Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1845/97.2PBCSC.L1-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: PENA SUSPENSA
PRESCRIÇÃO DAS PENAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art.º 57º, n.º 1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.

II - As penas de substituição constituem penas autónomas, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo elas mesmas susceptíveis de prescrição, se não forem cumpridas ou revogadas, o que vale tanto para multa de substituição e prestação de trabalho a favor da comunidade como para a pena suspensa, sendo o respectivo prazo prescricional de 4 anos – Art.º 122º, n.º 1, alínea d), do C.P..

III - Prescrição que, quanto à pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do Art.º 122º, n.º 2, do C.P., mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, estabelecidas nos subsequentes Art.ºs 125º e 126º do mesmo Código, nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.

III - Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do Art.º 57º, n.ºs 1 e 2 do supra mencionado Código.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

 

No processo comum colectivo n.º 1845/97.2PBCSC.L1 da Instância Central – 2ª Secção Criminal (Juiz 2) de Cascais da Comarca de Lisboa Oeste, por despacho de 29-08-2014 (cfr. fls. 1606 a 1620), foi, no que ora interessa, decidido:

«Por acórdão datado de 11/03/2004, transitado em julgado em 24/05/2005, foi a arguida A, condenada pela prática, como autora material, de um crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art.° 205.°, n.° 1 e n.° 4, al. b) do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de quatro anos, a contar de 24/05/2005 (correspondente ao trânsito em julgado do acórdão), sob a condição de a condenada, no prazo de um ano, proceder ao pagamento, à ofendida/demandante M da quantia de € 168.400,65 (cento e sessenta e oito mil e quatrocentos euros e sessenta e cinco cêntimos) - cfr. acórdão que integra fls. 687 a 700, acórdãos da RL, que integram fls. 940 a 951, 965 a 966, e decisão sumária do TC, que integra fls. 985 a 987 dos autos).

Os factos remontam ao período compreendido entre o mês de Maio e Julho do ano de 1996.

Entendeu o Tribunal que a pena a aplicar à arguida se devia computar em 3 (três) anos de prisão, e que se verificavam os pressupostos exigidos pelo disposto no art.° 50.°, n.° 1, do Cód. Penal, para a suspensão da execução da pena, pelo que a decretou.

Tendo o acórdão transitado em julgado a 24/05/2005, a obrigação da arguida era a de cumprir com a condição que lhe foi imposta (pagamento, no prazo de um ano a contar de 24/05/2005, ou seja, até 24/05/2006, da quantia de € 168.400,65) e condicionante da suspensão da pena de prisão.

Ora, a arguida deixou esgotar o prazo da condição (prazo de um ano a contar de 24/05/2005), apesar de saber que a mesma era condicionante da suspensão da execução da pena, sem ter efectuado o pagamento da referida quantia, ou parte dela, como não tomou a iniciativa de justificar o não cumprimento da condição, não vindo por qualquer forma dar conhecimento de que, nesse período inicialmente fixado, se encontrava em dificuldades económicas ou na impossibilidade económica de cumprir, de que o não podia fazer por este ou aquele motivo, e nada requereu, designadamente uma eventual prorrogação do prazo para o efeito, ou de qualquer outro modo veio aos autos dar a entender, por qualquer meio, de que, embora por dificuldades financeiras, de saúde, laborais ou outras entretanto surgidas, na sua vida, que inviabilizaram o cumprimento da condição imposta para a suspensão, que não se desinteressara por qualquer modo do desenrolar destes autos e pela acção da justiça, e que, consequentemente, o tribunal tinha feito um correcto juízo a seu respeito, sendo merecedora da confiança nela depositada e que a ameaça da respectiva pena e a censura que pela imposição da mesma lhe foi feita se deveria manter, sendo o suficiente para que não voltasse a delinquir.

Por requerimento junto aos autos em 30/05/2006, que integra fls. 1017 a 1020 e fls. 1050 a 1053, a arguida vem alegar que se encontra numa situação de debilidade física, psicológica e financeira. Refere que se encontra de baixa médica desde 27/03/2003, sendo que em 08/06/2005, viu suspenso o pagamento da aludida baixa, sobrevivendo com o auxílio financeiro das filhas, uma vez que continua impossibilitada de trabalhar. Diz que lhe foi diagnosticado cancro da mama. Adianta que logrou obter para cumprimento da obrigação de pagamento, que constitui condição de suspensão da pena, um empréstimo em instituição de crédito, dando como garantia a que era a casa de morada de família, sita na Rua n.° 40, em Rio de Mouro, que em 28/04/2006 recebeu a resposta definitiva do Banco que aprovava o empréstimo no montante de € 250.000,00, tendo como garantia o imóvel referido, mas que, quando tentou proceder ao registo provisório da hipoteca, foi confrontada com uma penhora registada pela ofendida M, em 05/05/2006, tendo como suporte o titulo executivo respeitante a estes autos. Refere que, face à penhora registada no montante de € 224.289,11, pela ofendida, o banco não deu seguimento ao mútuo com hipoteca, ficando a arguida impossibilitada de efectuar o pagamento. Requereu se ordenasse a suspensão da execução da pena pelo período de 4 anos, com revogação da condição resolutiva, ou a concessão de prazo não inferior a 2 anos para pagamento do montante em causa.

Por despacho datado de 05/07/2006, foi determinado que a ofendida fosse notificada do referido requerimento de fls. 1017 e segs. e para se pronunciar, o que ocorreu conforme fls. 1087.

Por requerimento junto aos autos em 20/07/2006, que integra fls. 1088 a 1090, a ofendida alega que a arguida deixou de habitar a referida casa, sita em Rio de Mouro, há cerca de 9 ou 10 meses, tendo posto a casa à venda, e que a arguida até os casacos de pele tinha à venda ou vendeu, pelo que não teve outra alternativa senão tentar instaurar uma acção executiva por forma a se ressarcir dos seus danos. Adianta que a arguida nada lhe pagou.

Por requerimento junto aos autos em 30/05/2007, que integra fls. 1098 a 1100, refere a ofendida que a 25/10/2005 a arguida se separou por mútuo acordo de pessoas e bens entre cônjuges e que o cônjuge marido se veio arrogar, no processo de execução apenso a estes autos, único proprietário da totalidade do imóvel referido.

Por despacho de 11/09/2007, que integra fls. 1105, foi determinado que a arguida e seu ex-cônjuge J  viessem aos autos, em 20 dias, juntar documentação comprovativa, tanto do regime de bens relativo ao casamento, como do regime estabelecido na separação de bens de 25/10/2005, de forma a apurar qual a situação dos direitos sobre o imóvel, que foi a casa de morada de família, e que a secção averiguasse e informasse de perito para avaliação do imóvel, conforme promovido pelo MP a fls. 1104.

Foi nomeado perito e determinada a sua notificação para proceder à avaliação no prazo de 1 mês, conforme consta de fls. 1106.

J juntou aos autos as certidões que integram fls. 1123 a 1130 dos autos.

Por despacho datado de 25/03/2008, que integra fls. 1145 dos autos foi determinado se notificasse o perito para, em 5 dias, apresentar a avaliação do imóvel, e a arguida para vir aos autos, em 20 dias, juntar documentação comprovativa do pedido de empréstimo bancário junto do Banco, onde se encontra exarada a data em que tal ocorreu e da resposta de rejeição de tal pedido de empréstimo, conforme promovido pelo MP a fls. 1144.

Por requerimento junto aos autos em 17/04/2008, que integra fls. 1151, a arguida diz que em Abril de 2006, solicitou ao Banco um crédito no montante de € 250.000,00, conforme documento que junta, e que foi aprovado de acordo com as condições particulares nele constantes. Adianta que em 18/05/2006, o Banco informou a arguida de que a avaliação do imóvel ultrapassou € 380.000,00, mas que não pode efectuar a operação financeira, pois o Banco solicitou à CRP o averbamento dos registos provisórios, e tal não foi possível devido à existência de uma penhora feita em 05/05/2006 no valor de € 224.289,00. Junta os documentos emitidos pelo Banco, que integram fls. 1152 a 1153.

Por despacho de fls. 1154, foi determinada a notificação do perito avaliador para apresentar o resultado da avaliação e determinado fosse a assistente notificada do teor de fls. 1151 a 1153, como promovido pelo MP a fls. 1154.

Por requerimento junto a 21/05/2008, que integra fls. 1158, o perito avaliador informa que não pode proceder à peritagem por não ter sido possível aceder ao interior do imóvel, a fim de observar o mesmo, acrescentando que, tendo-se deslocado ao prédio, não encontrou ninguém no mesmo e os avisos colocados no receptáculo postal, pelo requerente, a fim de se marcar visita ao imóvel, não obtiveram resposta.

A arguida foi notificada para, no dia 31/07/2008, às 10 horas, comparecer no imóvel, a fim de possibilitar a entrada do perito avaliador JM nesse imóvel para que o perito realize a avaliação do imóvel (v. fls. 1161, 1163 e 1164). A 04/08/2009, o perito informa que compareceu no local, pelas 9,45 h e ali permaneceu até às 10,30 h, sem que alguém procedesse à abertura do imóvel e possibilitasse a entrada no mesmo, não tendo sido possível efectuar a avaliação. Juntou as fotografias que integram fls. 1173 e 1172.

Por requerimento junto a 24/02/2010, que integra fls. 1212, J refere que se encontra separado de pessoas e bens da arguida desde 24/10/2005, e que foi celebrada escritura pública de partilha decorrente da separação, tendo o prédio penhorado sido adjudicado à arguida. Juntou certidão da certidão da escritura de partilha, a qual integra fls. 1214 a 1217.

Por despacho de fls. 1247 foi determinado se oficiasse à DGCI e à Segurança Social para os efeitos requeridos pela ofendida a fls. 1243.

A Segurança Social prestou as informações que constam de fls. 1252 a 1257. A Autoridade Tributária prestou as informações que constam de fls. 1264 a 1402.

Por requerimento junto a 10/12/2012, que integra fls. 1407, a ofendida refere que a moradia em causa, a qual está penhorada e em fase de venda, se encontra em estado de abandono e de destruição. Junta fotografias tiradas ao exterior da moradia, as quais integram fls. 1408 a 1410.

Por despacho de 18/01/2013, que integra fls. 1412, foi determinado se notificasse a arguida para, em 10 dias, juntar aos autos documento comprovativo de ter procedido ao pagamento à ofendida da quantia de € 168.400,65, sob pena de, não o fazendo, a suspensão da pena poder ser revogada e ser determinado o cumprimento de 3 anos de prisão. A defensora da arguida foi notificada deste despacho (v. fls. 1413). Foi solicitado à autoridade policial que notificasse a arguida desse despacho. A autoridade policial procurou a arguida na referida residência, sita em Rio de Mouro e não a encontrou, informando que a residência se encontra desabitada e em estado de abandono, conforme consta de fls. 1432.

Por despacho de 08/05/2013, que integra fls. 1433, foi designado o dia 28/05/2013 para tomada de declarações à arguida.

Por despacho de fls. 1433 foi determinado se oficiasse à Autoridade Tributária, ao Instituto de Registos e Notariado e ao Banco de Portugal como requerido pela ofendida a fls. 1415.

Por despacho de 22/05/2013, que integra fls. 1441 e v°, foi dada sem efeito a data designada para as declarações à arguida, e designado o dia 19/06/2013 para tomada de declarações à arguida. Foi notificada a defensora da arguida (v. fls. 1447). A arguida não compareceu (v. fls. 1497) e não foi notificada conforme consta da informação prestada pela autoridade policial (v. fls. 1510). Foi designado para declarações à arguida o dia 11/07/2013 (v. fls. 1497).

O Banco de Portugal prestou as informações que integram fls. 1456 a 1462 vº.

Foram prestadas as informações bancárias que constam de fls. 1463 a 1488, 1491 a 1493, 1549.

A arguida não compareceu no dia 11/07/2013 (v. fls. 1533).

A Autoridade Tributária prestou as informações que constam de fls. 1513 a 1531.

Por requerimento junto aos autos a 14/02/2014, que integra fls. 1553 a 1557, a arguida diz que efectuou todas as diligências possíveis para obtenção da quantia necessária ao pagamento à ofendida. Refere que o imóvel penhorado era e é o único bem que a arguida tem para fazer face à liquidação da quantia indemnizatória. Refere que conta 71 anos de idade, é reformada e se encontra com a saúde física, emocional e psíquica extremamente debilitada, que tem como único rendimento uma pensão de € 303,23, vivendo com dificuldades financeiras. Adianta que os saldos das suas contas bancárias são de montantes diminutos, encontrando-se a pagar alguns empréstimos (créditos bancários). Diz que se encontra desde 05/05/2006, data do registo da penhora do imóvel, impedida de efectuar o pagamento da indemnização à ofendida. Alega que, após a penhora do imóvel e a consequente constituição do agente de execução como depositário, não se pode imputar à arguida o estado de degradação/desvalorização em que se encontra o imóvel, pois ao sair da casa para que se efectuasse a venda no mais curto espaço de tempo, viu-se privada da sua utilização. Juntou os documentos de fls. 1558 a 1560.

Por despacho, que integra fls. 1561 e v°, foi designado o dia 11/06/2014 para tomada de declarações à arguida e foi determinado se solicitasse à DGRS informação nos termos do art.° 1.°, al. h), do Cód. Processo Penal.

A arguida não compareceu a 11/06/2014 e não foi notificada (v. fls. 1578, 1569, 1577 e 1582).

Por requerimento de 13/05/2014, que integra fls. 1567, diz a ofendida que a arguida não efectuou o pagamento da indemnização.

A DGRS elaborou relatório social para eventual revogação da suspensão de execução da pena, datado de 26/06/2014, que integra fls. 1586 a 1589 dos autos.

Lê-se no relatório elaborado pela DGRS:

«A A dedicou grande parte da sua vida a cuidar da família, nomeadamente, dos seus sete filhos, apoiando pontualmente o marido na sua empresa de construção civil e naval.»

«A condenação, em 2004, veio a ter um impacto relevante na sua vida aos diversos níveis: No plano familiar precipitou o divórcio, decretado em 2005, sendo que o marido só então teve conhecimento da gravidade da situação judicial. No plano pessoal agravou o seu quadro de saúde mental, de sintomatologia depressiva crónica e eventual doença bipolar, a qual se terá despoletado com a morte de um filho em 2002, isolando-se socialmente, sentindo-se incapaz de manter actividade profissional, que abandonou definitivamente em 2007. No plano económico e na sequência das partilhas em sede de divórcio, a condenada ficou com a vivenda da família, devoluta, a qual tentou hipotecar para pagar a indemnização à assistente dos autos, processo que não terá conseguido ultimar por a mesma ter sido entretanto penhorada, em 2006, aparentemente no âmbito dos referidos autos.

Ainda em 2004, a condenada registou uma recidiva da sua doença oncológica, diagnosticada e tratada há alguns anos atrás, e ao ex-marido foi diagnosticado, em 2006, Parkinson atípico. A fim de lhe prestar apoio, A retomou então a coabitação com aquele, no apartamento que o mesmo havia adquirido na sequência do divórcio, e onde o casal se mantém. A doença oncológica da condenada está presentemente controlada, sendo que o estado de saúde do companheiro se tem vindo a agravar, tendo actualmente sintomas de demência e um nível de debilidade física que o tornam dependente dela.

No plano económico o casal conta actualmente com a pensão de reforma de A no montante de € 300,00 e a do companheiro de € 800,00, além de uma avença que ele mantém com uma firma, apesar de já não desenvolver qualquer actividade desde 2012, no valor de € 300,00. Como despesas mensais mais significativas contabilizam-se a prestação do apartamento ao banco credor, no montante aproximado de € 380,00, e as despesas com medicamentos na ordem dos € 200,00. Neste quadro a situação económica do casal será de contenção, contando com as ajudas pontuais dos filhos.»

Resulta, pois, de tudo o que antecede que, tendo sido condenada, por acórdão datado de 11/03/2004, transitado em julgado em 24/05/2005, como autora material, de um crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art.° 205.°, n.° 1 e n.° 4, al. b) do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de quatro anos, a contar de 24/05/2005 (correspondente ao trânsito em julgado do acórdão), sob a condição de a condenada, no prazo de um ano, proceder ao pagamento, à ofendida/demandante M da quantia de € 168.400,65 (cento e sessenta e oito mil e quatrocentos euros e sessenta e cinco cêntimos), a arguida não abateu nem um cêntimo ao aludido montante, como não o fez até à presente data.

O Ministério Público pronunciou-se, nos termos que melhor constam de fls. 1537 a 1546, pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida.

O Ministério Público pronunciou-se, nos termos que melhor constam de fls. 1604, no sentido de que o dever de pagar indemnização à lesada, imposto como condição de suspensão da pena seja substituído por regras de conduta, a estabelecer em plano de reinserção social, nos termos do art.° 55.°, n.° 1, al. c), do Código Penal.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o art.º 50.° do Cód. Penal, que trata dos pressupostos e duração da suspensão da execução da pena de prisão:

"1-Otribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5-Operíodo de suspensão tem duração igual à da pena de prisão
determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em
julgado da decisão".

Para além deste, relevam para a discussão os preceitos deste diploma que de seguida se transcrevem:

Artigo 51.° - "A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a obstar o mal do crime, nomeadamente: a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea; (...) 2- Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir. 3 - Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento".

Artigo 55.° - "Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres (...) impostos, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres (...); d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.° 5 do art. 50.°".

Artigo 56.° - "1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres (...). 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado".

Artigo 57.° - "1 - A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. 2 - Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres (...), a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão".

No caso dos autos, a suspensão da execução da pena de 3 anos de prisão, cominada à arguida, ficou subordinada ao cumprimento de um dever, a saber, o dever de, no período de um ano, proceder ao pagamento à ofendida/demandante da quantia de € 168.400,65, para pagamento do pedido de indemnização civil deduzido.

Importa ter presente que na suspensão da pena sob condição de pagamento da indemnização arbitrada ou de parte dela, como é o caso, pune-se o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com apelo à própria vontade do condenado para se reintegrar na sociedade, apelo esse fortalecido pela ameaça de execução futura da pena, desempenhando o dever de indemnizar imposto ao condenado uma função adjuvante da finalidade da punição, visando fortalecer a função retributiva da pena, dado que esta, suspensa na sua execução, se limita ao juízo de culpa e que, por razões de justiça e de equidade, se deve assim fazer sentir ao arguido os efeitos da condenação - neste sentido, cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado. Vol. I. Editora Rei dos Livros, 1996, 2.a ed., pp. 462 a 465, e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Vol. II - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 352 e 353.

Na realidade, verificam-se casos em que a suspensão da execução da pena, enquanto pena de substituição, só opera verdadeiramente as finalidades subjacentes à aplicação de toda e qualquer pena, as de protecção dos bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade (art. 40.°, n.° 1 Cód. Penal), se concomitantemente lhe for associada a reparação dos danos causados, mediante a imposição de deveres, em regra de natureza económica, que visam repor a situação da vítima antes do cometimento do crime, traduzida, nomeadamente, no pagamento da totalidade ou de parte da indemnização arbitrada aos lesados ou na garantia do seu pagamento por meio de caução idónea - neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, pp. 195 e 196.

Ora, é precisamente o que se verifica no caso vertente, como facilmente se intui da análise da matéria de facto que determinou a condenação. O efectivo cumprimento do dever de indemnizar a lesada/demandante M, imposto à arguida, oferece-se como essencial para garantia de que efectivamente foram alcançadas as finalidades subjacentes à punição.

A gravidade dos factos em cuja prática a arguida incorreu foi de tal ordem que o tribunal da condenação entendeu revelar-se insuficiente para alcançar as finalidades subjacentes à aplicação da pena a mera suspensão tout court da pena de prisão, antes a subordinando ao cumprimento de um dever destinado a reparar o mal causado pelo crime, a saber, o pagamento à lesada, no prazo de um ano, da indemnização devida a título de capital.

Efectivamente, face aos sentimentos manifestados pela arguida na execução do crime de abuso de confiança agravado, e aos objectivos que visou alcançar através da acção criminosa, apenas o efectivo cumprimento da condição que lhe foi imposta, pelo seu carácter pedagógico, permitiria considerar ter sido concedida efectiva tutela, através da suspensão da execução da pena, ao bem jurídico violado, e, simultaneamente, ter como alcançada a finalidade de reintegração da condenada na sociedade.

Importa, pois, apurar se, no caso vertente, se verificam os pressupostos da revogação da suspensão da pena de prisão, por não cumprimento do dever de pagar a indemnização que foi estabelecido como condição dessa suspensão.

Decorre dos artigos 55.° {"culposamente") e 56.° ("infringir grosseira ou repetidamente"), acima enunciados, que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação.

E no caso da revogação, a culpa há-de ser grosseira.

Como sublinham Leal-Henriques e Simas Santos, "as causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão", apenas devendo ocorrer revogação "como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito contém" - Código Penal Anotado, Vol. I. Editora Rei dos Livros, 2.a ed.a, 1996, pp. 481.

Ora, no caso vertente, compulsados os autos, verifica-se, por parte da arguida, a ausência de qualquer esforço sério no sentido de dar cumprimento à condição de pagamento à demandante, no período de um ano subsequente à data do trânsito em julgado do acórdão, da quantia de € 168.400,65 (cento e sessenta e oito mil e quatrocentos euros e sessenta e cinco cêntimos), determinada pelo Tribunal como condição de suspensão da execução da pena de prisão, não tendo esta, decorridos que se encontram mais de nove anos desde a data do trânsito em julgado do acórdão, procedido ao pagamento de um cêntimo que fosse à ofendida. Admitir que a arguida se eximisse ao cumprimento da condição que lhe foi imposta para suspensão da pena, no enquadramento resultante da matéria de facto que se teve como provada no acórdão condenatório, equivaleria, em termos práticos, à renúncia à condição que verdadeiramente justificou a opção pela suspensão da pena de prisão.

E, reitera-se, o cumprimento dessa condição, ou, pelo menos, a evidência de um esforço sério para o seu cumprimento, revela-se essencial ao prosseguimento da finalidade visada pela pena, ainda que esse cumprimento lhe pudesse ser penoso ou lhe exigisse sacrifícios.

No caso dos autos, pondera-se que a arguida é detentora de pelo menos quatro depósitos a prazo, outros à ordem, bem como de aplicação financeira no Montepio Geral (informação do Banco de Portugal de fls. 1457 a 1462), e nada pagou à ofendida.

Resulta das fotografias do imóvel penhorado, as quais integram fls. 1408 a 1410, e da informação prestada pela autoridade policial, que consta de fls. 1432, que esse imóvel se encontra desabitado e em estado de abandono, apresentando grandes estragos e ausência de pelo menos uma janela. A arguida não apresentou quaisquer comprovativos da apresentação de participações por actos de furto, arrombamento ou vandalismo, e deixou o imóvel a degradar-se.

No caso vertente, sopesando que, decorrido que se encontra um período superior a nove anos, desde a data do trânsito em julgado do acórdão condenatório, a arguida não procedeu ao pagamento de um cêntimo que fosse à ofendida, da quantia de € 168.400,65 a que ficou obrigada, é detentora de depósitos bancários, abandonou o imóvel penhorado, o qual se encontra em estado avançado de degradação, é bem revelador do grau de desinteresse e alheamento da condenada relativamente ao cumprimento da condição que lhe foi imposta para suspensão da pena de prisão em que foi condenada, ou seja, é revelador da sua culpa grosseira no não cumprimento da condição imposta, sendo a sua culpa intensa e o seu comportamento manifestamente censurável.

*

Como tal, e por tudo o exposto, nos termos do preceituado no art. 56.°, n.°s 1, al. a) e 2 do Cód. Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de 3 (três) anos de prisão aplicada à condenada A, e, consequentemente, determinar o cumprimento da pena de 3 (três) anos de prisão em que foi condenada.

Notifique.

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Após trânsito, remeta boletins ao Registo Criminal.

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***

Após trânsito, emita os competentes mandados de detenção da condenada para cumprimento da pena em causa.

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Por requerimento que integra fls. 1489 a 1490 dos autos, veio a arguida invocar a prescrição da pena que lhe foi imposta.

Decidindo.

Por acórdão datado de 11/03/2004, transitado em julgado em 24/05/2005, foi a arguida A condenada pela prática, como autora material, de um crime de abuso de confiança agravado, p.p. pelo art.º 205.°, n.° 1 e n.° 4, al. b) do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de quatro anos, a contar de 24/05/2005 (correspondente ao trânsito em julgado do acórdão), sob a condição de a condenada, no prazo de um ano, proceder ao pagamento, à ofendida/demandante M da quantia de € 168.400,65 (cento e sessenta e oito mil e quatrocentos euros e sessenta e cinco cêntimos).

O prazo de prescrição da pena (principal) de prisão, é de dez anos e começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (art.° 122.°, n.° 1, al. c), e n.° 2, do Cód. Penal).

A decisão que aplicou a pena é a decisão judicial que determina a execução da pena principal, na sequência da revogação da pena de substituição aplicada. Só naquela altura pode produzir-se o efeito que, em regra, se encontra associado à aplicação da pena com trânsito em julgado, isto é, a susceptibilidade de ser executada, efeito esse que se encontra pressuposto no art.° 122.°, n.° 2, do Cód. Penal.

O prazo de prescrição da pena (principal) conta-se a partir do dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

Tendo ficado suspensa a pena de prisão, o início do prazo de prescrição ocorre com o trânsito em julgado da decisão que revogar a pena de substituição e determinar a execução da pena principal.

Assim, não tendo transitado em julgado a decisão de revogação da suspensão da pena, não se iniciou o prazo prescricional da pena de prisão.

Consequentemente, não se mostra prescrita a pena de prisão (principal).

Cumpre ainda decidir se a pena de substituição (pena suspensa aplicada em substituição da pena de prisão) se encontra prescrita.

O acórdão condenatório transitou em julgado a 24/05/2005, pelo que o período de 4 anos de suspensão terminou em 24/05/2009.

Visto que a suspensão da execução da pena é uma pena de substituição da pena principal, está sujeita ao mesmo prazo de prescrição da pena de prisão, que, no caso em apreço, é de dez anos (art.° 122.°, n.° 1, al. c), do Cód. Penal). No sentido de que, sendo a suspensão da execução da pena uma pena de substituição da pena principal, está sujeita ao mesmo prazo de prescrição da pena de prisão, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17/03/2009, in www.dqsi.pt.

O prazo de prescrição da pena de substituição começou a correr com o trânsito em julgado do acórdão condenatório, sendo aplicável o regime da suspensão e interrupção da prescrição previsto nos arts 125.° e 126.° do Cód. Penal.

Assim, nos termos do art.° 126.°, n.° 1, al. a), do Cód. Penal, a prescrição da pena de substituição interrompeu-se com a sua execução, ou seja, a 24/05/2009, começando então a correr o prazo de prescrição de dez anos.

Deste modo, conclui-se que não se mostra decorrido o prazo de prescrição da pena de substituição.

Entre a data em que se completou o período de suspensão de execução da pena e a data da decisão que a revogou, ocorreram vários incidentes por falta de cumprimento da condição de suspensão de execução da pena, designadamente, a junção de documentação aos autos, a designação de datas para tomada de declarações à arguida, a elaboração de relatório pela DGRS para eventual revogação da suspensão de execução da pena, obstando à extinção da pena (art.° 57.°, n.° 2, do Cód. Penal). Tais incidentes constituíram a expressão de que a suspensão da pena e de que a pretensão punitiva se mantinham. Estes incidentes foram impeditivos de que o período de suspensão de execução da pena fosse prorrogado ou fosse revogada a suspensão, pelo que, também por este motivo, se conclui que a pena substitutiva não se encontra prescrita. Entre a data do termo do prazo de suspensão da pena e a data da revogação da suspensão, ocorreram vários incidentes segundo os quais, por força da lei, a execução da pena não podia começar (art.° 122.°, n.° 1, al. a), do Cód. Penal).

De tudo o exposto, decorre que a pena de prisão (principal) e a pena substitutiva, não se encontram prescritas.

Consequentemente, decide-se que a pena (principal) de prisão e a suspensão da execução da prisão (pena substitutiva) não se encontram prescritas, indeferindo-se o pedido de declaração de prescrição.

Notifique.

*

Notifique-se os ilustres senhores advogados do teor de fls. 1604.»

Por não se conformar com o assim decidido, interpôs a arguida o presente recurso que, na sua motivação, traz formuladas as seguintes conclusões (cfr. fls. 1626 a 1643):

«1a.- Por Despacho datado de 29/8/2014, foi revogada a suspensão da execução da pena de 3 anos de prisão aplicada à Recorrente, A, e consequentemente, determinado o cumprimento da pena de 3 anos de prisão em que foi condenada, com fundamento no incumprimento da obrigação condicionante da suspensão. No mesmo Despacho foi indeferido o pedido de declaração de prescrição da pena de suspensão da execução da prisão (pena substitutiva).

2a.- Independentemente da medida da pena principal, decorrido o período de suspensão da execução da pena, começa a correr o prazo de prescrição da pena de substituição, que como verdadeiras penas encontram-se sujeitas a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, o que nos termos do artigo 122°, n° l, alínea d), do C. Penal ocorre com o decurso de quatro (4) anos a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125° e 126° do Código Penal, por via das quais a prescrição da pena de substituição se interrompe com a sua própria execução.

3a.- A pena de suspensão da execução da prisão prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art.º 57° n°s 1 e 2 do C. Penal, mesmo que se encontrasse pendente processo ou incidente.

4a.- No caso sub judice, a pena de suspensão esteve em execução durante 4 anos, período fixado para a sua duração, pelo que a prescrição se interrompeu entre 24/05/2005 e 24/05/2009, começando nessa data a correr o prazo de prescrição de 4 anos. Não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão, nem outras causas de interrupção da prescrição, descontando o período de interrupção, o prazo de prescrição completou-se em 24/05/2013.

5a.- Como resulta dos autos, os factos punidos remontam a 1996 (cerca de 18 anos), a decisão sobre a suspensão da execução da pena (revogação da pena) ocorreu cerca de 9 anos e 3 meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória e cerca de 5 anos e 3 meses depois de decorrido o período de suspensão.

6a.- Ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, na data em que foi proferido o despacho recorrido (29/8/2014), já há muito que se encontrava extinta, por efeito da prescrição (que se operou no momento em que se completou o respectivo prazo - 24/5/2013), a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão, não sendo pois possível a sua eventual revogação e o ressurgimento/execução da pena principal (de prisão).

7a.- Nos termos conjugados dos artigos 122°, n° 1, alínea d) e n° 2, 125° e 126° a contrario, todos do Código Penal, o despacho recorrido deve ser revogado declarando-se extinta a responsabilidade criminal da Recorrente, pelo decurso do prazo prescricional da pena de substituição (de suspensão da execução) imposta à Recorrente e pela inerente insusceptibilidade de ser executada/cumprida a pena de prisão (principal).

Sem prescindir,

8a.- Mesmo que assim não se entendesse, sem conceder, verifica-se que o despacho recorrido não poderia ter revogado a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de 3 anos de prisão.

9a. - Constituindo a revogação da suspensão (da execução) da pena, a aplicação e cominação de outra pena (já previamente determinada), a actividade jurisdicional correspondente, ter-se-á de processar de acordo com os princípios gerais que presidem ao processo penal.

10a.- Apesar do tribunal a quo ter designado uma audição para a Arguida esclarecer os fundamentos do seu não cumprimento, o certo é que a pretendida e requerida audição pessoal não chegou a ter lugar. Assim, no plano processual, não foi cumprido o disposto no n° 2 do art.º 495° do Cód. Proc. Penal, constituindo essa falta de audição pessoal e presencial da Arguida uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119° al. c) do Cód. Proc. Penal e uma violação do consagrado nos n° 1 e 5 do art.° 32° da C.R.P., segundo os quais o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, nomeadamente o respeito pelo princípio do contraditório.

11a.- Contrariamente ao decidido e concluído pelo julgador a quo, no que se refere à efectivação da condição imposta pela suspensão, a situação em análise não configura uma culpa intensa e grosseira por parte da Condenada, não se encontrando pois reunidos os requisitos materiais da revogação previstos nos arts. 55° e 56° n° 1 al. a) do Código Penal.

12a.- Ao contrário do julgado pela primeira instância, a Recorrente praticou vários actos demonstrativos da sua intenção de cumprir a condição de pagamento à Demandante durante o período de um ano subsequente ao trânsito em julgado, nomeadamente a colocação do seu único imóvel à venda e o pedido de empréstimo bancário.

13a- A Recorrente apenas não conseguiu em tempo satisfazer a condição imposta no acórdão dos autos devido à penhora efectuada pela Assistente, efectuada e registada antes do termo do prazo da condição. Após a penhora da casa morada de família (apenso A dos presentes autos), avaliada em mais de 380.000,00 € e que representa praticamente a totalidade do património da Recorrente, esta ficou incapacitada de cumprir a condição de suspensão da execução da pena, isto é, o pagamento à Assistente/demandante da quantia de 168.400,65 €.

14a.- A Assistente/demandante tem o seu crédito acautelado através da penhora efectuada nos presentes autos, posição igualmente sufragada nos presentes autos pelo Ministério Público e que não foi considerado pelo tribunal a quo ao revogar a suspensão da execução da pena e ao condenar a Arguida na pena detentiva.

15ª.- Para além do imóvel penhorado, a Recorrente não tem quaisquer outros meios económicos para efectuar o pagamento à Assistente, tendo o Ministério Público a fls. 1604 considerado que a arguida não pagou à lesada por falta de meios económicos, não sendo tal facto imputável à arguida, pelo que não poderá determinar a revogação da pena suspensa, promovendo que o dever de pagar a indemnização à lesada, imposto como condição de suspensão da pena, seja substituído por regras de conduta, a estabelecer em plano de reinserção social, nos termos previstos no art.º 55° n°. l al. c) do Código Penal.

16a.- Devendo a pena de prisão ser aplicada como ultima ratio e perante todos os elementos do processo teríamos sempre de considerar como inadequada a aplicação à Recorrente de uma pena de prisão, traduzindo-se numa pena demasiada severa, violadora dos limites consagrados nos preceitos legais previstos nos arts. 40° n° 2, 70° e 71° todos do Código Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência, ser revogado o Despacho condenatório declarando-se extinta pelo decurso do prazo prescricional, a pena de prisão com execução suspensa (pena de substituição) aplicada à Recorrente/condenada, declarando-se definitivamente prejudicada, a pena de prisão aplicada na sentença condenatória, não mais podendo ser considerada ou cumprida. Se assim não for entendido, deverá o douto despacho recorrido ser declarado nulo, ou se assim não se entender, revogado e substituído por outro que se coadune com as restantes pretensões expostas, tudo com as legais consequências, assim se fazendo a acostumada Justiça!»

Admitido o recurso (cfr. fls. 1667) e, efectuadas as necessárias notificações, apresentou resposta o Mº Pº (cfr. fls. 1673 a 1680), em que conclui:

«1 - O despacho que determinou a revogação da suspensão de execução da pena de 3 anos de prisão aplicada não considerou as circunstâncias que levaram a arguida a não cumprir com a obrigação a que estava obrigada.

 2 - Com efeito, a arguida procurou obter um empréstimo junto de entidade bancária com registo de hipoteca do imóvel sua propriedade que foi concedido.

3 - O empréstimo não foi efectivado porque a entidade bancária não logrou registar a hipoteca sobre o imóvel da arguida porque, em data anterior do termo do prazo da condição.

 4 - A arguida desenvolveu os actos indispensáveis à obtenção dos meios financeiros que lhe permitiriam cumprir a condição de pagamento à ofendida da quantia de 168.400,00 euros, no que foi impedida por não se ter concretizado o empréstimo que procurou obter junto de entidade bancária.

5 - A arguida não tinha outros bens ou dinheiro que lhe permitissem pagar a obrigação que lhe foi imposta pela sentença aplicada.

6 - A arguida passou por graves problemas de saúde do foro psicológico e oncológico desde a data do trânsito em julgado da decisão que a condenou na pena de prisão, a que acresceram problemas financeiros agravados pelo reduzido montante da sua pensão no valor de 300,00 euros mensais.

7 - Os factos apurados não permitem afirmar que a arguida agiu com culpa intensa e grosseira pelo que se não mostram preenchidos os requisitos exigidos pelo artº 55° e 56°, n° l, alínea a) do Código Penal.

8. E inexistem quaisquer outros factos que viabilizem tal opção.

9 - Acresce que a pena de substituição se encontra prescrita por terem decorrido mais de 4 anos sobre o decurso do prazo de suspensão que ocorreu em 2006, pelo que o despacho em análise, quando foi proferido não poderia determinar a revogação da suspensão da execução da pena.

10 - A decisão proferida violou o disposto nos art°s 40°, n° 2 e 70° e 71°, todos do Código Penal, pelo deve ser revogada.

Vossas Excelências decidirão como for de JUSTIÇA!».

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta teve vista no processo (cfr. fls. 1687).

Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

Dispõe o Art.º 412.º, n.º 1 do C.P.Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico, que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª Edição - 2000, Pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª Edição - 2007, Pág. 103 e, entre muitos, os Acórdãos do S.T.J., de 25-06-1998, in B.M.J. 478º, Pág. 242; de 03-02-1999, in B.M.J. 484º, Pág. 271 e de 28-04-1999, C. J. - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII - 1999, Tomo II, Pág. 196).

Nesta conformidade, inexistem dúvidas de que o objecto do recurso, atentas as conclusões apresentadas, se resume às seguintes questões:

- Suposta circunstância de ter decorrido o prazo prescricional  da pena de substituição (suspensão da execução) imposta à arguida, nos termos conjugados dos Art.ºs 122º, n.ºs 1, alínea d) e 2, 125º e 126º a contrario, todos do C. Penal;

- Pretensa ocorrência da nulidade insanável prevista no Art.º 119º, alínea c) do C.P.Penal, decorrente da falta de audição pessoal e presencial da arguida, em clara violação dos Art.ºs 495º, n.º 2 do supra mencionado Código e 32º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P.;

- Eventual possibilidade de, quanto à efectivação da condição imposta pela suspensão da pena de prisão, não se encontrarem reunidos os requisitos materiais da respectiva revogação consagrada nos Art.ºs 55º e 56º, n.º 1, alínea a) do C. Penal, uma vez que a situação em análise não configura uma culpa intensa e grosseira por parte da arguida.

Antes de mais, não pode deixar de se referir que sobre a problemática em causa se pronunciou já, em termos que se têm como inequivocamente correctos, o Acórdão da Relação de Coimbra de 04-06-2008, proferido no âmbito do processo n.° 63/96.TBVLF.C1, de que foi relator o Exm.º Desembargador Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação se irá seguir de perto, por a ela aderirmos na sua globalidade.

Posto isto, passemos, pois, a apreciar as questões suscitadas:

Assim, quanto à primeira, importa, de imediato, referir que, estando em causa, no presente recurso, a revogação de uma suspensão da execução de pena de prisão, mostra-se conveniente começar por tecer algumas considerações, ainda que breves, sobre o regime e natureza desta pena.

O Art.º 50º, n.º 1 do Código Penal (doravante designado de C.P.), na redacção vigente à data da condenação da recorrente, estabelecia que: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

As finalidades da punição são, nos termos do disposto no Art.º 40º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos (não superior a 5 anos, actualmente, com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro), entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (com elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10-07-2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).

Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no Art.º 47º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.

No seio da Comissão, o Prof. Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J. Tem particular interesse a discussão travada na 17.ª sessão, de 22 de Fevereiro de 1964, e bem assim na 22.ª sessão, de 10 de Março).

O Prof. Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou: «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas - Editorial Notícias, 1993, Pág. 90).

O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., Págs. 91 e 329). Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., Pág. 339).

A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».

A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.

Assim, do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

Partindo do pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Por sua vez, constituía pressuposto formal de aplicação da suspensão da prisão, ao tempo da condenação da recorrente, que a medida desta não fosse superior a 3 anos (actualmente 5 anos).

Outrossim, o regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50º a 57º do C.P. e nos artigos 492º a 495º do C.P.Penal.

Da análise do regime legal resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples, suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta) e suspensão acompanhada de regime de prova.

O n.º 3 do Art.º 50º, do C.P., previa a imposição cumulativa do regime de prova e dos deveres e regras de conduta.

A revisão de 2007 alterou o mencionado preceito, que passou a prever, apenas, a cumulação entre si dos deveres e regras de conduta.

Porém, o Art.º 54º, relativo ao chamado «plano de reinserção social» em que assenta o regime de prova, admite a possibilidade de o tribunal impor deveres e regras de conduta.

Os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no Art.º 51º, n.º 1, do C.P., enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no Art.º 52.º, do mesmo diploma.

Os deveres e as regras de conduta podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51º, n.º 3, 52º, n.º 3 e 54º, n.º 2, do C.P., na redacção em vigor na data da decisão condenatória).

Por sua vez, no que concerne ao incumprimento das condições da suspensão, há que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências.

Quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no Art.º 55º do C.P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão.

Quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (cfr. Art.º 56º, n.º 1, do C.P.).

A revogação determina o cumprimento da pena de prisão (pena principal) fixada na sentença.

Saliente-se que, conforme assinala o Prof. Figueiredo Dias, entre as condições da suspensão de execução da prisão, subjacente mesmo à chamada suspensão simples, avulta a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período de suspensão. O cometimento de um crime no decurso do período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o juízo de prognose favorável suposto pela aplicação da pena de suspensão (ob. cit., Pág. 355).

No que concerne ao crime cometido no decurso da suspensão, porque a lei não distingue, ele tanto pode ser doloso, como negligente.

Porém, nem mesmo o cometimento de crime desencadeia, de forma automática a revogação da suspensão, pois nos termos da alínea b), do n.º 1, do supra aludido Art.º 56º, a condenação por um crime cometido no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão só implica a revogação da suspensão se tal facto infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (neste sentido já se pronunciava Figueiredo Dias, na altura de jure condendo, ob. cit., Pág. 357).

Quando, decorrido o período da suspensão da execução da pena, não existam motivos que possam determinar a sua revogação, a pena é declarada extinta (cfr. Art.º 57º, n.º 1, do C.P.).

Se estiver pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação, ou estiver pendente incidente pelo incumprimento de deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e quando não haja lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão (cfr. Art.º 57º, n.º 2, do C.P., na redacção em vigor na data da sentença condenatória).

Feito este excurso pela natureza e respectivo regime jurídico, torna-se forçoso salientar que, tal como se disse, a suspensão da execução da pena, como pena de substituição que é, pressupõe que a sentença que a aplique determine, previamente, a pena principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída.

Além de que, só a revogação da suspensão da execução da pena determinará o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (pena principal).

Por conseguinte, é facilmente compreensível que o decurso do prazo de prescrição da pena de prisão (pena principal) não possa ocorrer enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição).

De todo o modo, na versão originária do Código Penal, a propósito da suspensão da prescrição da pena, determinava o Art.º 123º, n.º 1, alíneas a) e b) que: «1 – A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar; b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena; (…).»

Com a revisão do Código levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a matéria da suspensão da prescrição da pena passou a constar do Art.º 125º, com a seguinte redacção: «1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; b) Vigorar a declaração de contumácia; c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou d) Perdurar a dilação do pagamento da multa. 2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».

Em relação à versão originária do Código Penal de 1982, nota-se na alínea c) do nº 1 a eliminação da referência à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena.

Significa essa alteração que o legislador pretendeu eliminar a suspensão da execução da pena como causa de suspensão da prescrição da pena principal?

Diz-nos Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., Pág. 466): «Em relação à versão originária, notam-se agora as referências às medidas de segurança (…) Nota-se ainda, na al. c), do n.º 1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito.»

Anteriormente, Figueiredo Dias, reportando-se à alínea b) do Art.º 123º, n.º 1, na versão originária do Código Penal de 1982, observava: «(…) a actual al. b) do art. 123.º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito» (ob. cit., Pág. 715).

Quer isto dizer que a suspensão da execução da pena, para os citados autores, constitui uma causa de suspensão da prescrição da pena principal, prevista na alínea c), do n.º 1, do Art.º 125º do C.P., sendo abrangida pela expressão: «o condenado estiver a cumprir outra pena».

Nesta interpretação, a redacção originária do Código Penal pecava por redundância (neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 01-03-2006, proc. n.º 0545190, www.dgsi.pt).

Porém, a circunstância da actual redacção da alínea c) do n.º 1 do Art.º 125º referir, no plural, a «pena ou medida de segurança privativas da liberdade» poderá dificultar a apontada interpretação, já que a suspensão da execução, como pena de substituição, não tem a natureza de pena privativa da liberdade.

Em sentido diverso, mas que ainda assim considera o decurso do período de suspensão da execução da pena como suspensivo da prescrição da pena principal, pronunciou-se o S.T.J., por Acórdão de 19-04-2007 (processo n.º 07P1431, www.dgsi.pt), entendendo que entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do Art.º 125º, n.º 1, alínea a), do C.P..

Como refere, com clareza, a Relação de Évora, no já supra mencionado Acórdão de 10-07-2007 (proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt, tendo como relator o Dr. António João Latas), partindo da compreensão da suspensão da execução como verdadeira pena de substituição, só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Realmente, lê-se neste aresto: «não obstante a pena principal ser fixada definitivamente na sentença condenatória e, nessa medida, poder afirmar-se que, do ponto de vista da escolha e determinação concreta da pena (cfr arts 369.º a 371.º do CPP), a mesma é aí aplicada, não pode dizer-se que a sentença condenatória aplicou a pena de prisão para efeitos da sua execução, uma vez que a sua substituição por outra pena privou-a desse efeito-regra, o qual só virá a ser-lhe eventualmente reconhecido por nova decisão judicial, pois a eventual revogação de pena de substituição não ocorre ope legis em caso algum».

E acrescenta: «Assim, nos casos de substituição não pode falar-se, para todos os efeitos, de aplicação da pena principal na sentença condenatória, pois só o trânsito em julgado de nova decisão judicial que revogue a pena de substituição pode determinar a execução da pena principal.

Consequentemente, o dies a quo do prazo prescricional da pena principal, nos termos do art. 122.º n.º 2 do C. Penal, ocorre com esta última decisão e não com a decisão condenatória, nos casos em que é substituída por pena de substituição.»

Estas observações, que temos como inteiramente correctas, permitem-nos concluir que só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.

Regressando ao caso em apreço, temos que o prazo de prescrição da pena (principal) de prisão aplicada à recorrente – prazo de 10 anos, nos termos do disposto no Art.º 122º, n.º 1, alínea c), do C.P. – só começaria a correr com o trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão (pena de substituição).

Ora, com efeito, o despacho que revogou a suspensão da execução da pena foi proferido em 29-08-2014, sendo este precisamente o despacho impugnado.

E, desta forma, revela-se, de todo em todo, inequívoco que a prescrição da pena principal não teria ainda ocorrido.

Porém, mais se impõe indagar se a pena de substituição, aquando da sua revogação, não estaria já prescrita, conforme pretende a recorrente.

Como já se disse, repetidamente, a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão.

Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis.

Assim, também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas ao decurso da prescrição.

É sabido que a extinção da pena a que se refere o Art.º 57º, n.º 1, do C. P., não é automática.

Por um lado, tal extinção tem que ser declarada; por outro, essa declaração só é possível depois de decorrido o prazo da suspensão e desde que se verifique que não há «motivos que possam conduzir à sua revogação», o que significa que, decorrido o período de suspensão, o tribunal deve averiguar da existência de qualquer condenação que obste àquela decisão, ou processo ou incidente pendentes que possam determinar a revogação, porque neste caso a pena só é declarada extinta «quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão» (cfr. Art.º 57º, n.º 2, do C.P.).

Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25-11-2003 (proc. n.º 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56º e 57º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição. O que significa, afinal, que o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da sua pena ou que a pena de substituição seja revogada, aguardando ad aeternum que o tribunal se decida, finalmente, num ou noutro sentido.

Entendemos, pois, que da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o Art.º 122º, n.º 1, alínea d), do C. P..

No caso em apreço, a sentença condenatória foi proferida no dia 11-03-2004, transitado em julgado em 24-05-2005.

A execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do Art.º 50º, n.º 5, do sobredito Código.

Verificando-se o não cumprimento da obrigação condicionante da suspensão, só pelo sobredito despacho de 29-08-2014, proferido mais de cinco anos e três meses depois de terminado o prazo de suspensão da execução da pena, é que o tribunal a quo decidiu revogar a suspensão.

Ora, a nosso ver, salvo melhor opinião, nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art.º 57º, n.º 1, do C.P.), mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional de 4 anos.

É que, no seguimento do já supra citado Acórdão da Relação de Évora, de 10-07-2007, também nós entendemos que as penas de substituição constituem penas autónomas, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo elas mesmas susceptíveis de prescrição, se não forem cumpridas ou revogadas, o que vale tanto para multa de substituição e prestação de trabalho a favor da comunidade como para a pena suspensa, sendo o respectivo prazo prescricional de 4 anos – Art.º 122º, n.º 1, alínea d), do C.P..

Prescrição que, quanto à pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do Art.º 122º, n.º 2, do C.P., mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção do prazo de prescrição, estabelecidas nos subsequentes Art.ºs 125º e 126º do mesmo Código, nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.

Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do Art.º 57º, n.ºs 1 e 2 do supra mencionado Código.

Ora, no caso vertente, alongou-se de forma desmesurada e injustificada o incidente relativo ao incumprimento da obrigação condicionante.

Não é aceitável que, pela morosidade excessiva na resolução do incidente, a decisão sobre a suspensão da execução da pena – revogação ou extinção da pena – tenha sido tomada mais de 9 anos depois da condenação (actualmente mais de 10 anos) e mais de 5 anos (actualmente mais de 6 anos) depois de terminado o decurso do período da suspensão.

Aliás, nesta conformidade, não pode deixar de se assinalar que a arguida A, em 28-04-2006, obteve por parte do banco, despacho favorável à sua pretensão de obter um empréstimo no montante de € 2,50.000,00, tendo como garantia o seu imóvel devidamente identificado nos autos.

No entanto, em 05-05-2006, ainda antes de decorrido o prazo de cumprimento da condição de suspensão da pena de prisão, a ofendida registou uma penhora sobre o acima referido imóvel, que impediu a recorrente de obter o empréstimo, já que, por causa do predito registo, a entidade bancária não logrou proceder à hipoteca do imóvel.

E, por conseguinte, sem essa garantia a arguida A não logrou concretizar o empréstimo com vista a cumprir supra mencionada condição.

Por sua vez, torna-se imperioso referir que, em 30-05-2006, a mesma juntou aos autos um requerimento onde dava conta da sua situação de debilidade física, psicológica e financeira, factos que se vieram a confirmar através do relatório do IRS, datado de 26-06-2014, sendo certo que a elaboração do mesmo apenas foi solicitada em 11-06-2014.

Na supra mencionada data (30-05-2006), requereu, de igual modo, a predita arguida que se ordenasse a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 4 anos, com revogação da condição resolutiva, ou a concessão de prazo não inferior a 2 anos para pagamento do montante em causa.

Entendeu, contudo, o Tribunal a quo não se pronunciar, de imediato, sobre tal pretensão, tendo ordenado, outrossim, inúmeras diligências que se prolongaram no tempo, sobretudo desde 11-09-2007, até ao momento da prolação do despacho impugnado.

Sendo certo que a maior parte delas, na perspectiva do que já supra se deixou assinalado, não se revelou susceptível de conduzir à produção de qualquer efeito tempestivamente relevante no que se reporta à definitiva resolução do incidente em causa.  

Em face do que acaba de se expender, somos da opinião que, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, na data em que foi proferido o despacho recorrido (29-08-2014), já há muito que se encontrava extinta, por efeito da prescrição (que se operou no momento em que se completou o respectivo prazo – 24-05-2013), a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão.

Termos em que, mostrando-se largamente excedido o sobredito prazo prescricional, sem que se identifiquem quaisquer causas que o pudessem suspender, impõe-se declarar extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de substituição imposta à recorrente, não sendo, pois, possível a sua eventual revogação e o ressurgimento/execução da pena principal (de prisão).

Desta forma, sendo de revogar o despacho em crise pelos motivos supra exarados, entendemos, por conseguinte, que a ponderação das demais questões se encontra prejudicada, uma vez que o desiderato com elas pretendido foi já inequivocamente alcançado.

*

Por todo o exposto, acordam os juízes em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho impugnado e declarar extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de substituição imposta à recorrente e, assim, definitivamente prejudicada a pena de prisão aplicada na sentença condenatória.

Sem custas.

Lisboa 16.06.2015

José Simões de Carvalho

Margarida Bacelar