Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1054/22.4T8FNC-B.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: COLIGAÇÃO DE RÉUS
REQUISITOS
CONEXÃO ENTRE PEDIDOS
CONTRATO PROMESSA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A coligação dos réus pressupõe pluralidade de pedidos e só é permitida quando entre esses pedidos haja uma conexão que pode alicerçar-se na identidade de causa de pedir, dependência entre pedidos, identidade dos factos em que se fundam os pedidos, identidade das regras de direito cuja interpretação e aplicação importem aos pedidos formulados ou ainda na identidade de cláusulas contratuais cuja interpretação ou aplicação sejam necessárias aos pedidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8a secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A demandou B também conhecido por B1, C  e mulher D, pedindo que fosse declarada e judicialmente reconhecida a resolução dos contratos-promessa entre o autor e os réus que constituem os docs. 1 a 5, por incumprimento culposo e definitivo por parte dos réus, das obrigações que contratualmente assumiram para com o autor, conforme alegado, condenar o réu B a pagar ao autor o valor de €220.136,46, correspondente ao dobro de todos os valores que lhe foram pagos pelo autor, a título de sinal e por conta dos preços contratualmente ajustados, bem como os juros moratórios, desde 26/10/17, quanto ao prédio da Rua Ribeirinho de Baixo e desde o termo do prazo fixado na notificação postal registada quanto à cessão da quota na sociedade “Armosa” ou seja, 31/3/20, bem como os juros vincendos, contados à mesma taxa até integral pagamento, ascendendo os vencidos até à data da interposição da acção em €18.867,72, mais devendo este réu ser condenado solidariamente nas custas judiciais; condenar o réu C a quantia de €59.855,76 correspondente ao dobro do valor do valor monetário que lhes foi pago a título de sinal e por conta do preço ajustado pela prometida cessão de quota na sociedade “Longland”, condenar os réus C e mulher, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de € 58.293,34 correspondente a 1/3 dos preços de venda dos mencionados Lote 11 e Lote 1 da permuta, conforme acordo, de 29/12/2006; condenar o réu C a pagar juros moratórios, à taxa legal anual, desde 28/2/17, até integral pagamento sobre o valor de €59.855,76, sendo o valor dos vencidos até à interposição da acção, no valor de €11.977,71, condenar os réus C e mulher D, solidariamente, no pagamento de juros moratórios contados à taxa legal anual, desde 28/2/17 até integral pagamento, a incidir sobre o valor de €59.293,33, sendo o valor dos vencidos à data da interposição da acção, de €11.665,06.
Alegou, para tanto, e no que interessa aos termos do recurso, que por escrito particular, de 14/10/99, o réu B, ainda no estado de casado prometeu vender ao autor que prometeu comprar 1/3 do prédio urbano sito à rua do ribeirinho de baixo, freguesia e concelho do Funchal, pelo preço de Esc: 2.067$00 (contra valor de €10.310,15) pago integralmente pelo autor no acto da formalização do contrato-promessa, tendo convencionado e reciprocamente aceite que a escritura respectiva seria celebrada logo que o autor o exigisse por escrito e com a antecedência mínima de  5 dias, convencionado também ficou o recurso à execução específica (art.º 830 CC).
Por escrito particular, de 16/5/2000, o réu B prometeu ceder ao autor, metade de uma quota social do valor nominal de   Esc: 3.000.000$00 (contra valor €14.963,93) de que este titular na sociedade comercial por quota designada “Armosa”, actualmente Madhotel, com sede à Estrada Monumental, S. Martinho Funchal, pelo preço acordado de Esc: 20.000.000$00 (contra valor   €99.759,58), quota que correspondia a 5% do capital social da sociedade, ficando convencionado que a escritura definitiva seria celebrada logo que o autor o exigisse, com a antecedência mínima de 5 dias.
Também esclarecido ficou, como condição contratual, condição essa absolutamente essencial para a decisão de contratar por parte do autor, que a sociedade era dona de um prédio urbano sito na Estrada Monumental, Ajuda, S. Martinho, Funchal, constituída por uma opção de terreno destinada a construção urbana e relativamente à qual havia sido apresentado e aprovado um ante-projecto imobiliário pela Câmara Municipal do Funchal.
Por escrito particular, de 16/5/2000, o réu C prometeu vender ao autor que prometeu adquirir 1/2 da participação social correspondente a 2/3, ou seja 1/3 do capital social que aquele detinha na sociedade denominada “Longland” e cuja gestão era assegurada pelo Millenium BCP, pelo preço de Esc: 6.000.000$00 (contra valor €29.927,88) integralmente liquidado pelo autor, acordando que a escritura seria celebrado logo que o autor o exigisse, com a antecedência mínima de 5 dias.
Por escrito particular, de 5/1/2001, o réu C e mulher D, prometeram ceder ao autor que prometeu adquirir uma quota social do valor nominal de Esc: 1.000.000$00 (contra valor de €4.987,98), correspondente a 1/3 do capital social da sociedade comercial por quotas denominada “Loeti”, com sede em Porto Santo, pelo preço de Esc: 33.333.333$00 (contra valor €166.265,97) integralmente liquidado pelo autor, tendo como condição essencial para contratar, por parte do autor, a existência no património social do prédio sito no Sítio das Lombas, Porto Santo, com a área de 12.289 m2.
Acordado também ficou que a venda do prédio rústico apenas poderia ser efectuada com o consentimento do autor, e uma vez que a sociedade decidiu proceder ao loteamento do prédio, os réus C e mulher acordaram com o autor em pôr fim ao contrato-promessa de cessão de quota que haviam celebrado, acordo esse que titularam por escrito particular, de 29/12/2006.
Conforme acordado, o autor renunciava ao direito à aquisição da quota cuja cessão lhe havia sido prometida e, em contrapartida, estes obrigavam-se a transmitir par o autor a titularidade dos lotes 1, 4 e 7 do referido loteamento.
No sobredito acordo igualmente ficou estabelecido que estes réus, com a concordância do réu B (outro sócio da Loeti) que após a concretização do acordado com o autor e a divisão entre os demais sócios dos restantes lotes do referido loteamento, ou seja, os lotes 2, 3, 5, 6, 12 e 13, os sócios ficariam com 3 lotes, cada um.
 O produto da venda do lote 11, bem como do lote 1 do loteamento adjacente ficaria afecto ao pagamento de eventuais débitos da sociedade Loeti, de natureza fiscal, em consequência da operação de loteamento e respectiva comercialização dos lotes, assumindo o autor, apesar da renúncia à aquisição da quota, a responsabilidade do pagamento de 1/3 de quaisquer impostos ou dívidas fiscais que a sociedade pudesse vira ter que pagar em virtude do loteamento do prédio rústico e comercialização dos lotes.
O autor insistiu, reiteradamente, pela celebração dos contratos definitivos, limitando-se os réus a assegurar e garantir que o reinvestimento dos valores pagos pelo autor (sinal e pagamento dos preços dos negócios prometidos) seria bem mais lucrativo para o autor, e os anos foram passando sem que as escrituras definitivas fossem celebradas.
Em 12/3/2020, o autor através de carta, interpelou o réu B e ex-mulher, intimando-os a fornecer os elementos necessários à formalização da escritura do prédio urbano sito na à Rua do Ribeirinho de Baixo, advertindo-os que caso os elementos não lhe fossem entregues, no prazo de 15 dias, consideraria incumpridas as obrigações contratuais assumidas e intentaria acção judicial.
Face ao silêncio dos réus, o autor, em 11/8/2020, requereu a sua notificação judicial avulsa.
Por carta, de 12/3/2020, o autor solicitou ao réu C e mulher a entrega dos elementos necessários para efectuar a escritura pública da cessão de quota da Longland, advertindo-o nos mesmos termos que fez aquando da notificação dos réus B e ex-mulher tendo, posteriormente, em 11/8/2020, procedido à sua notificação judicial avulsa que, por vicissitudes várias, ocorreu, em 4/11/2020 – fls. 22 e sgs.
Na contestação os réus excepcionaram a coligação ilegal, com fundamento em que causas de pedir diversas – contrato-promessa de venda de imóvel e cessão de quotas – e intervenientes diferentes, sendo que da procedência ou improcedência dos pedidos inexiste qualquer dependência/prejudicialidade entre si e os factos invocados diferentes, bem como diversa é a aplicação do direito, e a prescrição, com fundamento no decurso do prazo prescricional de 20 anos, tendo em conta a data da celebração dos contrato (14/10/99 e 16/5/2000), impugnaram o alegado pelo autor, concluindo pela procedência das excepções com a consequente absolvição da instância e/ou pedido e pela improcedência da acção e absolvição do pedido – fls. 98 e sgs.
Na resposta o autor pugnou pela improcedência das excepções – fls. 106 e sgs.
Em sede de despacho saneador foram as excepções de coligação ilegal passiva e de prescrição julgadas improcedentes.
No respeitante à coligação ilegal, sustentou o tribunal que apesar das causas de pedir serem distintas, certo é que a procedência dos pedidos depende, no essencial, da aplicação das mesmas regras do direito e de cláusulas contratuais análogas, inexistindo quaisquer obstáculos à coligação na medida em que aos pedidos corresponde a mesma forma de processo, não se constatando a existência de ofensa às regras de competência internacional, da matéria ou da hierarquia, ex vi do art.º 37 CPC.
No que à prescrição concerne, sustentou a sua não verificação, tendo em conta a data da celebração dos contratos, das notificações judiciais avulsas e à situação epidemiológica Sars – Cov-2 (suspensão de prazos), excepção feita no que tange ao réu B (contrato-promessa de 14/10/99) absolvendo-o parcialmente do pedido (alíneas a) b) e c) – resolução do contrato-promessa celebrado, em 14/10/99, sinal em o dobro (€20.620,30) e nos juros de mora, desde 26/10/17 – fls. 108 e sgs.
Interposto recurso pelo autor quanto à absolvição relativa ao réu B, foi o recurso provido, neste Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão singular do relator, de 19/3/2023 que, revogando o saneador sentença neste segmento, ordenou o prosseguimento dos autos.
Inconformados, apelaram os réus, formulando as conclusões que se transcrevem:
1 - A coligação passiva é possível desde que exista alguma identidade entre os pedidos, alguma conexão.
2 - São objecto dos presentes autos, contratos promessa celebrados com objecto diferentes sem qualquer conexão entre si, inexistindo também qualquer situação de compropriedade entre os réus ou qualquer interesse partilhado por estes.
3 - São contratos, como já se disse, completa e absolutamente independentes, portanto, sem qualquer relação entre si, e sem qualquer relação de prejudicialidade ou de dependência.
4 - O Autor pretende que seja declarado o incumprimento em cada um dos contratos, separadamente, e por isso tem causas de pedir e pedidos diferenciados para cada um dos pedidos.
5 - Não existe qualquer cláusula nos contratos cuja interpretação esteja em causa.
6 - Não existe qualquer ligação entre os contratos entre si, não existem factos em comum em relação aos vários contratos e, portanto são causas de pedir totalmente diferentes.
7 - Não existe fundamento para a coligação passiva em face de quanto acima ficou exposto e se comprova facilmente com a leitura dos documentos que instruem a petição inicial.
8 - A coligação passiva apenas é possível nos termos referidos no art.º 36 CPC e as circunstâncias em que a lei permite não se verificam no caso presente e assim foi violado o art.º 36/1 CPC.
9 - Deve assim ser declarada a coligação passiva ilegal por forma a que, em processos separados contra cada um dos réus, pudesse o autor discutir da viabilidade da sua pretensão.
10 - Igualmente, no mesmo despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção suscitada de prescrição.
11 - O que está em questão é saber qual o inicio e decurso do prazo prescricional.
12 - A Mma. juiz "a quo", procedeu a alguns cálculos e entendeu que à data do contrato teria de ser adicionado mais 5 dias por essa ser a previsão contratual e, em consequência, concluiu que o prazo de prescrição seria, após adicionar ainda mais 86 dias referente à suspensão ditada pela situação de pandemia, se teria verificado, a 16.08.2020.
13 - No contrato ficou escrito que: As partes acordaram sob a clausula terceira do contrato referido em iii que a escritura definitiva será celebrada logo que o segundo o exija, bastando para o efeito notificar os primeiros com a antecedência mínima de cinco dias.
14 - A partir da data de assinatura do contrato, o credor, a qualquer momento, poderá exigir o seu cumprimento do seu direito e não apenas 5 dias depois.
15 - O prazo de 5 dias significa que a interpelação pode ser feita a qualquer tempo, desde que com 5 dias de antecedência em relação à data em que o comprador pretende que se proceda à celebração da escritura definitiva.
16 - Portanto, este prazo de 5 dias não está fixado no contrato como antecedência para a a interpelação, mas sim como antecedência para a celebração do contrato.
17 - O prazo não e concedido em beneficio do credor mas sim para fixar a data limite em que o devedor poderá fazer outorgar o contrato definitivo.
18 - Para o comprador não é considerado qualquer prazo, ele poderá exigir o cumprimento do contrato logo que assim o entenda, podendo, inclusive, ser no próprio dia da celebração do contrato ou no dia seguinte, ou seja, 17.05.2000
19 - Se a esta data se adicionar 20 anos, temos que a data em que ocorreria a prescrição seria a de 17.05.2020.
20 - Considerando ainda os 86 dias referentes à suspensão do prazo de prescrição determinada pelas Leis especiais do COVID-19, então a data final para a verificação da prescrição seria a, de 11.08.2020.
21 - Na data acima referida verifica-se a passagem de 20 anos e 86 dias sobre o dia seguinte àquele em que o contrato foi assinado.
22 - A Notificação Judicial Avulsa proposta pelo comprador deu entrada em tribunal no dia
23 - Considerando o disposto no art.º 323/2 CC, o prazo da prescrição tem-se por interrompido logo que sobre a data da entrada tenham decorrido 5 dias.
24 - Ou seja, o prazo de prescrição em curso apenas foi interrompido, em 16.08.2020, mas nesta data, como resulta das conclusões 18 a 20 que antecedem, havia decorrido todo o prazo da prescrição.
25 - A interpelação aos réus, ora recorrentes, se tem por efectuada a 16 de Agosto de 2020.
26 - Portanto quanto aos contratos de 16.05.2000, deve ser reconhecida e decretada a prescrição do direito do autor, pelo decurso do prazo.
27 - A prescrição tem por fundamento específico a recusa de protecção a um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular, e ainda a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica.
28 - A atitude do autor, ora recorrido, foi feita na intenção evidente de, perante a dificuldade de prova do devedor, obter ganhos que sabe não serem lícitos.
29 - Atitude censurável e que o direito não o pode permitir, e por isso é de moral que se reconheça a prescrição nos contratos, de 16.05.2000.
30 – Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, deverá ser proferido acordão onde se declare ilegal a coligação passiva e verificada a prescrição nos contratos celebrados, a 16.05.2000, acontecida a 11.08.2020.  
Nas contra-alegações o autor formulou as seguintes conclusões:
A. Quanto à coligação:
A coligação é licita, porquanto:
1 – A causa de pedir é a mesma na medida em que os factos jurídicos invocados são os mesmos.
2 – A procedência dos pedidos formulados depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos e da sua conexão, bem como da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito e, ainda, de cláusulas contratuais absolutamente análogas, como em tofa a clareza dos art.ºs 1 e 2 da p.i. e dos documentos instrutórios que a acompanham.
3 – o nº 3 do art.º 36 CPC é claro e expresso quando diz que a coligação é ainda lícita ainda que “seja diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contrato perfeitamente análogas”.
B. Prescrição dos contratos-promessa de 16/5/2000.
1 – Em Agosto de 2020, deram entrada em tribunal as notificações judiciais avulsas requeridas pelo autor/recorrido junto aos autos.
2 – Em face do disposto no art.º 323/2 CC: “se a citação ou notificação se não fizer dentro dos cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias”.
3 – Tal interrupção ocorreu, em 16/8/2020.
4 – A Lei 1-A/2020, de 19/3 decretou: “Medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epedimiológica provocada pelo Coranavirus Sars-Cov -2 e da doença Covid 19”.
5 -  Nos termos do art. 7/3 e 4 desta Lei, a situação excepcional constitui causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativo a todos os tipos de processos e procedimentos, prevalecendo sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional.
6 -  Este normativo entrou em vigor, no dia 9/3/2020 (art.ºs 10 da Lei conjugado com o 5 da Lei 4-A/2020 de 6/4).
7 – E manteve-se vigente até ao dia, 3/6/2020, aquando da entrada em vigor da Lei 16/2020 de 29/5 (art.ºs 8 e 10).
8 – Entre as duas datas decorreu um período de 87 dias (23/3 + 30/4 + 31/5 + 3/6), durante o qual a contagem do prazo de prescrição esteve suspenso.
9 – Quer isto dizer que no cômputo dos 20 anos da prescrição, há a considerar que o respectivo prazo esteve suspenso durante 87 dias.
10 -  Período que deverá ser aditado após o período em que vigorou a suspensão, i. é, a partir de 3/6/2020.
11 – Isto porque o art.º 7 n.ºs 2 e 3 da Lei 1-A/2020, de 19/3, dispõem que:
“3 – A situação excepcional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processo e procedimentos.
4 -  O disposto no nº anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição e de caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excepcional”.
12 – A contagem do prazo começou, no dia 3/6/2020.
13 - A contagem do prazo de prescrição terminaria, em 28/8/2020 (28/6 + 31/7 + 28/8 – 87 dias).
14 – Aquando da data da notificação judicial avulsa dos réus (art.º 323/2 CC) a prescrição ainda não tinha operado.
15 – Defendem os réus/recorrentes que o período de suspensão – 87 dias – deveria recomeçar logo a seguir ao termo do prazo normal da prescrição e que deveria ser contado durante o período (até 3/6) em que houve a suspensão da contagem do prazo.
16 – Nem sob este raciocínio teriam razão os recorrentes.
17 – Sendo os contratos-promessa datados de 16/5/2020 e havendo um prazo de 5 dias a favor dos devedores, o promitente-comprador só poderia levar a sua decisão/vontade ao conhecimento dos promitentes vendedores a partir do dia seguinte (17/5/2020).
18 – Uma vez que o dia da notificação não se conta (art.º 279/1 b) CC) o prazo de 5 dias só começaria a contar no dia seguinte e terminaria no dia 22/5/2020.
19 -  Adicionado este dia aos 87 dias da suspensão operada pelos art.º 7 nºs 3 e 4 e 10 da Lei 1-A/2020, de 19/3 conjugados com o art.º 5 da Lei 4-A/2020 de 6/4, o prazo de prescrição terminaria, em 17/8/2020 (9/5 + 30/6 + 31/7 + 17/8).
20 – Só que,neste caso, estar-se-ia a violar as normas dos já mencionados diplomas uma vez que no âmbito da contagem, entrariam os dias compreendidos entre os dias 23/5/2020 e 3/6/2020, período em que a contagem estava suspensa.
C. Quanto ao efeito da apelação.
1 – Os apelantes requereram que fosse atribuído à apelação efeito suspensivo.
2 – Limitaram-se a afirmar que não há vantagem em que o acórdão do tribunal superior seja passível de execução imediata. E, ainda
3 -  será mais conveniente continuar a garantir a exequibilidade imediata da decisão da 1ª instância.
4 – Tal invocação, para além de confusa e conclusiva, não encontra qualquer fundamento na lei, concretamente, no disposto no art.º 647/4 CPC, que exige, para o efeito, que a decisão recorrida cause ao apelante “prejuízo considerável”.
5 – Assim, devem as conclusões improceder e confirmar-se a decisão recorrida.
Em 1ª instância foram considerados assentes os seguintes factos:
i -  A 14 de Outubro de 1999, o Autor, na qualidade de segundo outorgante, o Réu B e mulher, M… (na qualidade de primeiros outorgantes) celebraram acordo escrito, que denominaram de Contrato de Promessa Recíproca de Compra e Venda, mediante o qual os segundos prometiam vender ao primeiro, que o prometia comprar, um terço do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 473 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número 491/980617;
ii - As partes acordaram, sob a cláusula terceira do contrato referido em i. que a escritura definitiva será celebrada logo que o segundo outorgante o exija, bastando para o efeito notificar por escrito os primeiros com a antecedência mínima de cinco dias;
iii - A 16 de Maio de 2000, o Autor, na qualidade de segundo outorgante, e o Réu B, na qualidade de primeiro outorgante, celebraram acordo escrito, que denominaram de Contrato de Promessa Recíproca de Compra e Venda, mediante o qual o segundo prometia vender ao primeiro, que o prometia comprar, metade da quota social da sociedade “Armosa – Construções e Edificações, Lda.”;
iv - As partes acordaram, sob a cláusula terceira do contrato referido em iii. que a escritura definitiva será celebrada logo que o segundo outorgante o exija, bastando para o efeito notificar por escrito os primeiros com a anecedência mínima de cinco dias;
v - A 11 de Agosto de 2020, o Autor deu entrada de requerimento de notificação judicial de avulsa de B e de M…, em que declarava pretender exercer os seus direitos relativos ao incumprimento dos contratos referidos em i. e iii. e interromper a prescrição dos seus direitos com eles relacionados;
vi - B recebeu a notificação, em 08 de Setembro de 2020;
vii - A 16 de Maio de 2000, o Autor, na qualidade de segundo outorgante e o Réu C, na qualidade de primeiro outorgante, celebraram acordo escrito, que denominaram de Contrato de Promessa Recíproca de Compra e Venda, mediante o qual o segundo prometia vender ao primeiro, que o prometia comprar, metade da quota social da sociedade “Longland Enterprises, LTd”;
viii - As partes acordaram, sob a cláusula terceira do contrato referido em vii. que a escritura definitiva será celebrada logo que o segundo outorgante o exija, bastando para o efeito notificar por escrito os primeiros com a antecedência mínima de cinco dias;
ix - A 11 de Agosto de 2020, o Autor deu entrada de requerimento de notificação judicial de avulsa de C e mulher, D, em que declarava pretender exercer os seus direitos relativos ao incumprimento do contrato referido em v. e interromper a prescrição dos seus direitos com eles relacionados;
x - No requerimento referido em ix., o Autor indicou como morada de C e mulher, D a Rua da Amoreira, Funchal;
xi - Nos autos referidos em ix. foi exarada certidão negativa de notificação por ninguém ter atendido na morada referida em x.;
xii - A 20 de Outubro de 2020, o Autor deu entrada de requerimento de notificação judicial de avulsa de C e mulher, D, em que declarava pretender exercer os seus direitos relativos ao incumprimento do contrato referido em v. e interromper a prescrição dos seus direitos com eles relacionados;
xiii - C e mulher, D, receberam a notificação judicial avulsa, na morada referida em x, em 04 de Novembro de 2020;
xiv - Os Réus C e mulher, D foram citados para os termos desta acção na Rua da Amoreira, Funchal.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Atentas as conclusões dos apelantes que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – art.ºs 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se a coligação passiva é ou não ilegal e se verifica ou não a prescrição relativamente aos contratos celebrados em 16/5/2000.
Vejamos, então.
a) Coligação ilegal passiva
Defendem os apelantes a existência de coligação ilegal já que os contratos-promessa celebrados têm objectos diferentes, sem qualquer conexão entre si, inexistindo qualquer situação de compropriedade entre os réus ou qualquer interesse partilhado por estes; são contratos completa e absolutamente independentes sem qualquer relação entre si, quer de prejudicialidade ou dependência; causas de pedir são diversas; inexiste qualquer cláusula nos contratos cuja interpretação esteja em causa, qualquer ligação entre os contratos entre si, quaisquer factos em comum relativamente aos vários contratos.
É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência – art.º 36/1 CPC.
É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas – nº 2 art.º cit.
A coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia – art.º 37/1 CPC.
Daqui se extrai, que a coligação dos réus pressupõe pluralidade de pedidos e só é permitida quando entre esses pedidos haja uma conexão que pode alicerçar-se na identidade de causa de pedir, dependência entre pedidos, identidade dos factos em que se fundam os pedidos, identidade das regras de direito cuja interpretação e aplicação importem aos pedidos formulados ou ainda na identidade de cláusulas contratuais cuja interpretação ou aplicação sejam necessárias aos pedidos.
In casu, o autor demandou vários réus, com fundamento em incumprimento do contrato-promessa, constatando-se que as causas de pedir são distintas, os pedidos não estão entre si, numa relação de prejudicialidade ou de dependência, os factos não são os mesmos.
Não obstante, certo é que, in casu, a coligação é permitida, ex vi art.º 36/2, uma vez que a procedência dos pedidos principais depende essencialmente da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito (incumprimento do contrato-promessa) ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas (interpelação para a escritura definitiva), inexistindo qualquer obstáculo à mesma –  cfr. art.º 37 CPC (ofensa as regras de competência internacional da  matéria ou hierarquia e aos pedidos correspondam formas de processo diferentes).
Destarte, soçobra a pretensão.
b) Prescrição contratos de 16/5/2020
Defendem os apelantes que os contratos-promessa celebrados, em 16/5/2020, estão prescritos – início da contagem do prazo, em 17/5/2020 (os cinco dias fixados não se reportavam à antecedência da interpelação, mas sim à antecedência da celebração do contrato definitivo, i. é, não foi fixado em benefício do credor, mas para fixar a data limite em que o devedor poderá outorgar o contrato definitivo) e terminus, em 17/5/2020 (20 anos), adicionando-se os prazos de suspensão dos prazos face à situação Covid, o prazo terminaria, em 11/8/2020 (20 anos e 86 dias), sendo que, apesar da notificação judicial (11/8/20), o prazo foi interrompido, em 16/8/20, data em que o direito já estava prescrito.
A prescrição consiste na extinção de um direito pelo seu não exercício durante determinado lapso de tempo – art.º 298 CC.
Consistindo esta excepção na invocação de factos que extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, a sua procedência importa a absolvição total do pedido – art.º 576 CPC.
Diz-se que há prescrição quando alguém se pode opor ao exercício de um direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado na lei.
A sua justificação estriba-se na necessidade de protecção e segurança do tráfico jurídico, protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância, exercer pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando deles não queiram abdicar e, acima de tudo a negligência do titular do direito em concretizá-lo, negligência esta que faz presumir a sua vontade de renúncia ao direito ou, pelo menos, o torna indigno de protecção jurídica – cfr. Ac. STJ de 19/6/2012, relator Gregório Silva Jesus, in www.dgsi.pt e Vaz Serra, in Prescrição Executiva e Caducidade, Separata do BMJ, 1961 – 32/33.
O prazo geral da prescrição é de 20 anos (prazo ordinário) – art.º 309 CC -, havendo, contudo, prazos prescricionais mais curtos, nomeadamente, no que respeita ao direito de indemnização em sede de responsabilidade extra-contratual, cujo prazo de prescrição é de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete - art.º 498 CC.
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente – art.º 323 CC.
A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido – art.º 325 CC.
Dispõe o art.º 326/1 CC que: A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do art.º seguinte.
E o nº 2 que: A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no art.º 311 CC.
Daqui se extrai, que o efeito da causa interruptiva pode ser instantâneo, como no caso do devedor reconhecer a dívida. Assim, desde esse momento começa a contar-se novo prazo. Mas bem pode a causa interruptiva manter a sua relevância por um período mais longo nomeadamente, nos casos previstos no art.º 327 CC.
Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – art.º 327/1.
No mesmo sentido estipula o art.º 311/1 - O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passado em julgado que o reconheça ou título executivo.
A razão de ser desta norma reside no facto de que tornando-se definitivamente certo um direito de prazo curto de prescrição, com o trânsito em julgado da decisão que o reconhece, desaparecem os fundamentos prescricionais da certeza e segurança jurídica e dificuldade de prova.
Daí se justifique que a partir do trânsito em julgado se inicie um novo prazo prescricional; a sentença ou outro título executivo, transforma a prescrição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de 20 anos - cfr. P. Lima e a. Varela, in CC Anot., Vaz Serra, obra. cit e Ac. STJ cit.
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição – art.º 306/1 CC.
O princípio geral é o de que o prazo só começa a correr quando o direito puder ser exercido. O início do prazo pode, porém, ter lugar depois da interpelação (havendo lugar a ela), se isso tiver sido estipulado ou resultar da lei – cfr. P. Lima e A. Varela, in CC Anot., vol. I, 4ª ed., Coimbra Edt.
In casu, nos contratos-promessa celebrados, em 16/5/2000, acordado ficou que a escritura definitiva seria celebrada logo que o segundo outorgante (autor) o exigisse, bastando para o efeito notificar por escrito os primeiros (réus), com a antecedência mínima de 5 dias.
O autor manifestou a intenção de exercer o seu direito, através de notificação judicial avulsa aos réus/apelantes, em 11/8/2020, pelo que, ex vi art.º 323/2 CC, a interrupção da prescrição ocorreu, em 16/8/2020.
Face à situação epidemiológica – Sars-Cov-2 e doença Covid 19 – o decurso do prazo de prescrição foi suspenso, entre 9/3/2020 e 3/6/2020, ou seja, 86 dias – cfr. Lei 1-A/2020 de 19/3 (art.º 10) e Lei 4-A/2020 de 6/4 (art.ºs 5 e 6) e Lei 16/2020, de 29/5 (art.º 10).
Decorre da cláusula fixada nos contratos, que o autor poderia, logo após a celebração do contrato exigir o seu cumprimento, ou seja, celebrar a escritura definitiva, desde que avisasse os réus, da data da realização da escritura, com 5 dias de antecedência.
Daqui se extrai que, ao contrário do defendido pelos apelantes, estes teriam que ser interpelados para a escritura definitiva, com 5 dias de antecedência.
Assim sendo, tendo em atenção a data da celebração dos contratos (16/5/2000), o decurso do prazo prescricional iniciou-se, em 22/5/2000 cujo terminus (20 anos) ocorreria, em 22/5/2020.
Não obstante, face ao exarado supra, tendo em conta as seguintes premissas - prazo de prescrição de 20 anos, a suspensão do prazo face à situação epidemiológica, de 9/3/2020 e 3/6/2020 (86 dias) e a manifestação de exercício do direito/notificação judicial avulsa/interrupção, em 16/8/2020 -, constata-se que o prazo prescricional de 20 anos ainda não tinha decorrido.
Destarte, soçobra a pretensão.
Concluindo:
- A coligação dos réus pressupõe pluralidade de pedidos e só é permitida quando entre esses pedidos haja uma conexão que pode alicerçar-se na identidade de causa de pedir, dependência entre pedidos, identidade dos factos em que se fundam os pedidos, identidade das regras de direito cuja interpretação e aplicação importem aos pedidos formulados ou ainda na identidade de cláusulas contratuais cuja interpretação ou aplicação sejam necessárias aos pedidos.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 27/4/2023
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça