Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
473/12.9TVLSB-C.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: DISPENSA DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)

I. A dispensa da taxa de justiça remanescente correspondente ao valor tributário do processo que exceda € 275 000,00 (n.º 7 do art.º 6.º do RCP), deverá ser concedida na decisão final do processo, na aceção que o conceito de “processo” tem no RCP.
II. As partes deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respetiva alegação.
III. A reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do n.º 7 do art.º 6.º do RCP.
IV. Porém, poderá equacionar-se, na sequência da reclamação de conta de custas, a apreciação da constitucionalidade do atual regime legal, em situações de manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio entre o que é reclamado das partes a título de custas e o que foi prestado pelo sistema de justiça, em termos tais que não possam deixar indiferente o aplicador do direito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em fevereiro de 2012 C (…), Lda, intentou nas Varas Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra P (…), S.A..

A A. alegou, em síntese, que em 15.10.2010 celebrara com a R. um contrato-promessa de compra e venda, mediante o qual a R. se comprometera a vender à A. e esta se obrigara a comprar à R. uma parcela de terreno situada na Zona de Intervenção da Expo 98, em Lisboa.

Sucede que, por culpa da R., o contrato foi definitivamente incumprido.

A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar à A. a quantia de € 1 050 000,00, correspondente ao sinal em dobro ou, subsidiariamente, o valor do sinal em singelo e ainda, independentemente da procedência dos pedidos anteriores, que a R. fosse condenada a pagar à A. uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual, em valor não inferior a € 1 320 325,31.

A R. contestou e reconvencionou, pedindo que fosse declarado fundamentadamente resolvido o contrato-promessa pela R., fazendo a mesma seu o sinal entregue.

A A. replicou e a R. treplicou.

O tribunal a quo fixou à ação o valor de € 2 370 325,31, não atribuindo, para esse efeito, autonomia ao pedido reconvencional, por constituir mero reverso do peticionado pela A.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, foi proferida sentença (em 06.11.2013), parcialmente favorável à A., que foi alvo de alteração, pela Relação de Lisboa (em 15.5.2014), na sequência de recurso de apelação que fora interposto pela R., acórdão esse que por sua vez foi revogado por acórdão do STJ (em 15.01.2015), na sequência de recursos de revista interpostos pela A. e pela R. (esta subordinadamente), do qual resultou o total ganho de causa pela R..

Transitado em julgado o acórdão do STJ, foi elaborada conta de custas, relativamente a cada uma das partes, imputando-se à A., ora apelante, taxa de justiça no montante total de € 42 381,00, da qual estaria em dívida € 38 301,00, e à R. taxa de justiça no montante total de € 40 035,00, do qual estaria em dívida € 38 326,50.

A A., notificada da conta, dela reclamou, pedindo, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do RCP, que fosse dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, correspondente ao valor da ação excedente a € 275 000,00.

Em 10.9.2015 foi proferido despacho em que se indeferiu o aludido requerimento, por extemporaneidade.

A A. apelou de tal despacho, tendo apresentado alegações, em que formulou as seguintes conclusões:

I. O presente recurso é interposto com fundamento nas disposições conjugadas dos artigos 629.°, n.° 1, 631.°, n.° 1, 644.°, n.° 2, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, e do artigo 31.°, n.° 6, do Regulamento das Custas Processuais.

II. O presente recurso tem por objeto o douto despacho de 10 de setembro de 2015 (fls. 1559 e 1560 dos autos principais), que julgou extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, que havia sido formulado pela ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas.

III. Na verdade — ao invés do decidido no douto despacho recorrido —, o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (artigo 6.°, n.° 7, do Regulamento das Custas Judiciais) pode ser apresentado após a notificação às partes da conta de custas, dentro do prazo disponível para a reclamação da dita conta.

IV. Com efeito, a questão da dispensa do remanescente não se pode considerar abrangida pelo caso julgado da sentença ou acórdão finais, uma vez que estes últimos se limitam a fixar definitivamente a repartição da responsabilidade pelas custas, mas não o montante das mesmas.

V. Para além disso, o mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo, relação que é radicalmente negada quando a Recorrente se vê confrontada com um encargo de custas processuais de 105 985,65 €, numa acção declarativa de reduzida complexidade, cuja audiência de produção de prova durou menos de 8 horas.

VI. Ora, só depois de elaborada a conta final do processo é que o tribunal e as próprias partes ficam a conhecer o valor exato da taxa de justiça que seria devida e se encontram em condições para apreciar devidamente se o valor da taxa de justiça é ou não é excessivo e desadequado face ao circunstancialismo do processo.

VII. Conforme resulta do artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, o tribunal tem o poder-dever de dispensar oficiosamente o remanescente da taxa de justiça, quando a "especificidade da situação o justificar", pelo que não se compreende porque não o poderia fazer, após a notificação da conta de custas – momento em que a desproporcionalidade das custas em face da actividade processual concreta se torna finalmente patente e manifesta.

VIII. Até porque, o poder jurisdicional do Tribunal em matéria de custas não se esgota com a notificação da conta de custas, como aliás, se comprova pelo facto de o Tribunal poder apreciar pedidos de reforma e de reclamação da dita conta.

IX. A nulidade processual reconhecida pelo Tribunal "a quo" no outro despacho de 10.09.2015, consubstanciada na omissão da notificação à Ré que, nos termos do artigo 14°, n° 9, do Regulamento das Custas Processuais, deve ser efectuada "nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n° 7 do artigo 6º' contribuiu objectivamente para que a Recorrente não tivesse suscitado a dispensa do remanescente, em momento anterior à notificação da conta de custas.

X.  À luz da referida finalidade do artigo 6°, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais de evitar desproporções excessivas entre as custas processuais e o serviço de justiça prestado, seria até inconstitucional — por violadora do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça (artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, e 20.° da Constituição da República Portuguesa) — a interpretação do referido artigo 6.°, n.° 7, segundo a qual o tribunal não tem o dever e nem sequer pode apreciar a desproporcionalidade entre o valor global da taxa de justiça e a actividade jurisdicional efectivamente desenvolvida no processo, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas.

XI. Por outro lado, sempre deveria considerar-se materialmente inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigos 2°, 13°, 18°, N° 2, E 20°, n°S 1 e 2° da C.R.P.), a interpretação dos artigos 6°, n°s 1, 2 e 7, 31 °, n°s 1 e 3, e Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, segundo a qual numa acção de condenação por incumprimento de um contrato-promessa, sem qualquer complexidade, o volume da taxa de justiça e, portanto, das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, com o efeito de fazer ascender a conta de custas processuais (incluindo custas de parte) a € 105 985,25.

XII. Por conseguinte, o tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, n.° 7, parte final, e 31.°, n.°s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pela ora Recorrente em sede de reclamação da conta de custas.

XIII. A taxa de justiça global de € 82.416,00, tal como fixada na conta final, é manifestamente excessiva e desproporcionada para um processo no qual (i) se discutiu apenas uma questão jurídica simples, relativa ao incumprimento e resolução de um (e só um) contrato-promessa de compra e venda de um imóvel (com 6 considerandos e 15 cláusulas), cuja apreciação não requer qualquer tipo de especialização do julgador, e em relação à qual já existe, desde há muito, jurisprudência e doutrina consolidadas, (ii) se discutem questões de facto notoriamente simples, não se produzem meios de prova onerosos (como perícias e inspeções judiciais) e a audiência de julgamento tem uma duração que não chega a 8 horas, com a inquirição de apenas 10 testemunhas, (iii) ambas as partes se comportaram de forma correta e colaborante, tendo deduzido pretensões de tal forma fundadas que a Recorrente ganhou em primeira e segunda instâncias (enquanto a contraparte venceu no Supremo Tribunal de Justiça), e contribuído para que o processo ficasse definitivamente decidido em menos de 3 anos.

XIV. Por conseguinte, estão patentemente verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor global de € 78.336,00 (dos quais € 39.933,00 imputados à Recorrente e € 38.403,00 à contraparte), ao abrigo do disposto no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, devendo ser dispensado o respetivo pagamento.

XV. Outro entendimento, para além de ilegal, redundaria numa flagrante desproporcionalidade entre a taxa de justiça global (€ 82.416,00) e a atividade jurisdicional concretamente desenvolvida nos presentes autos, em moldes que violam frontalmente o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça, devendo, por isso, reputar-se semelhante entendimento inconstitucional por violação dos artigos 2.°, 13.°, 18.°, n.° 2, e 20.° da Constituição da República Portuguesa.

A apelante terminou pedindo que o despacho recorrido fosse revogado e substituído por decisão que dispensasse o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 7 do RCP.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

As questões a apreciar neste recurso são as seguintes: tempestividade do requerimento indeferido; no caso de se julgar o requerimento tempestivo, se deve ser concedida a requerida dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente; se se ajuizar que o requerimento é intempestivo, apreciar da inconstitucionalidade da solução legal.

Primeira questão (tempestividade do requerimento indeferido)

Quanto a esta questão, há que levar em consideração o factualismo constante do Relatório supra, atentando-se ainda que:

1. Na sentença proferida em 06.11.2013 foi emitido o seguinte dispositivo:

Por tudo o exposto, decido:

a) Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora o valor de 1.050.000,00€, correspondente ao dobro do sinal, e absolver a ré do demais peticionado;

b) Julgar improcedente pedido reconvencional e, consequentemente absolver a A. do mesmo.

Custas pela A. e ré na proporção do decaimento.

Notifique e registe.”

2. No acórdão da Relação de Lisboa de 15.5.2014 foi proferida a seguinte decisão:

Nestes termos acordam em julgar a apelação parcialmente procedente, pelo que vai a R condenada a restituir à A o sinal recebido, mas em singelo.

Em tudo o mais vai a decisão confirmada.

Custas pelas partes na proporção de metade.”

3. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.01.2015 exarou-se a seguinte decisão:

Nestes termos e considerando o exposto acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista interposta pela autora e concedendo provimento ao recurso subordinado interposto pela Ré, revogam o Acórdão recorrido, julgando-se a acção improcedente e procedente a reconvenção.

Custas pela A recorrente.”

4. A A. alegou a nulidade do acórdão do STJ e requereu a sua reforma, tendo em 05.3.2015 o STJ indeferido, em conferência, tal pretensão, nos seguintes termos:

Nestes termos e em conformidade com o exposto acordam os Juízes deste Supremo em indeferir a arguida nulidade, bem como a requerida reforma do Acórdão.

Custas pela recorrente, cuja taxa de justiça se fixa em 3 UCs.”

5. Em 26.6.2015 foi elaborada conta de custas relativamente à A., na qual se exarou que as taxas aplicáveis eram € 25 704,00 pela ação, com base tributável de € 2 370 325,31; € 8 772,00 pela apelação (contra-alegação), com base tributável de € 1 575 000,00; € 2 346,00 pela revista (base tributável: € 525 000,00) e € 5 559,00 (base tributável: € 1 050 000,00) pela contra-alegação na revista subordinada interposta pela R. - num total de € 42 381,00, de que estavam em dívida € 38 301,00.

6. Na mesma data (26.6.2015) foi elaborada conta relativamente à R, na qual se exarou que as taxas aplicáveis eram € 25 704,00 pela ação; € 8 772,00 pela apelação e € 5 559,00 pela revista subordinada - num total de € 40 035,00, de que estavam em dívida € 38 326,50.

O Direito

Aplica-se a estes autos o Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26.02, com as alterações publicitadas, nomeadamente as introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13.02 (cfr. art.º 8.º da Lei n.º 7/2012).

Segundo o art.º 1.º n.º 1 do RCP, “todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.”

Sendo certo que, para efeitos do Regulamento, “considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria” (n.º 2 do art.º 1.º).

As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (n.º 1 do art.º 2.º do RCP).

A taxa de justiça “corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento…” (n.º 1 do art.º 6.º do RCP).

Também no CPC se define que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais” (n.º 2 do art.º 529.º do novo CPC, n.º 2 do art.º 447.º do anterior CPC).

Mais estipulando o legislador que “a taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais” (n.º 1 do art.º 530.º do novo CPC, n.º 1 do art.º 447.º-A do CPC anterior).

Como diz Salvador da Costa, “o critério do vencimento não releva, em regra, para o efeito de pagamento de taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respetivo impulso processual, seja do lado ativo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço” (“Regulamento das Custas Processuais anotado”, 2013, 5.ª edição, Almedina, pág. 65). Ou, dito de outro modo, “a taxa de justiça, desvinculada do critério da causalidade a que alude o artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, consubstancia-se, grosso modo, na prestação pecuniária que o Estado exige, em regra, aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou de que beneficiem” (Salvador da Costa, obra citada, pág. 144). “Temos assim, como regra geral, que os interessados diretos no objeto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça” (Salvador da Costa, obra citada, pág. 194).

O valor da taxa de justiça, expresso com recurso à unidade de conta processual (UC, a qual se fixa à data do início do processo, na aceção referida no n.º 2 do art.º 1.º do RCP – n.º 3 do art.º 5.º do RCP), determina-se de acordo com as tabelas anexas no RCP. Na falta de estipulação em contrário, aplica-se a tabela I-A (n.º 1 do art.º 6.º do RCP). Nos recursos, aplica-se a tabela I-B (n.º 2 do art.º 6.º do RCP). Às ações e recursos que assumam especial complexidade aplicar-se-á a tabela I-C, mediante decisão do juiz (“o juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C…” – n.º 5 do art.º 6.º do RCP).

Aos incidentes, procedimentos cautelares e execuções aplica-se a tabela II. Este tipo de processos não está em causa no caso sub judice, pelo que deles não cuidaremos.

As referidas tabelas (I-A, I-B e I-C) preveem vários escalões de valor das ações, por ordem crescente, a que corresponde, a cada escalão, a título de taxa de justiça, um determinado número de UC, também por ordem crescente. Na formulação das tabelas primitivamente prevista no RCP a taxa de justiça exigível não ultrapassava um determinado limite (60 UC na I-A, 20 UC na I-B e 90 UC na I-C), devendo ser graduada, nos processos com valor a partir de € 600 000,01, entre esse máximo e um determinado valor mínimo (20 UC na tabela I-A, 10 UC na tabela I-B e 30 UC na tabela I-C).

Com este sistema, segundo consta no Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 34/2008, “o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção.” Partindo da constatação de que “o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial”, procurou-se “um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça”, estabelecendo-se “um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.” Assim, segundo o legislador, visou-se “adequar[-se] o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores.”

A taxa de justiça deve ser paga no momento do respetivo impulso processual, em uma ou duas prestações (artigos 13.º e 14.º do RCP), por meio de autoliquidação da parte. Para tanto, a parte guiar-se-á pelas aludidas tabelas. Se se tratar de processo (na aceção do RCP) cuja taxa seja variável, a parte liquidará a taxa pelo seu valor mínimo, pagando o excedente, se o houver, a final (n.º 6 do art.º 6.º do RCP).

O Dec.-Lei n.º 52/2011 de 13.4, alterou, de forma significativa, as referidas tabelas. O legislador apresentou tais alterações pela seguinte forma: “…as tabelas, anexas ao Regulamento das Custas Processuais, são alteradas no sentido de prever algumas situações que estavam omissas. Constatou-se que a taxa de justiça nalguns casos não estava adequada à complexidade da causa, pelo que se prevê um aumento progressivo da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento.”

Assim, as tabelas (I-A, I-B e I-C) deixaram de prever um montante máximo da taxa de justiça. A tabela I-A, por exemplo, passou a ter, como escalão mais elevado expressamente previsto, o correspondente aos processos com valor de € 250 000,01 a € 275 000,00, a que caberá a taxa de justiça equivalente a 16 UC e, para além daquele valor de € 275 000,00, ao valor da taxa de justiça acrescerá, “a final”, 3 UC por cada € 25 000,00 ou fração. Ou seja, por exemplo, aquando da propositura da ação o autor, numa ação com valor superior a € 275 000,00, autoliquidará taxa de justiça correspondente a 16 UC, e a final pagará o correspondente ao remanescente.

Tal solução passou a determinar que em ações de valor muito elevado fossem cobradas taxas de justiça por vezes exorbitantes, sem qualquer correspondência com o serviço de administração de justiça prestado. Esse regime foi, por isso, qualificado de materialmente inconstitucional, por ofensa ao princípio da proporcionalidade (ou de proibição do excesso), decorrente do princípio do Estado de Direito (artigos 2.º e 18.º n.º 2, 2.ª parte, da CRP) e da tutela do direito de acesso à justiça (art.º 20.º da CRP) – cfr., v.g., acórdão do TC, n.º 421/2013, de 15.7.2013.

Consequentemente, a Lei n.º 7/2012, de 13.02, alterou o art.º 6.º do RCP, adicionando um n.º 7, com a seguinte redação:

Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Mais se estipulou, no n.º 9 do art.º 14.º, que “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”

Isto é, a parte que não seja julgada totalmente responsável pelas custas deverá, na mesma, pagar a taxa de justiça remanescente que se mostrar em falta e que corresponde ao respetivo “impulso processual”. Depois, a parte poderá reclamar da parte contrária a taxa de justiça que pagou a mais (de acordo com a responsabilidade em custas que lhe foi atribuída pela decisão final – artigos 527.º, 607.º n.º 6 do CPC), a título de custas de parte, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão condenatória (art.º 533.º n.º 1, n.º 2 alíneas a) e n.º 3 do novo CPC; artigos 25.º n.º 1 e n.º 2, alíneas b) e e) e 26.º, n.ºs 1, 2 e 3 alínea a) do RCP).

Por sua vez a conta de custas será elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final, dispensando-se a sua realização sempre que não haja quantias em dívida (n.º 1 do art.º 29.º do RCP).

A conta deve ser elaborada “de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos” (n.º 1 do art.º 30.º do RCP) e elaborando-se “uma só conta por cada sujeito processual responsável pelas custas (…), que abranja o processo principal e os apensos” (n.º 2 do art.º 30.º do RCP).

As partes poderão reclamar da conta no prazo de 10 dias após dela serem notificadas, devendo o juiz, mesmo oficiosamente, mandar “reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais” (n.º 2 do art.º 31.º do RCP).

Em suma, a reforma da conta, ordenada oficiosamente pelo juiz ou na sequência de reclamação das partes, resultará da violação de normas legais, de entre as quais se encontra a que manda cumprir a decisão final que tenha sido proferida em matéria de custas.

Sendo certo que, na decisão final da ação (na primeira instância) e no(s) recurso(s), o tribunal deverá proferir decisão quanto a custas, não só quanto à proporção da responsabilidade das partes, mas também, se for o caso, quanto à qualificação do processo como especialmente complexo (art.º 530.º n.º 7 do CPC), assim determinando a aplicação da tabela I-C (art.º 6.º n.º 5 do RCP), e bem assim dispensando (ou reduzindo) a taxa de justiça remanescente, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do RCP. Na inicial formulação do RCP, nos processos de maior valor, em que as tabelas previam um valor máximo e um valor mínimo de taxa de justiça, deveria também o juiz (tal como atualmente sucede com os incidentes – vide tabela II) decidir acerca do valor de tributação em concreto.

As partes poderão requerer a reforma da decisão quanto a custas, nos termos do art.º 616.º n.º 1 do CPC (quanto aos recursos, vide artigos 666.º e 685.º do CPC), no prazo de 10 dias (art.º 149.º n.º 1 do CPC) ou, se couber recurso da decisão que condene em custas, na alegação do recurso (n.º 3 do art.º 616.º do CPC).

Por conseguinte, quanto aos processos (na aceção do RCP) cujo valor exceda € 275 000,00, as partes começarão por, aquando do respetivo impulso processual, pagar a taxa de justiça correspondente ao valor de € 275 000,00; proferida a decisão final do processo, se o juiz nela nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente e a(s) partes dissentir(em) dessa omissão (ou discordar(em) da medida do decidido nessa matéria) deverá ou deverão requerer a reforma da decisão quanto a custas, em requerimento avulso ou em recurso, consoante o caso (neste sentido, cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado, 2013, 5.ª edição, pág. 201; na jurisprudência, vide STA, acórdão de 29.10.2014, processo 0547/14 e acórdão de 20.10.2015, processo 0468/15; Relação de Lisboa, acórdão de 03.7.2012, processo 741/09.7TBCSC.L2-7 - consultáveis in www.dgsi.pt).

De tudo o exposto resulta que a reclamação da conta não é o momento adequado para as partes peticionarem a dispensa do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da ação excedente a € 275 000,00. Tal questão terá necessariamente ficado resolvida antes da elaboração da conta, como é o entendimento de parte da jurisprudência (embora nem sempre vinculando essa decisão ao momento da decisão final e sua reforma, admitindo-se eventual requerimento/decisão avulsa posteriores, porém anteriores à elaboração da conta - vide acórdão da Relação de Coimbra, de 03.12.2013, processo 1394/09.8TBCBR.C1; acórdão da Relação de Lisboa, de 16.6.2015, processo 2264/06.7TVLSB-A.L1-1; Relação de Lisboa, 15.10.2015, processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6), que para tal invoca, além do texto da lei, razões de segurança jurídica e a proibição da prática de atos inúteis.

Discorda-se, assim, da jurisprudência, citada pela apelante, que decidiu em contrário, expressa ou tacitamente, e por vezes em mero obiter dictum, admitindo que a dispensa da taxa de justiça remanescente seja requerida e discutida após a notificação da conta de custas, nomeadamente em sede de reclamação da conta (vide acórdão da Relação de Lisboa, de 07.11.2013, processo 332/04.9TBVPA.P1; acórdão da Relação de Lisboa, 03.12.2013, processo 1586/08.7TCLRS-L2.7; acórdão da Relação de Guimarães, de 27.3.2014, processo 612/09.7TBVCT.G2; acórdão da Relação de Coimbra, de 29.4.2014, processo 2045/09.6T2AVR-B.C2; acórdão do STA, de 21.5.2014, processo 0129/14; acórdão da Relação do Porto, de 30.9.2014, processo 2424/07.3TBVCD-A.P1; acórdão da Relação de Guimarães, de 14.5.2015, processo 464/09.7TBPVL-A.G1).

Nos autos a que se reporta esta apelação, nenhum dos tribunais intervenientes dispensou a tributação da parte excedente ao montante de € 275 000,00 e as partes não reagiram a essa opção, antes da reclamação ora sub judice.

Conclui-se, assim, que face ao atual sistema legal, o requerimento de dispensa de taxa de justiça apresentado pela A. era e é extemporâneo, não podendo fundamentar reclamação da conta.

Sendo irrelevante, contrariamente ao alegado pela apelante na conclusão IX da apelação, a circunstância de a R., vencedora da ação, não ter sido alvo da notificação prevista nos termos do art.º 14.º n.º 9 do RCP (para proceder ao pagamento da taxa de justiça remanescente, antes da elaboração da conta de custas), uma vez que tal notificação, como decorre da menção acima efetuada a esta norma, não se destina, nem direta nem indiretamente, à salvaguarda de qualquer interesse da parte contrária, mas, tão só, à efetivação dos interesses tributários do Estado, com indireta possibilitação de essa parte, uma vez realizado tal pagamento, reclamar o seu reembolso à parte vencida, a título de custas de parte.

Segunda questão (constitucionalidade do atual regime legal)

Importa levar em consideração, para além do que supra consta no Relatório e na apreciação da primeira questão, os seguintes

Elementos de facto, que se extraem da certidão do processo principal, que instrui o recurso:

1. A petição inicial contém 284 artigos, ocupa 64 páginas e é acompanhada por 61 documentos.

2. A contestação e a reconvenção têm 148 artigos, ocupam 51 páginas e são acompanhadas de seis documentos.

3. A réplica tem 96 artigos e 18 páginas.

4. Houve tréplica (não documentada nestes autos de recurso, mas mencionada no relatório da sentença).

5. Em 01.10.2012 realizou-se audiência preliminar, na qual, a pedido das partes, se decidiu suspender o processo por 20 dias, com vista à realização de acordo.

6. Em 11.3.2013 foi dispensada nova sessão de audiência preliminar, proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto assente (30 alíneas) e matéria de facto controvertida (40 artigos).

7. A A. reclamou da seleção da matéria de facto (não documentada nestes autos de recurso), parcialmente deferida por despacho proferido em 18.4.2013, aditando-se à matéria assente mais 4 alíneas.

8. Procedeu-se a audiência de discussão de julgamento, ao longo de sessões realizadas em 12.9.2013 (todo o dia, ouvindo-se 8 testemunhas), 26.9.2013 (da parte da tarde, durante uma hora e quarenta e cinco minutos, inquirindo-se duas testemunhas) e 10.10.2013 (para alegações, durante cerca de hora e meia).

9. Em 06.11.2013 foi proferida sentença, de 31 páginas.

10. A apelação, com 45 páginas e 14 conclusões, incluiu impugnação da decisão da matéria de facto, incidindo sobre prova testemunhal e documental, atinente a 9 factos, e ainda sobre matéria de direito.

11. As contra-alegações da A. têm 39 páginas.

12. A apelante deduziu incidente de prestação de caução, que foi deferido, a fim de ser atribuído efeito suspensivo ao recurso.

13. O acórdão da Relação de Lisboa, que se ocupou de todas as questões suscitadas na apelação, tem 41 páginas.

14. A revista da A. tem 67 páginas e 41 conclusões.

15. A revista, subordinada, da R., tem 19 páginas e 12 conclusões.

16. As contra-alegações da A. respeitantes à revista da R. têm 43 páginas.

17. A A. fez juntar aos autos, perante o STJ, um parecer de um ilustre jurisconsulto (não documentado nestes autos de recurso, mas mencionado no relatório do acórdão do STJ).

18. O acórdão do STJ, que apreciou as duas revistas, tem 25 páginas.

19. Em 05.3.2015, em acórdão que ocupa 2 páginas, o STJ, em conferência, indeferiu arguição de nulidade, requerimento de reforma do acórdão e pedido subsidiário de revogação da decisão de responsabilização da A. com a perda de sinal, formulados pela A. (requerimento que não está documentado nestes autos de recurso).

20. O processo principal tem mais de 1500 páginas.

O Direito

Como se sabe e foi exposto supra, a possibilidade concedida ao juiz de dispensar o pagamento de taxa de justiça remanescente em ações de valor tributário superior a € 275 000,00 foi introduzida para fazer face à inconstitucionalidade material de que padecia o regime então em vigor, o qual permitia que fossem impostas às partes custas de valor absolutamente desproporcionado, sem qualquer correspondência com o serviço de administração da justiça prestado, podendo assumir montantes tais que as pessoas se viam compelidas a afastarem-se dos tribunais, num atropelo do direito de acesso à justiça.

O facto de a lei permitir, atualmente, o referido movimento corretor do valor das custas, poderá fundamentar um juízo de constitucionalidade da lei quanto a esta questão, como, por exemplo, se decidiu no acórdão do STA, de 20.10.2015, processo 0468/15. Mais, existem decisões jurisprudenciais que defendem que, tendo o tribunal rejeitado a reclamação da conta de custas consubstanciada em extemporâneo requerimento de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, a aludida questão de inconstitucionalidade nem sequer se põe (vide STA, acórdão de 29.10.2014, processo 0547/14; Relação de Lisboa, de 15.10.2015, processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6).

Porém, à semelhança do que foi ponderado no acórdão desta Relação, de 03.7.2012, processo 741/09.7TBCSC.L2-L2-7, afigura-se-nos que é possível ao tribunal averiguar, como nesse acórdão se diz, “se a aplicação estrita das normas jurídicas, vocacionadas à hipótese concreta, pelos resultados atingidos (…) não será passível de esbarrar com disposições de natureza constitucional (…) de tal maneira se impondo algum ajustamento normativo.”

De facto, como se diz no acórdão n.º 421/2013, do Tribunal Constitucional, de 15.7.2013, “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.

Se é certo que, como se disse, o sistema legal tem atualmente a referida válvula de escape, capaz de refrear a tributação que uma tabela tributária sem limites poderia implicar, e reiterando-se que tal sistema deverá ser acionado aquando da decisão final (sentença; decisão sumária ou acórdão proferido em sede de recurso), com a disponibilização de reação contra essa decisão em sede de pedido de reforma ou de recurso contra a mesma, haverá que reconhecer que, como se infere da diversidade de entendimentos que esta temática suscita, o atual dispositivo legal aparenta falta de clareza, podendo levar a que a associação de inércia desatenta do lado do julgador com descuido do lado das partes conduza a uma tributação que, pela sua exorbitância, imponha os efeitos de uma fiscalização concreta de constitucionalidade.

Aqui se sufragando o exarado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 301/2009, de 22.6.2009, segundo o qual “…estando em causa o apuramento da proporcionalidade ou não de um valor quantitativamente determinado, as configurações casuísticas, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade, contam como elemento de valoração, sem pôr em cheque a natureza normativa do nosso sistema de controlo. Daí a admissibilidade, sem contradição, de juízos discordantes sobre o mesmo critério normativo, dada a sua diferente projecção consequencialista sobre distintas realidades, do ponto de vista da natureza e do valor do serviço prestado.”

Atendendo a que, como se disse, a lei já permite o controlo do montante de taxa de justiça a cobrar às partes, a correção a operar por aplicação direta de critérios constitucionais só deverá ocorrer em situações de manifesta iniquidade, de insuportável desequilíbrio entre o que é reclamado das partes e o que foi prestado pelo sistema de justiça, em termos tais que não poderão deixar indiferente o aplicador do direito.

Ora, numa ação em que a A. pretendia obter uma utilidade económica no montante total de € 2 370 325,31, foi-lhe exigida a taxa de justiça de € 25 704,00. E, na apelação, em que a A. contra-alegou tendo em vista a defesa do que lhe havia sido reconhecido pelo tribunal de primeira instância, no valor de € 1 050 000,00, e contra o que a R. nesse recurso pretendia, que era a perda do sinal por parte da A., no montante de € 525 000,00, foi-lhe cobrada taxa de justiça no montante de € 8 772,00. No recurso de revista, em que a A. pretendia a reposição do decidido pela primeira instância, foi-lhe exigida taxa de justiça no valor de € 2 346,00 e, pela contra-alegação do recurso subordinado interposto pela R., mais € 5 559,00 de taxa de justiça.

Se a estes valores se somarem as taxas de justiça exigidas à R. (embora não esteja demonstrado nos autos que a R. pagou a totalidade das taxas liquidadas e as já reclamou da A. a título de custas de parte), conclui-se que o custo total suportado pela A., pela atuação nas três instâncias, a título de taxa de justiça, poderá somar € 82 416,00, sendo € 51 408,00 na primeira instância, € 17 544,00 na Relação e € 13 464,00 no STJ (não se contabilizando aqui as custas do incidente que suscitou a deliberação do STJ em conferência). Trata-se de valores elevados, porventura exagerados face às circunstâncias do litígio, embora não se possa dizer que o processo tivesse sido linear e desprovido de complexidade jurídica. Quanto à alegada singeleza jurídica, invocada pela apelante, a disparidade das decisões proferidas em todas as instâncias e a necessidade, sentida pela A., de apresentar perante o STJ um parecer de um ilustre jurisconsulto, desmentem-na. E no que concerne à leveza da tramitação processual, o número de articulados (quatro, na primeira instância) e a realização de quatro audiências (audiência preliminar e sessões de julgamento), a que se seguiu apelação com reapreciação da prova gravada e documental e duas revistas seguidas de convocação, após o julgamento, de conferência, retiram-lhe evidência.

Afigura-se-nos, ainda assim e tudo ponderado, que se justificaria, se assim as partes o tivessem atempadamente requerido, se não a dispensa total, pelo menos a redução das taxas de justiça incidentes sobre o valor superior a € 275 000,00 (solução intermédia – redução da taxa de justiça remanescente, em lugar da dispensa integral - cuja admissibilidade não tem suscitado controvérsia, estando proficientemente fundamentada, v.g., no acórdão do STJ, de 12.12.2013, processo 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1).

Porém, tendo as partes omitido atempada intervenção naquele sentido, decisão contrária à lei ordinária só se justificaria se, como se disse, os valores cobrados à A. ultrapassassem flagrantemente padrões de proporcionalidade, em termos qualificáveis de iníquos, atingindo níveis que impusessem o afastamento do regime legal. Situações como algumas daquelas que demandaram do Tribunal Constitucional a sua intervenção corretora da legislação tributária-processual, antes da alteração do direito ordinário já exposta, seja no RCP, seja, anteriormente, no CCJ: cobrança de € 118 360,80 de taxa de justiça (sem considerar a devida pela parte vencedora), em ação, com o valor tributário de € 10 000 000,00, que terminara ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido apresentada pelo autor (TC 421/2013, de 15.7.2013); cobrança de custas no valor total (sem consideração de custas da outra parte) de € 584 403,82, num procedimento cautelar com recurso para a Relação, com o valor tributário de € 51 742 000,00 (TC 227/2007, de 28.3.2007); cobrança de € 15 204,39 (sem consideração das custas das outras partes) de taxa de justiça pela mera interposição de recurso de decisão interlocutória por terceiro por ela afetado, em ação com o valor tributário de € 2 334 408,57.

Como se disse supra, a A., quando propôs a ação, tinha todas as condições para calcular antecipadamente o montante que provavelmente lhe seria cobrado, a título de taxa de justiça, pelo recurso aos tribunais. Cálculo esse a que, enquanto entidade empresarial, naturalmente vocacionada para a ponderação da relação custo-benefício no exercício da sua atividade, seguramente procedeu. Ora, nada ocorreu que tenha contrariado essas expetativas. Inclusivamente, o pedido reconvencional deduzido pela contraparte não foi considerado autonomamente pela primeira instância para o efeito de fixação do valor tributário da ação. Sendo certo que a lei possibilitava à A. exonerar-se ou mitigar tais encargos, nos termos supra explanados, o que não fez. Assim, a A. deve a si própria as consequências do encargo que ora terá de suportar.

Nestes termos, conclui-se pela improcedência da apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.

As custas da apelação são a cargo da apelante, que nela decaiu (sendo certo que o valor tributário da apelação é, tal como indicado pela apelante, de € 78 336,00).


Lisboa, 28.4.2016

Jorge Leal

Ondina Carmo Alves

Lúcia Sousa