Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
275/20.9T8TVD.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO DE PRIVAÇÃO DE USO
INDEMNIZAÇÃO
PRESSUPOSTOS
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.– O limite da condenação, tanto quantitativa, como qualitativamente, deve ser reportado ao pedido global, nada obstando, por isso, a que, se esse pedido representar a soma de várias parcelas, que não correspondam a pedidos autónomos, como acontece, regra geral, nas ações de indemnização por acidente de viação, se possa valorar cada uma dessas parcelas, em quantia superior à referida pelo autor, desde que o cômputo global fixado na sentença não exceda o valor total do pedido.

2.–  Só no caso de inexistência de danos emergentes ou de lucros cessantes se deve abordar a questão do dano autónomo (autónomo, relativamente àquelas duas modalidades de dano patrimonial) de privação de uso da viatura, sendo que só quanto a este dano autónomo faz sentido equacionar a questão de saber se a simples privação do uso do veículo não será, de per se, suscetível de originar prejuízos que mereçam a tutela do direito.

3.–  Será o caso, por exemplo, de um determinado lesado não ter sofrido qualquer um daqueles danos (danos emergentes e lucros cessantes) mas ter apenas ficado na impossibilidade de utilizar o veículo nas suas deslocações normais, como simples meio de transporte para o local de trabalho, ou em passeios de família, recorrendo a boleias de colegas ou de outra viatura cedida por familiares ou amigos.

4.– E esse dano autónomo de privação da viatura é um dano patrimonial.

5.– Sendo o termo inicial do cômputo da indemnização pela privação do uso do veículo, a data do acidente, o termo final, mesmo no caso de perda total do veículo sinistrado, coincide com a data em que é colocada à disposição do lesado a indemnização destinada ao ressarcimento dessa perda total ou, não sendo este o caso, na data em que é disponibilizada a indemnização para reparação do veículo, a que acresce o tempo necessário para a efetivação dessa reparação, pois só nessas datas o lesado fica em condições de substituir o veículo sinistrado ou de o usar depois de reparado.

6.– O valor da indemnização pela perda total de um veículo em consequência de acidente de viação é o correspondente ao valor venal do veículo antes do sinistro.

7.– O dano biológico constitui um dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais.

8.– O responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objeto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se não prove uma efetiva redução do vencimento do lesado como causa e efeito de um tal dano.

9.– O que releva, ante a comprovação de um tal dano, é a repercussão negativa desse défice, centrado na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de realizar esforços por parte do lesado, o que, necessariamente, se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desempenho das atividades pessoais em geral e numa consequente e, obviamente, de igual modo previsível, maior penosidade na execução das suas diversas tarefas, tudo significando um maior dispêndio de energias, um maior desgaste físico na execução das mesmas, comparativamente com o que sucedia antes do acidente.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO:


RN e VF instauraram a presente ação declarativa de condenação contra Seguradora, S.A., alegando, em síntese, que no dia 22 de Fevereiro de 2018, pelas 16,00 horas, ao quilómetro 32,200 da Estrada ..... - n.º ..., freguesia de V___, concelho do C____, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ___.___.VG, propriedade do autor e por ele conduzido, no qual seguia também a autora, e o veículo ligeiro de passageiros com a matricula ____-TU-____, conduzido por JL.
À data do acidente encontrava-se transferida para a ré a responsabilidade civil decorrente da circulação do ___-TU-___, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____.
O condutor do ___-TU-___ foi o responsável pela produção do acidente.
Em consequência do acidente ambos os autores sofreram danos de natureza patrimonial e não patrimonial, pelos quais pretendem ser ressarcidos.
Os autores concluem assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos mais de Direito (...):
Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, por via disso, ser a Ré condenada a:
- Pagar ao Autor o valor venal do ___.___.VG, na quantia de € 3.875,00;
- Pagar ao Autor os danos resultantes da privação de uso do ___.___.VG, contados na presente data na quantia de € 6.550,00;
- Pagar ao Autor a indemnização relativa ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, na componente do quantum doloris, dano estético, dano biológico a determinar posteriormente em perícia médico-legal;
-Pagar ao Autor os juros vincendos sobre a quantia indemnizatória total de € 10.425,00 à taxa de 4% ao ano, a contar da citação da Ré até integral pagamento;
- Pagar ainda as custas;
- Pagar à Autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 3.500,00;
- Pagar à Autora a quantia de € 180,00, relativa aos óculos partidos;
-Pagar à Autora os juros vincendos sobre a quantia indemnizatória total de € 3.680,00 à taxa de 4% ao ano, a contar da citação da Ré até integral pagamento.»
***

A ré contestou, alegando, também em síntese, que recai sobre o autor a responsabilidade pela produção do acidente.
Conclui pugnando pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
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Com a singela afirmação de que «a questão a decidir nos presentes autos é de facto e de direito, e não se revestindo a matéria de facto de particular complexidade», e limitando-se a invocar o art. 593.º, n.º 1, o senhor juiz a quo dispensou a audiência prévia e proferiu despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
***

Após a designação de data para a realização da audiência final o autor RN veio, ao abrigo do disposto no art. 265.º, n.º 1, ampliar o pedido, pedindo agora que a ré seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente, a quantia global de € 35.425,00.
Na audiência final a ré opôs-se à requerida ampliação do pedido, a qual, no entanto, foi admitida.
***

Realizada a audiência final foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Nos termos e fundamentos expostos:
a)- Condeno a R. Seguradora, S.A. a pagar ao A. RN, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros) acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.
b)- Condeno a R. Seguradora, S.A. a pagar ao A. RN, a título de danos patrimoniais, a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação relativa ao valor venal do veículo ____.____.VG à data do acidente, descontado o valor do salvado, até ao limite de € 3.875,00 (três mil oitocentos e setenta e cinco euros).
c)- Condeno a R. Seguradora, S.A. a pagar ao A. RN, a título de danos não patrimoniais, a quantia total de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), acrescida dos juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.
d)- Condeno a R. Seguradora, S.A. a pagar à A. VF, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 180,00 (cento e oitenta euros), acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.
e)- Condeno a R. Seguradora, S.A. a pagar à A. VF, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 1.000,00 (mil euros), acrescida dos juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.
f)- Absolve-se a R. do demais peticionado.»
***

Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim, de forma desnecessariamente extensa, as respetivas alegações:
«a)-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância a fls._ dos autos de ação de processo ordinário que correram termos no Juízo Local Cível de Torres Vedras – Juiz 2, da Comarca de Lisboa Norte, sob o número de processo ___/__._T8TVD, que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a ora Ré no pagamento indemnizatório aos Autores.
b)- De facto, não se pretendendo discutir a responsabilidade do condutor do veículo seguro pela produção do acidente, entende a ora Recorrente que se deverá resolver a seguinte questão: Como se computa a indemnização devida pela Ré ao ora Autor?
c)- No entender da ora Recorrente incorreu o Tribunal a quo em errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 483.º, 494.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil, extravasando a justa medida da reparação devida pela Recorrente, como se demonstrará infra.
d)- Porquanto, e num primeiro momento, não concorda a ora Recorrente com a razão de ser do enquadramento feio pelo douto Tribunal a quo quanto ao dano não patrimonial considerado, por duas ordens de razão: douto Tribunal a quo peca por excesso de pronúncia; a douta Sentença recorrida duplica a condenação por um mesmo dano.
f)- Veja-se que o Autor em articulado superveniente ampliou o seu pedido, peticionando a quantia de € 10.000,00 (dez mil Euros) a título de dano biológico na vertente de dano futuro e, bem assim, peticionou € 15.000,00 (quinze mil Euros) na vertente dano não patrimonial.
g)- Tais pedidos alicerçaram-se na realidade do dano biológico, o que a ora Recorrente não pretende discutir, admitindo, como o faz, que o Autor, efetivamente, sofreu uma violação da sua saúde em consequência do acidente discutido nos presentes autos.
h)- Note-se, no entanto, que, erradamente a nosso ver, o douto Tribunal a quo decidiu fixar uma indemnização pelo “dano pela ofensa à integridade física e psíquica - dano biológico”, condenando a ora Recorrente no pagamento de € 10.000,00 (dez mil Euros) a título de dano não patrimonial na vertente do dano biológico em si mesmo.
i)-Quando, no entender da ora Recorrente o ora Autor peticionou o dano biológico na vertente dano patrimonial e na vertente dano não patrimonial - por essa razão, no seu articulado superveniente fez a distinção entre Dano Biológico enquanto dano futuro e padecimentos morais!
j)-Parece-nos a nós, com o devido respeito por opinião contrária, que era esta a realidade que o ora Autor pretendia ver apreciada, mesmo sem ter sido feita qualquer prova quanto à perda de ganho do ora Autor!
k)- No caso em concreto deveria ter sido aplicada uma fórmula financeira que permitisse concluir pelo quantum indemnizatório por danos patrimoniais futuros.
l)-Tudo temperado com um juízo de cálculo que permitisse aplicar a equidade sem extravasar os limites do razoável.
m)-A ressarcibilidade dos danos futuros encontra-se expressamente prevista no art.º 564.º, n.º 2 do Código Civil nos seguintes termos: “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
n)-Salvo o devido respeito, que é muito, andou mal o douto Tribunal a quo ao desconsiderar a natureza do dano peticionado o que consubstancia excesso de pronúncia por parte do Tribunal.
o)-Já que conheceu de questões que não foram colocadas pelas partes, condenando em objeto diverso do que se pediu.
p)-O que, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil, invalida o processado, sendo nula a sentença proferida nesta parte, o que se alega para os devidos efeitos legais, devendo ser substituída por outra que contemple prova quanto ao rendimento do ora Autor, só assim tornando possível aplicar critérios de equidade concretos e não arbitrários, que legitimem a atribuição de indemnização a título de dano futuro na vertente dano patrimonial.
q)- Para o caso de assim não se entender, a ora Recorrente crê estar a ser duplamente condenada no pagamento de um indemnização por danos não patrimoniais, sem que consiga destrinçar a realidade de um e de outro dano!
r)- O douto Tribunal atribuí uma indemnização pelo mesmo dano ao ora Autor, parcelando de forma desconexa o dano corporal que padeceu, quando, no entender da ora Recorrente a sentença recorrida viola o princípio do indemnizatório, o qual proíbe a cumulação de indemnizações para os mesmos danos.
s)- Pois, o dano biológico tanto poderá ser ressarcido a título de dano patrimonial como a título de não moral, nunca, no entender da ora Recorrente, duplamente a título de dano não patrimonial.
t)- Pois a fundamentação explanada na douta sentença permite concluir que a razão de dupla condenação em dano não patrimonial deriva, apenas, da afetação da potencialidade física, psíquica e intelectual do lesado, devendo a douta sentença ter condenado, de acordo com a sua fundamentação, num único valor global.
u)-O qual deveria, necessariamente, estar abrangido por critérios de equidade.
v)- Pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada por outra que fixe um quantum único a título de dano não patrimonial, de acordo com o que infra se exporá.
w)- Acresce que, por outro prisma, tratando-se, por definição, de danos insuscetíveis de avaliação pecuniária, sendo que o que se visa é proporcionar ao lesado uma quantia que lhe permita obter um prazer alternativo que, de algum modo, atenue, minore ou compense o desgosto ou a dor sofrida.
x)- Segundo estabelece o artigo 496.º do Código Civil, no seu n.º 1, só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, acrescentando o respetivo n.º 3 que o montante da indemnização será fixado equitativamente.
y)- A ora Recorrente não rejeita que o Autor tenha sofrido danos não patrimoniais que, atenta a sua gravidade, são merecedores da tutela do Direito, ao abrigo do artigo 496.º/1 do Código Civil.
z)- O cômputo da indemnização deverá ser conjugado com o “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso...”, temperadas por um juízo de equidade (artigos 494.º e 496.º/3 do Código Civil).
aa)- O que a ora Recorrente não pode (de todo) aceitar é o valor atribuído pelo Tribunal a quo, no montante de € 12.000,00 (doze mil Euros) que se reputa de manifestamente excessivo face aos danos concretamente sofridos pelo Autor.
ab)- Pois, o montante fixado pelo tribunal a quo não se coaduna, salvo o devido respeito, que é muito, com tais critérios para ter em consideração aquando da fixação do montante indemnizatório.
ac)- A indemnização por danos não patrimoniais fixada pelo douto Tribunal a quo em € 12.000,00 extravasa o que a ora Recorrente entende mostrar-se razoável em face do concretamente apurado.
ad)- Da análise jurisprudencial relativa à aplicação dos critérios estabelecidos nos artigos 494.º, e 496.º do Código Civil, nos termos supra referidos, deve obedecer a uma lógica própria, pré-estabelecida, segundo a qual o juízo de equidade deve servir um propósito de equilíbrio, vedando ao julgador a fixação, por recurso aos demais critérios legais enunciados e/ou atendíveis em função das circunstâncias do caso, de um montante desrazoável, seja por defeito, seja por excesso (extravasando a função ressarcitória enunciada no artigo 562.º do Código Civil).
ae)- Julgar segundo a equidade significa que o Tribunal deve atender à necessidade de adequada compensação da vítima sem que, com isso, viole o princípio da  proporcionalidade, à luz do qual a restrição, indemnização ou sanção operada deve ser a estritamente necessária (e apenas essa) à salvaguarda dos direitos e/ou interesses ofendidos.
af)- Mais, o valor de € 12.000,00 (doze mil Euros) fixado a título de indemnização de dano moral é, atento os padrões hodiernos de indemnização desse tipo de dano, excessivo e irrazoável.
ag)- Na compensação por danos não  patrimoniais deve fazer-se um paralelo com a atribuição que a jurisprudência tem feito nomeadamente pelo dano morte.
ah)-A indemnização fixada pelo douto Tribunal mostra-se manifestamente excessiva, no confronto com outros casos análogos e dos quais constituem exemplo (entre muitos outros encontrados): Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.3.2012 (processo 1679/04.0TBPBL.C1, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Fevereiro de 2004, acórdão de 15 de Março de 2012, proc. 4730/08.0TVLG.L1.P1, acórdão do S.T.J. de 14/10/2014 – Revista 28/10.2TBPTL. G1.S1, acórdão do Tribunal da Relação do Porto – processo n.º 2194/12.3TBGDM.P1 – de 06 de dezembro de 2016, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – processo n.º 5911/18.4T8BRG.G1- de 27 de maio de 2021.
ai)- Com efeito, entende a ora Recorrente que o dano sofrido pelo ora Autor é manifestamente inferior àquele que se reflete nos casos supra referidos, termos em que, salvo melhor opinião, o quantum a arbitrar deverá ser, segura e proporcionalmente, inferior.
aj)- Atendendo a que a indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem deve cair em excessos, e tendo em linha de consideração todo o quadro descritivo acima mencionado, entende-se - fazendo apego a um juízo de ponderação e equidade, e em respeito pelas regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas (cfr. A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 6. ao artigo 496.º, pág. 474), - ser equilibrado fixar a indemnização por dano moral a favor do Autor em montante não superior a € 5.000,00 (cinco mil Euros).
ak)- Entende a ora recorrente que a indemnização por danos não patrimoniais fixada pelo douto tribunal a quo é, exagerada e desproporcional, devendo ser tal montante ser alterado para valor não superior a € 5.000,00 (cinco mil Euros), por forma a que seja feita uma correta aplicação de todos os princípios que regem a correta atribuição duma indemnização desta natureza.
al)- Face ao que antecede, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal de que se recorre fez uma incorreta interpretação e aplicação das normas em apreço, mais concretamente as referentes nos artigos 342.º n.º 1, 483.º, 494.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º do Código Civil.
am)- Não concorda, ainda, a ora Recorrente com a decisão proferida quanto ao valor indemnizatório arbitrado a título de privação de uso do veículo sinistrado.
an)- O ora Autor veio pedir a condenação da ora Recorrente no pagamento e uma indemnização de € 6.550,00, a título de danos por privação de uso do veículo, uma vez que ficou privado de fazer uso da sua viatura em consequência do acidente sofrido.
ao)- Conforme resultou provado, “No caso sub judice resulta da factualidade que em consequência do acidente o veículo do A. ficou impossibilitado de circular, desde o dia do acidente (22/02/2018), e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo num centro de abate.”.
ap)-Razão pela qual se decidiu “Nesta conformidade, com recurso à equidade, afigura-se razoável atribuir ao A. o valor diário de € 10,00 (dez euros), sendo a R. responsável pelo pagamento desse dano que o A. sofreu, esse montante, liquidado pelo A. até à data da instauração da acção, perfaz o total de € 6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros (€ 10,00 x 655 dias), tal como peticionado pelo A., que apenas pede indemnização pela privação do uso relativamente a esses dias.”.
aq)-Sucede que resultou provado que o ora Autor havia procedido à entrega do veículo sinistrado para abate, entendendo a ora Recorrente que após a venda do veículo do Autor, agora Recorrido, deixaram de se verificar os pressupostos dos poderes de gozo e fruição da coisa.
ar)-Deixando, pois, de existir um dano patrimonial indemnizável desde aquela data!
as)- É posição da ora Recorrente que dever-se-á fazer equivaler a uma situação de Perda Total do veículo àquela em que o veículo é passível de reparação, momento em que, cessa a obrigação de indemnizar por privação de uso.
at)- E no caso em concreto poderia o ora Autor manter interesse na sua reparação – o que se admite por mera hipótese prática - veja-se que na hipótese de o veículo ser vendido a terceiro por reparar, não haveria dúvidas em considerar o período de indemnização pela privação de uso somente até à data da sua venda.
au)-Já que após a sua venda deixaram de se verificar os requisitos de atribuição de indemnização pela privação de uso de veículo, cessando inclusive a sua legitimidade do Autor para peticionar em conformidade.at) 
av)-Questiona-se, assim, qual a razão da condenação da ora Recorrente no pagamento de indemnização por privação de uso desde a data do acidente até à data da propositura da ação? Como se poderá considerar privação de uso do veículo se o ora Recorrido já não poderia dele fruir?
aw)-A douta Sentença do Tribunal «a quo» é assim nula, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
ax)- Não se verificando qualquer inibição dos poderes de gozo e fruição o ora Autor só teria direito à indemnização por privação de uso do veículo até ao momento em que decidiu vender o carro para abate.
ay)- Ou, o que se admite, até à data da propositura da presente ação, caso se provasse a existência de concretos prejuízos de ordem patrimonial decorrentes do acidente em apreço. O que não se descortinou.
az)- Em bom rigor não resultou provado a data em que o ora Recorrido vendeu o carro para abate, como tal, salvo melhor opinião, não poderia o douto Tribunal a quo ter condenado numa indemnização pela privação de uso do veículo calculada até à entrada da presente ação em juízo, sem que se apurasse, primeiramente, em que data o ora Recorrido havia abatido o veículo.
aaa)- Somente se considerou provado que “39. Em consequência do embate o veículo ___.___.VG ficou impossibilitado de circular, e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo ____.___.VG num centro de abate de veículos em fim de vida, tendo recebido contrapartida monetária de valor não apurado.”.
aab)-Atendendo-a que se desconhece tal factualidade, relevante no caso em concreto, deveria o douto Tribunal a quo ter relegado a condenação naquele montante para liquidação de sentença, sob pena de violação do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
aac)-Devendo, em conformidade, ser a presente sentença revogada por outra que condene em conformidade, sempre até ao limite do valor concretamente peticionado pelo ora Autor.»
***

Tanto na motivação da apelação, como em requerimento posterior, a apelante é clara na delimitação do objecto do presente recurso: recorre da sentença proferida em 1.ª instância apenas quanto aos seguintes segmentos decisórios:
«a)- Condeno a R. Seguradora, S.A. apagar ao A. RN, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 6.550,00(seis mil quinhentos e cinquenta euros = acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.
(…)
c)- Condeno a R. Seguradora, S.A. apagar ao A. RN a título de danos não patrimoniais, a quantia total de €22.000,00 (vinte e dois  mil  euros), acrescida dos juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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IIÂMBITO DO RECURSO:

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).

À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir acerca:
-da alegada nulidade da sentença;
-do termo final que deve ser considerado para cálculo do montante a arbitrar ao autor RN a título de indemnização pelo dano de privação do uso do veículo ____.____.VG;
- do quantum indemnizatório a atribuir ao mesmo autor a título de dano biológico.
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IIIFUNDAMENTOS:

3.1-Fundamentação de facto:

3.1.1 - A sentença recorrida considerou provado que:
«1.- No dia 22 de Fevereiro de 2018, pelas 16.00 horas, ao quilómetro 32,300 da Estrada ..... - n.º ..., freguesia de V____, concelho do C_____, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ____.____.VG, propriedade do A., e conduzido pelo próprio, e o veículo ligeiro de passageiros com a matricula ____-TU-____, conduzido por JL.
2.- No dia referido em 1. estava bom tempo.
3.- No dia referido em 1. a responsabilidade civil emergente da condução do veículo ____-TU-____ encontrava-se transferida para a R. através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____.
4.- No dia e hora referidos em 1. o veículo do A. circulava na Rua da Restauração em direcção à EN 115.
5.- No local do embate, atento o sentido Torres Vedras/Cadaval, a EN 115 é composta por duas vias de sentidos opostos, a qual é entroncada à esquerda pela Rua da R..., sendo ladeada por habitações, estando a velocidade máxima permitida no local limitada a 50 km/hora.
6.- Na intersecção da Rua da R... com a EN 115, aquela tem implantado um sinal STOP.
7.- Antecedendo a zona do referido entroncamento, atento o sentido Cadaval/Torres Vedras, a EN 115 descreve curva ligeira à direita, tendo implantada sinalização luminosa de controlo de velocidade.
8.- No dia do acidente os referidos sinais estavam a funcionar regularmente.
9.- O veículo ____.___.VG circulava na Rua da R... e uma vez chegado à EN 115, o A. parou em obediência ao sinal STOP e para deixar uma colega de trabalho.
10.- Depois de verificar que não circulavam veículos nos dois sentidos da EN 115, o A. reiniciou a marcha e virou à esquerda, dado pretender prosseguir em direção ao C____.
11.- Quando o A. virava à esquerda e entrava na via direita da EN 115, atento o sentido Torres Vedras/Cadaval, e o veículo que tripulava (veículo ____.____.VG) estava quase na sua totalidade dentro da hemi-faixa destinada ao seu sentido de trânsito foi embatido pelo veículo ____-TU-____ na referida hemi-faixa de rodagem.
12.-O veículo ____-TU-____ circulava na EN 115, no sentido Cadaval/Torres Vedras, a velocidade superior a 50km/h, e não obstante a sinalização semafórica apresentar a luz vermelha, resultante do controlo de velocidade, o condutor do veículo ____-TU-____ prosseguiu a marcha, mantendo a velocidade.
13.- Ao descrever a curva à direita, o condutor do veículo ____-TU-____avistou o veículo ____.___.VG a mudar de direcção para a esquerda, travou, tendo o veículo ____-TU-____ assumido uma trajectória diagonal para a esquerda, acabando por embater no veículo ____.____.VG que já se encontrava quase na sua totalidade na via contrária ao sentido Cadaval/Torres Vedras, e por onde pretendia seguir a sua marcha.
14.- O veículo ____-TU-____ embateu com a sua parte dianteira na parte lateral esquerda do veículo ____.____.VG, na zona entre o guarda lamas e a porta do condutor.
15.- Em consequência do embate o veículo ____.____.VG foi projectado contra o passeio e parede de uma habitação que ladeava à direita a EN 115, no sentido Torres Vedras/Cadaval, ao passo que o veículo ____-TU-____ rodopiou e ficou imobilizado com a parte frontal voltada para o sentido Torres Vedras/Cadaval, contrário ao seu sentido de marcha.
16.- Logo após o acidente, o A. começou a sentir fortes dores no braço esquerdo e perna esquerda, tendo sido transportado de urgência para o Hospital de Torres Vedras - Centro Hospitalar do Oeste.
17.- Na referida unidade hospitalar, o A. foi submetido a exames de RX.
18.- Em consequência do acidente o A. sofreu traumatismo do hemitórax esquerdo e fractura subtrocantérica à esquerda ao nível da anca esquerda, o que motivou o seu internamento.
19.- No dia 24/02/2018 o A. foi sujeito a uma intervenção cirúrgica tendo sido efectuado encavilhamento cefalo-medular longo-vitus.
20.- No dia 15/03/2018 o A. teve alta médica do Centro Hospitalar do Oeste.
21.- Uma vez que também se tratava de acidente de trabalho, o A. passou a ser seguido pelos serviços médicos da Companhia de Seguros “Seguradoras Unidas, SA”, seguradora para a qual a entidade patronal do A. havia transferido a responsabilidade pelos acidentes de trabalho através da apólice n.º ____, os quais diagnosticaram ao A. traumatismo torácico esquerdo e da coxa esquerda com fractura do fémur.
22.- Após cumprir programa de reabilitação funcional de fisioterapia, o A. teve alta definitiva dos serviços médicos da Companhia de Seguros “Seguradoras Unidas, SA” em 17/08/2018.
23.- Em consequência do embate e lesões sofridas o A. ficou com edemas no membro inferior esquerdo e sentiu dores, principalmente na anca do lado esquerdo, sobretudo quando a mobilizava, tendo tomado medicação.
24.- Em consequência do acidente e lesões sofridas o A. sofreu Défice Funcional Temporário Total, correspondendo ao período de internamento, entre o dia 22/02/2018 e o dia 15/03/2018 (22 dias).
25.- Em consequência do acidente e lesões sofridas o A. sofreu Défice Funcional Temporário Parcial, entre o dia 16/03/2018 e o dia 17/08/2018 (155 dias).
26.- Em consequência do acidente e lesões sofridas o A. esteve impossibilitado de exercer a sua actividade profissional entre o dia 22/02/2018 e o dia 17/08/2018 (177 dias).
27.- Durante os períodos referidos em 24. e 25. o acto de vestir e a higiene pessoal do A. eram feitas com dificuldades de movimentos, por causa das lesões e dores sentidas.
28.- Antes do acidente o A. pescava de barco, o que deixou de fazer porque tal actividade, face às lesões sofridas, desencadeia dores na anca, e por força das lesões tem dificuldades na realização de tarefas agrícolas, que antes do acidente realizava sem qualquer limitação.
29.- Em consequência do acidente e das lesões sofridas o A. sentiu-se triste e angustiado.
30.- Actualmente, em consequência do acidente e lesões sofridas, o A. apresenta no membro inferior esquerdo cicatriz nacarada, ligeiramente hipertrófica, oblíqua ínfero-anteriormente, no terço proximal da face externa da coxa, medindo 9 cm de comprimento e 0,4 cm de maior largura, abaixo desta apresenta cicatriz linear, longitudinal, quase inaparente, no terço proximal, medindo 4 cm de comprimento, e cicatriz nacarada, linear, longitudinal, quase inaparente, no terço distal da face externa da coxa, medindo 5,5 cm de comprimento, mantém mobilidades da articulação coxo-femoral, dolorosas nos últimos graus, mais acentuadamente na abdução e adução e movimentos de rotação externa e interna, sem amiotrofias dos músculos da coxa ou da perna, força muscular mantida e simétrica, mobilidades do joelho mantidas e não dolorosas, consegue colocar-se em ante-pés e calcanhares, evidenciando dificuldade em caminhar, sem dismetria dos membros inferiores.
31.- O quantum doloris do A. é fixável no grau quatro numa escala de sete graus de gravidade crescente e o défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixável em três pontos.
32.- O dano estético permanente é fixável no grau três numa escala de sete graus de gravidade crescente (tendo em conta as características das cicatrizes).
33.- A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau dois numa escala de sete graus de gravidade crescente.
34.- As sequelas que o A. padece em consequência do acidente e lesões sofridas em termos de repercussão permanente na actividade profissional são compatíveis com o exercício da actividade profissional do A., mas implicam esforços suplementares.
35.- O A. nasceu em 28/02/1958 e trabalha como manobrador de máquinas, o que já sucedia à data do acidente.
36.- A A. VF viajava igualmente no veículo ____.___.VG no momento do acidente.
37.- Em consequência do embate a A. VF embateu com a cabeça no para-brisas e em consequência sofreu dores durante uns dias, tendo igualmente sido transportada para o Centro Hospitalar do Oeste.
38.- Em consequência do embate resultaram vários danos no veículo ____.____.VG, que ficou com ferros contorcidos, com vidros partidos, tejadilho vincado, lateral esquerda amolgada, porta do condutor amolgada, capot amolgado, eixo dianteiro esquerdo partido, pneu rebentado e respectiva jante empenada.
39.-Em consequência do embate o veículo _____.____.VG ficou impossibilitado de circular, e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo ____.____.VG num centro de abate de veículos em fim de vida, tendo recebido contrapartida monetária de valor não apurado.
40.- O veículo ____.____.VG era um veículo de marca Mercedes Benz, modelo ____e à data do acidente tinha valor não concretamente apurado.
41.- O A. utilizava o veículo ____.____.VG nas suas diversas deslocações, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, para compras e lazer, visitas a familiares e amigos.
42.- A R. nunca facultou ao A. um veículo de substituição, nem colocou à sua disposição o valor venal respeitante ao ____.____.VG.
43.- Em consequência do acidente os óculos da A. partiram-se, a substituição das lentes e armação foi orçada na quantia de € 180,00 (cento e oitenta euros).»

3.1.2 - (...) e não provado que:
«1.- O veículo do A. circulava na Rua da R... a velocidade inferior a 50 km/h.
2.- O A. após o acidente receou que as lesões sofridas fossem em maior extensão.
3.- Em consequência do embate a A. VF ficou com uma ferida na testa, por cima do olho esquerdo, e deste ferimento a A. passou a apresentar uma cicatriz, com cerca de 15 cm de comprimento.
4.- A A. VF tomou analgésicos.
5.- A A. VF sofreu angústia face às dores sofridas e sente tristeza por ter uma cicatriz na testa, sobre o olho, com aproximadamente 15 cm de comprimento, sempre que se olha ao espelho.
6.-Em consequência do embate o veículo ____.____.VG ficou com as portas saídas.
7.- O veículo ____-TU-____, sem que nada o fizesse prever, foi surpreendido pelo veículo VG, tendo o veículo ____-TU-____ sido embatido pelo veículo ____.____.VG que desrespeitou o sinal STOP, que ali se apresentava, e lhe obstaculizou a marcha.
8.- O veículo ____.____.VG é do ano de 2003 e à data do acidente tinha valor que oscilava entre € 3.350,00 e € 4.500,00.
9.- A R. comunicou ao A. a não assunção da responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente em 19/03/2018.»
***

3.2FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

3.2.1-Da nulidade da sentença:
Alega a apelante que «o Autor em articulado superveniente ampliou o seu pedido, peticionando a quantia de € 10.000,00 (dez mil Euros) a título de dano biológico na vertente de dano futuro e, bem assim, peticionou € 15.000,00 (quinze mil Euros) na vertente de dano não patrimonial.
Tais pedidos alicerçaram-se na realidade do dano biológico, o que a ora Recorrente não pretende discutir, admitindo, como o faz, que o Autor, efetivamente, sofreu uma violação da sua saúde em consequência do acidente discutido nos presentes autos.
Note-se, no entanto,
Que o douto Tribunal a quo decidiu fixar uma indemnização pelo “dano pela ofensa à integridade física e psíquica - dano biológico”, condenando a ora Recorrente no pagamento de € 10.000,00 (dez mil Euros) a título de dano não patrimonial na vertente do dano biológico em si mesmo.
Salvo melhor entendimento, tal condenação extravasa o pedido formulado pelo ora Autor.
Ora,
No entender da ora Recorrente o ora Autor peticionou o dano biológico na vertente dano patrimonial e na vertente dano não patrimonial.
Por essa razão, no seu articulado superveniente fez a distinção entre Dano Biológico enquanto dano futuro e padecimentos morais!
O conceito de dano biológico revela-se especialmente apto a identificar duas componentes do dano-evento: a perda de capacidade laboral e o aumento de penosidade no exercício de funções laborais ou tarefas pessoais sem reflexo no rendimento do lesado.
(...)
“A indemnização por danos futuros resultantes da incapacidade física do lesado causada por acidente de viação, não deve englobar-se nos danos não patrimoniais, e é devida mesmo que se não prove ter dela resultado diminuição actual dos proventos profissionais do lesado.” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2003, processo n.º 1127/03.
Parece-nos a nós, com o devido respeito por opinião contrária, que era esta a realidade que o ora Autor pretendia ver apreciada.
Mesmo não tendo sido feita qualquer prova quanto à perda de ganho do ora Autor!
Ainda que, tenha a douta sentença recorrida concluído que “(…) o dano corporal não depende da existência e prova dos efeitos patrimoniais, pois estes são consequência daquele dano devendo ser considerado reparável ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e independentemente desta última.”.
O que, a título de exemplo, teve colhimento no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de julho de 20201, processo n.º 2084/04:
“Se o lesado ficou a padecer, até ao fim da vida, de incapacidades funcionais várias, ao nível das actividades que exigem esforço e boa mobilidade dos membros inferiores, o que tudo consubstancia o denominado “dano corporal“ ou "dano biológico”, justifica-se a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais futuros, ainda que tais lesões não acarretem diminuição da respectiva capacidade geral de ganho.”.
Contudo, tal raciocínio, no entender da ora Recorrente – para o caso de ser consentâneo com efetivamente peticionado – deveria ter-se alicerçado na prova do rendimento do ora Autor, a qual não foi feita!
Pois no caso em concreto deveria ter sido aplicada uma fórmula financeira que permitisse concluir pelo quantum indemnizatório por danos patrimoniais futuros.
Tudo temperado com um juízo de cálculo que permitisse aplicar a equidade sem extravasar os limites do razoável.
(...).
O que não fez tendo, ao invés, optado por condenar a ora Recorrente numa realidade não peticionada.
Salvo o devido respeito, que é muito, andou mal o douto Tribunal a quo ao desconsiderar a natureza do dano peticionado o que consubstancia excesso de pronúncia por parte do Tribunal.
Já que conheceu de questões que não foram colocadas pelas partes, condenando em objeto diverso do que se pediu.
O que, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil, invalida o processado, sendo nula a sentença proferida nesta parte, o que se alega para os devidos efeitos legais.
Devendo ser substituída por outra que contemple prova quanto ao rendimento do ora Autor, só assim tornando possível aplicar critérios de equidade concretos e não arbitrários, que legitimem a atribuição de indemnização a título de dano futuro na vertente dano patrimonial.»

Não prima pela clareza uma tal arguição de nulidade da sentença recorrida, nem se alcança com exatidão o objetivo que com ela se pretende alcançar.

Não citando qualquer uma das alíneas do n.º 1 do art. 615.º, parece que a apelante pretende imputar à sentença os vícios previstos nas d) e e) do n.º 1 do art. 615.º.

É isso que resulta da afirmação: «Já que conheceu de questões que não foram colocadas pelas partes, condenando em objeto diverso do que se pediu.»

Sucede que a sentença em crise não padece de qualquer um dos apontados vícios.

O princípio dispositivo, na sua vertente “dispositionsmaxime”, segundo o qual as partes são absolutamente livres de disporem dos seus interesses privados e de os reclamarem ou não, juridicamente, na medida em que o considerem oportuno, reflete-se, naturalmente, no âmbito da sentença, que assim comporta dois limites:
1)-um limite mínimo segundo o qual ao juiz compete resolver todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, com exceção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – arts. 608.º, n.º 2, 1ª parte, e 615.º, n.º 1, al. d), 1ª parte;
2)-um limite máximo ao conhecimento do juiz, decorrente:
a)-da proibição de apreciação de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que sejam de conhecimento oficioso – arts. 608.º, n.º 2, parte, e 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte;
b)-da impossibilidade do juiz condenar:
- em quantidade superior (arts. 609.º, n.º 1, 1ª parte, e 615.º, n.º 1, al. e), 1ª parte), ou
- em objeto diverso do pedido (ne eat iudex ultra petita partium) – arts. 609.º, n.º 1, 2ª parte, e 615, n.º 1, al. e), 2ª parte.

Por «questão» entende-se o efeito pretendido pelo autor (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), bem como as exceções, sejam dilatórias ou perentórias, e suas razões, invocadas pelas partes ou de que o juiz deva conhecer oficiosamente[1], não se confundindo com argumentos, razões ou motivações invocadas pelas partes para fazer valer as suas pretensões; ou seja, questões, nos termos e para os efeitos dos arts. 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d), são apenas as questões de fundo, respeitantes ao mérito da ação, que integram matéria decisória atinente a pontos de facto ou de direito relevantes para a decisão da causa, à luz do objeto do litígio configurado pelas partes, compreendendo o pedido e a causa de pedir da ação e da reconvenção, no caso de ter sido deduzida, assim como a matéria de exceção perentória, no caso de ter sido arguida.

Parece por demais evidente que o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, conheceu de todas as questões que lhe foram colocadas, no caso, pelo autor RN, e não de quaisquer outras por ele não suscitadas.

Se as questões suscitadas pelo autor RN, nomeadamente a atinente ao dano biológico pelo mesmo sofrido em consequência do acidente, foram bem ou mal decididas pelo tribunal a quo do ponto de vista factual ou jurídico, é outra questão!

Em conclusão: a sentença recorrida não padece do vício a que se reporta a 2.ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615.º.

Parece também por demais evidente que a sentença recorrida não condenou em objeto diverso do pedido (ne eat iudex ultra petita partium).

Mais uma vez, e tal como decidido no Ac. do S.T.J. de 08.02.2018, Proc. n.º 633/15.0T8VCT.G1.SI (Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt, deve ter-se presente que «a nulidade em causa deriva da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objeto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objeto de dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3.º, n.º 1, do CPC).»

Conforme refere Alberto dos Reis[2], o juiz não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, formulado pelas partes.

Em substância, os arts. 609.º, n.º 1, 2ª parte, e 615, n.º 1, al. e), 2ª parte, vedam ao juiz a alteração qualitativa das pretensões das partes, ao mesmo tempo que lhe impõem, pela necessária precedência da substância sobre a forma, que interprete o conteúdo do pedido, tendo em vista as finalidades do autor e o objeto processual que, durante todo o iter decorrido em primeira instância, sempre foi corretamente percebido e entendido pelos litigantes[3].

Esta pronúncia ultra petitum ocorre no caso de o autor pedir uma coisa e o tribunal condenar noutra, v.g., o autor pede a entrega de uma coisa e o juiz condena o réu a pagar uma indemnização.

Não é, manifestamente, o que ocorre no caso concreto.

Na petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação de indemnização por acidente de viação, o autor RN pediu a condenação da ré a pagar-lhe:
- € 3.875, 00, correspondente ao valor venal do ____.___.VG à data do acidente;
- € 6.550,00, pelos danos resultantes da privação de uso do ____.____.VG, contados até à data da instauração da ação;
- uma indemnização relativa ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, na componente do quantum doloris, dano estético, dano biológico a determinar posteriormente em perícia médico-legal.

Após a designação de data para a realização da audiência final, o autor RN veio, ao abrigo do disposto no art. 265.º, n.º 1, ampliar o pedido, passando a pedir que a ré seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente, a quantia global de € 35.425,00.

Afirma no requerimento com que ampliou o pedido que «relativamente ao Dano Biológico, enquanto dano futuro, considerando-se um esforço acrescido de 3 pontos percentuais, pretende o Autor ver-se ressarcido na quantia de € 10.000,00.
Por sua vez, quanto aos padecimentos morais, pelas dores sentidas até à consolidação médico-legal, durante pelo menos 177 dias, e que ainda hoje se mantêm e que irão acompanhar o Autor pela vida; pelas limitações e esforços acrescidos decorrentes das sequelas para a execução de tarefas simples; pelo prejuízo de afirmação pessoal por exibir 3 cicatrizes; pela tristeza e angústia de ver a sua saúde física e psíquica irremediavelmente afectada, pretende o Autor ver-se ressarcido na quantia de € 15.000,00.
Uma vez que estes danos decorrem do acidente de viação dos autos, o aqui Autor pode pedir a condenação da Ré a pagar-lhe tais montantes, em acréscimo aos restantes pedidos, estando em tempo para o requerer, visto ser uma ampliação por desenvolvimento e consequência do pedido primitivo, ex vi do n.º 2 do artigo 265.º do CPC.
Pode também o Autor pedir os juros que se vencerem a contar da notificação deste pedido, à taxa de 4%, até integral cumprimento.
Nestes termos,
Se conclui como na p.i., devendo ser admitida a presente Ampliação e a Ré ser condenada a pagar:
- Ao Autor a quantia de € 35.425,00 (€ 10.425,00 pedido inicial + € 25.000,00 Ampliação), acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano até integral cumprimento.»
A ampliação do pedido foi admitida na audiência final.
A sentença recorrida condenou a ré a pagar ao autor RN:
a)-a título de danos patrimoniais, a quantia de € 6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros) acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento;
b)-a título de danos patrimoniais, a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação relativa ao valor venal do veículo ____.____.VG à data do acidente, descontado o valor do salvado, até ao limite de € 3.875,00 (três mil oitocentos e setenta e cinco euros).
c)-a título de danos não patrimoniais, a quantia total de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), acrescida dos juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.

Não se vê, assim, onde é que a ré consegue descortinar que a sentença condenou em objeto diverso do pedido, onde é que o tribunal a quo ultrapassou, em qualidade (ou quantidade), os limites constantes do pedido formulado pelo autor RN.
É, como se sabe, entendimento absolutamente pacífico que o limite da condenação, tanto quantitativa, como qualitativamente, deve ser reportado ao pedido global, nada obstando, por isso, a que, se esse pedido representar a soma de várias parcelas, que não correspondam a pedidos autónomos, como acontece, regra geral, nas ações de indemnização por acidente de viação, se possa valorar cada uma dessas parcelas, em quantia superior à referida pelo autor, desde que o cômputo global fixado na sentença não exceda o valor total do pedido.
Mais uma vez, se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria facto ou de direito, é outro assunto!
Em conclusão: a sentença recorrida não padece do vício a que se reporta a 2.ª parte da al. e) do n.º 1 do art. 615.º.
No entanto, a apelante não se queda por aqui na senda de imputar nulidades à sentença recorrida, pois assaca-lhe ainda, uma vez mais sem qualquer ponta de razão, o vício a que se reporta a 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º, ou seja, a oposição entre os fundamentos a decisão.

Alega a apelante que «o ora Autor veio pedir a condenação da ora Recorrente no pagamento e uma indemnização de € 6.550,00, a título de danos por privação de uso do veículo.
Porquanto, ficou aquele privado de fazer uso da sua viatura em consequência do acidente sofrido.
A jurisprudência maioritária seguida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal em 1.ª instância entende “(…) que existe direito à indemnização mesmo nos casos em que a utilização de um veículo constitua um simples meio de transporte para efectivar deslocações (ainda que de lazer), pois como refere Abrantes Geraldes in Temas da Responsabilidade Civil, I volume) “(…) o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, do mesmo modo que confere ao proprietário o direito de não usar. A opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectada pela privação do bem.
Neste contexto, sendo a disponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excepcionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores da ajustada indemnização.
Em suma, a privação do uso do veículo trata-se de um dano patrimonial, decorrente da violação do direito de propriedade e, como tal, susceptível de ser indemnizado.”.
Porém, não concorda a ora Recorrente com a posição assumida pelo douto Tribunal a quo no tocante ao período considerado para cálculo da indemnização a título de privação de uso do veículo.
Vejamos:
Conforme resultou provado, “No caso sub judice resulta da factualidade que em consequência do acidente o veículo do A. ficou impossibilitado de circular, desde o dia do acidente (22/02/2018), e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo num centro de abate.”.
Razão pela qual se decidiu “Nesta conformidade, com recurso à equidade, afigura-se razoável atribuir ao A. o valor diário de € 10,00 (dez euros), sendo a R. responsável pelo pagamento desse dano que o A. sofreu, esse montante, liquidado pelo A. até à data da instauração da acção, perfaz o total de € 6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros (€ 10,00 x 655 dias), tal como peticionado pelo A., que apenas pede indemnização pela privação do uso relativamente a esses dias.”.
Sucede que resultou provado que o ora Autor havia procedido à entrega do veículo sinistrado para abate.
Entendendo a ora Recorrente que após a venda do veículo do Autor, agora Recorrido, deixaram de se verificar os pressupostos dos poderes de gozo e fruição da coisa.
Deixando, pois, de existir um dano patrimonial indemnizável desde aquela data!
De facto,
É posição da ora Recorrente que dever-se-á fazer equivaler a uma situação de Perda Total do veículo àquela em que o veículo é passível de reparação, momento em que, cessa a obrigação de indemnizar por privação de uso.
E no caso em concreto poderia o ora Autor manter interesse na sua reparação – o que se admite por mera hipótese prática.
A título de exemplo veja-se que na hipótese de o veículo ser vendido a terceiro por reparar, não haveria dúvidas em considerar o período de indemnização pela privação de uso somente até à data da sua venda.
Já que após a sua venda deixaram de se verificar os requisitos de atribuição de indemnização pela privação de uso de veículo, cessando inclusive a sua legitimidade do Autor para peticionar em conformidade.
Questiona-se, assim, qual a razão da condenação da ora Recorrente no pagamento de indemnização por privação de uso desde a data do acidente até à data da propositura da ação?
Salvo o devido respeito, que é muito, padece, assim, a douta sentença recorrida de uma contradição nos seus termos:
- como se poderá considerar privação de uso do veículo se o ora Recorrido já não poderia dele fruir?
A douta Sentença do Tribunal «a quo» é assim nula, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Não se verificando qualquer inibição dos poderes de gozo e fruição o ora Autor só teria direito à indemnização por privação de uso do veículo até ao momento em que decidiu vender o carro para abate.
Ou, o que se admite, até à data da propositura da presente ação, caso se provasse a existência de concretos prejuízos de ordem patrimonial decorrentes do acidente em apreço.
O que não se descortinou.
Em bom rigor não resultou provado a data em que o ora Recorrido vendeu o carro para abate, como tal, salvo melhor opinião, não poderia o douto Tribunal a quo ter condenado numa indemnização pela privação de uso do veículo calculada até à entrada da presente ação em juízo, sem que se apurasse, primeiramente, em que data o ora Recorrido havia abatido o veículo.
Somente se considerou provado que “39. Em consequência do embate o veículo ____.____.VG ficou impossibilitado de circular, e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo ____.____.VG num centro de abate de veículos em fim de vida, tendo recebido contrapartida monetária de valor não apurado.”.
Atendendo a que se desconhece tal factualidade, relevante no caso em concreto, deveria o douto Tribunal a quo ter relegado a condenação naquele montante para liquidação de sentença, sob pena de violação do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Devendo, em conformidade, ser a presente sentença revogada por outra que condene em conformidade, sempre até ao limite do valor concretamente peticionado pelo ora Autor.»

A extensa transcrição do alegado pela recorrente serve exatamente para que melhor se perceba a total falta de fundamento na arguição da nulidade da sentença, prevista na 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º.
A discordância da apelante quanto ao decidido na sentença recorrida relativamente ao identificado segmento decisório não é, evidentemente, causa da sua nulidade.
Para que a decisão proferida se encontre em contradição com a fundamentação acolhida, necessário se torna que os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adotada[4].
Tal consubstancia um vício formal, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, não se confundindo, enquanto vício de natureza processual, e uma vez mais, com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
Em suma, pois, a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos invocados conduzem, num processo lógico, a uma solução oposta àquela que foi adotada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente; de outra forma dizendo, esta nulidade radica numa desarmonia lógica entre a motivação fático-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso.
Em conclusão: a sentença recorrida não padece do vício a que se reporta a 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º.

3.2.2- Do mérito do recurso:
Está perfeitamente delimitado o objeto do presente recurso!
A apelante, como se viu, apenas põe em crise a sentença proferida em 1.ª instância, na parte em que a condenou a pagar ao autor RN:
i)-a título de danos patrimoniais, a quantia de € 6.550,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento;
ii)-a título de danos não patrimoniais, a quantia total de €22.000,00, acrescida dos juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.
Quanto à primeira questão:
Uma primeira palavra para referir que é nosso entendimento que o dano autónomo de privação de uso da viatura configura um dano patrimonial e não um dano de natureza não patrimonial.
A privação de utilização de uma coisa, no caso, de uma viatura, pode traduzir-se num dano patrimonial:
-na modalidade de dano emergente; ou,
- na modalidade de lucro cessante.
Tal como refere Adriano de Cupis, citado no Ac. do S.T.J. de 11.12.2012, Proc. n.º 549/05.TBCBR-A.C1.L1 (Fernando Bento), in www.dgsi.pt, «o chamado dano da imobilização (dano de paro ou dano por paro na terminologia espanhola) decorre da paragem imposta a uma viatura destinada a circulação com fins de lucro quando a paragem resultou de um facto culposo de terceiro. Este dano é posterior ao causado à estrutura material da viatura cuja medida é a do custo da reparação (dano emergente). O dano de imobilização decorre da impossibilidade de utilização do veículo imobilizado por culpa de outrem e configura-se como lucro cessante quando não é possível remediar-se essa falta de utilização, sofrendo então o património do transportador uma carência de benefícios – lucro cessante – intimamente dependente da paragem do mesmo veículo. Não existe remédio quando o transportador não dispõe de outra viatura nem pode substituir o veículo danificado por outro, não podendo assim, satisfazer as exigências do tráfico que anteriormente satisfazia, sofrendo assim uma perda de ganhos (lucro cessante). Pelo contrário, o dano por imobilização configura-se como emergente quando há remédio para suprir a falta de utilização do veículo, ainda que oneroso. Quando o transportador pode substituir o veículo danificado por outro, pode continuar a sua actividade e não sofre por isto uma perda de ganhos, ainda que tenha de suportar os gastos de substituição, os quais representam um prejuízo para a estrutura actual do seu património que há que qualificar como dano emergente. Este custo constitui a perda de um elemento actual do seu património, originado pelo facto culposo do mesmo terceiro (integram também o dano a ressarcir as medidas empregadas pelo lesado para remediar ou atenuar as consequências do facto culposo, já que, visando remediar ou obviar as consequências lesivas do facto, elas mesmas se deduzem dele).»[5].

Só no caso de inexistência de danos emergentes ou de lucros cessantes faz sentido equacionar a questão do dano autónomo (autónomo, relativamente àquelas duas modalidades de dano patrimonial) de privação de uso da viatura.
Só quanto a este dano autónomo faz sentido equacionar a questão de saber se a simples privação do uso do veículo não será, de per se, suscetível de originar prejuízos que mereçam a tutela do direito.
Será o caso, por exemplo, de um determinado lesado não ter sofrido qualquer um daqueles danos (danos emergentes e lucros cessantes) mas ter apenas ficado na impossibilidade de utilizar o veículo nas suas deslocações normais, como simples meio de transporte para o local de trabalho, ou em passeios de família, recorrendo a boleias de colegas ou de outra viatura cedida por familiares ou amigos.
É em casos como este que faz sentido:
- falar-se em dano autónomo e indemnizável de privação de uso de veículo automóvel;
- questionar se a privação do uso do veículo comporta, ou não, um prejuízo efetivo na esfera jurídica do lesado correspondente à perda temporária dos poderes de fruição.
Só numa situação em que o lesado não sofreu nem danos emergentes, nem lucros cessantes, tendo apenas ficado impedido de utilizar o veículo, por exemplo, nas suas deslocações normais, faz sentido abordar a questão da privação do seu uso como dano autónomo indemnizável, sendo certo que, no caso de se concluir em sentido negativo, o lesado ficará sem indemnização, pois que sem dano não há responsabilidade civil, seja delitual, seja contratual.
E esse dano autónomo de privação da viatura é um dano patrimonial[6].

No caso concreto, o autor alega que do «embate resultaram avultados prejuízos para o ____.____.VG, o qual ficou uma amalgama de ferros contorcidos, designadamente, com os vidros partidos, tejadilho vincado, lateral esquerda totalmente amolgada, com as portas saídas, com o capot amolgado, com o eixo dianteiro esquerdo partido, pneu rebentado e respectiva jante empenada.
Por causa da extensão dos danos sofridos e da inviabilidade da sua preparação[7], seja por motivos monetários, seja por motivos técnicos, o Autor procedeu à entrega do _____.____.VG num centro de abate de veículos em fim de vida, Cfr. Doc. 1.
(...) o _____.____.VG ficou impossibilitado de circular pelos próprios meios, razão pela qual foi entregue para “abate”.
Durante todo este período o Autor tem estado impossibilitado de poder usar um bem que é seu, o que lhe causou enormes transtornos e limitações, uma vez que o ____.____.VG era permanentemente usado nas suas diversas deslocações, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, para compras e lazer, visitas a familiares e amigos.
Sendo que a Ré nunca facultou ao Autor um veículo de substituição, nem colocou à sua disposição o valor venal respeitante ao ____.____.VG.
(...).
Assim, os danos resultantes da privação de uso do ____.____.VG podem ser, moderada e equilibradamente, avaliados na presente data em € 6.550,00, ou seja, 655 dias de privação à razão diária de € 10,00, quantia pela qual deverá o Autor ser totalmente indemnizado.
(...) o Autor pretende ser ressarcido pelos danos pela privação de uso pelo período em que a Ré não colocou à sua disposição a compensação devida pela perda total, contados desde o dia do acidente até integral e efectivo pagamento.»

A sentença recorrida considerou provado que:
«(...)
38.–Em consequência do embate resultaram vários danos no veículo ____.____.VG, que ficou com ferros contorcidos, com vidros partidos, tejadilho vincado, lateral esquerda amolgada, porta do condutor amolgada, capot amolgado, eixo dianteiro esquerdo partido, pneu rebentado e respectiva jante empenada.
39.–Em consequência do embate o veículo ____.____.VG ficou impossibilitado de circular, e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo ____.____.VG num centro de abate de veículos em fim de vida, tendo recebido contrapartida monetária de valor não apurado.
40.–O veículo ____.____.VG era um veículo de marca Mercedes Benz, modelo ____e à data do acidente tinha valor não concretamente apurado.
41.–O A. utilizava o veículo ____.____.VG nas suas diversas deslocações, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, para compras e lazer, visitas a familiares e amigos.
42.–A R. nunca facultou ao A. um veículo de substituição, nem colocou à sua disposição o valor venal respeitante ao ___.___.VG.»

Em sede de fundamentação de direito consta da sentença:
«Quanto aos danos patrimoniais, pede o A. o pagamento do montante de € 6.550,00 por privação de uso do veículo.
Da factualidade provada resultou que a R. nunca disponibilizou ao A. um veículo de substituição nem o valor venal do veículo ____.____.VG, ficando o A. impossibilitado de utilizar a sua viatura, já que em consequência do acidente o veículo sofreu vários danos, tendo ficado com ferros contorcidos, com vidros partidos, tejadilho vincado, lateral esquerda amolgada, porta do condutor amolgada, capot amolgado, eixo dianteiro esquerdo partido, pneu rebentado e respectiva jante empenada, e impossibilitado de circular, e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo ____.____.VG num centro de abate de veículos em fim de vida.
Existem várias posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre esta temática, a primeira nega a autonomia do dano decorrente da privação do uso, e integra-o nos danos não patrimoniais, a segunda reconhece a autonomia do dano da privação do uso, mas exige a prova efectiva da existência de prejuízos de ordem patrimonial e a terceira reconhece o direito de indemnização com fundamento na simples privação do uso normal do bem.
Quanto a nós entendemos que existe direito à indemnização mesmo nos casos em que a utilização de um veículo constitua um simples meio de transporte para efectivar deslocações (ainda que de lazer), pois como refere Abrantes Geraldes in Temas da Responsabilidade Civil, I volume) “(…) o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, do mesmo modo que confere ao proprietário o direito de não usar. A opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectada pela privação do bem. Neste contexto, sendo a disponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excepcionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores da ajustada indemnização.”
(...) basta que se prove que o veículo era normalmente utilizado pelo proprietário na sua vida corrente.
Em suma, a privação do uso do veículo trata-se de um dano patrimonial, decorrente da violação do direito de propriedade e, como tal, susceptível de ser indemnizado.
No caso sub judice resulta da factualidade que em consequência do acidente o veículo do A. ficou impossibilitado de circular, desde o dia do acidente (22/02/2018), e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo num centro de abate, provou-se também que o A. utilizava o veículo sinistrado nas suas deslocações, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, para compras e lazer, visitas a familiares e amigos.
Assim, uma vez que o veículo ficou impossibilitado de circular e foi entregue para abate e a R. não colocou à disposição do A. o valor venal do veículo, por forma a que este pudesse adquirir outro veículo, está obrigada a indemnizar o A. pelo dano da privação de uso desde a data do acidente.
Em regra, a indemnização por privação do uso deve corresponder ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características (ainda que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição), e caso não se tenha apurado esse valor, em último caso, o ressarcimento opera-se segundo critérios de equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Nesta conformidade, com recurso à equidade, afigura-se razoável atribuir ao A. o valor diário de € 10,00 (dez euros), sendo a R. responsável pelo pagamento desse dano que o A. sofreu, esse montante, liquidado pelo A. até à data da instauração da acção, perfaz o total de € 6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros (€ 10,00 x 655 dias), tal como peticionado pelo A., que apenas pede indemnização pela privação do uso relativamente a esses dias.»

Consequentemente, foi a ré condenada a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais decorrentes da privação do uso do ____.____.VG, a quantia de € 6.550,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.

A apelante não questiona o direito do apelado a ser indemnizado pelo dano decorrente da privação do uso do ____.____.VG, nem a fixação, em termos equitativos, da quantia diária de € 10,00 a título de indemnização por aquele dano, insurgindo-se apenas quanto ao período temporal considerado para o cálculo de tal indemnização.
Em seu entender, o período temporal a considerar é o que vai da data do acidente até à data em que o apelado vendeu o veículo para abate.

Afirma a apelante que «em bom rigor não resultou provado a data em que o ora Recorrido vendeu o carro para abate, como tal, salvo melhor opinião, não poderia o douto Tribunal a quo ter condenado numa indemnização pela privação de uso do veículo calculada até à entrada da presente ação em juízo, sem que se apurasse, primeiramente, em que data o ora Recorrido havia abatido o veículo.
Somente se considerou provado que “39. Em consequência do embate o veículo ____.____.VG ficou impossibilitado de circular, e face à extensão dos danos e inviabilidade de reparação do veículo, o A. procedeu à entrega do veículo ____.____.VG num centro de abate de veículos em fim de vida, tendo recebido contrapartida monetária de valor não apurado.”.
Atendendo a que se desconhece tal factualidade, relevante no caso em concreto, deveria o douto Tribunal a quo ter relegado a condenação naquele montante para liquidação de sentença, sob pena de violação do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.»

Conclui pugnando para que, nesta parte «a presente sentença [seja] revogada por outra que condene em conformidade, sempre até ao limite do valor concretamente peticionado pelo ora Autor.»
Sucede que há no processo um documento que identifica a data em que o autor entregou o ____.____.VG para abate.
Trata-se do documento que, sob o n.º 1, o próprio autor juntou com a petição inicial, intitulado «CERTIFICADO DE DESTRUIÇÃO DE VEÍCULO EM FIM DE VIDA», do qual consta que o ____.____.VG foi entregue para abate e abatido no dia 10 de julho de 2018.

Perante isto, importa, pois, decidir se o termo final do cômputo da indemnização pelo dano resultante da privação do uso do ____.____.VG pelo autor deve ser reportado:
- à referida data de 10 de julho de 2018, ou seja, ao dia do abate do veículo; ou,
- à data da instauração da ação, conforme peticionado pelo autor RN e decidido pelo tribunal a quo.
Importa referir que no tocante à definição do termo final do cômputo de tal indemnização, mesmo no caso de perda total do veículo sinistrado, como sucede na situação sub judice, a jurisprudência tem convergido no entendimento de que tal termo coincide com a data em que é colocada à disposição do lesado a indemnização destinada ao ressarcimento dessa perda total ou, não sendo este o caso, na data em que é disponibilizada a indemnização para reparação do veículo, a que acresce o tempo necessário para a efetivação dessa reparação.
E isso é assim porque só nessas datas o lesado fica em condições de substituir o veículo sinistrado ou de o usar depois de reparado.
O valor da indemnização pela perda total de um veículo em consequência de acidente de viação é o correspondente ao valor venal do veículo antes do sinistro.
Tal como decidido no Ac. do S.T.J. de 03.05.2011, Proc. n.º 2681/08.6TBOVR.P1.S1 (Nuno Cameira), in www.dgsi.pt, a indemnização será devida desde a data do acidente e até ao momento em que for colocado à disposição do lesado o dinheiro correspondente à indemnização devida pela perda total da viatura.

No caso concreto o cômputo dessa indemnização teria:
- como termo inicial, a data do acidente;
- como termo final, a data da entrega pela seguradora ao autor RN da quantia correspondente ao valor venal do ____.____.VG antes do acidente.
Está provado que:
 - «40.– O veículo ____.____.VG era um veículo de marca Mercedes Benz, modelo ____e à data do acidente tinha valor não concretamente apurado.
41.– O A. utilizava o veículo ____.____.VG nas suas diversas deslocações, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, para compras e lazer, visitas a familiares e amigos.
42.– A R. nunca facultou ao A. um veículo de substituição, nem colocou à sua disposição o valor venal respeitante ao ____.____VG.»
Por não se ter apurado o valor venal do ____.____.VG à data do acidente, a sentença recorrida condenou a apelante ao pagar ao apelado «a título de danos patrimoniais, a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação relativa ao valor venal do veículo ____.____.VG à data do acidente, descontado o valor do salvado, até ao limite de € 3.875,00 (três mil oitocentos e setenta e cinco euros).
No entanto, o autor reportou esse termo final à data da instauração da ação.
Foi com referência:
- ao termo inicial correspondente à data do acidente;
- ao termo final correspondente à data da instauração da ação,
que o tribunal condenou a apelante a pagar ao apelo «a título de danos patrimoniais, a quantia de € 6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta euros) acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento».

Não merece reparo, nesta parte a sentença recorrida.
Poderia, eventualmente, colocar-se a questão da desproporcionalidade entre o valor fixado a título de indemnização pelo dano de privação do uso do ____.____.VG e a circunstância de o valor da indemnização relativa ao valor venal do veículo, descontado o salvado, não ultrapassar o limite de € 3.875,00.
Trata-se, no entanto, de uma questão que a apelante nem sequer suscitou.
Porém, não olvidando que o abuso de direito é matéria de conhecimento oficioso, sempre se dirá que a circunstância do valor do dano da privação do uso do veículo exceder em muito o valor venal do ____.____.VG não é suficiente para qualificar como abusivo o direito exercido pelo autor, tendo em conta desde logo a postura da ré, que «nunca facultou ao A. um veículo de substituição, nem colocou à sua disposição o valor venal respeitante ao ____.____.VG.».
Pelo exposto, nesta parte, ou seja, no respeitante à questão da definição do termo final do cômputo da indemnização a atribuir ao autor pelo dano da privação do uso do ____.____.VG, improcede a apelação.

Quanto à segunda questão:
Como se sabe, o dano é condição essencial da responsabilidade civil.
A noção de dano é um elemento indispensável para se perceber a função da responsabilidade civil no âmbito de um determinado sistema jurídico.
No sistema jurídico português e nos demais sistemas jurídicos europeus que lhe estão próximos, pelo menos desde Friedrich Mommsen, as grandes questões do regime indemnizatório têm sido discutidas como questões atinentes a uma correta apreensão e definição do conceito de dano.
No direito português, temos à cabeça, no que à obrigação de indemnizar diz respeito, o art. 562.º, do Cód. Civil, o qual dispõe que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», acrescentando o art. 563.º que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
É ao lesado, naturalmente, que incumbe provar, não apenas o evento lesivo, mas que dele decorreram danos (ou seja, cabe-lhe provar a causalidade entre a lesão e os prejuízos), pois que a existência de um dano é condição essencial e limite da obrigação de indemnização.
A lei portuguesa não define o que deve entender-se por dano.
Assim, o trabalho de definição de um tal conceito deve ser desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência, em sede de interpretação dos textos legais.

A doutrina portuguesa vem fornecendo uma noção geral de dano.
Assim:
- Para Antunes Varela, «o dano é a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.
(…).
Ao lado do dano assim definido, há o dano patrimonial – que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.»[8].
- Para Almeida Costa[9], dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
- Para Menezes Cordeiro, dano é a «diminuição de uma qualquer vantagem tutelada pelo direito, ou de um bem, em sentido amplo, que seja protegido.»[10]-[11].
No que aos danos patrimoniais concretamente diz respeito, o art. 566.º, n.º 2, consagrando a chamada «fórmula ou hipótese da diferença», dispõe que «(...) a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».

Não dando o legislador, como já se afirmou, a definição de dano, pode entender-se que, a propósito da obrigação de indemnização, o legislador civil português, nas normas contidas nos arts. 562.º e 566.º, n.º 2, do Cód. Civil, que delimitam o objetivo da indemnização e a medida da indemnização em dinheiro, pressupõe ou remete indiretamente para uma noção de dano ressarcível, afinal de contas, o objeto da obrigação de indemnização.
Na esteira de Almeida Costa[12], podem fazer-se as seguintes distinções quanto à espécie e à natureza do dano:
- danos patrimoniais e não patrimoniais, consoante sejam ou não suscetíveis de avaliação pecuniária.
Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica e refletem-se no património do lesado.
Os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
O mesmo facto pode provocar danos das duas espécies, como frequentemente acontece nos acidentes de viação.
- danos pessoais e danos não pessoais.
Os primeiros produzem-se sobre as pessoas.
Os segundos sobre coisas;
- dano real e dano de cálculo.
O primeiro consiste no prejuízo que o lesado sofreu em sentido natural e pode analisar-se nas mais diversas possibilidades de ofensa de interesses ou bens alheios juridicamente protegidos, de ordem patrimonial ou não patrimonial.
O segundo consiste na expressão pecuniária do prejuízo, cabendo neste domínio uma avaliação abstrata (objetiva) ou concreta (subjetiva, apurando-se a diferença para menos produzida no património do lesado.
Uma outra classificação a considerar dentro dos danos patrimoniais é a que distingue danos emergentes e lucros cessantes.
Os danos emergentes compreendem a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado.
Os lucros cessantes referem-se aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, reportam-se ao acréscimo patrimonial frustrado, tal como decorre do art. 564.º, n.º 1, do Cód. Civil, ao dispor que «o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.»
Uma outra classificação, é que a distingue entre danos presentes e danos futuros, conforme já se tenham verificado ou não no momento considerado.
Ainda uma outra classificação é a que distingue entre danos diretos e indiretos.
Os primeiros são os que resultam diretamente do facto.
Os segundos são os demais danos.
Tal como decorre do que conjugadamente dispõem os arts. 562.º a 564.º, do Cód. Civil, o dano, para ser ressarcível, tem de ser certo, e não apenas eventual.
A propósito da problemática do dano futuro, consideramos por lapidar o que se encontra escrito no Ac. do S.T.J. de 11.10.1994, B.M.J. 440.º, 437.
Afirma-se naquele aresto que por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.
O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível (desconsidera-se o juízo do timorato).
De harmonia com o disposto naquele preceito, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
Quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais.
Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível.
Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
Este caráter eventual pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor.
Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer nem futuro mediato, em que mais não há que um receio.
Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável.
Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência) - o que se escreve não exclui a hipótese de o dano de maior incerteza, o receio, em um outro momento temporal, se converter em dano certo e, portanto, antecipadamente indemnizável. Avaliação é sempre feita com referência a um dado momento temporal e só é válida para esse momento.
Não é possível, nem conveniente, avançar mais neste caminho: só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente. Há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar.
Por sua vez, o dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável.
Determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante.
Indeterminável é aquele cujo valor não é possível de ser fixado antecipadamente à sua verificação.
Nesta classificação o respetivo critério já é diverso, em sua natureza, do que presidiu às classificações anteriores; agora, o que está em causa é tão somente a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária, e não mais a realidade do evento.
Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável. A diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável; ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º 2 e no art. 609.º, n.º 2. este do C.P.C.

A este propósito, afirma Júlio Vieira Gomes, que «tradicionalmente exige-se, para que o dano seja ressarcível, que o mesmo seja certo. Importa no entanto, não confundir a certeza do dano, isto é, o ter-se verificado ou a existência de circunstâncias que o tornam inevitável ou simplesmente provável, com o seu carácter imediato; consequentemente, devem distinguir-se os danos certos no futuro, dos danos simplesmente eventuais. O dano meramente eventual não é ressarcível, porque falta o requisito da certeza. E é evidente que esta certeza é uma certeza apenas relativa e não absoluta; o lucro cessante nunca existiu, e não chegará a existir. O critério é inevitavelmente influenciado pela capacidade imperfeita de prever os eventos em razão dos limites do conhecimento humano, sempre que se entra no campo do hipotético.
A propósito da demonstração da existência de um lucro cessante, a referência tradicional de que o dano deve ser certo, não nos deve, pois, induzir em erro. O lucro cessante não chegou a verificar-se e se situa no domínio das probabilidades. Assim, a certeza da existência de um lucro cessante não pode nunca ser uma certeza matemática, mas será apenas uma certeza relativa (…).
Por outro lado, a demonstração da extensão do lucro cessante é uma área em que, por excelência, se pode recorrer ao n.º 3 do art. 566.º do Código Civil e, portanto, à sua fixação segundo juízos de equidade. Destaque-se, contudo, que, para a doutrina dominante, tal não dispensa a demonstração, pelo lesado, da existência de um lucro cessante. (…). A avaliação equitativa do dano exige a prova da existência de um dano, já que a incerteza deve ser limitada à determinação da sua grandeza.»[13].

Por outro lado, importa ter em conta que no direito português a indemnização tem uma finalidade compensatória, contendo-se as finalidades ou efeitos preventivos dentro dos limites daquela, ou seja, não permitindo ir além do dano realmente verificado.
Assim, não pode invocar-se uma finalidade preventiva da obrigação de indemnização para dispensar ou ir além do dano concretamente verificado, antes devendo tal obrigação ser balizada pelos princípios, que são como que duas vertentes da finalidade compensatória, da reparação total e da proibição do enriquecimento do lesado com a indemnização.
Por outras palavras, é o princípio compensatório que delimita o alcance máximo da indemnização, olhando para o lesado e seu prejuízo; ou seja, a indemnização apenas pode ir até onde chegar o prejuízo do lesado. E, ao lado deste limite, é também a função indemnizatória ou compensatória que explica que o montante normal da indemnização coincida com o do dano.
Pode dizer-se, por isso, que para a responsabilidade civil, a função preventiva (ou sancionatória) cessa no limiar do dano, sendo um efeito querido, mas limitado ao valor compensatório, e mantendo nesta medida a responsabilidade civil a sua função predominantemente reparatórias.
Este aspeto é importante, porque há uma distinção qualitativa entre a graduação da indemnização abaixo do montante total do dano - que se impõe desde logo, por exemplo, quando o dano seja também em parte devido a culpa, ou a uma conduta, do lesado, nos termos do artigo 570.º, do Cód. Civil, ou quando resulte de mera culpa, nos termos do artigo 494.º, do Cód. Civil -, e a ultrapassagem do limiar daquele, para fundar autonomamente a “indemnização”. Nestes últimos casos, não se está já apenas a remover o dano, a tornar “in-demne”, o lesado, mas a prosseguir outra finalidade com autonomia, seja ela, olhando para o futuro (“ne peccetur”), a prevenção, seja a sanção de um ato passado (“quis peccatum” - para retornar expressões associadas normalmente à contraposíção prevenção/retribuição na problemática dos fins das penas).
A ideia de que a responsabilidade civil tem também funções acessórias, de tipo preventivo ou sancionatório, exprime-se, além disso, no facto de, em princípio, depender também da existência de ilicitude e culpa (nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do Cód. Civil). A responsabilidade civil comporta em regra um juízo de desvalor, não só objetivo (ilicitude), como da conduta do lesante (culpa). Mas, a função preventiva e repressiva, atuam tão-só no quadro do limiar da reparação - isto é, como finalidades subordinadas, que apenas podem permitir a redução da indemnização abaixo do necessário para reparar. É, justamente, o que (pelo menos numa certa perspetiva) acontece no caso do artigo 494.º, do Cód. Civil: a dependência da graduação da indemnização da mera culpa do lesante, e a orientação pelo seu grau de culpabilidade e outras circunstâncias, além de uma finalidade sancionatória e de atenção a uma ideia de proporcionalidade e à justiça individualizadora, denunciam o carácter subordinado dessas funções. Apenas se permite nessa disposição a limitação da indemnização, abaixo do limiar máximo do dano, e não um agravamento, uma ultrapassagem desse limiar - enquanto, como se tem notado corretamente na doutrina, uma visão sancionatória e preventiva pura, não limitada pelo principio compensatório, reclamaria antes que a indemnização pudesse superar o montante do dano efetivo.
A prossecução autónoma de objetivos repressivos ou preventivos, acima do limiar da compensação, não é, porém, autorizada pela nossa lei nos quadros da responsabilidade civil. Deve, antes, entender-se que o artigo 562.º, do Cód. Civil (como resulta também do confronto com o artigo 563.º) se reporta apenas à situação em que estaria o lesado sem o evento que obriga à reparação, e não à situação do lesante, e que tal sustentação de uma indemnização apenas em fins sancionatórios ou preventivos é vedada acima do "limiar da compensação" a que aquele artigo 562.º se refere - nesta parte, seguimos de perto Paulo Mota Pinto, em parecer jurídico não publicado.
Os danos patrimoniais, como se viu, englobam as modalidades de danos emergentes e de lucros cessantes.

No que respeita aos danos emergentes, conforme ensina Galvão Teles, «os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho.»[14].
Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho[15].
Conforme se afirma:
- no Ac. do S.T.J. de 21.11.1979, B.M.J. 291.º, 480, «o art. 564.º, n.º 1, abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efetiva e atual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho»;
- no Ac. do S.T.J. de 04.03.1980, R.L.J. 114.º, 317, «os danos patrimoniais compreendem duas modalidades: os danos emergentes, que correspondem aos prejuízos sofridos, respeitando à diminuição do património (já existente) do lesado; e os lucros cessantes, que correspondem aos ganhos que deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património (art. 564.º, n.º 1, do Cód. Civil)».
Está provado que:
- em consequência do acidente o autor RN ficou a sofrer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 3 pontos (ponto 31, 2.ª parte, dos factos provados);
- as sequelas de que padece em consequência do acidente e as lesões sofridas em termos de repercussão permanente na atividade profissional do autor são compatíveis com o exercício dessa atividade, mas implicam esforços suplementares (ponto 34. dos factos provados).
O dano em questão (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, de 3 pontos) é presentemente qualificado como «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psicofísica», e vem sendo entendido como um dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais.
A tutela deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art. 25.º, n.º 1, da CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas e no art. 70.º n.º 1 do CC, que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
O corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, surge, assim, como um bem jurídico protegido perante terceiros, considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os atos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infeções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afetações de capacidade, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bom como os atos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida nem de outro modo justificada, no corpo de outrem.
Donde, o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objeto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se não prove uma efetiva redução do vencimento do lesado como causa e efeito de um tal dano.
O que releva, num caso como o presente, ante a comprovação de um tal dano, é a repercussão negativa desse défice, centrado na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de realizar esforços por parte da apelante, o que, necessariamente, se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desempenho das atividades pessoais em geral e numa consequente e, obviamente, de igual modo previsível, maior penosidade na execução das suas diversas tarefas, tudo significando um maior dispêndio de energias, um maior desgaste físico na execução das mesmas, comparativamente com o que sucedia antes do acidente.
É precisamente neste agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais do respetivo múnus que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
Por danos patrimoniais futuros, dizemos, pois que, na querela que se instalou acerca do enquadramento do dano biológico (dano patrimonial, dano não patrimonial ou tertuim genus), estamos com aqueles que o consideram um dano de natureza patrimonial.
Não podendo o dano biológico deixar de ser considerado um dano corporal, de acordo com Álvaro Dias[16], ele consiste na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão.
À luz deste entendimento, mesmo naqueles casos em que não está demonstrada a incapacidade do lesado para o exercício da concreta atividade profissional por si desempenhada à data do acidente, ou seja, não estando demonstrada uma repercussão negativa direta no salário auferido pela vítima ou na sua atividade profissional, sempre ocorrerá, como se referiu, uma perda ou limitação das suas capacidades, sempre para si advirá uma limitação funcional geral com implicações atrás mencionadas[17].
Isto significa que, e acompanhamos agora o mencionado acórdão da Relação de Lisboa, para os defensores deste entendimento, a incapacidade parcial permanente, afetando ou não a atividade laboral do lesado, representa em si mesmo um dano patrimonial futuro.
Para outros, citando o acórdão alguns exemplos, o ressarcimento do dano biológico deve integrar o dano não patrimonial.
Embora os defensores desta tese aceitem que o dano biológico sofrido pelo lesado poderá provocar um agravamento das suas potencialidades físicas, psíquicas ou intelectuais, traduzindo-se num maior dispêndio de esforço e energia, entendem que, se tal dano não se repercute, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional do lesado ou na carreira em si mesma considerada, traduzir-se-á mais num sofrimento psico-somático, logo, num dano não patrimonial, porventura, autónomo, visto inexistir uma perda patrimonial futura.

Uma terceira tese é defendida por um grupo mais reduzido, para quem o dano biológico acaba por se traduzir num «tertium genus».
Esta abordagem da figura «tertium genus» teve a sua origem, segundo Maria da Graça Trigo[18], na jurisprudência e doutrina italianas, para as quais o dano biológico, como um «tertium genus» teria as seguintes características:
a)-dano comum a todos aqueles que, em consequência de uma lesão, sofrem um desrespeito pelo direito à saúde consagrado na Constituição;
b)-dano sem consequências negativas no rendimento do lesado;
c)-e, por isso mesmo, dano que deve ser compensado de forma igual para todas as vítimas, tendo apenas em conta a idade e a gravidade da incapacidade temporária ou permanente.
Sucede, todavia, conforme bem se refere naquele acórdão, que, no nosso sistema jurídico, a contraposição dano patrimonial versus dano não patrimonial tem logrado exaurir completamente o campo do dano corporal.
Também nós, como se referiu, à vista dos três entendimentos que se perfilam acerca do enquadramento do dano biológico, o consideramos como assumindo natureza patrimonial.
E como é que se quantifica tal dano?
Consideramos, uma vez mais à semelhança do que vem sendo o entendimento tradicional e maioritário da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que mesmo naqueles casos em que não está demonstrado que o acidente deu causa à perda ou diminuição de proventos laborais auferidos pelo lesado, atuais ou futuros, ainda assim, para a determinação do quantum indemnizatório, há que seguir semelhantes ao adotados para o cálculo da indemnização de tal dano quando dele decorre aquela perda ou diminuição da capacidade de ganho.
Tanto num caso como noutro, com argumentos que radicam na redução da margem de arbítrio e de subjetivismo dos julgadores e para que haja uma maior uniformidade na sua quantificação.

Tais critérios, conforme se refere no Ac. da R.P. de 24.04.2012, Proc. n.º 2094/10.1TBSTS.P1 (Pinto dos Santos), in www.dgsi.pt., têm assentado nas seguintes ideias basilares:
-a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
-no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que se confira relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
-os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade;
-deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida, consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado, o que, felizmente, não ocorre «in casu»;
-deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, havendo, por isso, que introduzir um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infrator ou da sua seguradora;
-deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a própria esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.

Tal como referido no Ac. do S.T.J. de 12.04.2007, Proc. n.º 07A3836 (Mário Cruz), in www.dgsi.pt, o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objetivos (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida ativa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido, sendo, no entanto, necessário ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras nos fornece tão só um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um fator que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida ativa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade. Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o «minus» indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objetivos quer subjetivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.

As fórmulas ou tabelas a que se recorre para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes devem, pois, ser encaradas como meras referências ou índices, só relevando como simples instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade.

Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros que sejam o prolongamento necessário e direto do estado de coisas criado pelo acidente, abrangendo um longo período de previsão, devendo atender-se apenas aos ganhos fortemente prováveis e verosímeis, não meramente possíveis, a solução mais correta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.

Como a repercussão temporária da atividade profissional total foi de 177 dias, será com referência ao 178.º dia após o sinistro que importa considerar a idade do lesado e projetar a previsível duração de vida, o tempo provável da sua vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho, fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida ativa, para além do tempo da reforma.

Hoje em dia, em Portugal, a esperança média de vida à nascença de um cidadão do sexo masculino, é de 78,07 anos, de acordo com os danos mais recentes publicados pelo INE.

Há que atender à remuneração auferida pelo lesado à data do acidente e ao valor do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, de que ficou a padecer, e que no caso concreto é de 3 pontos.

No conceito de retribuição auferida pelo lesado à data do sinistro, devem integrar-se todas as quantias que constituíam prestações por ele recebidas com caráter de regularidade e que, por isso, devem entrar no cálculo da indemnização; ou seja, todas as prestações destinada a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

A retribuição contempla, assim, além do vencimento base, as gratificações, as comissões, os subsídios, as senhas de presença, as remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

A não se entender assim, estaríamos desfasados da realidade da vida, ignorando a situação de cidadãos que auferem salários base de reduzidos montantes, compensados por outro tipo de prestações, com denominações diversas.

Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.

Trata-se de subtrair o benefício respeitante à receção antecipada de capital, de efetuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa da lesada à custa alheia, o que, como se viu acima, não deve acontecer.

Quanto mais baixa for a faixa etária do lesado, maior deverá ser a margem de compressão na altura de efetuar o desconto/acerto em causa, uma vez que a antecipação do capital tem um sentido mais amplo, sendo percebido o valor da indemnização total.

No caso concreto, há a considerar:
a)-que o lesado nasceu em 28/02/1958;
b)-trabalha como manobrador de máquinas, o que já sucedia à data do acidente;
c)-a sua idade no 178.º dia após o acidente;
d)-que em consequência do sinistro:
- o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica foi de 3 pontos;
- as sequelas que ficou a padecer em consequência do acidente e lesões sofridas em termos de repercussão permanente na sua atividade profissional são compatíveis com o exercício da mesma, mas implicam esforços suplementares.
Desconhece-se, no entanto, quanto é que, à data do acidente, auferia em contrapartida pelo exercício daquela sua atividade profissional.
O rendimento auferido pelo autor RN a título de contrapartida pelo exercício da sua atividade profissional de manobrador de máquinas constitui um elemento decisivo para quantificar montante indemnizatório a que tem direito pelo «dano biológico» de que ficou a padecer.
Por isso, terá esse montante de ser fixado em sede de incidente de liquidação, nos termos dos arts. 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2.

No articulado mediante o qual procedeu à ampliação do pedido, alega o autor RN:
«Das conclusões do relatório pericial é possível extrair-se:
- Quantum Doloris fixável no grau 4/7, ou seja, valorização do sofrimento físico e psíquico vivenciado entre a data do evento e a cura / consolidação das lesões (durante 177 dias), com especial severidade;
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos (sequela: anca esquerda dolorosa), ou seja, a desvalorização máxima prevista na Tabela Nacional de Incapacidades. A este propósito, refere-se que as sequelas, apesar de não afetarem o Autor em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico;
-Em termos de repercussão Permanente na actividade profissional, apesar de compatíveis com o exercício da actividade profissional, implicam esforços suplementares, sendo que o Autor exercia as funções de operador de máquinas pesadas;
- Ao nível do dano estético permanente, fixou-se no grau 3/7, designadamente, no membro inferior esquerdo, o qual apresenta uma cicatriz nacarada, ligeiramente hipertrófica com vestígios de pontos de sutura, medindo 9 cm de comprimento e 0,4 cm de maior largura; outra cicatriz linear, quase inaparente, com 4 cm de comprimento; outra cicatriz nacarada, linear, longitudinal, medindo 5,5 cm de comprimento;
- Ao nível da repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, fixável no grau 2/7, decorrente do abandono da prática de pesca e dificuldade na realização de tarefas agrícolas.
Como se referiu (...), aquando do acidente, o Autor era uma pessoa dinâmica, mas após o acidente e nos meses que se seguiram, passou a conviver com dores e limitações nos esforços.
Por causa dos ferimentos causados por este acidente, a vida do Autor nunca mais foi a mesma, vivendo com dores e limitações, que o relatório do exame pericial confirma.
Assim, relativamente ao Dano Biológico, enquanto dano futuro, considerando-se um esforço acrescido de 3 pontos percentuais, pretende o Autor ver-se ressarcido na quantia de € 10.000,00.
Por sua vez, quanto aos padecimentos morais, pelas dores sentidas até à consolidação médico-legal, durante pelo menos 177 dias, e que ainda hoje se mantêm e que irão acompanhar o Autor pela vida; pelas limitações e esforços acrescidos decorrentes das sequelas para a execução de tarefas simples; pelo prejuízo de afirmação pessoal por exibir 3 cicatrizes; pela tristeza e angústia de ver a sua saúde física e psíquica irremediavelmente afectada, pretende o Autor ver-se ressarcido na quantia de € 15.000,00.
Uma vez que estes danos decorrem do acidente de viação dos autos, o aqui Autor pode pedir a condenação da Ré a pagar-lhe tais montantes, em acréscimo aos restantes pedidos, estando em tempo para o requerer, visto ser uma ampliação por desenvolvimento e consequência do pedido primitivo, ex vi do nº 2 do artigo 265º do CPC.
Pode também o Autor pedir os juros que se vencerem a contar da notificação deste pedido, à taxa de 4%, até integral cumprimento.»

Como se vê, não ocorre qualquer duplicação de pedidos, o autor RN não peticionou o dano biológico na vertente dano patrimonial e na vertente dano não patrimonial.

Consta da sentença recorrida, o seguinte:
«Nesta conformidade, atendendo aos montantes que têm vindo a ser arbitrados a este respeito pela jurisprudência, com base no critério de equidade a que se refere o artigo 566º, nº 3 e nos termos do artigo 564º, nº 2, do Código Civil, julga-se ser adequada e proporcional fixar como indemnização devida ao A. pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos (dano biológico) o montante de € 10.000,00 (dez mil euros) - considerando que a Tabela de Indemnização do Dano Corporal, constante da Portaria nº 377/08, de 26 de Maio, não é vinculativa (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/05/2012, disponível em www.dgsi.pt) - valor já actualizado.
Quanto aos demais danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência do acidente, importa ter presente o disposto nos artigos 496º, nºs 1 e 4 e 494º do Código Civil.
(...)
Nesta conformidade, face à factualidade provada, considera-se ser justo, equilibrado e adequado para reparação de tais danos, o montante indemnizatório de € 12.000,00 (doze mil euros), valor actualizado.»

Não se vê, outrossim, que a sentença recorrida duplique a condenação por um mesmo dano, pois:
- condenou a ré a pagar ao autor RN a quantia de € 10.000,00, a título de danos de natureza não patrimonial, relativamente ao dano biológico por ele sofrido em consequência do acidente, correspondente ao défice funcional permanente na integridade físico-psíquica fixável em três pontos;
- condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 12.000,00, relativamente a outros danos não patrimoniais por ele sofridos.
Em consequência, conforme consta da al. c) da parte dispositiva da sentença «condeno a R. Seguradora, S.A. a pagar ao A. RN, a título de danos não patrimoniais, a quantia total de € 22.000,00 (vinte e dois mil euros), acrescida dos juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.»

Assim, o quantum indemnizatório a fixar em sede de incidente de liquidação, nos moldes atrás indicados, relativamente ao dano biológico sofrido pelo apelado e discutido pela apelante terá como limite máximo o montante de € 10.000,00, de modo a não ter ultrapassado o limite máximo indemnizatório já fixado na sentença, da qual o autor RN não recorreu, sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no art. 635.º, n.º 5, do C.P.C., do qual resulta, além do mais, que se apenas uma parte interpuser recurso relativamente a uma parcela da decisão, como é o caso, o tribunal ad quem não pode, sob pretexto algum, revogar ou modificar outro segmento decisório em relação ao qual tenha saído vencedora a parte contrária[19].

Quanto ao limite mínimo desse quantum indemnizatório haverá a considerar o disposto no art. 6.º, n.º 3, da Portaria n.º 377/2008, de 26.05, segundo o qual, «é considerada a retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a vítimas que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG».

Significa isto que, tendo em conta:
- que o prazo de vida ativa a ter em conta seria de 10 anos (de 2018 a 2028, considerando que a Portaria só considera a vida ativa somente até aos 70 anos)
- que o fator a ponderar seria de 8,807511, conforme consta da tabela III anexa àquela Portaria, atualizada pela Portaria n.º 679/2009 de 25.06;
- que o valor do rendimento anual parcial bruto potencial perdido seria o seguinte: € 580,00 (SMN) x 14 (meses por ano) x 0,03 (de "Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica”) = € 243,60,
o valor mínimo da indemnização pelo dano biológico, em função dos critérios estabelecidos na Portaria n.º 377/2008 de 26.05 será o seguinte: € 243,60 x 8,807511 = € 2.145,81.
Sendo esse o valor da "indemnização razoável", recomendado pela Portaria 377/2008, de 26.05, para o dano biológico, poderemos dizer que a liquidação da indemnização não pode ser inferior àquele valor "razoável" recomendado, nem superior ao montante fixado de € 10.000,00.
***

IVDECISÃO:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, por parcialmente provada, em consequência do que:
4.1-condenam a ré a pagar ao autor RN o montante indemnizatório que vier a apurar-se em sede de incidente de liquidação (arts. 358.º, n.º 2, e 609.º, n.º 2, do C.P.C.), à luz dos critérios indicados na antecedente fundamentação deste acórdão, relativamente ao «dano biológico» por este sofrido em consequência do acidente, correspondente ao défice funcional permanente na integridade físico-psíquica, fixado em três pontos, de que ficou a padecer, montante esse que não poderá será inferior a € 2.145,81, nem superior a € 10.000,00.
4.2- mantêm, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Custas do recurso conforme o decaimento à luz do rateio final que vier a fazer-se a após a decisão que vier a ser proferida no incidente de liquidação referido em 4.1.



Lisboa, 22 de fevereiro de 2022



José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara



[1]Sobre a noção de «questões», nomeadamente para os efeitos dos arts. 608º e 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013, vide Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, 1981, pp. 51-58.
[2]Código de Processo Civil Anotado, Vol. V (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, p. 68.
[3]Cfr. Ac. da R.L. 28.01.1992, B.M.J. 413º, 605, e Ac. da R.G. de 17.11.2004, Proc. nº 1887/04-1 (Vieira e Cunha), in www.dgsi.pt.
[4]Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 3ª Ed., 1952, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 141.
[5]El Daño, Tradução Espanhola, p. 314.
[6]Tal como conclui Liliana Fernandes Gonçalves, Da indemnização do dano da privação do uso de veículo decorrente de acidente de viação, Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho, p. 72, acessível na Internet em file:///C:/Users/MJ01695/iCloudDrive/DOUTRINA/DIREITO%20DAS%20OBRIGAÇÕES/PRIVAÇÃO%20DO%20USO/Da%20indemnização%20do%20dano%20da%20privação%20do%20uso%20de%20veículo%20decorrente%20de%20acidente%20de%20viação.pdf, depois de longa viagem por autores portugueses que se têm debruçado sobre a matéria, e de fazer um apanhado da evolução jurisprudencial sobre a matéria, hoje em dia é praticamente unânime na doutrina e na jurisprudência portuguesas o entendimento de que o dano autónomo da privação do uso consiste num dano patrimonial. ­
[7]Quereria, por certo, escrever “reparação”.
[8]Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, p. 598.
[9]Direito das Obrigações, 11ª Ed., Almedina, 2008, pp. 591-599.
[10]Direito das Obrigações, Vol. II, AAFDL, 1980, p. 300.
[11]Sobre as diversas noções de «dano», cfr. Paulo Mota Pinto, in Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, Vol. I, Coimbra Editora, 2009, p. 528.
[12]Ob. e loc. cit.
[13]Sobre o Dano da Perda de uma Chance, in Direito e Justiça, Vol. 19, 2.º, 2005, p. 11.
[14]Direito das Obrigações, 6ª ed., Coimbra Editora, p. 373.
[15]Cfr. Ac. do S.T.J de 23.05.1978., B.M.J. 277º, 258.
[16]In Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Coleção Teses, Almedina, 2001, p. 272.
[17]Neste sentido, Sinde Monteiro, in Estudos sobre a Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 1983, p. 248 e, por todos, o Ac. da R.L. de 12/13/2012, Proc. nº 5505/05.4TVLSB.L1-2 (Ondina Alves), in www.dgsi.pt.
[18]Adoção do Conceito de ”Dano Biológico” pelo Direito Português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72º, Vol. I – Jan-Mar – 2012, citada, tal como alguma jurisprudência, no acórdão a que nos vimos reportando.
[19]Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª Edição, Almedina, 2017, p. 108.