Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
449/14.1TYLSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
FALTA DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Se a falta de informação não tiver qualquer relevo para a tomada da deliberação dos sócios, tal omissão não será causa de anulabilidade nos termos do art. 58º nº 1 al. c) do Código das Sociedades Comerciais.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


A... instaurou acção declarativa comum contra I... SA, pedindo:

a)-que se declare a nulidade, nos termos do art. 56º nº 1 al. d) do Código das Sociedades Comerciais, das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 18/02/2014, no âmbito da qual o Requerente viu serem-lhe amortizadas as acções de que era titular na Ré;
b)-que, caso assim não se entenda, se julgue anulável, nos termos do art. 58º nº 1 al. a) do Código das Sociedades Comerciais, as deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 18/02/2014, no âmbito no âmbito da qual o Requerente viu serem-lhe amortizadas as acções de que era titular na Ré; ou
c)-que se julgue anulável, nos termos do art. 58º nº 1 al. c) e nº 4 al. b) ex vi art. 289º nº 1 al. a), b) e c) e nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, as deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 18/02/2014, no âmbito no âmbito da qual o Autor viu serem-lhe amortizadas as acções de que era titular na Ré.

Alegou, em síntese:
a amortização das acções de que era titular teve como fundamento o facto de ter efectuado, entre 25/09/2013 r 09/10/2013, levantamentos que perfizeram 6.000 €, com o cartão de crédito que lhe foi atribuído pela administração da R.,
e que alegadamente estava condicionado ao pagamento de despesas de representação e deslocação por motivos profissionais, ao serviço da R.;
o A. foi inicialmente gerente e depois administrador da R., tendo-se aposentado em 31/08/2011 e cessado as funções de administrador em 2011 e 2012;
mas continuou a prestar colaboração na R., sem receber qualquer retribuição ou contrapartida a não ser o pagamento esporádico de combustível para a sua viatura;
o A. estava autorizado a utilizar o cartão de crédito até ao limite imposto pelo plafond, tendo a administração da R. conhecimento e autorizado os referidos levantamentos;
assim, a R. continuou a disponibilizar-lhe cartão de crédito, até 16/10/2013, data em que o A. decidiu retirar os seus bens pessoais do gabinete que usava na sede da R.;
o A. e o seu agregado familiar sobrevivem da reforma do primeiro;
foram três as tentativas de realização da assembleia geral extraordinária onde foram aprovadas as deliberações objecto destes autos, tendo o A. estado sempre representado;
as informações preparatórias da assembleia geral extraordinária aqui em questão não foram disponibilizadas ao A. nos termos, prazos e modo legalmente exigíveis, nem nos termos por este solicitados, nem com indicação na convocatória para  a mesma ou em comunicação posterior que tal informação estava disponível na sede da R., mas apenas no dia em que foi realizada a assembleia.

A R. contestou pugnando pela improcedência da acção, invocando, em resumo:
o A. apropriou-se ilegitimamente do património da R. e foi esse facto que levou à deliberação de amortização da suas acções;
o A. continuou, após a sua reforma, com a complacência da administração da R., a utilizar o cartão de crédito, que tinha um plafond mensal de 5.000 €, para fazer face a despesas de representação da R. e que sempre foram justificadas por ele através de facturas/recibos até meados de Setembro de 2013, como era prática desde que que lhe fora atribuído o cartão em 2001;
aquele  plafond de 5.000 € destinava-se apenas a permitir uma utilização responsável do cartão para despesas de representação;
inesperadamente, entre 25/09/2014 e 09/10/2014, o A. fez 30 levantamentos em dinheiro com o cartão de crédito, num total de 6.000 € sem qualquer motivo justificativo;
a utilização abusiva do cartão e crédito quebrou o vínculo de confiança e o propósito único da amortização das acções do A. foi retirar-lhe a qualidade de sócio por motivos  que se podem reconduzir a uma grave infidelidade quebra de confiança;
foi cumprido o dever de informação previsto no art. 289º do CSC, tendo estado disponível toda a informação preparatória para consulta na sede da R.;
o A. recusou assinar avales necessários para a renegociação de financiamentos obtidos junto de Bancos e que eram necessários para reestruturar os empréstimos já existentes e bem conhecia, tendo dificultado seriamente a realização dos fins sociais;
as deliberações impugnadas são válidas e eficazes.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformado, apelou ou A., terminando a alegação com as seguintes conclusões:
a)Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. , que julgou totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolveu a Ré I... S.A., ora Recorrida, do pedido contra si formulado.
b)São fundamentos do presente recurso de apelação erros no julgamento da matéria de facto, a saber, pontos 11., 12. e 25. dos factos provados e alínea a) dos factos não provados e a violação de diversas normas jurídicas, nomeadamente os artigos 58.º n.º 1 alínea c) e n.º 4 alínea b) e artigo 289.º n.º 1 e n.º 3 alínea a), levados a cabo pelo Tribunal a quo na sentença ora em crise.
c)Atenta a prova realizada em sede de audiência de discussão e julgamento, dúvidas não subsistem de que andou mal o Tribunal a quo na sentença ora em crise, na medida em que deveria ter julgado não provados os factos constantes nos pontos 11 e 12 desta última e, como provado, o único facto aí julgado como não provado e identificado com a alínea a).
d)Esta conclusão decorre em primeiro lugar do documento junto ao processo pelo Autor, com o requerimento datado de 27 de Julho de 2016 (extratos do cartão de crédito n.º 2794944, referentes aos anos 2007 a 2013, utilizado pelo Administrador da Recorrida J...) que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, demonstra que os cartões de crédito disponibilizados pela Recorrida, nomeadamente o do Recorrente, não se destinavam unicamente ao pagamento de despesas de representação.
e)O referido extrato demonstra que o cartão em questão era utilizado não só para despesas de representação na sequência de contatos com clientes ou com potenciais clientes, mas também e digamos sobretudo, para despesas pessoais.
f)A similitude das regras de utilização destes cartões – do Recorrente e do legal representante da Recorrida-, decorreu do depoimento da testemunha C...
g)O próprio Tribunal a quo reconhece na sua sentença não se poderem tratar de despesas de representação, de âmbito profissional.
h)Reforça o acima referido as declarações de parte levadas a cabo pelo Legal representante da Recorrida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente as vertidas no intervalo de tempo da gravação entre o minuto 36:08 a 50:55.
i)Face ao teor das declarações de parte aqui em questão e ao ouvi-las, é perceptível que não podem estas ser aptas a provar que tipo de utilização poderia ser dada ao cartão do Recorrente e até que valor.
j)O legal representante da Recorrida foi contraditório nas suas declarações, referindo primeiro que em momento algum os cartões se destinavam a despesas pessoais e posteriormente, com manifesta falta de rigor, quando confrontado com um documento que o surpreendeu e como
que por milagre, se lembrou que pelo menos durante um determinado período de tempo era possível utilizar o cartão para o efeito.
k)Mais, o legal representante da Recorrida, acabou por faltar à verdade nas declarações que prestou, quando referiu que só até 2010 foi permitida a utilização dos cartões fornecidos pela Recorrida para compras pessoais de quem os detinha, bastando atender ao teor dos extractos para chegar a tal conclusão.
Acresce à prova documental e às declarações de parte acima referidas, o depoimento da testemunha C..., nomeadamente as partes gravadas nos intervalos de tempo, entre o minuto 01:26:30 a 01:31:49, 01:37:25 a 01:42:14 e 02:01:29 a 02:11:28.
m)Em pontos fundamentais a testemunha contradiz o que foi referido pelo legal representante da Requerida e, de uma posição de certeza absoluta inicial e tal como o legal representante da Recorrida, uma vez confrontada com um documento que não estava à espera, demonstrou nervosismo, confusão e claramente mudou a versão dos fatos conforme entendia ser mais conveniente à decisão da causa que lhe convinha.
n)Sem dúvida que tanto o legal representante da Recorrida como a Testemunha C... vinham com uma versão dos factos bem certinha e totalmente coincidente com a decisão levada a cabo pelo Tribunal a quo relativamente aos factos ora em crise, contudo, o que transmitiram ao Tribunal a quo mais não foi de facto do que apenas uma versão dos factos, ainda por cima não coincidente com a verdade, como as gravações aqui em questão tão bem demonstram.
o)Em face do acima referido, em momento algum poderia o Tribunal a quo com base nas declarações de parte e no depoimento acima referidos, ter fundamentado a prova dos factos vertidos nos pontos 11. e 12. da sentença ora em crise e a não prova do facto vertido na alínea a) , também desta última.
p)Pelo que deverão V. Exas. Senhores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, julgar inválida a sentença ora em crise, por manifesto erro no julgamento da matéria de facto a ela subjacente com relevância para a boa decisão da causa e, em conformidade, julgar não provados os factos vertidos nos pontos 11. e 12. da sentença ora em crise e como provado, a contrário, o facto vertido na sua alínea a), na parte em refere que o Recorrente estava autorizado a utilizar o cartão de crédito que lhe foi disponibilizado até ao respetivo limite imposto pelo plafond.
q)Mais, como consequência do acima referido será de concluir pela total procedência da presente ação por manifesta falta de fundamento da amortização das ações do Recorrente, o que desde já se requer.
r)Caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se coloca, sempre se terá de referir que mais uma vez errou de forma clamorosa o Tribunal a quo ao julgar o facto vertido no número 25. da sentença ora em crise como provado.
s)Para que se possa concluir neste sentido, mostra-se necessário, em primeiro lugar atender ao conteúdo dos documentos n.ºs 3, 4 e 5 juntos pelo Recorrente com a sua petição inicial.
t)Em nenhum destes documentos, nomeadamente e para o que aqui mais interessa no termo de não realização datado de 16-01-2014, é feita qualquer referência a um qualquer acordo entre os acionistas presentes, incluindo o Recorrente, nas datas em questão, quanto à disponibilização da informação essencial à realização da Assembleia Geral aqui em questão, na sede da Recorrida, no dia 20-01-2014.
u)Por maioria de razão não é feita também qualquer menção nestes documentos a que o Recorrente tenha prescindido de receber, conforme solicitou, esta informação via postal, ou sequer que lhe tenha sido dado a conhecer que a informação prévia à Assembleia Geral estaria disponível na sede da Recorrida no dia 20/01/2014.
v)Por outro lado do depoimento da testemunha C... e das declarações de parte do legal representante da Recorrida, denota-se que ambos quando lhe é perguntado directamente se existiu um acordo com os accionistas, recorrente incluído, quando à consulta da informação na sede da Recorrida e consequente desistência de a receber por correio, só a muito custo e com enormes reservas mentais estes confirmam este suposto acordo, embora com enormes dificuldades em definir em que termos tal teve lugar, senão vejamos.
w)Nas declarações de parte levadas a cabo pelo Legal representante da Ré relevam os intervalos de tempo entre o minuto 26:08 a 35:48 e 01:07:36 a 01:10:43.
x)Já no que ao depoimento da testemunha C... diz respeito relevam para este efeito os intervalos de tempo entre os minutos 01:33:49 a 01:36:48, 01:45:21 a 01:49:52 e 01:52:15 a 01:53:35.
y)Será porventura pertinente referir que esta versão dos factos apresentada pela testemunha C... e pelo legal representante da Recorrida, surge apenas e precisamente na audiência de julgamento que antecedeu a sentença de que ora se recorre.
z)Em momento algum anterior a Recorrida tinha apresentado esta “desculpa/versão” para não ter remetido por correio ao Recorrente, as informações inerentes à Assembleia Geral aqui em questão conforme este havia solicitado, nomeadamente no âmbito da providência cautelar que antecedeu a presente acção e que a esta se encontra apensa.
aa)Mais grave, nesta última a testemunha C..., no depoimento levado a cabo em sede de audiência de julgamento, quando questionada porque não tinha enviado por correio esta informação, limitou-se a responder, salvo erro e se a memória não nos falha, que simplesmente não tinha enviado e que não o fez por nenhuma razão em especial.
bb)A diferença entre as versões é de tal forma evidente que dispensa mais comentários, sendo certo que se tivesse alguma vez existido algum acordo entre o Recorrente e a Recorrida no sentido do primeiro abdicar de receber as informações por correio e passar a consultá-las na sede da Recorrida, com toda a certeza que esta testemunha se lembraria disso não apenas agora, mas também em sede de providência cautelar, onde inclusivamente tinha passado bem menos tempo sobre os factos, tendo a Recorrida vertido tal facto na sua contestação tanto agora como em sede de procedimento cautelar o que nunca aconteceu.
cc)A questão que se coloca é o porquê da Recorrida, na pessoa do seu legal representante e da testemunha C..., só agora ter sentido a necessidade de “inventar” este acordo entre accionistas de forma a fundamentar o não envio da informação pedida pelo Recorrente pelo Correio.
dd)A reposta é só uma, bem simples e prende-se com o facto do mesmo Tribunal que agora julgou a presente acção improcedente ter, em sede de providência cautelar e com base na factualidade aí apurada – isto é sem a “invenção” pela Recorrida de qualquer suposto acordo – ter concluído de forma inequívoca que o facto de a Recorrida não ter remetido por via postal ao Recorrente as informações preparatórias da Assembleia Geral aqui em questão, feria de anulabilidade as deliberações objecto da presente acção – vide sentença proferida em primeira instância na providência cautelar apensa aos presentes autos.
ee)Caberá a V. Exas. Venerandos Juízos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, em face do acima exposto e em nome da verdade, repor a justiça e consequentemente, julgar inválida a sentença ora em crise, por manifesto erro no julgamento da matéria de facto a ela subjacente e, em conformidade, julgar não provado o facto vertido nos pontos 25. da sentença ora em crise, o que desde já se requer.
ff)Mais, deverão V. Exas. na sequência do acima referido e nos termos referidos pelo Tribunal a quo na sentença proferida no âmbito da providência cautelar actualmente apensa aos presentes autos – que por estar irrepreensível se passará a transcrever - julgar no sentido de que se verifica o vício de anulabilidade das deliberações aqui em questão.
gg)De facto nos termos do disposto no art. 58º, nº1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais, são anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio dos elementos mínimos de informação previstos no artigo 377.º n.ºs 4 e 8 do mesmo código.
hh)No tocante às informações preparatórias das assembleias gerais, estipula o art. 289º do Código das Sociedades Comerciais que, nos 15 dias anteriores à assembleia geral devem ser facultados à consulta dos accionistas uma série de elementos que variam conforme a assembleia geral concreta em questão.
ii)Nos termos do n.º 3 do mesmo dispositivo tais elementos devem “ser enviados, no prazo de oito dias: a) Através de carta, aos titulares de acções correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social, que o requeiram;”.
jj)Ora, neste caso em concreto estas normas foram violadas porque o Recorrente solicitou o envio das informações previstas no referido art. 289º, n.º1 als. a), b) e c) à presidente da mesa da assembleia geral, por carta datada de 6.1.2014 e as mesmas não lhe foram enviadas, factos que estão assentes.
kk) Portanto, ao não serem enviadas as referidas informações ao Recorrente, nos termos por ele solicitados, foram-lhe negadas as mesmas, o que equivale a dizer que foi incumprido o disposto no art. 289º do Código das Sociedades Comerciais.
ll)Nestes termos, impõe-se concluir que se verifica o vício de anulabilidade das deliberações aqui em questão, nos termos do art. 58º nº1, al. c) e n.º4 do Código das Sociedades Comerciais, pelo que deverão V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, revogar a sentença ora em crise e julgar a presente acção totalmente procedente por provada, declarando a anulabilidade das deliberações objecto da presente acção, o que desde já se requer., fazendo-se assim a tão costumada justiça.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverão V. Exas., Senhores Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidir no sentido de julgar o presente recurso procedente por provado e consequentemente, ser revogada e reformada a sentença que lhe deu causa no sentido de julgar a presente acção totalmente procedente por provada (…).

A R. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se as deliberações sociais são inválidas

IIIFundamentação.

A)Na sentença recorrida vem dado como provado:
1.A Ré I... S.A. tem como objecto social projectos e execução de obras de interiores, comercialização, importação, exportação de equipamentos e materiais de construção.
2.A Ré I... S.A. tem o capital social de 55.000,00 €, dividido em igual número de acções tituladas nominativas, cada uma com o valor nominal de 1,00 €.
3.Em 18.02.2014, eram sócios da Ré:
a)-O Autor, com 16.500 acções;
b)-A sociedade I... S.A., com 35.750 acções e;
c)-L..., com 2.750 acções.
4.É Administrador Único da sociedade J...

5.De acordo com o artigo 6.º dos Estatutos da Ré:
I–À sociedade assiste o direito de amortizar as acções sempre que se verifique algum ou alguns dos seguintes factos:
a)-Acordo do respectivo titular;
b)-Quando as acções sejam objecto de arresto, penhora, arrolamento ou qualquer outra forma de apreensão ou venda judicial, ou ainda quando e verifique a iminência destas situações;
c)-Interdição, inabilitação, insolvência, falência ou dissolução do titular;
d)-Quando o titular das acções violar qualquer obrigação decorrente do contrato de sociedade ou deliberação dos accionistas tomada regularmente;
e)-Quando o titular das acções lesar, por actos ou omissões, os interesses da sociedade, nomeadamente a reputação desta perante terceiros ou impedir ou concorrer, directa ou indirectamente, com a sociedade, ou dificultar a realização dos fins sociais.
II–A amortização das acções será tomada em reunião da assembleia geral convocada para ao efeito e a realizar até 90 dias após os administradores terem tido conhecimento do facto que lhe da origem.
III–A contrapartida da amortização será, caso a lei não impunha regime diverso, o valor acordado no caso previsto na al. a) do número 1; o valor nominal das acções amortizadas nos casos previstos nas alíneas b) e c); o valor nominal das acções amortizadas nos casos previstos nas demais alíneas do número 2, salvo se o valor do último balanço for inferior, pois nesse caso será o valor da amortização”.

6.No ano 2000, o Autor foi um dos sócios fundadores da sociedade Anónima I... S.A., inicialmente denominada I... Lda.
7.O Autor foi gerente e Administrador da Ré entre 2000 e 22.03.2011.
8.Em 31 de Agosto de 2011 o Autor aposentou-se.
9.Depois de aposentado, o Autor dirigia-se às instalações da sociedade, com frequência não concretamente apurada, onde prestava colaboração, concretamente, no acompanhamento de algum cliente ou negócio que antes era da sua responsabilidade e na indicação de contactos para eventuais negócios.
10.O Autor continuou a dispor do cartão de crédito com o número 4406 4501 7665 5495, disponibilizado pela Ré e associado à conta empresa n.º 55000032418, aberta pela Ré junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Caldas da Rainha, Óbidos e Peniche, CRL, com um plafond autorizado de, pelo menos, 5.000,00 €.
11.O cartão de crédito destinava-se ao pagamento de despesas de representação que o Autor tivesse necessidade de incorrer em nome da Ré.
12.O cartão de crédito era utilizado pelo Autor para fazer face a despesas de representação da sociedade, nomeadamente, despesas com combustível do veículo automóvel e refeições na sequência de contactos com clientes e potenciais clientes da sociedade que o Autor mantinha por sua iniciativa.
13.As despesas realizadas pelo Autor foram, até meados de Setembro de 2013, justificadas com a apresentação pelo Autor das respectivas facturas/recibo.
14.Até Setembro de 2013 o Autor nunca tinha efectuado quaisquer levantamentos em dinheiro com o referido cartão, nem tinha utilizado o cartão a não ser para pagamentos directos de despesas de combustível e refeições.
15.Entre 25.09.2013 e 9.10.2013, foram realizados, com o cartão n.º 7665549, em nome do Autor, dois levantamentos diários no valor de 200,00 € cada, no total de 6.000,00 €.
16.Os levantamentos não foram comunicados pelo Autor à administração da Ré, nem foram apresentados quaisquer comprovativos de despesas realizadas por referência aos montantes levantados.
17.A Ré teve conhecimento dos levantamentos em Outubro de 2014 na sequência de contacto do gerente da agência bancária.
18.No dia 16 de Outubro de 2013, o Autor retirou os seus bens pessoais do gabinete que utilizava na sede da Ré, deixando de frequentar com a regularidade que era habitual as instalações.
19.Por carta datada de 16.12.2013, a I... S.A., sócia maioritária da Ré, informou o Autor, além do mais, da intenção de marcar uma assembleia geral extraordinária da Ré para apreciação e deliberação da amortização das acções do Autor com fundamento nos factos referidos em 15).
20.Por carta datada de 19.12.2013, o Autor tomou conhecimento da convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária de Accionistas da Ré a ter lugar, no dia 16 de Janeiro de 14, a primeira pelas 10h00 e a segunda pelas 12h00, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um) Deliberar sobre a amortização das 16.500 acções da titularidade do accionista A..., nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º dos Estatutos Sociais;
Ponto Dois) Deliberar sobre a contrapartida da amortização das acções da titularidade do accionista A...;
Ponto Três) Deliberar sobre a redução do capital social na sequência da amortização das acções, caso esta se venha a verificar;
Ponto Quatro) Deliberar sobre o aumento do capital social no montante de € 11.500,00 (onze mil e quinhentos euros), através de incorporação de reservas legais e entradas em numerário;
Ponto Cinco) Deliberar sobre a alteração parcial dos estatutos da sociedade, no que se refere ao número um do artigo quarto, em conformidade’ com o deliberado no ponto precedente.
Ponto Seis) Deliberar sobre a apresentação de queixa crime contra o accionista A..., por uso abusivo de cartão de crédito da sociedade.
Ponto Sete) Atribuição de poderes para a prática dos actos necessários para a execução das deliberações anteriores.
21.Por carta datada de 6.01.2014, o Autor solicitou à Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré que lhe fossem prestadas as informações preparatórias da Assembleia Geral a realizar no dia 16 de Janeiro de 2014, mediante remessa por via postal ao Autor dos documentos por si solicitados.
22.Por carta datada de 14.01.2014, o Autor solicitou ao Conselho de Administração da Ré o envio por correio de cópia integral do relatório de gestão, do relatório sobre a estrutura e as práticas de governo societário, quando não faça parte integrante do documento referido na alínea anterior, da certificação legal das contas, do parecer do órgão de fiscalização, dos relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade e os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas.
23.Não foram remetidas para a morada do Autor as informações solicitadas nas cartas de 6 e 14.01.2014.
24.No dia 16.01.2014, a Assembleia foi adiada pelo Presidente da Mesa da Assembleia para a segunda data constante da convocatória, o dia 4.02.2014, com fundamento no facto de não ter sido disponibilizada aos accionistas a informação preparatória.
25.Os accionistas presentes anuíram que a informação preparatória ficasse disponível para consulta na sede da sociedade a partir da segunda-feira seguinte, dia 20.01.2014.
26. No dia 20.01.2014, a Ré colocou à disposição dos sócios para consulta na sede da sociedade toda a informação preparatória.
27.Até ao dia 18.02.2014 nenhum sócio se dirigiu à sede da sociedade para consultar essa informação ou dirigiu qualquer pedido à Administração referente à documentação.
28.No dia 4.02.2014, a Assembleia foi adiada por acordo dos presentes para o dia 18.02.2014.
29.As informações preparatórias da Assembleia Geral Extraordinária de 18.2.2014 foram entregues aos accionistas no dia da realização da respectiva Assembleia Geral.

30.Na Assembleia Geral Extraordinária que se realizou em 18 de Fevereiro de 2014, foram aprovadas, todas com votos favoráveis dos accionistas I... S.A. e L... e contra do Autor, as seguintes deliberações:
a)-Amortizar as 16.500 acções da titularidade do Autor, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º dos Estatutos Sociais;
b)-Pelo valor nominal de 1,00 € por acção, no montante global de 16.500,00 €;
c)-A redução do capital social da Sociedade Comercial Anónima I... S.A. para os 38.500,00 €, decorrentes da referida amortização;
d)-O Aumento do capital social da Sociedade Comercial Anónima I... S.A. no montante de 11.500,00 €, a realizar por incorporação de reservas legais no valor de 11.000,00 €, com a criação de 11.000 acções com o valor nominal de €1,00 e por entradas em dinheiro no valor de € 500,00 a serem realizadas pelos accionistas;
e)-A alteração do número 1 do artigo quarto dos estatutos o qual deverá passar a referir que “O capital social é de cinquenta mil euros, e encontra-se totalmente subscrito e realizado e dividido em cinquenta mil acções, com o valor nominal de um euro cada uma”;
f)-Ser apresentada queixa-crime contra o Autor por uso abusivo de cartão de crédito e;
g)-Conceder ao administrador único poderes necessários para executar as deliberações anteriores.

31.Da acta da Assembleia Geral da Ré realizada em 18.02.2014 constam como fundamentos para a amortização da quota do Autor:
(…) Iniciada a sessão, entrou-se na discussão do Ponto Um da Ordem do Dia, sobre a deliberação referente à amortização de 16.500 (dezasseis mil e quinhentas) acções da titularidade do accionista A....

A Senhora Presidente deu então a palavra ao Administrador presente, Dr. J..., para que este informasse os acionistas da proposta apresentada pela administração. O Dr. J... informou então a Assembleia, que o acionista A..., utilizou, no seu entender de forma totalmente injustificada e abusivo de crédito n.º 7665549, associado à conta da sociedade I... S.A., o qual era utilizado pelo referido acionista desde 2001 e que este continuou a utilizar após a sua saída do cargo de administrador da sociedade I... S.A., por mera tolerância e cortesia da administração, nas única e exclusivamente para suportar despesas de representação daquela Sociedade, nomeadamente despesas com combustível do veículo automóvel e refeições na sequência de contactos com clientes e potenciais clientes da sociedade I... SA, devendo sempre justificar as despesas feitas e apresentar as faturas/recibos correspondentes a essas despesas, o que o accionista A... sempre foi fazendo. Todavia, informou ainda o Dr. J... que o acionista A... entre o dia 25 de Setembro de 2013 e o dia 9 de Outubro de 2013, isto é, em praticamente 15 dias; utilizou aquele cartão de crédito para proceder a um total de 30 (trinta) levantamentos em numerário, num total de € 6.000,00 (…) sem ter comunicado, prévia ou posteriormente, à Sociedade, que o iria fazer ou que o tinha feito. Referiu, ainda, o Dr. J... que tais levantamentos em numerário que o acionista A... realizou da conta bancária da sociedade I... SA, no total de € 6.000,00 (…) foram totalmente ocultados da sociedade I... SA, não havendo qualquer justificação para o efeito, pelo que estes valores só podem ter sido utilizados, única e exclusivamente, para proveito próprio do accionista A.... A par destes levantamentos, referiu ainda o Dr. J... que o comportamento do acionista A... foi tanto mais grave quanto, após a sua renúncia como Administrador da sociedade I... S.A., o accionista A... ainda manteve na sede da sociedade, um gabinete, onde por vezes se deslocava, mas que a partir de 16 de Outubro de 2013 deixou de aparecer sem dar qualquer explicação, tendo inclusivamente levado consigo todos os pertences e outros da sociedade sem qualquer aviso.

Pelos motivos expostos, concluiu então o Dr. J..., que os factos acabados de relatar, no seu entendimento, violaram fortemente a confiança que existia e que deve existir entre um acionista e a Sociedade (…) pelo que propõe a amortização das ações pertencentes a este acionista, nos termos do que se encontra previsto no artigo 6.º, n.º 1, al. e) dos Estatutos da Sociedade.

O representante da accionista Intergrau Capital, SA, Dr. J... questionou o Dr. J... sobre se o Acionista A... tinha dado alguma justificação para o seu comportamento ou se, ao menos tinha dado a conhecer os tais levantamentos, ainda que informalmente, ao Dr. J..., ao que este respondeu que não, pois desde que o Acionista A... tinha abandonado o gabinete que utilizava na Sociedade, não mais tinha conseguido falar com ele e que apenas teve conhecimento dos levantamentos porque o Banco o alertou para os levantamentos “anormais” que estavam a ser feitos e que esgotaram o plafond de crédito associado ao cartão.

O Dr. J... referiu, ainda, que o comportamento do accionista A... afetou gravemente os Interesses da Sociedade, o seu crédito e bom nome, na medida em que essa ausência e a impossibilidade de o contactar, tem provocado junto das Instituições Bancárias com as quais a sociedade tem contratos e obrigações, prejuízos avultados resultantes das situações de incumprimento resultantes da falta de renovação dos contratos de crédito, devido ao facto de o accionista A... se recusar a assinar na qualidade de avalista. (…) A ausência e a atitude do accionista A..., impossibilitou a sociedade de renovar com o Banco Espírito Santo uma livrança actualmente no montante de € 40.000,00 (…) ao ponto da sociedade entrar na lista’ de incumpridores do Banco de Portugal, como também a emissão de novas garantias bancárias para libertação de retenções de clientes, restringindo assim a tesouraria da empresa.

Essa ausência impossibilitou, também, a renovação do contrato de empréstimo que a sociedade tem para com a Caixa Geral de Depósitos, encontrando-se já o processo no Departamento de Contencioso da referida instituição, o que acarreta o imediato vencimento de todas as obrigações. Além disso, bloqueou o acesso da sociedade a outras formas de financiamento, causando sérios prejuízos ao desenvolvimento do objecto social da sociedade, pondo em causa a sobrevivência da mesma”.

B)E vem dado como não provado:
a)-O Autor estava autorizado a utilizar o cartão de crédito que lhe foi disponibilizado até ao respectivo limite imposto pelo plafond, tendo a Administração da Ré, conhecimento e autorizado os referidos levantamentos.

C)Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Pretende o apelante que seja dado como não provada a matéria constante dos pontos 11, 12 e 25 e como provada a matéria constante da alínea a).

Apreciando.

C)1.-Nos pontos 11 e 12 vem dado como provado:
«11.-O cartão de crédito destinava-se ao pagamento de despesas de representação que o Autor tivesse necessidade de incorrer em nome da Ré.».
«12.-O cartão de crédito era utilizado pelo Autor para fazer face a despesas de representação da sociedade, nomeadamente, despesas com combustível do veículo automóvel e refeições na sequência de contactos com clientes e potenciais clientes da sociedade que o Autor mantinha por sua iniciativa.».

Sustenta o apelante que dos extractos do cartão de crédito nº 2794944 referentes aos anos de 2007 a 2013, utilizado pelo administrador da apelada, J..., decorre que os cartões de crédito disponibilizados por aquela, nomeadamente ao apelante, não se destinavam unicamente ao pagamento de despesas de representação, mas também para despesas pessoais, e que a similitude das regras de utilização para o apelante, resulta demonstrada pelas contradições e hesitações no depoimento da testemunha C... e nas declarações de parte daquele legal representante da apelada e nas contradições entre o que por ambos foi dito.

Com pertinência para a decisão desta questão importa lembrar que na petição inicial, alegou o apelante:
«20.-(…) mesmo depois de aposentado, o autor continuou a dirigir-se diariamente às instalações das Sociedades Comerciais aqui em questão, a fim de prestar toda a colaboração (...)»;
«21.-Mais, fê-lo sem receber, para o efeito, qualquer retribuição ou contrapartida das sociedades comerciais aqui em questão, a não ser o pagamento esporádico do combustível para a sua viatura.»;
«22.-Assim, o Autor continuou a utilizar, conforme previamente combinado com a administração das Sociedades Comerciais aqui em questão, a mesma sala que sempre utilizou e a continuar a dispor de um cartão de crédito com o número (…) com um plafond autorizado de, salvo erro, € 6.000,00 (seis mil euros) mensais (…)»;
«23.-Tal aconteceu até ao dia 16 de Outubro de 2013, data em que o Autor, (…) decidiu retirar apenas os seus bens pessoais do gabinete que utilizava na sede das Sociedades (…) deixando de frequentar com a regularidade que era habitual as instalações daquelas.»;
«43.-(…) viu-se acusado de prejudicar seriamente os interesses patrimoniais das sociedades aqui em questão quando, na verdade, se limitou a utilizar um cartão de crédito cuja utilização havia sido autorizada (…)»;
«45.-Veja-se ainda que sabendo a administração destas sociedades, que o Autor e o seu agregado familiar sobrevivem da reforma do primeiro, (…)»;
«65.-De facto, caberá perguntar como pode um accionista ser acusado de lesar os interesses da Sociedade Comercial aqui em questão quando, em abstracto, se limitou a usou um cartão de crédito por esta cedido, dentro dos limite por ela pré-estabelecido e se reservou ao direito de deixar de estar diariamente na sede da Ré, da qual não recebe qualquer remuneração desde a altura em que se reformou, apesar de se ter mantido sempre contactável para o que se mostrasse necessário?»;
«67.-Veja-se que a Administração - in casu, da I... SA, mas revelando, obviamente, o entendimento da Administração da I... SA -, na carta dirigida ao Autor e datada de 16/12/2013, explica que se pode perceber a gravidade da sua conduta pelo facto de, entre 31/11/2011 a Agosto de 2013, aquele apenas ter despendido com a utilização deste cartão a quantia de € 3.115,69 € (…)»;
«68.-Quando muito, tal facto prova que o Autor sempre foi diligente na utilização de fundos da Sociedade Comercial I... SA e que, pelo mesmo motivo, não existiria qualquer razão para que os levantamentos aqui em questão fossem feitos de forma abusiva e sem autorização.».

Assim, admitiu o apelante na petição inicial, que depois de se aposentar continuou a colaborar com a apelada, mas sem remuneração, vivendo, ele e o seu agregado familiar, da sua pensão de reforma e utilizando o cartão de crédito que lhe tinha sido disponibilizado pela apelada, unicamente para pagamentos directos de despesas de combustível e refeições.

Também se impõe sublinhar que o apelante não impugnou o ponto 14 dos factos dados com provados, onde consta: «Até Setembro de 2013 o Autor nunca tinha efectuado quaisquer levantamentos em dinheiro com o referido cartão, nem tinha utilizado o cartão a não ser para pagamentos directos de despesas de combustível e refeições.».

Portanto, e sendo certo que ouvidas as declarações de parte do legal representante da apelada e o depoimento da testemunha C..., nenhuma destas pessoas disse que o apelante foi autorizado, depois de aposentado, a utilizar o cartão para gastos pessoais, designadamente a título de remuneração e visto que o apelante não indica qualquer outro depoimento que vá no sentido de estar autorizado para utilizar o cartão para estes fins, designadamente fazendo levantamentos em dinheiro, e os documentos intitulados «Extracto de Conta Cartão» juntos a fls. 375 a 404 respeitam aos cartões - e não um cartão como referido pelo apelante - atribuídos ao administrador J..., deve manter-se a matéria dada como provada nos pontos 12 e 13, improcedendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nesta parte.

No que respeita à matéria dada como não provada, sob alínea a) «O Autor estava autorizado a utilizar o cartão de crédito que lhe foi disponibilizado até ao respectivo limite imposto pelo plafond, tendo a Administração da Ré, conhecimento e autorizado os referidos levantamentos.», cabe dizer que, face ao provado em 10. não pode, por evidente contradição, manter-se a primeira parte, ou seja, desde «O Autor» até «plafond».Mas nenhuma prova foi produzida, por documentos, declarações de parte ou por testemunhas, no sentido de que a Administração da Ré teve conhecimento e autorizou os levantamentos mencionados em 15., 16., e 17. Aliás, está provado em 17., e não é impugnado neste recurso, que a apelada teve conhecimento dos levantamentos em Outubro de 2014 na sequência de contacto do gerente da agência bancária.

Nesta conformidade, procedendo parcialmente a impugnação quanto a essa alínea a), altera-se a sua redacção, passando a constar:
«Com interesse para a decisão da causa não se provou que:
a)-A Administração da Ré teve conhecimento e autorizou os levantamentos referidos nos pontos 15, 16 e 17.».

C)2.-No ponto 25 vem dado como provado:

«Os accionistas presentes anuíram que a informação preparatória ficasse disponível para consulta na sede da sociedade a partir da segunda-feira seguinte, dia 20.01.2014.».

Sustenta o apelante que o legal representante da apelada, em declarações de parte, e a testemunha C..., inventaram o acordo dos accionistas de forma a fundamentar o não envio da informação por ele pedida e que, ouvindo a prova gravada «só a muito custo e com enormes reservas mentais estes confirmam este suposto acordo, embora com enormes dificuldades em definir em que termos tal teve lugar (…)», e que em nenhum momento anterior foi apresentada «esta “desculpa/versão” para não ter remetido por correio ao Recorrente, as informações inerentes à Assembleia Geral aqui em questão conforme este havia solicitado».

Vejamos.

Está provado que o apelante solicitou que lhe fossem prestadas por escrito, via postal, informações preparatórias da Assembleia Geral (pontos 21 e 22).

Ouvindo as declarações de parte do legal representante da apelada e o depoimento da testemunha C..., não se nos afigura que mereçam reservas quanto à sua credibilidade.

Por outro lado, não mereceu impugnação pelo apelante a factualidade constante dos pontos 26, 27, 28 e 29 e 30, estando assente, portanto: que no dia 20/01/2014, a apelada colocou à disposição dos accionistas, para consulta na sede da sociedade toda a informação preparatória; que até ao dia 18/02/2014 nenhum sócio se dirigiu à sede da sociedade para consultar essa informação ou dirigiu qualquer pedido à Administração referente à documentação; que no dia 04/02/2014 a Assembleia foi adiada por acordo dos presentes para o dia 18/02/2014; que as informações preparatórias foram entregues aos accionistas no dia da realização da Assembleia de 18/02 e que nesta foram aprovadas as deliberações com o voto contra do apelante, não constando da Acta respectiva que este se tenha insurgido contra a realização da Assembleia com fundamento na falta de entrega por via postal, daquelas informações. Da conjugação de todo este circunstancialismo, não se afigura pois, que a 1ª instância tenha incorrido em erro na apreciação da prova, improcedendo a impugnação da decisão quanto ao ponto 25 da matéria de facto.

D)O Direito.
Sustenta o apelante que se verifica o vício de anulabilidade das deliberações pelas quais viu serem-lhe amortizadas as acções de que era titular na apelada, por falta de fundamento para a amortização e por ter sido violado o disposto no art. 58º nº 1 al c) e nº 4 al. b) e no art. 289º nº 3 al. a) do Código das Sociedades Comerciais.

Apreciando.
D)1.-Da alegada falta de fundamento para a amortização das acções de que o apelante era titular.
Na Assembleia Geral Extraordinária realizada em 18/02/2014 foi aprovada, com o voto contra do apelante, a deliberação de amortizar as 16.500 acções da titularidade do apelante, nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 6º dos Estatutos Sociais.
Nessa disposição do contrato de sociedade prevê-se que à sociedade assiste o direito de amortizar as acções «Quando o titular das acções lesar, por actos ou omissões, os interesses da sociedade, nomeadamente (…)».

E o art. 347º do CSC determina:
«1.-O contrato de sociedade pode impor ou permitir que, em certos caos e sem consentimento dos seus titulares, sejam amortizadas acções.
2.-A amortização de acções nos termos deste artigo implica sempre a redução do capital da sociedade, extinguindo-se as acções amortizadas na data da redução do capital.
3.-Os factos que imponham ou permitam a amortização devem ser concretamente definidos no contrato de sociedade.
(…)».
Para fundamentar a sua pretensão veio o apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto , concluindo que ficou demonstrado que as regras de utilização dos cartões de crédito eram similares para si e para o administrador J..., nos termos das quais, o cartão de crédito era utilizado não só para despesas de representação na sequência de contactos com clientes ou com potenciais clientes, mas também e sobretudo, para despesas pessoais. Porém, a matéria de facto não foi alterada de molde a poder extrair-se tal conclusão. Aliás, na petição inicial o apelante não alegou que depois de se ter aposentado lhe foi permitido fazer utilização do cartão para fins pessoais, nomeadamente procedendo a levantamentos para esse efeitos. Na verdade, o apelante invocou nesse articulado que ele e o seu agregado familiar sobrevivem da sua pensão de reforma e que depois de passar à aposentação continuou a colaborar com a apelante sem receber qualquer retribuição ou contrapartida da apelada. Acresce que está provado que até Setembro de 2013 o apelante nunca tinha efectuado levantamentos em dinheiro com o cartão, nem o tinha utilizado a não ser para pagamentos directos de despesas de combustível e refeições, que os levantamentos não foram comunicados à administração da apelante e que não foram apresentados quaisquer comprovativos de despesas realizadas por referência aos montantes levantados.
Ora, como àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342º nº 1 do Código Civil), competia ao apelante provar que depois de estar aposentado lhe assistia o direito de usar o cartão de crédito sem dar qualquer justificação, designadamente em levantamentos de dinheiro e pagamento de despesas para fins pessoais, prova essa que não fez.
Repare-se que para uma pessoa que alega ter sido sempre diligente na utilização de fundos da sociedade (art. 68 da p.i.), não se vê como enquadrar numa conduta dedicada e em prol da saúde económico-financeira da apelada, os levantamentos de quantias perfazendo 6.000 €, sem qualquer explicação, entre os dias 25/09/2013 e 09/10/2013.
É evidente, assim, a improcedência deste fundamento da apelação.

D)2.-Da alegada invalidade das deliberações por violação o disposto no art. 58º nº 1 al c) e nº 4 al. b) e no art. 289º nº 3 al. a) do Código das Sociedades Comerciais.

O art. 58.º prescreve:

«1São anuláveis as deliberações que:
a)-Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade;
b)-Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c)-Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
2Quando as estipulações contratuais se limitarem a reproduzir preceitos legais, são estes considerados directamente violados, para os efeitos deste artigo e do artigo 56.º
3Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.
4Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação:
a)-As menções exigidas pelo artigo 377.º, n.º 8;
b)-A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.».

O nº 8 do art. 377º prevê:
«8O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.».

E o art. 289º determina:
«1Durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral, devem ser facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade:
a)-Os nomes completos dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização, bem como da mesa da assembleia geral;
b)-A indicação de outras sociedades em que os membros dos órgãos sociais exerçam cargos sociais, com excepção das sociedades de profissionais;
c)-As propostas de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão de administração, bem como os relatórios ou justificação que as devam acompanhar;
d)-Quando estiver incluída na ordem do dia a eleição de membros dos órgãos sociais, os nomes das pessoas a propor, as suas qualificações profissionais, a indicação das actividades profissionais exercidas nos últimos cinco anos, designadamente no que respeita a funções exercidas noutras empresas ou na própria sociedade, e do número de acções da sociedade de que são titulares;
e)-Quando se trate da assembleia geral anual prevista no n.º 1 do artigo 376.º, o relatório de gestão, as contas do exercício, demais documentos de prestação de contas, incluindo a certificação legal das contas e o parecer do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, conforme o caso, e ainda o relatório anual do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão e da comissão para as matérias financeiras.
2Devem igualmente ser facultados à consulta dos accionistas, na sede da sociedade, os requerimentos de inclusão de assuntos na ordem do dia, previstos no artigo 378.º
3Os documentos previstos nos números anteriores devem ser enviados, no prazo de oito dias:
a)-Através de carta, aos titulares de acções correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social, que o requeiram;
b)-Através de correio electrónico, aos titulares de acções que o requeiram, se a sociedade não os divulgar no respectivo sítio na Internet.
4Se a sociedade tiver sítio na Internet, os documentos previstos nos n.os 1 e 2 devem também aí estar disponíveis, a partir da mesma data e durante um ano, no caso do previsto nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 e no n.º 2, e permanentemente, nos demais casos, salvo se tal for proibido pelos estatutos.».

Mas importa esclarecer que se a falta de informação não tiver qualquer relevo para a tomada da deliberação, tal omissão não será causa de anulabilidade (v. Abílio Neto, citando Paulo Olavo Cunha, in Código das Sociedades Comerciais, Jurisprudência e Doutrina, 4ª ed, pág. 212: «Sempre que forem injustificadamente recusados ou sonegados elementos de informação, isto é, sempre que o dever de informação não for exercido com correcção, serão anuláveis as deliberações que, de algum modo se basearem nesses elementos.»).

Ora, o apelante não alega que as informações solicitadas na carta datada de 14/01/2014 fossem necessárias para a votação da deliberação de amortização das suas acções e, com efeito, nenhum dos documentos em causa (v. ponto 22 da matéria de facto) seria esclarecedor sobre a sua utilização do cartão de crédito em levantamentos de dinheiro e pagamentos directos de despesas pessoais, pois, como aceita na alegação recursiva - visto que não impugna essa factualidade-, até Setembro de 2013 nunca tinha efectuado quaisquer levantamentos em dinheiro com esse cartão nem o tinha utilizado a não ser para pagamentos directos de despesas de combustível, além de que não alegou na petição inicial nem agora que alguma vez a sociedade apelada tenha determinado por escrito que poderia fazer tais utilizações.

Ainda assim, diremos que dos factos fixados nos pontos 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 decorre que o apelante aceitou que a informação preparatória lhe fosse disponibilizada na sede da sociedade e que também no dia da realização da assembleia aceitou, sem qualquer objecção, que lhe fosse entregue essa documentação.

Por quanto se disse, improcede também este fundamento da apelação.

IVDecisão.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, sem prejuízo da protecção jurídica de que seja beneficiário.



Lisboa, 28 de Setembro de 2017



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos       
Eduardo Petersen Silva
Decisão Texto Integral: