido conhecidos nessa altura ou no ano antecedente, nem tal factualismo foi alegado pela autora, pelo que as denúncias posteriores que tenha efectuado sobre as mesmas anomalias não relevam como nova denúncia apta a sustentar o decurso de novo prazo de caducidade, deve considerar-se que verificada a caducidade do direito de acção».
Não se nos afigura que assista razão ao apelante.
Não se porá em causa a aplicabilidade ao caso dos autos, por força do comando do nº 4 do art. 1225 do CC, das regras decorrentes dos anteriores números do mesmo artigo, artigo epigrafado «Imóveis destinados a longa duração», uma vez que ali se dispõe que o preceituado nos números anteriores «é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado» - assim, ao vendedor que, como o R. J…, haja reparado/modificado uma casa para habitação, por administração directa ([6]).   
Temos, pois, uma diferença de regime entre as simples compras e vendas de imóvel e aquelas em que o vendedor do imóvel o construiu, modificou ou reparou, caso em que se aplicam as regras da empreitada. Aqui a garantia é de cinco anos a contar da entrega (consoante resulta do nº 1 do art. 1225), a denúncia deve ser feita no prazo de um ano a partir da descoberta dos defeitos e o prazo para intentar a acção é de um ano desde a denúncia (nº 2 do art. 1225), mesmo quando estiver em causa o direito à eliminação dos defeitos (nº 3 do art. 1225) ([7]).
Esclareça-se que a coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado; o vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado ([8]).
Dizendo-nos Romano Martinez ([9]) que os vícios materiais «podem respeitar a imperfeições relacionadas, designadamente com o processo de concepção, de fabrico, de montagem, de acondicionamento, assim como com alterações químicas produzidas na coisa».
E explicando Calvão da Silva ([10]) que a coisa entregue pelo vendedor «pode estar afectada de vícios materiais ou vícios físicos, vale dizer, defeitos intrínsecos, inerentes ao seu estado material, e não ser, portanto, conforme ao contrato, dada a sua não correspondência às características acordadas ou legitimamente esperadas pelo comprador».
Sucede que dispõe o nº 2 do art. 331 do CC que quando se trate de prazo de caducidade fixado por disposição legal relativa a direito disponível, impede a caducidade «o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido».
Assim, a caducidade seria impedida pelo reconhecimento dos defeitos por parte do empreiteiro/dono da obra. Entende Cura Mariano ([11]) que, uma vez que estamos perante caducidades necessariamente estabelecidas em matéria não excluída da disponibilidade das partes, a «caducidade visa apenas assegurar ao empreiteiro que a situação de incerteza sobre a existência do respectivo direito não se prolongue por um período de tempo dilatado. Se é este quem, de forma inequívoca, reconhece a existência do direito no decurso do prazo de caducidade, mesmo que não pratique os actos equivalentes à sua realização (…) não há razão nenhuma para manter a protecção a uma situação de incerteza que já não se verifica pelo reconhecimento efectuado».
Refira-se que o reconhecimento do direito não abre novo prazo de caducidadea caducidade para definitivamente. Nas palavras de Ana Filipa Morais Antunes ([12]) o «reconhecimento não é interruptivo, uma vez que não inutiliza o tempo já decorrido, nem determina o início de um novo prazo de caducidade; antes, torna o direito estável e subtrai-o definitivamente à caducidade»
O que poderá acontecer é que surjam novos direitos, também eles sujeitos a prazo de caducidade ([13]).
Saliente-se, que não basta um qualquer reconhecimento (como sucede com a prescrição) sendo antes necessário que o reconhecimento seja de tal ordem que tenha o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade ([14]).
Ora, ao contrário do sustentado pelo apelante, dos factos provados, atendendo, até, a que não foi feito qualquer aditamento aos mesmos consoante pretendido pelo apelante, não resulta que o R. não haja reconhecido, na sua totalidade, os defeitos tempestivamente denunciados pela A. em Março de 2017.
Na sequência da denúncia, o R. apresentou-se no imóvel vendido à A., acordando com esta que as reparações necessárias – as “anomalias” por ela denunciadas ([15]) - seriam efectuadas no Verão e, efectivamente, em Junho de 2017, procedeu à reparação parcial – que não finalizou – reparação aquela que não foi de molde a solucionar as ditas anomalias denunciadas pela A..
Os factos apurados, consoante, entendido pelo Tribunal de 1ª instância, traduzem o reconhecimento do direito da A. – o R. admitiu a existência de anomalias no imóvel que alterara/reparara e vendera à A. e a sua responsabilidade quanto às mesmas, ao comprometer-se a executar a reparação dos defeitos denunciados, aceitando o direito alegado pela A. – reparação para solução dos mesmos que, aliás, iniciou.
Pelo que, concordando com o entendimento do Tribunal de 1ª instância, consideramos não se verificar a invocada caducidade.
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IV – 5 –Sustenta o apelante estar «demonstrado que a reclamação feita pela autora em Fevereiro de 2018 é exactamente igual à de Fevereiro de 2017, como se o réu nada tivesse feito ou erradicado» e que se «em Fevereiro e em Setembro de 2018, o imóvel estava no estado referido nos pontos 25 e 35 dos factos provados, tal estado teria de estar relatado no relatório pericial, o que não sucede, o que demonstra que as intervenções do réu em Junho de 2017 foram adequadas e surtiram efeito» e que a sentença em crise deve ser considerada «excessiva, por vincular o réu à realização de trabalhos já realizados de forma eficaz» (conclusões J) a L).
Sucede que a alusão do apelante à erradicação dos problemas reclamados pela A. não tem correspondência na factualidade provada. A A. reclamou, o A. executou algumas obras no imóvel (assim, aplicou produto impermeabilizante nas paredes exteriores, picou a parede da sala onde se evidenciavam empolamentos, aí colocando estuque, bem como abriu dois roços na tela do telhado para facilitar o escoamento das águas) dizendo à A. que tais obras seriam as necessárias a resolver os problemas existentes (obras que o R. não chegou a finalizar). Todavia, em Janeiro de 2018, surgiram novas manchas de humidade, bolor e fungos, empolamentos nas paredes e acumulação de água no terraço, com elevado teor de humidade e cheiro a bolor dentro da casa. Conclui-se que o R., com as reparações efectuadas, não logrou erradicar/resolver os ditos problemas, os quais voltaram a manifestar-se no Inverno seguinte, ou seja, as reparações realizadas pelo R. não produziram os efeitos necessários para obviar às anomalias verificadas na casa da A. – logo, não houve trabalhos realizados de forma eficaz.
Defende, também, o apelante que estando «demonstrado que a autora acordou com o réu que as despesas com a manutenção ou substituição dos móveis seria de sua responsabilidade, deve o réu ser absolvido do pedido de pagamento do respectivo valor» (conclusão M).
Ora, tal circunstancialismo não está de modo algum demonstrado, não tendo qualquer correspondência com a factualidade apurada.
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IV – 6 – A A. formulou um pedido de indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos em resultado do fornecimento de bem defeituoso, (amparando-se no disposto no nº 1 do art. 12 da Lei de Defesa dos Consumidores) defendendo a admissibilidade do ressarcimento dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual (artigos 120 e 132-153 da petição inicial).
O Tribunal de 1ª instância considerou: «são também indemnizáveis, a título de danos não patrimoniais, os incómodos, angústia, perturbações e frustrações de ordem moral também sofridos pela autora em consequência do sobredito cumprimento defeituoso do réu J…, nos termos dos artigos 494.º e 496.º, n.º 1, do Código Civil, subsidiariamente aplicáveis no domínio da responsabilidade contratual».
E mais adiante: «…quanto aos danos não patrimoniais, evidencia-se nos autos que, exclusivamente por causa da conduta ilícita e culposa do réu J…, nos termos sobejamente sobreditos, a autora também sofreram prejuízos de ordem não patrimonial, designadamente no seu bem-estar, na sua paz de espírito, no seu equilíbrio emocional e na sua qualidade de vida, os quais, dada a sua duração, extensão e importância, merecem ser ressarcidos.
Termos em que se verifica que a autora sofreu ainda danos de natureza não patrimonial, tendo-se também por verificado este pressuposto da responsabilidade contratual do réu J… ».
Observa o apelante, que estando «toda a fundamentação da condenação do réu no pagamento de indemnização por danos morais estruturada como se o réu nada tivesse feito desde que em Março de 2017 a autora o contactou reclamando a existência de anomalias, e estando assente nos pontos 17 a 21 dos factos provados, reveladores das intervenções do réu no imóvel, que permitiram que em 2020 não houvesse evidência de parte dos problemas apontados pela autora, como resulta do relatório pericial, deve entender-se que o réu desenvolveu prontamente a actividade necessária para erradicar as reclamações feitas pela autora, não existindo fundamento para indemnização», além de que o «montante de 2.200,00 € (dois mil e duzentos euros) atribuído à autora a título de danos morais é manifestamente excessivo» (conclusões N) e O).
Consoante mencionámos supra, com os arranjos que efectuou o R. não “desenvolveu a actividade necessária para erradicar as reclamações” feitas pela A. – os vícios mantiveram-se, manifestando-se de novo as respectivas consequências no Inverno seguinte, ao contrário do que o apelante parece pressupor.
Além de que a sentença, no que concerne à indemnização por danos não patrimoniais, assentou na responsabilidade contratual do R., em termos globais, pelo seu cumprimento defeituoso, como decorre do supra transcrito.  
Vejamos, então.
No caso dos autos, o imóvel comprado pela A. padecia de vícios materiais, não correspondendo às características legitimamente esperadas por quem adquire um imóvel para sua habitação - defeitos que o R. não debelou.
Sabemos que a A. destinava o imóvel à sua habitação própria permanente, facto que era do conhecimento dos RR. J… e Maria…, havendo, efectivamente, passado a residir no imóvel em Outubro de 2016. Sabemos, também, que em Fevereiro de 2017, a A. começou a detectar humidade no interior da casa, sendo verificadas manchas de humidade e de bolor no tecto e nas paredes de um dos quartos, humidade nos móveis juntos às paredes do quarto, manchas de humidade e empolamentos nas paredes da sala, humidade no lambrim da sala e acumulação de água no terraço, bem como bolhas na pintura da empena do imóvel, do que deu conhecimento ao R. exigindo a respectiva reparação. Este procedeu a reparações (não finalizadas), mas em Janeiro de 2018, foram verificadas novas manchas de humidade, bolor e fungos no tecto e nas paredes do quarto, humidade nos móveis junto às paredes do quarto, manchas de humidade e empolamentos nas paredes da sala, e, de novo, acumulação de água no terraço. Sabemos, ainda, que as deficiências existentes no interior e exterior do prédio devem-se a infiltrações e humidades provocadas pelo deficiente isolamento do imóvel e pela insuficiente descarga de águas do terraço, ocasionadas pela baixa qualidade do processo de construção e reabilitação do imóvel executado pelo R. J….
Houve um cumprimento defeituoso por parte do R. cuja culpa se presume, nos termos do art. 799 do CC, sendo de ter em conta a eventualidade de uma indemnização pelos danos sofridos –  desde logo, pelos danos não patrimoniais resultantes do cumprimento defeituoso.
Há que ter em conta não apenas o que dispõem os arts. 913 e 915 do CC, mas a referência à responsabilidade pelo prejuízo causado, expressamente referido no nº 1 do art. 1225 (para o qual, também, remete o nº 4 do mesmo artigo).
Provou-se que o ar, no interior do quarto de dormir da A., tornou-se irrespirável, sendo constante a sensação de desconforto em face da elevada humidade existente nos quartos e sendo intenso o cheiro a bolor nas divisões da casa, principalmente no piso intermédio onde se situam os quartos e que a A. sentiu dificuldade em respirar dentro de casa, havendo surgido eczemas na sua pele, por força da degradação da qualidade do ar interior da casa, deteriorado pela humidade, bolores e fungos manifestados nas paredes e tectos. Daí a A. (que é alérgica ao pó doméstico, com manifestações respiratórias, incluindo rinite, e cutâneas, incluindo eczema) ter deixado de dormir na sua casa, passando a pernoitar na casa dos pais, sendo que desde então não pernoita, cozinha, goza momentos de lazer ou recebe convidados no imóvel por si adquirido.
Aliás, desde Fevereiro de 2017, que a A, por vergonha do estado em que se encontrava a sua casa, se inibia de receber visitas na sua casa, sentindo-se triste com a situação que estava a viver.
As condições de salubridade e habitabilidade da casa acarretam para a autora angústia, tristeza e abatimento psicológico, sofrimento e desgosto.
Por outro lado, a A., com referência à amortização do empréstimo bancário para aquisição da casa e aos seguros associados, despende uma quantia em valor mediano de € 303,08 57. Tal circunstância, associada ao facto de se tratar de um imóvel que a A. havia adquirido havia cerca de ano e meio quando o deixou de habitar, causa-lhe angústia, raiva e frustração.
A circunstância de o R. não proceder à eliminação das descritas anomalias provoca na autora raiva e ânimos depressivos, que perduram até à data.
De acordo com o art. 496 do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.
Dizem-nos a propósito Pires de Lima e Antunes Varela ([16]) que o Código limita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
Nas circunstâncias apuradas, tratando-se de uma situação que justificadamente, pelas razões apontadas, determinou à A. muito mais do que simples incómodos/contrariedades, causando-lhe os mencionados angústia, tristeza, abatimento psicológico, sofrimento, desgosto, raiva, frustração e ânimos depressivos, estamos face a danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito, sendo adequada a indemnização de 2.200, 00 € arbitrada a esse título pelo Tribunal de 1ª instância.
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IV – 7 – A A. peticionou uma indemnização pela privação do uso, por estar impedida de gozar de podo pleno os seus direitos de uso, fruição e disposição, nos termos do art. 1305 do CC (artigos 121 a 128 da p.i.).
Foi ponderado na sentença: «… sendo a autora titular do direito de propriedade sobre determinado imóvel, bem como dos rendimentos daquele  provenientes, à mesma assiste o direito de usar, fruir e dispor desse imóvel (cfr. art.ºs 202.º, n.º 1, 203.º, 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, 1.ª parte, 205.º, 1302.º, 1305.º e 1344.º, do Código Civil).
Neste conspecto, tendo o conteúdo desse direito sido atingido por via da deficiente execução da obra por parte do réu, que gerou humidades no imóvel que causam importante agravamento do estado de saúde da autora e que, mediante aconselhamento médico, a impedem de permanecer na sua casa, forçando-a a regressar a casa dos pais, com a inerente privação da autora dos poderes de uso e fruição do seu bem, impenderá sobre aquele réu o dever de reparar esses prejuízos, através de uma indemnização pecuniária».
E, ainda: «… como consequência directa e necessária da inércia do réu na reparação das anomalias verificadas no imóvel e das humidades nele existentes, por si ocasionadas com a obra que realizou, ficou a autora impedida de o usar e fruir, bem como ficou prejudicada a sua disponibilidade e o total aproveitamento das suas utilidades, assim se vendo a autora privada de obter do bem o gozo e proveito a que tem direito, bem como de o afectar ao fim a que se destina e que é a sua habitação.
A descrita factualidade reflecte um prejuízo verificado na esfera patrimonial da autora, o qual merece ser ressarcido, devendo a mesma ser colocada na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto ilícito e culposo praticado pelo réu, causalmente gerador desse dano».
 Sustenta o apelante: «Não estando provado que a autora não pode viver no imóvel, antes estando comprovado que o imóvel tem licença de utilização e é habitável, não ocorre a verificação dos pressupostos para atribuir uma indemnização por privação de uso, que pressuporia igualmente a alegação e prova de que o réu, com a sua acção ou omissão, teve como intenção privar a autora do uso do imóvel, de nele viver, o que não sucedeu, não foi alegado e provado, pelo que não existe fundamento para a condenação do réu no pagamento de uma indemnização…» (conclusão P).
Começamos por assinalar que, podendo o imóvel ter licença de habitação, a A. não deixou de habitar no mesmo por capricho – trata-se de uma casa húmida e com bolores, em que os sacos de arroz que a A. espalhou escurecem por força da humidade do ar interior, onde o mobiliário se degrada, e são frequentes o apodrecimento de embalagens de cartão, as manchas de bolor em tecidos, eletrodomésticos e loiças guardados no interior do mobiliário. Sendo do senso comum que uma casa com estas características, em geral não será favorável à saúde de qualquer um, no caso da A. - alérgica ao pó doméstico, com manifestações respiratórias e cutâneas e a quem fora aconselhado pelo médico evitar ambientes com pó e humidade – seria claramente prejudicial.
Partilhamos o entendimento de que o dano de privação do uso corresponde a um dano autónomo indemnizável, na medida em que o dono da coisa fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade e que o art. 1305 do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo.
Temos que, no caso, justificadamente, devido às condições impróprias da habitação que adquirira ao R., a A. deixou de nela residir, ficando privada da sua utilização
Na ocasião da venda do imóvel, obviamente, a A. não era, ainda, dona do mesmo – passou a sê-lo com aquele contrato translativo da propriedade (art. 879-a) do CC). A própria venda da coisa (defeituosa) teve por efeito a transmissão da propriedade: a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel passou a ser da A..
Padecendo o imóvel das anomalias mencionadas, o R. não procedeu às reparações que as sanariam. As obras, incompletas, que desenvolveu não resolveram os problemas que voltaram a manifestar-se sem que o R. tenha desenvolvido actividade no sentido de os superar – tendo a A. direito à eliminação dos defeitos (ver os nºs 3 e 4 do art. 1225) -  pelo que a A. (justificadamente, como vimos) deixou de residir no imóvel que lhe pertencia e que comprara para a sua habitação (como o R. sabia).
Entre os prejuízos sofridos pela A. em consequência da conduta (ilícita) do R. inclui-se o de privação do uso da sua casa. Sendo que o ressarcimento desses prejuízos, ao contrário do entendido pelo apelante, poderia derivar da simples culpa do R. (que não agiu com o cuidado e diligência que se lhe impunham), não sendo necessária a ocorrência da intenção do R. de privar a autora do uso do imóvel.
Pelo que, igualmente nesta parte, não procedem as conclusões do apelante.
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 IV – 8 – Como vimos, na sentença recorrida foi o R./apelante condenado no pagamento à A. de «uma indemnização no valor de € 3.029,37 (três mil e vinte e nove euros e trinta e sete cêntimos), acrescida do valor de € 50,00 (cinquenta euros) mensais, a entregar desde Janeiro de 2018 até que ocorra a eliminação dos defeitos na habitação da autora nos termos determinados da alínea a) do dispositivo, ao que acrescem os juros moratórios, à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até integral pagamento». Integra-se naquele valor de 3.029,37 € o montante da indemnização por danos não patrimoniais (2.200,00 €) e o montante de indemnização por danos patrimoniais (829,37 €), este último referente aos valores despendidos em desumidificadores e ao valor dos móveis danificados
Defende o apelante que tendo «os danos ficado quantificados apenas com a sentença, os juros terão de ser contados a partir desta, por antes da mesma o crédito era ilíquido, não podendo haver mora enquanto não se tornou líquido, sob pena de violação do artigo 805º nº 3 do CC, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor» (conclusão Q).
De acordo com o nº 1 do art. 805 do CC o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
No caso, a interpelação deu-se com a citação para a acção.
No que concerne à indemnização por danos não patrimoniais fixada pelo Tribunal de 1ª instância, interpretamos a sentença recorrida como havendo fixado uma indemnização não actualizada - se fosse actualizada não haveria lugar a juros desde a citação ([17]).
É certo que face à 1ª parte do nº 3 do art. 805 do CC, desconhecendo-se o montante do crédito não há mora do devedor, enquanto não operar a liquidação. Todavia, naquela mesma disposição são excepcionadas, duas situações, entre elas a de se tratar de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em que o devedor se constituirá em mora desde a citação.
Refere Ana Prata ([18]), a propósito desta norma: «A regra em análise parece clara no seu teor e na sua ratio. Independentemente da natureza, subjectiva ou objectiva, da responsabilidade, a obrigação de indemnizar vence-se com a citação do devedor para a ação de cumprimento.
Por motivos que não são óbvios, tem entendido a larga maioria da doutrina e da jurisprudência que a norma não inclui a responsabilidade obrigacional. Não é imediatamente evidente a razão por que a lei há de tratar com maior severidade o autor de danos no quadro da responsabilidade extraobrigacional do que aquele que os provocar no âmbito obrigacional. A situação é tanto mais estranha quanto não são raros os casos em que o mesmo facto pode ser considerado ilícito delitual e obrigacional. E, se a razão de ser fosse agravar a situação do devedor de indemnização por ilícito extraobrigacional, não faria sentido que a ele se equiparasse o devedor dessa obrigação com fonte em responsabilidade pelo risco. Por outro lado, se é verdade que, por vezes, a lei reserva para a responsabilidade extraobrigacional a designação de “responsabilidade por facto ilícito”, esse elemento literal não se afigura decisivo”».
Tendo em conta esta motivação, entendemos que, tratando-se, embora, de danos não patrimoniais que se reconduzem à responsabilidade obrigacional, a excepção é aplicável, sendo devidos juros desde a citação – na verdade, a actuação do R. traduz um “facto ilícito” que integra responsabilidade civil contratual.
Pelo que entendemos ser de manter a condenação em juros nos seus precisos termos.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo apelante.
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Lisboa, 16 de Dezembro de 2021
Maria José Mouro
Sousa Pinto                                                  
Vaz Gomes

[1] Redacção do dispositivo resultante da correcção do texto da sentença operada pelo despacho de fls. 1000.
[2] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, «Código de Processo Civil Anotado», II vol, Almedina, 3ª edição, pag. 709.
[3] «Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2014, pag. 364.
[4] Em «A Ação Declarativa Comum», Coimbra Editora, 3ª edição, pag. 278.
[5] Em «As Declarações de Parte. Uma Síntese» e «As Malquistas Declarações de Parte», ambas acessíveis na Internet, a primeira em Verbo Jurídico, a última na Revista Julgar on line, Julho de 2015.
[6] Ver, a propósito, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, «Direito das Obrigações – Contratos em Especial», Almedina, 2012, vol. II, pag. 452.
[7] Ver Pedro Romano Martinez, «Direito das Obrigações», vol. III, Almedina, 2ª edição, pag. 145 e Calvão da Silva, «Compra e Venda de Coisas Defeituosas», Almedina, 5ª edição, pags. 106-107.
[8] Ver Romano Martinez, «Direito das Obrigações – Contratos», Almedina, 2ª edição, pag. 130.
[9] Em «Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada», Almedina, pag. 188.
[10] Em «Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança», Almedina, 5ª edição.
[11] Em «Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra», Almedina, 3ª edição, pags. 170-171.
[12] Em «Prescrição e Caducidade», Coimbra Editora, 2008, pag. 178.
[13] Ver, a propósito Ricardo Bernardes em «Código Civil Anotado», coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, I vol., pag. 403.
[14] Assim, Ana Filipa Morais Antunes, obra e local citado e Júlio Gomes em «Comentário ao Código Civil – Parte Geral», coordenação de Carvalho Fernandes e Brandão Proença, Universidade Católica Editora, 2014, pag. 781.
[15] Como sabemos, a A., através de missiva datada de 3 de Março de 2017 e recebida em 9 de Março de 2017 pelo R., declarou o seguinte: “(...) Durante a última semana, detetei os seguintes defeitos, que passo a descrever:
- Humidade no teto do quarto;
- Humidade nas paredes do quarto;
- Humidade nos móveis junto à parede do quarto;
- Humidade nas paredes da sala;
- Pouco escoamento de água no terraço;
- Rebordo do telhado curto e suscetível de infiltrações;
- Empena da casa com infiltração por não estar impermeabilizada.
(...) venho por este meio exigir que os defeitos em causa sejam eliminados sem quaisquer encargos para mim. (...)”
[16] Em «Código Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. I, pag. 473.
[17] O AUJ nº 4/2002, de 9-5-2002, DR I série A de 27-6-2002, fixou jurisprudência neste sentido: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
[18] No «Código Civil Anotado», coordenação de Ana Prata, vol. I, Almedina, 2017, pags. 1011-1012.