Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1462/16.0T8LSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: SEGURO DE SAÚDE
FALSAS DECLARAÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Havendo impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deverá o recorrente indicar sinteticamente em termos concretos, nas conclusões da alegação de recurso, quais os pontos da matéria de facto que crê incorretamente julgados, bem como quais as respostas a essa matéria que entende serem as correctas.
II – No art. 24 do RJCS estatui-se um dever geral de informação pelo tomador ou segurado quanto a circunstâncias relevantes para a apreciação do risco; no caso de um seguro de saúde exige-se ao tomador ou ao segurado que manifeste as circunstâncias relativas à saúde do segurado que conhece no momento da declaração - o que para a seguradora, tendo em conta a avaliação dos riscos que vai assumir, é necessariamente relevante ou para a decisão de contratar, ou para a definição concreta do conteúdo do contrato.
III – No caso dos autos, a R. materializou as questões sobre a saúde do A. para si essencialmente relevantes e relativamente às quais se colocava desde logo o dever de informação do mesmo A., no questionário que apresentou a este; respondendo o A. inveridicamente a um segmento daquele questionário, faltou ao dever de declarar com exactidão as circunstâncias da sua saúde que conhecia e eram relevantes para a apreciação do risco pela R., sendo que nesta parte a R. não faltou à prestação da informação necessária para que o A. cumprisse aquele seu dever.
IV - Nos arts. 25 e 26 do RJCS são distinguidas as situações de omissões ou inexactidões dolosas daquelas em que as omissões ou inexactidões são negligentes.
V – Quer se entenda que o dolo mencionado no mencionado art. 25 é aquele a que se reporta o nº 1 do art. 253 do CC, regulando este artigo uma anulabilidade por erro qualificado por dolo, quer se considere que se trata do mero estado subjectivo do proponente ou da censurabilidade da sua conduta, no caso sempre ele se verificaria, justificando-se a anulação do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - E ..... intentou a presente acção declarativa com processo comum contra «..... Companhia de Seguros, S.A.».
Alegou o A., em resumo:
O A. celebrou com a R. celebrado um contrato de seguro de saúde, vindo esta a declinar a sua responsabilidade contratual e anular o seguro contratado, quando lhe foi pedido que assegurasse o reembolso das intervenções médicas e hospitalares a que o A. teve de ser sujeito. O A. foi internado por ter sido infectado pela bactéria salmonela, em 27-8-2014 e a 29 do mesmo mês foi-lhe diagnosticada uma hérnia discal.
A R. veio a declinar a sua responsabilidade invocando que o A. é doente hepático, desde data anterior à subscrição do contrato, e essa mesma menção não constava do questionário médico.
Apesar de o A. ser doente de Hepatite B, no questionário médico apenas surgiam doenças relacionadas com o aparelho digestivo, no ponto B.1., designadas como ‘’Hepatite Crónica/Cirrose’’, sendo que o A. não entendeu que a sua doença estaria englobada naquele ponto.
Acresce que as doenças e patologias para as quais o A. pretendia tratamento nada têm que ver com aquela outra doença de que padece.
A R. violou os deveres de informação que sobre si impendiam, nomeadamente de redigir de forma adequada o questionário médico e por não ter sido explicada ao A. que a sua patologia estava inclusa no questionário.
O A. adiantou o montante de 2.700,00 € ao Hospital da Luz e ainda ficou com um débito de 316,39 € para com aquele Hospital. Para a realização da intervenção à hérnia discal , por aí ser mais barata, o A. deslocou-se ao estrangeiro, suportando uma despesa de 2.000,00 €.
Pediu o A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 5.000,01€.
A R. contestou, impugnando factos alegados pelo A. e dizendo essencialmente:
A hepatite B é doença ou patologia de recusa da apólice quando declarada no questionário médico, o que não sucedeu porque o A. prestou falsas declarações quanto a tal, o que origina a exclusão da pessoa segura da apólice; as declarações inexactas, falsas ou incompletas tornam o contrato de seguro nulo ou anulado, sendo cancelada a cobertura segura. Assim, a R. resolveu anular a apólice de seguro por patologia não declarada, o que foi comunicado ao A..
De qualquer modo, as despesas realizadas no estrangeiro não se mostram abrangidas pelo seguro.
Concluiu a R. pela improcedência da acção.
O processo prosseguiu vindo a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.
Apelou o A. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1. O Recorrente e a Recorrida celebraram um contrato de seguro a 07.05.2014, titulado de apólice n.º 3002063088. No âmbito da celebração do contrato, o Recorrente procedeu ao preenchimento de um inquérito médico, sem que tivesse sido cumprido o dever especial de informação pela Recorrida e sem que esta tivesse procedido às diligências necessárias para que tal fosse possível (vide Depoimento da Testemunha Minutos 16’’55 e 17’’51)
2. Não consta das Condições Gerais e especiais do Contrato de Seguro Celebrado que a patologia que o Recorrente padece seja causa de exclusão do contrato de seguro, designadamente que a Recorrida não teria celebrado o Contrato de Seguro com o Recorrente, nem consta dos documentos juntos aos presentes autos que tal informação tenha sido prestada (vide Documentos 11, 12, 13 e 14 juntos na Petição Inicial e Condições Gerais e Especiais juntas na Contestação).
3. Não se tendo verificado a prova de que a Recorrida não teria celebrado o contrato de seguro com o Recorrente, bem como que tenha sido cumprido o dever especial de informação pela primeira, deverá ser decidido pela existência de responsabilidade civil para com o Recorrente (vide artigos 18.º e 21.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/22/2014 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/20/2010).
4. Na verdade, foi opção do legislador onerar as empresas seguradoras de um dever especial de informação, como forma de equilibrar as posições contratuais entre ambas as partes, motivo pelo qual, tal como consta do aresto do Tribunal a quo, o ónus da prova do cumprimento do dever de informação encontra-se ao encargo da própria seguradora, o que in casu não se verificou.
5. Não poderia o Douto Tribunal ter decidido pela atuação dolosa por parte do Recorrente aquando da omissão no questionário médico da patologia de Hepatite B, visto ter sido confessado em sede de audiência de julgamento que não existe um acompanhamento efetivo dos segurados aquando da celebração dos contratos de seguro, bem como por nunca ter sido explicado que tal patologia seria motivo de exclusão do contrato de seguro.
6. Assim, o Venerando Tribunal apenas poderia ter decidido pela negligência na omissão por parte do Recorrente, visto o mesmo não ter tido como solicitar os esclarecimentos devidos ou não lhe terem sido prestadas as informações necessárias (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/18/2012).
9. Ademais, resultou provado que a Recorrida não procedeu diligentemente – nem tem hábito de o fazer – aquando da celebração os contratos de seguro, que os segurados não são acompanhados por mediadores especializados no preenchimento de inquéritos médicos, que a Recorrida em missiva alguma explica o motivo da exclusão do contrato de seguro e que o Recorrente não poderá ter atuado dolosamente, visto não ter tido capacidade para – sem que lhe fossem prestadas informações – saber que estaria alegadamente a lesar a Recorrida, podendo, apenas concluir-se pela existência de uma atuação meramente negligente.
10. Assim, sempre se dirá que mal andou o Tribunal a quo no sentido de absolver a Recorrida do pedido de indemnização civil formulado pelo Recorrente, atento o facto de não te sido cumprido o dever especial de informação e pelo facto de a mesma ter apenas procedido a meras informações através das missivas no sentido de protelar a situação, o que gerou danos ao Recorrente.
Contra alegou a R. nos termos de fls. 178 e seguintes.
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II – 1 - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A e R. celebraram um contrato de “SEGURO ..... SAÚDE”, com efeitos a partir de dia 07.05.2014 (data do início do risco e da apólice), titulado pela Apólice n.º 3002063088.
2. Na data em que contratou a apólice de seguro o A. procedeu ao preenchimento de um questionário médico.
3. Na data do contrato o A. sabia que era doente de Hepatite B, doença esta de carácter crónico.
4. No questionário médico, no ponto B.1., designadas como ‘’Hepatite Crónica/Cirrose’’ o A. declarou que não era portador de Hepatite Crónica.
5. O A. a 27 de agosto de 2014 foi internado por ter sido infetado pela bactéria salmonela e a 29 de agosto do mesmo ano foi-lhe diagnosticado, uma hérnia discal.
6. O A. recebeu a missiva da R. a 30 de outubro de 2014 no sentido de proceder à exclusão do A. do Contrato de Seguro por patologia não declarada.
7. No decorrer da análise do pedido de autorização efectuado pelo Autor (para seis dias de internamento médico), os serviços da Ré identificaram que o A. era portador de Hepatite B crónica, desde data anterior à celebração do contrato.
8. Se a Ré soubesse que o A. era portador de hepatite B, não teria celebrado o contrato.
9. A Ré recebeu um segundo pedido de autorização para actos médicos (artrodese da coluna lombar e realinhamento de canal estreito, com dois dias de internamento), por parte do Autor, que foi recusado porquanto a apólice de seguro já não se encontrava válida e eficaz.
10. O A. procedeu ao pagamento de € 2.700,00 ao Hospital da Luz.
11. Despesas realizadas no estrangeiro não se mostram abrangidas pelo seguro.
12. O Autor tinha antecedentes pessoais de hérnia discal lombar (com ciatalgia) e padecia de Hepatite B desde 1992.
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II – 2 - O Tribunal de 1ª instância não considerou provados os seguintes factos:
- O A. não procedeu ao preenchimento do Questionário Médico informando que seria doente de Hepatite B, por não lhe ter sido possível entender que a sua doença estaria incluída no ponto em questão.
- O A. foi obrigado a realizar a operação no estrangeiro.
- Não foram explicadas ao A. as patologias que estariam inclusas nos pontos do Questionário Médico.
- O A. não domina a língua portuguesa de forma a perceber o estipulado no Questionário Médico;
- No estrangeiro o A. pagou 2.000,00 € pela realização da operação.
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III - São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Neste contexto, tendo em consideração o teor das conclusões da alegação de recurso do A., temos como questões que se colocam: se há que proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto provada; se a R. não cumpriu os deveres de informação que sobre ela impendiam no que concerne ao preenchimento de questionário médico por parte do A.; se a R. não cumpriu com os deveres de informação que sobre ela impendiam, informando o A. das causas de exclusão; se não se poderia concluir pela actuação dolosa do A..                                                     
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IV – 1 - Nos termos do nº 1 do art. 640 do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
A imposição destas especificações traduz, respectivamente, a necessidade do recorrente circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considerava viciada por erro de julgamento, bem como o ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discordava do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal ([1]).
Assim, o recorrente deve indicar, desde logo, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões ([2])».
Constando, a propósito, do sumário do acórdão do STJ de 31-5-2016 ([3]): «Nas conclusões, deve ser incluída a questão atinente à impugnação da matéria de facto, ou seja, aí deve introduzir-se, sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art. 639.º, n.º 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera incorrectamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações».
Sendo o seguinte o sumário do acórdão do STJ de 7-7-2016 ([4]):
«I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC
II- Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre.
III- A imposição daquele ónus ao recorrente não viola o direito de acesso aos tribunais, não impondo a Constituição da República Portuguesa ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada».
Concluindo-se no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 27-10-2016 ([5]):
«1 – Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
2 – Omitindo o recorrente a indicação referida no número anterior o recurso deve ser rejeitado nessa parte, não havendo lugar ao prévio convite ao aperfeiçoamento.»
Deste modo, havendo, em nosso entendimento, que indicar sinteticamente em termos concretos, nas conclusões da alegação de recurso, quais os pontos da matéria de facto que se creem incorretamente julgados, bem como quais as respostas a essa matéria que se entendem como correctas, o apelante a tal não procedeu.
Pelo que a impugnação deduzida sobre a matéria de facto terá de ser rejeitada, a ela se não atendendo.
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IV – 2 - O Tribunal de 1ª instância entendeu que o contrato de seguro era anulável, dada a omissão do A. sobre o seu exacto estado de saúde, o que fora decisivo para a aceitação da R. contratar, bem como que face à anulação do contrato pela seguradora fora correctamente refutada qualquer responsabilidade da R.. Considerou, também que mesmo que a omissão fosse negligente o sinistro não se encontraria coberto, uma vez que a R. em caso algum aceita adesões com a patologia de que sofria o A.; e, ainda, não se haver provado conforme alegado pelo A., nem que a R. não tenha cumprido os seus deveres de informação das patologias inclusas no questionário médico, nem que este estivesse redigido de forma dúbia ou duvidosa, nem que o R. não houvesse compreendido o questionário.
O apelante sustenta que procedeu ao preenchimento do inquérito médico «sem que tivesse sido cumprido o dever especial de informação pela Recorrida e sem que esta tivesse procedido às diligências necessárias para que tal fosse possível» que foi opção do legislador onerar as seguradoras de um especial dever de informação cujo ónus da prova se encontra a cargo da seguradora (conclusões 1, 3, 4).
No corpo da alegação explica que se reporta à capacidade de o homem médio colocado na posição do apelante «ser capaz de entender que a doença Hepatite B seria fundamento de exclusão de celebração do contrato de seguro».
Aliás, já no artigo 26 da petição inicial referira o A. que a R. deveria ter procedido a uma melhor explicação ao A. de «quais as patologias que estariam inclusas nos pontos do Questionário Médico».
Dispõem os nºs 1 e 2 do art. 24 do RJCS:
«1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito».
Referindo o nº 4 do mesmo artigo que o «segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais».
Estatui-se, desde logo, um dever geral de informação pelo tomador ou segurado quanto a circunstâncias relevantes para a apreciação do risco. O dever de informação que impende sobre o tomador do seguro ou sobre o segurado destina-se a dar a conhecer à seguradora os factos relevantes para a avaliação do risco do seguro
Como salienta Filipa Albuquerque de Matos ([6]) «estando em causa um contrato cujo iter formativo, bem como a sua execução, implica uma particular relação de confiança entre as partes (comummente designado a nível doutrinal por “uberima fides”) não admira que a informação acerca de circunstâncias tidas como relevantes para a avaliação do risco recaiam sobre quem detenha um conhecimento mais directo e exacto».
No caso de um seguro de saúde, como é o dos autos, exige-se ao tomador ou ao segurado que manifestem as circunstâncias relativas à saúde do segurado que conhecem no momento da declaração - o que para a seguradora, tendo em conta a avaliação dos riscos que vai assumir, é necessariamente relevante ou para a decisão de contratar, ou para a definição concreta do conteúdo do contrato.
Sustenta Luís Poças ([7]) que a «declaração de risco traduz-se num autêntico dever de verdade material».
Consoante mencionado no acórdão do STJ de 6-7-2011 ([8]) o «questionário é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto».
No regime que vigora entre nós não existe obrigatoriedade de apresentação de um questionário por parte da seguradora. Refere Menezes Cordeiro ([9]) que os questionários predominam nos seguros de pessoas e que «sendo um questionário respondido com seriedade e de boa fé, nada mais haverá, em princípio, a acrescentar».
No caso dos autos foi apresentado ao ora A. um questionário com questões concretamente formuladas a propósito da respectiva saúde e que ele preencheu. O que se coloca no presente processo tem a ver com a resposta dada pelo A. a uma dessas questões concretas e não a quaisquer circunstâncias cuja menção não tivesse sido solicitada no dito questionário.
Efectivamente, na data em que contratou a apólice de seguro o A. procedeu ao preenchimento de um questionário médico e, sabendo ele então que era doente de Hepatite B, doença esta de carácter crónico – dela sofrendo, aliás, desde 1992 - no referido questionário no ponto B.1., designadas como ‘’Hepatite Crónica/Cirrose’’ o A. declarou que não era portador de Hepatite Crónica.
Portanto, ao responder ao dito questionário, o A. procedeu a uma declaração que não era verdadeira. Alegou o A. que tal sucedeu por não ter entendido que a sua doença estava incluída naquele ponto e que não dominava a língua portuguesa de forma a perceber o que constava do questionário médico - todavia, não logrou provar tal matéria, nada nos autos levando a crer que o A. não fosse susceptível de compreender o que era perguntado no questionário por ele subscrito.
Afigura-se haver considerado o apelante que lhe deveriam ter sido melhor explicados os termos e conteúdo do questionário que preencheu.
Nos termos do supra transcrito nº 4 do art. 24 a seguradora deve, antes da celebração do contrato, esclarecer quem com ela se encontra em vias de contratar acerca do dever de informar tudo o que seja conhecido e razoavelmente relevante, bem como do regime do seu incumprimento.
Explica Luís Poças ([10]) que o fundamento do dever imposto ao segurador assenta na boa fé, como princípio que vincula ambas as partes no contrato de seguro, e num imperativo de cooperação do segurador no sentido de auxiliar o proponente a, por seu turno, cumprir o seu dever de declaração do risco.
No caso dos autos a R. materializou as questões sobre a saúde do A. para si essencialmente relevantes e relativamente às quais se colocava desde logo o dever de informação do mesmo A. no questionário que apresentou a este. Ora, a uma pessoa comum/ homem médio que soubesse sofrer de Hepatite B, doença esta de carácter crónico, não suscitaria dúvidas, não carecendo de quaisquer esclarecimentos por parte da seguradora para efeitos de preenchimento do questionário, que perguntando-se neste se sofria de Hepatite crónica/Cirrose a resposta a dar seria “Sim” – e não “Não” como o fez o A..
Na “Hepatite Crónica” inclui-se a “Hepatite B crónica” de que enfermava o A..
Consoante salienta Luís Poças ([11]) «quando haja um questionário, a resposta inexacta ao mesmo ou a omissão de dados especificamente perguntados não pode deixar de ser entendida como representando, para qualquer respondente, um comportamento reprovável e, não só anti-ético, mas mesmo anti-jurídico: dificilmente poderá o proponente alhear-se do dever de responder com exactidão e justificar o incumprimento com a falta de consciência da ilicitude. Neste contexto, o imperativo axiológico-normativo de declaração exacta impõe-se por si, não relevando para efeitos de exculpação, o conhecimento da cominação do incumprimento».
Temos, assim, que o A. respondeu inveridicamente àquele segmento do questionário, faltando ao dever de declarar com exactidão as circunstâncias da sua saúde que conhecia e eram relevantes para a apreciação do risco pela R., sendo que nesta parte a R. não faltou à prestação da informação necessária para que o A. cumprisse aquele seu dever.
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IV – 3 - Refere o apelante que não consta das Condições Gerais e Especiais do Contrato de Seguro celebrado que a patologia de que padece seja «causa de exclusão do contrato de seguro», nem consta dos documentos juntos aos autos que tal informação lhe haja sido prestada, remetendo para os arts. 18 e 21 do RJCS.
O referido art. 18 estabelece a cargo do segurador um dever geral de esclarecimento e informação ao tomador do seguro que o habilite à compreensão das condições do contrato. Segundo o art. 21 do mesmo diploma tais informações devem ser prestadas de forma clara e por escrito antes de o tomador se vincular. Nomeadamente, o segurador deve informar o tomador do seguro sobre os contornos positivos e negativos da prestação a que se obriga – designadamente quanto ao tipo de risco que cobre e respectiva delimitação. Assim, a alínea c) daquele artigo complementando a alínea anterior (referente ao âmbito do risco) respeita às exclusões e limitações da cobertura.
Como explicava José Vasques ([12]) o âmbito do contrato de seguro vem a consistir na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos, definindo-se as garantias, por vezes designadas coberturas, em termos genéricos, identificando os riscos cobertos e listando as exclusões ou riscos excluídos.
As exclusões mencionadas na alínea c) do art. 18 correspondem aos riscos excluídos.
O caso dos autos nada tem a ver com as exclusões aludidas na alínea c) do art. 18, nem mesmo com os agravamentos ou bónus que possam ser aplicados ao contrato e que são mencionados na alínea e) do mesmo art. 18 e a que o apelante também alude.
O caso que nos ocupa tem a ver com algo diverso, com a declaração inicial de risco, pelo que as considerações do apelante a propósito dos deveres de esclarecer e informar sobre causas de exclusão, não procedem.
Nem faria sentido que constassem das Condições Gerais e Especiais do Contrato de Seguro as patologias relativamente às quais a R. afasta a possibilidade de celebração de um contrato de seguro de saúde com quem delas enferma – ou seja, que constassem das Condições Gerais e Especiais do Contrato de Seguro os casos em que não haveria contrato de seguro (como o A. parece entender na sua conclusão 2ª).
Do que acabámos de expor resulta não incorrer a R. em responsabilidade civil, nos termos do art. 23 do RJCS por incumprimento dos deveres de informação e esclarecimento.
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IV – 4 - Nos arts. 25 e 26 do RJCS são distinguidas as situações de omissões ou inexactidões dolosas daquelas em que as omissões ou inexactidões são negligentes.
A “inexactidão” corresponde ao vício da declaração que é falsa, desconforme à verdade, à realidade objectiva conhecida. A “omissão” é o vício da declaração que silencia uma circunstância relevante, não a revelando total ou parcialmente.
Determina o nº 1 do art. 25 do RJCS que em caso de incumprimento doloso do dever que nos termos do art. 24 impende sobre o tomador do seguro, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador. No nº 5 do mesmo preceito distingue-se entre o dolo simples e o dolo com o propósito de obter uma vantagem.
Vem-se entendendo que o dolo aqui mencionado será aquele a que se reporta o nº 1 do art. 253 do CC e não o dolo modalidade da culpa – o art. 25 regulará uma anulabilidade por erro qualificado por dolo. Consoante explica Pedro Romano Martinez ([13]) neste sentido o erro causado por dolo contrapõe-se ao erro negocial simples sendo que no que respeita àquele nada obsta a que possa haver uma situação de dolo em que o agente agiu conscientemente de modo incorrecto, induzindo ou mantendo em erro a contraparte, sem pretender retirar uma vantagem. O dolo do tomador ou segurado terá de ser causa do erro, sendo o contrato anulável se a decisão do errante/segurador de se vincular se tiver devido, de modo juridicamente relevante, ao seu erro (essencialidade do erro). O ónus da prova da essencialidade compete ao segurador (art. 342 do CC)
Diferentemente, Luís Poças ([14]) entende que o dolo mencionado no art. 25 se trata do mero estado subjectivo do proponente ou da censurabilidade da sua conduta, pelo que poderão não estar reunidos os requisitos do dolus malus, nomeadamente poderá o segurador não estar em erro. Nesta hipótese, o dolo estaria orientado para a prestação de omissões ou inexactidões e não necessariamente para o engano – ou seja, o proponente incumpre dolosamente quando quer mentir ou omitir relativamente a um facto que sabe ser relevante, mesmo que o seu propósito não seja enganar o segurador (mas, apenas, por exemplo, ocultar um facto embaraçoso). Conclui que o que é importante no art. 25 é a vontade e consciência de mentir ou omitir, independentemente de qualquer propósito.
 No caso dos autos provou-se, como vimos, que havendo o A. procedido ao preenchimento de um questionário médico na data em que contratou a apólice de seguro, sabendo ele que era doente de Hepatite B, doença esta de carácter crónico, no questionário médico, no ponto B.1., designadas como ‘’Hepatite Crónica/Cirrose’’ o A. declarou que não era portador de Hepatite Crónica. Provou-se, também, que se a R. soubesse que o A. era portador de hepatite B, não teria celebrado o contrato.
Destes factos retira-se a consciência do A. de que estava a prestar uma declaração inexacta, sabendo que ao fazê-lo induzia em erro a R. seguradora. Mantendo-se em erro sobre a situação do A. a R. celebrou com ele o contrato – se soubesse que o A. era portador da doença omitida não o teria feito.
Qualquer que seja a perspectiva assumida quanto ao dolo, temos que no caso sempre ele se verificaria, justificando-se a anulação do contrato, conforme declaração da R. enviada ao A.. 
Lateralmente (e a propósito de uma menção a tal no corpo da alegação de recurso) refira-se que, como salienta Luís Poças ([15]) o nº 3 do art. 25 não exige qualquer nexo de causalidade entre o facto omitido ou inexactamente declarado e a ocorrência do sinistro, ou sequer esta ocorrência.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
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Lisboa, 28 de Junho de 2018

Maria José Mouro

Teresa Albuquerque
                                                                      
Jorge Vilaça


[1] Ver, a propósito, Lopes do Rego, «Comentários ao Código de Processo Civil», Almedina, pag. 465.
[2] Ver Abrantes Geraldes, «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, pag. 126.
[3] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo1572/12.2TBABT.E1.S1.
[4] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1.
[5] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1.
[6] Em «Uma outra abordagem em torno das declarações inexactas e reticentes no âmbito do contrato de seguro. Os arts. 24º a 26º do dec.-lei nº 72/2008, de 14 de Abril», nos «Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias», vol. IV, Coimbra Editora, 2010, pag. 617.
[7] Em «O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro», Almedina, 2013, pag. 335.
[8] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, proc. 2617/03.2TBAVR.C1.S1.
[9] Em «Direito dos Seguros», Almedina, 2013, pag. 579,
[10] Na obra citada, pag. 451.
[11] Obra citada, pags. 452-453.
[12] Em «O Contrato de Seguro», Coimbra Editora, 1999, pags. 97-98.
[13] Em «Lei do Contrato de Seguro Anotada», Almedina, 3ª edição, pags. 153-156.
[14] Obra citada pags. 468-469.
[15] Obra citada, pag. 489.