Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
666/21.8TELSB-A.L1-9
Relator: RAQUEL LIMA
Descritores: CARTA ROGATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: No âmbito da carta rogatória em que foi solicitado o imediato levantamento de arrestos anteriormente decretados, não tem qualquer suporte legal protelar o cumprimento da carta pedido pelo País remetente,  conjecturando uma futura decisão e acautelando uma dissipação do património que, no entender do País rogado, não foi bem acautelado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
A, B, e C, vieram interpor recurso dos despachos proferidos pelo Mmº Juiz de Instrução que, na sequência das promoções do Ministério Público, deferiu por 30 dias ( por duas vezes) a tomada de decisão relativamente ao requerimento efectuado por E.
Para tanto apresentaram a seguinte motivação a que se seguiram as CONCLUSÕES:
As autoridades brasileiras — através de carta rogatória emitida pela Procuradoria da República do Paraná, no âmbito do caso Lava Jato, a que corresponde a acção penal n.° ..., que correu termos no Juízo da 13.' Vara Federal de Curitiba, Paraná, Brasil, contra, entre outros, D  — requereram às autoridades portuguesas a apreensão de bens do referido D, marido do ora Recorrente A.               
Tal carta rogatória deu origem ao processo n.º .../19,3TELSB, que corre termos no DCIAP.
Nesse processo, foi, pelas autoridades portuguesas, abusivamente alargado o âmbito da carta rogatória, de forma a proceder à apreensão de bens dos ora Recorrentes; mas, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/02/2021, foi declarada a nulidade do despacho do Senhor Juiz de Instrução que autorizara tais apreensões — cfr. doc. 1.
 Entretanto, como consta de fls. 2 e ss. destes autos, na sequência do pedido formulado pelo Ministério Público de Portugal, o Ministério Público Federal do Brasil, em 3 de Dezembro de 2021, comunicou o alargamento do âmbito da carta rogatória que visava D , a que se reportam os autos n.° .../19.3TELSB, aos ora Recorrentes.
Foi ao abrigo desse pedido de alargamento que, em 16/02/2022 e 23/02/2022, foram proferidos despachos pela Senhora Procuradora da República determinando urna nova apreensão dos bens dos ora Recorrentes, o que, quanto ao saldo das contas bancárias, foi sancionado pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, por despacho de 03/3/2022, a fls. 618.
Tais apreensões só foram comunicadas aos ora Recorrentes em 05/07/2022 (dilação estranha e inusitada).
Porém, em 04/05/2022, foi proferida decisão pela justiça brasileira, no sentido de revogar as medidas cautelares impostas a D  e a outras pessoas alegadamente a ele ligadas, tendo sido encarregado o Ministério Público Federal de comunicar às autoridades de Portugal que se deviam considerar revogadas todas as constrições patrimoniais que foram executadas em Portugal a D , bem corno, entre outros, aos ora Recorrentes.
Isso mesmo foi comunicado pelos Recorrentes a estes autos em 09/06/2022, em requerimento em que se explicaram os termos em que se tomou conhecimento desta pendência.
Tal decisão da justiça brasileira já fora comunicada ao Ministério Público Português em 06/06/2022, como consta do despacho da Senhora Procuradora da República de fls. 733 e ss.,
Ou seja, desde 06/06/2022, que o Ministério Público português sabe que foram revogados os pedidos formulados pelas autoridades brasileiras relativamente às constrições patrimoniais relativas aos ora Recorrentes, solicitadas no âmbito da carta rogatória que inicialmente visava D , tendo sido depois alargada aos ora Recorrentes.
Todavia, nesse despacho de fls. 733, a Senhora Procuradora da República promoveu junto do Senhor Juiz de Instrução Criminal que por ora não se procedesse ao levantamento das apreensões efectuadas ao abrigo da presente carta rogatória, porque caberia ainda à Justiça Eleitoral do Brasil decidir sobre nova e eventual constrição patrimonial relativa aos ora Recorrentes.
 Promoveu a Senhora Procuradora da República que os autos aguardassem por 30 dias, o que foi deferido pelo primeiro dos despachos ora recorridos, ou seja, o despacho de fls. 736, datado de 07/06/2022.
 Expirado esse prazo, a Senhora Procuradora da República renovou o pedido de que os autos continuem a aguardar por mais 30 dias pela comunicação que venha a ser feita pela Justiça Eleitoral do Brasil, o que de novo foi deferido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, por despacho de 12/07/2022, ora também recorrido —cfr. fls. 802.
Os Recorrentes só tomaram conhecimento do processado supra referido por consulta que os seus mandatários fizeram aos autos no passado dia 18 de Julho de 2022, nas instalações do DCIAP.
As medidas cautelares em causa foram determinadas no âmbito da presente carta rogatória, emitida ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da AR n.° 46/2008, de 12/09, mais concretamente ao abrigo dos arts. 4.' e 16.° dessa Convenção.
Nesse âmbito, só podem ser adoptadas as medidas requeridas no pedido de auxílio formulado pelo Estado requerente.
Ora, in casu, o Estado requerente já comunicou às autoridades portuguesas o seu pedido de revogação de todas as medidas cautelares de constrição patrimonial que visavam os ora Recorrentes.
O Estado requerente não pediu que as medidas cautelares se mantivessem até que fosse proferida qualquer eventual decisão pela Justiça Eleitoral brasileira ou por qualquer outra autoridade brasileira.
O Brasil pediu que as medidas cautelares de que foram objecto os Recorrentes fossem cessadas. Ponto final. Não requereu mais nada.
O Ministério Público e o Tribunal de Instrução Criminal reincidem em manter medidas cautelares ao abrigo de uma carta rogatória em que o Estado requerente já solicitou ao Estado requerido precisamente o contrário.
Pelo exposto, e tal como já fora decidido pelo acórdão da Relação de Lisboa de 25/02/2021 relativamente à situação supra descrita, é manifesto que os despachos ora recorridos não têm sustentação legal.
As decisões proferidas pelas autoridades judiciárias portuguesas no sentido de manter as apreensões efectuadas, depois de o Estado requerente ter comunicado o seu pedido de revogação, consubstanciam a prática de actos não permitidos, para os quais não tinham sequer competência, o que se traduz numa nulidade insanável, prevista nas ais. d) e e) do art. 119.° do CPP, a qual se deixa arguida.     
A ilegalidade da manutenção das apreensões é particularmente grave, raiando mesmo uma verdadeira situação de abuso de poder (o que obviamente se aprecia no quadro de urna avaliação estritamente objectiva).
Termos em que o presente recurso deve ter provimento, com as legais consequências, revogando-se os despachos recorridos e declarando-se a nulidade insanável da manutenção das apreensões efectuadas, as quais devem ser imediatamente revogadas.           
A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu: 
Questão Prévia:
A) Da irrecorribilidade dos despachos:
O princípio geral, estabelecido no art.° 399.° do C. de Processo penal, é que "é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.".
A irrecorribilidade das decisões judiciais em matéria penal resulta sempre de disposição excludente da lei.
O artigo 400º n.1, alínea a) do C. de Processo penal estabelece excepções ao princípio geral da recorribilidade dos acórdãos, sentenças e despachos judiciais, ao consagrar que:
"Não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, excepto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coacção ou de garantia patrimonial, quando em 1.9 instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.9; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, excepto no caso de decisão condenatória em 1.° instância em pena de prisão superior a 5 anos; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1.9 instância; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.° instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; g) Nos demais casos previstos na lei.".
Ora, no caso concreto, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão alicerçando-se na circunstância de, no âmbito da Carta rogatória n.º .../19.3TELSB, ter-se solicitado informação às Autoridades Judiciárias brasileiras, no sentido de aferir se a decisão relativa à revogação das medidas de apreensão proferida na acção penal n.º ..., detém carácter definitivo ou se, antes, se aguarda que a Justiça Eleitoral (para onde terá sido remetido o processo) irá ainda decidir sobre a eventual manutenção das apreensões solicitadas e já efectuadas pela Autoridade Judiciária requerida.
Ora, a motivação pela qual se determinou que aguardassem os autos por 30 dias, entretanto renovados por igual período, é distinta, da invocada pelos recorrentes que alegam que, por via de tais despachos impugnados, o Tribunal a quo decidiu de forma definitiva não determinar o levantamento das apreensões efectuadas pela Autoridade Judiciária requerida.
Assim, importa frisar que, compulsado o teor dos despachos recorridos, facilmente se conclui que se tratam de despachos de mero expediente, porquanto os mesmos não encerram em si mesmo uma decisão de "mérito", já que, não se debruçam acerca da substância do direito reclamado pelos aqui recorrentes.
Neste sentido, veja-se a jurisprudência no sentido de que:
"1 - Despacho de mero expediente é "aquele que se destina a (1) prover ao andamento regular do processo (2) sem interferir no conflito de interesses entre as partes" (n. 4 do art 156 do Código Processo Civil) ou, no corrente entendimento jurisprudencial, aquele que, proferido pelo juiz, não decide qualquer questão de forma ou de fundo, e se destina principalmente a regular a andamento do processo.
— O despacho de mero expediente tem uma finalidade - prover ao andamento regular do processo - e um pressuposto - sem interferir no conflito de interesses entre as partes.
 O despacho que, a pretexto de dar andamento ao processo, o faz de forma não regular, não preenche tal conceito; neste caso, o despacho não é de mero expediente pois que o juiz não actua de forma livre mas no cumprimento de uma actuação vinculada que se traduz na obrigação de ter de dar andamento ao processo no estrito cumprimento das "regras" processuais .
Face ao exposto, e escusando-nos de tecer, por ora, outras considerações a este propósito, os despachos recorridos tratam-se de meros despachos de expediente
Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21-01-2014, proferido no âmbito do processo n.º 12/12.1TXPRT-J.P1, disponível em www.dgsi.pt  e, por esse motivo, não são recorríveis, atento o disposto no art.° 400º, nº 2 1, al a) do C. de Processo Penal.
B) Da ilegitimidade para recorrer:
O artigo 401º nº 1 do C. de Processo penal estabelece quem pode recorrer, estipulando que:
"Têm legitimidade para recorrer: a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido; b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas; c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas; d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão.".
Compulsada a peça processual a que ora se responde, resulta que o arguido/recorrente A e as recorrentes "B" e "C", impugnam os doutos despachos do Mmo. Juiz de Instrução Criminal, de fls. 736 - datado de 7/06/2022 e de fls. 802 ¬datado de 12/07/2022, que decidiram no sentido de que aguardassem os autos por 30 dias, informação das Autoridades Judiciárias brasileiras no sentido de aferir se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça brasileiro, datada de 28 de Abril de 2022, referente à acção penal n.° ... e no que concerne à revogação das medidas de apreensão é definitiva, ou antes, se a Justiça Eleitoral brasileira (para onde foi remetido o processo) irá decidir sobre a eventual manutenção das apreensões solicitadas e já efectuadas.
Assim, por requerimentos dirigidos a estes autos, a fls. 640 e ss e fls. 674 e ss, veio a interessada E juntar aos autos cópia de decisões proferidas pelas Autoridades Judiciárias brasileiras, no âmbito da acção penal que ali corre termos contra o arguido D  com o nº ... e requerer a "imediata revogação (ou, sem prescindir, a imediata suspensão até cumprimento, pelo MP brasileiro, da obrigação de comunicar às autoridades portuguesas a revogação da(s) Carta(s) Rogatoria(s) que expediu) de todas as diligências e medidas de apreensão/bloqueio que foram determinadas e executadas nestes autos", alegando para tal e em síntese que:
- "no passado dia 28/Abril/2022 o Supremo Tribunal Federal Brasileiro, pela pessoa do ai Ministro (o equivalente a um Juiz Conselheiro do nosso Supremo Tribunal de Justiça), Ricardo Lewandowski, concedeu habeas corpus ao ora Requerente, D , declarando a incompetência da 13º Vara Federal de Curitiba/PR para processo e julgamento da Acção Penal ..., mais determinando a sua remessa a Justiça Eleitoral (Brasileira), a qual decidira sobre o aproveitamento dos actos instrutórios já praticados, ficando, contudo, anulados, desde logo, os actos decisórios praticados na referida acção de Curitiba (...), assim como de tal decisão resulta a invalidade de todas as decisões e bloqueios determinados nesses autos de Curitiba.".
Na sequência de tais requerimentos e na esteira do entendimento então sufragado pelo Ministério Público, veio o M mo. Juiz de Instrução Criminal, a proferir os despachos:
- De fls. 736, datado de 07/06/2022, que comporta o seguinte teor:
"Atento o consignado a fls. 695 v., ponto 2.2, aguardem os autos por 30 dias como promovido a fls. 734.
Decorrido esse prazo, os autos deverão ser-me distribuídos paro decisão sobre o requerido. (..)"  e
- De fls. 802, datado de 12.07.2022:
"(...) renovo o despacho de fls. 736, pelo prazo de 30 (trinta) dias.".
Ora, no que concerne ao recurso interposto pelo arguido/recorrente A e pelas recorrentes "B" e "C" do douto despacho judicial de fls. 736 (datado de 7/06/2022), entende o Ministério Público que os ora Recorrentes carecem de legitimidade para recorrer, uma vez que o mesmo se pronuncia e decide acerca de requerimento apresentado pela interessada E, relativamente a bens a esta formalmente pertencentes, não sendo portanto os mesmos, alegadamente, afectados por aquela decisão, não se verificando, assim, nenhuma da circunstâncias previstas no art. 401 nº2 do C. de Processo Penal.
Face ao exposto, deverá o presente recurso ser indeferido liminarmente.
Não obstante, sempre se dirá que apenas por razões de mera cautela jurídica, se prossegue respondendo ao presente recurso:
A presente carta rogatória teve origem num pedido das Autoridades Judiciárias brasileiras, solicitando a apreensão de bens pertencentes a A, E, bem como às sociedades comerciais B(constituída por A) e C (de que A é sócio majoritário).
Os factos em causa encontram-se relacionados com a carta rogatória n .../19.3TELSB, na qual, ao abrigo da Ação Penal n.º ..., bem como da medida assecutória de arresto e sequestro com o nº ..., foi decidido pelas Autoridades Judiciárias brasileiras que D  é responsável pela reparação mínima de danos no valor de R$151.030.439,94 e por pena de multa no valor de R$5 milhões, num total  (arredondado nessa sentença) de R$156 milhões (€27.315.600,00), solicitando as Autoridades Brasileiras na presente Carta Rogatória a apreensão dos bens daqueles, identicados na CR .../19.3TELSB.
D  encontra-se ali acusado da prática dos seguintes crimes previstos:
- No art.42 e 52 da Lei n.º 7.492 de 16 de Junho de 1986 (Gerir Fraudulentamente Instituição Financeira/ Apropriar-se de dinheiro, valor ou bem móvel que tem a posse ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio) e punido com pena de prisão de 3 a 12/ 2 a 6 anos;
- No art.12 da Lei 9.613 de 3 de Março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro) e punido com pena de prisão de 3 a 10 anos;
- Na Lei n.2 12.850 de 2 de Agosto de 2013 e punido com pena superior a 8 anos.
Tais ilícitos encontram-se previstos na ordem jurídica portuguesa nos tipos legais dos arts.2352 (administração danosa), 3672 (participação económica em negócio), 3752 (peculato), 2662 (associação criminosa) e 3682A (branqueamento) do Código Penal.
Nos mesmos autos, por se ter considerado estarem verificados os requisitos fummus commissi delicti e periculum in mora e para garantia da plena efectividade da perda de bens de origem ilícita, na inexistência ou não localização desses bens ou por se encontrarem no exterior, bem como para reparação do dano e pagamento de demais sanções pecuniárias eventualmente impostas nessa acção penal, foi judicialmente decretado o arresto e sequestro de bens localizados no exterior no valor de R$ 156 milhões (€ 27.315.600,00), registados a favor de D  e da sociedade comercial ... Empreendimentos, Unipessoal Lda, o que foi efectivado.
Na presente carta rogatória refere-se que em sede de diligências investigatórias levadas a cabo em Portugal pelo Ministério Público no âmbito da carta rogatória supra identificada e de cujo resultado foi dado conhecimento àquelas Autoridades Judiciárias, foi possível apurar que o ali acusado D  transferiu património de origem supostamente ilícita para seu cônjuge, A, para sua mãe, E, bem como para as empresas B (pessoa jurídica constituída por A) e C (de que são sócios A e a empresa B).
A transferência de património ter-se-ia iniciado em 2015, com maior número de operações nos anos de 2018 e 2019.
Em síntese, refere-se na decisão judicial ora remetida os seguintes factos, ocorridos a partir de 2008 e objecto da acção penal ...:
- D , no exercício do cargo de Director de Investimento da F, foi responsável pela celebração do Protocolo de Intenções entre a ... e a PETROBRÁS referente à contratação e construção da nova sede da PETROBRAS na Bahia, denominada "Conjunto Pituba", assim como firmou os contratos da ... com as projectistas AFA e Chibasa.
- Foi durante a sua gestão como Presidente da ... que foi celebrado o contrato de construção da Torre Pituba com a SPE EDIFICAÇÕES ITAIGARA.
- Há elementos sólidos a apontar que D  recebeu significativos valores de vantagens indevidas tendo como causa a sua actuação no empreendimento da Torre Pituba.
- Existem também elementos indicativos de que ele recebeu expressivas quantias em contas bancárias mantidas no exterior, em nome de "offshores"; uma parte desse valor teria sido transferido pelo acusado para Portugal, transcrevendo a decisão ora remetida um trecho daquela:
"A respeito, foi identificado que a OAS realizou a seu favor o pagamento de R$2.907.560,00 em espécie, mais o importe de US$1.852.000,00 (equivalente a R$3.620.660,00) mediante transferências dissimuladas para conta mantida em Andorra pela offshore … lnvestment Group Inc por ele controlada e omitida das autoridades brasileiras.
O recebimento de vantagens indevidas, em ambas as modalidades (depósitos em conta da offshore … e entregas em espécie), foi operacionalizado por F, publicitário do Partido G, que teve, nas entregas em espécie, o auxílio de H.
Efectivamente, conforme certificado pelas autoridades andorranas, no bojo da cooperação jurídica internacional, para a conta da offshore … Investment Group foram efetuadas 8 transferências provenientes das offshores Palmview Management Co Ltd e Well Point International Limited Ad, utilizadas pela Área de Projetos Estruturados da OAS, totalizando US$ 1.852.000,00. Todos esses depósitos, em cognição sumária, são relativos às vantagens indevidas pagas pela OAS como contrapartida pela actuação de D nas contratações celebradas pela ... no bojo do empreendimento da Torre Pituba.
Há também elementos indicando que, a partir da conta da offshore … Investment, D transferiu o importe de US$ 102.500,00 para a conta da offshore ..., do investigado H.
Apurado que logo após a celebração do contrato de construção da obra Torre Pituba, em épocas bastante próximas - 21/09/2011 e 11/04/2012 - D e H constituíram as empresas offshore … Investment Group Inc e ... S/A, respectivamente, no Panamá, por meio das quais foram abertas contas na mesma instituição (Andbank), ambas em Andorra, indicativo do concerto criminoso entre ambos.
Conforme as autoridades andorranas, em 21 de Julho de 2017, a conta da … Investment possuía saldo remanescente no montante expressivo (não declarado) de US$ 5.608.617,34, que actualmente se encontra bloqueado, mas recebera, entre Dezembro de 2011 e Setembro de 2014, depósitos no total de US$ 11.463.721,00 e EUR 190.220,13, cuja origem ainda não foi totalmente identificada.
Segundo as autoridades andorranas, antes do bloqueio efectuado, haviam partido da conta da … Investment transferências de US$ 6.614.500,00, dos quais US$ 6.500.126,80 foram destinados para conta mantida por D no Andbank Luxembourg (conta LU…) demonstrando, sem qualquer dúvida, o interesse de D de ocultar das autoridades brasileiras os valores que obteve ilicitamente e que mantém de modo clandestino no exterior. Ademais, há indicativos de que D empregou parte desses recursos na aquisição de dois imóveis, em 18 de Janeiro de 2013, ambos em Portugal: (a) imóvel denominado ..., localizado em …, na Freguesia de Alcabideche, Concelho de Cascais, pelo valor de EUR 1.600.000,00, e (b) imóvel urbano, localizado na …, na Freguesia de São José, Conselho de Lisboa, pelo valor de EUR 345. 000, 00.
Somado a isto, D apresentou à Receita Federal declaração de saída definitiva do país em 08/07/2015, tendo posteriormente reingressado em território nacional apenas duas vezes no ano de 2016, ostentando também a nacionalidade portuguesa.
A prática de actos de lavagem de dinheiro é evidente no caso, envolvendo montantes substanciais, tendo-se valido do operador financeiro F, bem como de seu emissário J e dos responsáveis pelo sector de propinas da UAS para ocultar seus ganhos criminosos. Ademais, além de ter aberto e mantido conta não declarada no exterior durante o período em que exerceu a Presidência da ..., utilizou, ainda, tal conta para transferir recursos para H e, outrossim, para o recebimento, de forma dissimulada, de outros valores de origem criminosa ainda a serem rastreados, tendo mantido tais recursos ocultos até a presente data".
- Entendeu assim o juiz do Estado requerente que há provas, em cognição sumária, de que D  transferiu os seus bens para o nome de interpostas pessoas, concluindo estar presente causa provável para a constrição patrimonial dos interpostos, porquanto e dando por reproduzido o requerido pelo Ministério Público Federal:
"D transferiu grande parte de seu património sediado em Portugal para sua mãe, E, seu cônjuge A, bem como para pessoas jurídicas constituídas naquele país, B (pessoa jurídica constituída por A) e C (de que é sócio maioritário A e sócia minoritária a B).
Logrou-se, assim, alcançar significativo volume patrimonial, sendo 2 automóveis, mantidos por L em nome de A (Mercedes-Benz SLK 250 CDI, matrícula W; e SMART FOR TWO, matrícula …) e 16 imóveis conforme abaixo:
1. Rua ..., em Cascais, adquirido em 05.02.2016, mantido em nome da pessoa jurídica ... - EMPREENDIMENTOS;
2. Rua ...., Lisboa, adquirido em 19.01.2017, mantido em nome da pessoa jurídica ... - EMPREENDIMENTOS;
3. Dois terrenos em ..., Braga, adquiridos em 19.12.2018, mantido em nome de E;
4. Rua ..., em Braga, adquirido em 05.04.2019, mantido em nome de E;
5. Rua ... Lisboa, adquirido em 12. 11.2016, mantido em nome da pessoa jurídica B;
6. Rua ..., Braga, adquirido em 20.07.2017, mantido em nome da pessoa jurídica B;
7. Rua ... Lisboa, adquirido em 19.01.2017, mantido em nome da pessoa jurídica B;
8. Rua ... Lisboa, adquirido em 06.07.2017, mantido em nome da pessoa jurídica B;
9. Rua ... Lisboa, adquirido em 28.02.2017, mantido em nome da pessoa jurídica B;
10. Rua ..., Braga, adquirido em 24.05.2019, mantido em nome da pessoa jurídica C;
11. Rua ..., Braga, adquirido em 31.05.2019, mantido em nome da pessoa jurídica C;
12. Rua ..., Braga, adquirido em 17.08.2019, mantido em nome da pessoa jurídica C;
13. Rua ... em Braga, adquirido em 29.08.2019, mantido em nome da pessoa jurídica C;
14. Rua ... Braga, adquirido em 30.09.2019, mantido em nome da pessoa jurídica C;
15. Sito na Rua ..., em Braga, adquirido em 07.10.2019, mantido em nome da pessoa jurídica C;
16. Sito ..., em Braga, adquirido em 07.10.2019, mantido em nome da pessoa jurídica C.
Ainda, por vislumbrar fortes indícios de que os activos ali depositados constituem produto de crime, as autoridades estrangeiras suspenderam provisoriamente operações financeiras a débito, relativamente a contas bancárias e outros activos existentes pelas pessoas físicas e jurídicas acima referidas.
A partir do ano de 2015, mas principalmente nos anos de 2018 e 2019, L e seu cônjuge A:
- Transferiram parte dos imóveis e os veículos automóveis que se encontravam em nome de D  para a titularidade de A e da sociedade N.
- Alienaram parte do património imobiliário para terceiros, depositando o produto da venda nas contas bancárias portuguesas e adquirindo novos imóveis, já não em nome pessoal mas em nome de sociedades, entretanto, constituídas e nas quais o nome de D  não figura — a B e a C, assim como em nome da mãe do primeiro, M.
Consoante apurado pelo Ministério Público Português, as pessoas jurídicas N, B e C, são apenas utilizadas para titular o património imobiliário, de modo a permitir, através de sua alienação, a reintrodução dos fundos na economia legítima, degradando o rastro de ilicitude na origem.
Semelhante modus operandi utilizado para escamotear a titularidade de imóveis foi também observado na noticiada transferência dos automóveis Mercedes-Benz SLK 250 CDI e SMART FOR TWO. Esses veículos, que, inicialmente, figuravam sob a titularidade de D, foram transferidos para A, respectivamente, em 04.12.2018 e 24.01.2019, ou seja, imediatamente após a deflagração da 56º fase da Operação Lava Jato, de que L foi alvo, e que culminou na acusação penal promovida nos autos ....
Destaque-se, por oportuno, a evidência de que a transferência patrimonial ocorreu tão somente em vias de ocultar a real propriedade do bem, materializada na notícia de que D  continua figurando como tomador nas apólices de seguro relativas a ambos os automóveis que transferiu a seu marido.
Por meio de tais expedientes, D  deixou de figurar como proprietário de imóveis e veículos continuando, contudo, a controlar a manter a posse desse património.
O esvaziamento patrimonial de D  está evidente na simples constatação de que não possui nenhum bem imóvel ou automóvel em nome próprio naquele país em que fixou residência. Todos os imóveis passaram ao controle de pessoas jurídicas ou são mantidos em nome de sua mãe. Todos os automóveis estão em nome de seu cônjuge. Sintomática, ademais, a correspondência temporal, referida pelo Ministério Público de Portugal, entre as operações de transferência patrimonial detectadas e a evolução das apurações, no Brasil, relativas aos crimes praticados por D  no exercício de Junções directivas no âmbito da ... - a partir do ano de 2015, mas principalmente nos anos de 2018 e 2019.
Conforme se extrai do quanto documentado pelo Ministério Público Português, D  e A não possuem rendimentos suficientes a permitir a aquisição e manutenção do património que titularizam naquele país. Nessa  linha destacam as autoridades portuguesas que "os rendimentos do agregado familiar de L  e A não resultam de actividade lícita desenvolvida em Portugal, mas do investimento e circulação dos fundos obtidos pelo primeiro no Brasil."
Indiciando-se, assim, fortemente que D  e O vivem dos proventos obtidos com os rendimentos obtidos pelo primeiro através da actividade criminosa concretizada no Brasil, tendo constituído um acervo patrimonial em Portugal, composto essencialmente por imóveis e activos financeiros, que, independentemente da sua titularidade formal e do facto do seu regime de bens conjugal ser o da separação de bens, constituem directa e indirectamente produto do crime.
Indiciando-se, igualmente, que a sociedade N., numa primeira fase, e as sociedades B Lda e C, numa fase subsequente, apenas são utilizadas para adquirir e titular o património imobiliário adquirido em Portugal de modo a permitir, através da sua alienação, a reintrodução dos fundos na economia legítima e a justificação da sua origem com base em título legal legítimo.
Os ilícitos de que D  se encontra acusado são graves, considerando o modo altamente organizado e sofisticado do seu cometimento, o carácter internacional da actividade ilícita, os valores envolvidos e as penas máximas aplicáveis (até 12 anos de prisão).
O circunstancialismo descrito é susceptível de demonstrar que, caso os imóveis acima descritos e os activos financeiros detectados, relativamente aos quais se indicia fortemente que constituem produto da prática do crime, não sejam, de imediato, objecto de medidas que obstem à sua alienação, facilmente poderão ser vendidos e dissipados através das ligações internacionais e financeiras que os intervenientes dominam, ficando definitivamente fora do alcance da Justiça.
Acresce que existe a séria probabilidade de D  no Brasil vir a ser condenado no perdimento a favor do Estado da vantagem do crime, em pena pecuniária e no pagamento de custas em valor total que, de acordo, com sentença já proferida se cifra em cerca de €27.000.000,00.
Importa, igualmente, ter em consideração que os factos descritos são susceptíveis de configurar a prática de crime de branqueamento, p. e p. pelo art.3682 A do Cód. Penal por D  e A em Portugal, ilícito que possui total autonomia relativamente aos que são objecto das investigações brasileiras, tendo por esse motivo dado origem ao processo de inquérito n.° .../21.0TELSB.
Assim, determinou-se em Portugal no âmbito do processo n.º .../21.0TELSB a apreensão dos seguintes bens:
1. Dois terrenos sitos em ... registados na C.R.P. de Braga sob o n° ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... (freguesia de Espinho), propriedade de E (cfr. fls. 502);
2. Imóvel sito na Rua ...., designada pela letra "L", registada na C.R.P. de Braga sob o n2 .. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (freguesia de Fraião), propriedade de E (cfr. fls. 506).
3. Sito na .", Lisboa designada pela letra "5", registada na C.R.P. de Lisboa sob o n° ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (freguesia de S. Sebastião da Pedreira), propriedade da sociedade comercial B. (cfr. fls. 421);
4. Imóvel sito na ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Espinho, propriedade da sociedade comercial B. (cfr. fls. 448);
5. Fracção autónoma sita na ... Lisboa designada pela letra "I", registada na C.R.P. de Lisboa sob o ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, propriedade da sociedade comercial B. (cfr. fls. 430);
6. Fracção autónoma sita na Rua .., Lisboa, designada pela letra "1", registada na C.R.P. de Lisboa sob o ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, propriedade da sociedade comercial B. (cfr. fls. 436);
7. Fracção autónoma sita na Rua ... Braga, designada pela letra "C", registada na C.R.P. de Braga sob o n° ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Fraião, propriedade da sociedade comercial C. (cfr. fls. 460);
8. Fracção autónoma sita na Rua ... registada na C.R.P. de Braga sob o n2 ...T e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Fraião, propriedade da sociedade comercial C. (cfr. fls. 466);
9. Fracção autónoma sita na Rua ... Braga, designada pela letra "I", registada na C.R.P. de Braga sob o n2 ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Nogueiró, propriedade da sociedade comercial C. (cfr. fls. 470);
10. Fracção autónoma sita na Rua ... Braga, designada pelas letras "AA", registada na C.R.P. de Braga sob o n2 ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Braga (S. Vítor), propriedade da sociedade comercial C. (cfr. fls. 475);
11. Fracção autónoma sita na Rua ..., Braga, designada pela letra "O", registada na C.R.P. de Braga sob o n2 ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Fraião, propriedade da sociedade comercial C. (cfr. fls. 480);
12. Fracção autónoma sita na Rua ..., Braga designada pela letra "M", registada na C.R.P. de Braga sob o n° ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Braga (Maximinos), propriedade da sociedade comercial C. (cfr. fls. 488);
13. Fracção autónoma sita na Rua ..., Braga, designada pela letra "R", registada na C.R.P. de Braga sob o n2 ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de Fraião, propriedade da sociedade comercial C. (cfr. fls. 495).
Mais se determinou no âmbito de tal processo a apreensão das participações sociais das seguintes sociedades:
- B (Y) e
- C (Z).
E ainda, dos seguintes veículos automóveis:
- Veículo de matrícula W, Mercedes-Benz SLK 250 CDI (cfr. fls. 510) e
- Veículo de matrícula T, SMART FOR TWO (cfr. fls. 511).
Entretanto, as apreensões ali efectuadas passaram a estar afectas à ordem da presente Carta Rogatória, na sequência de pedido de auxílio emitido pelas Autoridades Judiciárias brasileiras. (…)
Da leitura dos despachos decorridos e que acima se transcreveram há que conjugar o seu teor com o do despacho de fls. 695 verso, 2.2 ponto (requerimento do Ministério Público), por forma a melhor aquilatar acerca da motivação que esteve na base da prolação de tais despachos recorridos.
Resulta assim do despacho de fls. 695 verso, 2.2 ponto, do Ministério Público, que:
"Consigno que na Carta Rogatória n° .../19.3TELSB foi determinado que se solicitasse informação às autoridades judiciárias brasileiras sobre se a decisão ora proferida na acção penal n° ... relativamente à revogação das medidas de apreensão é definitiva e se a Justiça Eleitoral (para onde terá sido remetido o processo) irá decidir sobre a eventual manutenção das apreensões solicitadas e já efectuadas."
Assim, cotejado o teor do despacho de fls. 695 v, 2.2 ponto, constata-se que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão alicerçando-se na circunstância de, no âmbito da Carta rogatória n. .../19.3TELSB, ter-se solicitado informação às Autoridades Judiciárias brasileiras, no sentido de aferir se a decisão relativa à revogação das medidas de apreensão proferida na acção penal n.º ..., detém carácter definitivo ou se, antes, se aguarda que a Justiça Eleitoral (para onde terá sido remetido o processo) irá ainda decidir sobre a eventual manutenção das apreensões solicitadas e já efectuadas pela Autoridade Judiciária requerida.
Ora, a motivação pela qual se determinou que aguardassem os autos por 30 dias, entretanto renovados por igual período, é distinta, da invocada pelos recorrentes que alegam que, por via de tais despachos impugnados, o Tribunal a quo decidiu de forma definitiva não determinar o levantamento das apreensões efectuadas pela Autoridade Judiciária requerida.
Assim, importa frisar que, compulsado o teor dos despachos recorridos e tendo presente a motivação que esteve na sua génese e que acima se expendeu, há que ter presente que nem sequer se pode afirmar que o teor dos despachos recorridos encerram em si mesmo uma decisão de "mérito", porquanto os despachos recorridos não se debruçam acerca da substância do direito reclamado pelos aqui recorrentes.
O Mmo. Juiz a quo ao decidir da forma acima descrita ainda não proferiu uma decisão de "mérito" sobre o teor do requerimento da interessada E acerca do destino a dar aos bens apreendidos, já que, para tal necessita de informação complementar e/ou das Autoridades Judiciárias brasileiras, no sentido de aferir se a decisão relativa à revogação das medidas de apreensão proferida na acção penal n.º ..., detém carácter definitivo ou se, antes, se aguarda que a Justiça Eleitoral (para onde terá sido remetido o processo) irá ainda decidir sobre a eventual manutenção das apreensões solicitadas e já efectuadas pela Autoridade Judiciária requerida.
Há, assim, que se partir da interpretação de que o Tribunal a quo não recusou o eventual levantamento dos bens apreendidos, encontrando-se antes, por questões de mera cautela jurídica, a aguardar a informação solicitada, pois reiterando o que acima se afirmou nenhuma decisão de "mérito" foi tomada acerca de tal questão, isto porque, os despachos recorridos não se pronunciam acerca da substância do direito reclamado pelos aqui recorrentes, inexistindo ainda uma decisão que conduza à formação de um juízo. (…)
Em suma, o Tribunal a quo, aquando da prolação dos despachos recorridos não decidiu, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, determinar ou não o levantamento das apreensões em apreço. Cfr, Em www.dgsi,pt
Ora, importa enfatizar que o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, aquando da prolação dos despachos ora impugnados pelos recorrentes não poderia deixar de decidir da forma que decidiu, já que, cotejado o teor da decisão do dia 28/Abril/2022 do Supremo Tribunal Federal Brasileiro não é possível aferir com clareza tal situação.
Face ao exposto, entende o Ministério Público que não se verifica a nulidade invocada, ou outra, já que, no fundo, nenhuma decisão de "mérito" recaiu ainda sobre o destino a dar aos bens apreendidos, contrariamente ao alegado pelo arguido/recorrente e demais recorrentes.
 Da nulidade insanável:
Pugnam os recorrentes pela declaração de nulidade insanável dos despachos recorridos, nos termos do disposto no art.° 119.2, als. d) e c) do C. de Processo penal português. (…)
Resulta assim que o processo penal está subordinado ao princípio da legalidade dos actos, não sendo admitida a prática de actos que a lei não permita. Assim, os actos previstos devem respeitar as disposições da lei de processo que dispõem sobre os pressupostos, as condições, o prazo a forma e os termos.
Porém, a "violação ou inobservância" das "disposições da lei de processo penal" só determinará a invalidade do acto quando tal consequência for expressamente cominada na lei, atendo o disposto no art.º 118.2, n.º 1, do C. de Processo Penal português.
Por seu lado as nulidades insanáveis constituem a forma mais grave de invalidade do acto. (…)
Aliás, a este propósito sempre se dirá, que não se insere a situação concreta nas alíneas mencionadas pelos recorrentes, nem noutras, porquanto nenhuma nulidade se verifica, muito menos insanável ou sequer qualquer outra forma de invalidade e/ou irregularidade.
 Dos princípios informadores do direito processual penal na ordem jurídica portuguesa:
O direito processual penal português tem na sua génese diversos princípios fundamentais.
Lançando mão do princípio da "concordância prática" que, no dizer do Professor Figueiredo Dias', incide na finalidade do restabelecimento da paz jurídica, sendo que, para tal há que fazer operar a concordância prática das finalidades em conflito.
Ora, o restabelecimento da paz jurídica implica necessariamente "a tarefa" de face a cada problema concreto operar uma mútua compressão das finalidades em conflito, por forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia possível.  Cfr. "Novo código de processo penal, 1987, p. 13."
Assim, não poderá haver espaço para um qualquer juízo de "oportunidade", desenvolvendo-se a tramitação processual penal sob o signo da estrita vinculação à lei, conforme decorrência do princípio da legalidade.
Foi, aliás, na esteira destes princípios que o Tribunal a quo actuou em consonância com o requerido pelo Ministério Público, ao solicitar às autoridades judiciárias esclarecimento da decisão tomada no âmbito da decisão do dia 28/Abril/2022 do Supremo Tribunal Federal Brasileiro, por forma a salvaguardar uma qualquer interpretação díspar daquela que efectivamente se pretende alcançar pela decisão proferida pelo Estado requerido.
Portanto, ao proferir os despachos recorridos, o Mmo. Juiz de instrução criminal, visou, tão só e de forma singela, assegurar os fundamentos de uma actuação consentânea com a decisão tomada pelo Tribunal do Estado requerente.
Face ao exposto, com o presente recurso os recorrentes visam, tão só, efectuar "pressão" no sentido de ver a sua pretensão ser satisfeita.
Todavia, não pode o Tribunal a quo tomar uma decisão acerca do destino a dar aos bens apreendidos, sem antes se acautelar e bem assim ver esclarecida a sua dúvida. (….)
Dos princípios estruturais que decorrem de instrumentos internacionais máxime da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP):
A cooperação judiciária em matéria penal, desenvolve-se em torno da aplicação e desenvolvimento de princípios estruturais que decorrem de instrumentos internacionais sobre a matéria e que são, essencialmente e no que ora nos importa, os princípios da soberania, da reciprocidade, da especialidade, da confiança.
O princípio da soberania decorre da capacidade e legitimidade exclusiva dos Estados em se autodeterminarem e auto vincularem juridicamente. No entanto, este princípio encontra-se, actualmente, limitado pela vinculação jurídica dos Estados a princípios supranacionais, como a vinculação aos direitos humanos.
O princípio da reciprocidade comporta a admissibilidade da aplicação dos efeitos jurídicos em determinadas relações de direito num Estado, sempre que esses mesmos efeitos são aceites igualmente por Estados estrangeiros. Para garantia do seu cumprimento os Estados, através das respectivas autoridades centrais, podem exigir garantias de reciprocidade e podem igualmente prestá-las se os Estados com quem pretendem colaborar, as exigir.
O princípio da especialidade decorre da obrigatoriedade de, no âmbito da cooperação em matéria penal, a pessoa que deva comparecer num Estado para intervir num processo penal, a qualquer título (suspeito, réu, arguido ou condenado) não poder ser perseguida nesse Estado por factos anteriores ou diferentes daqueles que estão na origem do pedido de cooperação (nos limites precisos do pedido). Trata-se de um princípio que assume especial relevo nomeadamente para efeitos de extradição sendo que, neste caso, o Estado para o qual um cidadão tenha sido extraditado não o pode julgar senão pelo crime pelo qual tenha sido extraditado, salvo consentimento do Estado requerido. A especialidade desempenha uma função de garantia sucessiva que os Estados, de modo implícito mas inequívoco, se comprometem a observar.
O princípio da confiança comporta a garantia da previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas entre os Estados. Sem confiança entre os Estados não há possibilidade de cooperação, nas suas diversas dimensões. O seu reflexo na cooperação jurídica em matéria penal reflecte-se essencialmente na equação "quanto maior confiança existir entre os Estados mais facilitadas são as relações jurídicas que comportam as acções cooperação". Daqui decorre desde logo a possibilidade de uma cooperação mais eficiente.
Ora, no caso concreto o Tribunal a quo ao decidir da forma que decidiu, fê-lo precisamente no propósito de salvaguardar cada um dos princípios acima mencionados, como aliás se impunha ao abrigo do direito internacional, a que os Estado português se encontra vinculado.
 Da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP):
A regulação jurídica das relações internacionais, dos espaços jurídicos internacionais integrados e transnacionais e da cooperação internacional, com todas as dinâmicas e com todos os actores implicados, é realizada pelo direito, mais precisamente pelo direito internacional.
No caso que ora nos ocupa rege a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 46/2008, em 18 de julho de 2008, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 64/2008, de 12 de setembro, ainda que sustentada, sempre, nos princípios da subsidiariedade e complementaridade, já que "o direito internacional penal deve ser um direito subsidiário e complementar do direito interno", nas palavras de Fernanda Palma. (…)
Por via dos princípios já referidos, da subsidiariedade e complementaridade exige-se uma articulação entre a dimensão nacional e internacional do direito penal.
Esta articulação do direito com os diversos espaços geográficos em presença suscita a questão do conteúdo e dos limites da jurisdição penal do Estado. (….)
Assim, aos pedidos de auxílio judiciário recebidos na República Portuguesa emitidos por entidades competentes de um Estado Parte da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP são, ainda, subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.
A aprovação da Convenção de Auxílio Judiciário entre os Estados Membros da CPLP pelos órgãos de soberania portugueses politicamente conformadores constitui o resultado de uma opção política sobre a «cooperação judicial em matéria penal, entre Estados com afinidades culturais especiais ou interesses político-económicos privilegiados» que não pode ser escrutinada pelas instâncias de interpretação e aplicação da lei. Cfr.  Pedro Caeiro. 2010, Fundamento, Conteúdo e Limites da Jurisdição Penal do Estado. O Caso Português, Coimbra: Wolters Kluwer Portugal / Coimbra Editora, pp. 17. (…)
Quando o Estado requerente solicite expressamente que o pedido de auxílio formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP seja cumprido em conformidade com as exigências da legislação desse Estado, a autoridade judiciária nacional condiciona o deferimento dessa pretensão à conclusão de que a mesma não contraria princípios fundamentais da República Portuguesa, nem causa graves prejuízos aos intervenientes no processo (atento o disposto no artigo 4.2, n.2 2, da referida Convenção).
Ora, bem andou o Tribunal a quo ao decidir da forma que o fez, já que atuou precisamente partindo do pressuposto de que, atentos os princípios de direito internacional público e da legalidade processual, carece de suporte normativo para empreender valorações sobre a lei processual do estado requerente ou a atuação das respetivas autoridades na aplicação interna daquelas leis no âmbito do processo em que foi solicitada cooperação judiciária. Por esse motivo, havendo dúvidas por parte da Autoridade Judiciária requerida acerca da interpretação da decisão proferida no Estado requerente, impõem os princípios informadores de direito internacional público e da legalidade processual, que se proceda com a devida cautela jurídica.
Pelo que, considerando o supra exposto e tendo em conta o risco de dissipação de património que serviu de fundamento às decisões de apreensão de bens propriedade do arguido, e outros, bem como a circunstância de poder vir a Justiça Eleitoral do Brasil determinar novamente a apreensão de bens, entendeu-se que, por ora, se afigura prematuro proferir decisões no sentido de proceder ao levantamento das apreensões efectuadas, sem antes deter a informação já solicitada às Autoridades Judiciárias brasileiras (no âmbito da Carta Rogatória n° .../19.3TELSB).
Em face do exposto, não poderia o Tribunal a quo deixar de decidir como efectivamente decidiu atentas as dúvidas de interpretação que assumiu acerca do teor alcance concreto da decisão que foi comunicada pelas Autoridades Judiciárias brasileiras.
Logo, não podemos, sem mais, adoptar a interpretação levada a cabo pelos recorrentes, sob pena de colocar em causa, não só o decurso processual da(s) ação(ões) penal(is) que decorrem no Brasil, bem como os princípios da cooperação judiciária internacional e em especial a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da AR n.° 46/2008, de 12/09, mais concretamente os arts. 4.° e 16.° dessa Convenção.
No entender do Ministério Público, e face a todo o exposto, não procedem os aludidos vícios invocados, devendo os despachos recorridos ser mantidos na íntegra.
*
Já nesta Relação, o Ex. Sr.º Procurador Geral Adjunto pugna pela improcedência do recurso, aderindo à resposta da Digna Magistrada do MP
Cumprido o art. 417º, nº 2, do C.P.P  houve resposta ao Parecer.
*
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artº. 419º, nº3, al. c), do diploma citado.
II. Fundamentação
A) Delimitação do Objecto do Recurso
Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:
- Da irrecorribilidade dos despachos:
- Da ilegitimidade dos recorrentes.
- Da nulidade insanável dos despachos proferidos pelo MMº Juiz, que não  determinou o levantamento das apreensões efectuadas, ficando os autos a aguardar, pelo prazo de 30 dias, por uma pronúncia da Justiça Eleitoral brasileira;           
B) Decisão Recorrida
No  requerimento apresentado aos autos e que esteve na origem das promoções e despachos subsequentes dos quais há recurso, dizia-se o seguinte:
No passado dia 6/Maio/2022, a fls. 640 e segs., a Requerente trouxe ao conhecimento destes autos – o que fez por via de Requerimento dirigido a este TCIC, bem como por via de Requerimento dirigido ao próprio DCIAP – que no dia 28/Abril/2022 o Supremo Tribunal Federal Brasileiro, pela pessoa do aí Ministro (o equivalente a um Juiz Conselheiro do nosso Supremo Tribunal de Justiça), Ricardo Lewandowski, concedeu Habeas Corpus ao filho da ora Requerente, D , declarando a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR para processo e julgamento da Acção Penal ..., mais determinando a sua remessa à Justiça Eleitoral (Brasileira), a qual decidirá sobre o aproveitamento dos atos instrutórios já praticados, ficando desde logo anulados os actos decisórios praticados na Acção Penal ..., a correr termos em Curitiba, mais dando conhecimento de que tal decisão resulta a invalidade de todas as decisões e bloqueios determinados nesses autos de Curitiba.
Nesse seu Requerimento de fls. 640 e segs. a Requerente mais alegou que, em consequência de tal decisão de Habeas Corpus, e, mais concretamente, da aí decidida anulação imediata de todos os actos decisórios praticados na Acção Penal ... e de todas as decisões e bloqueios determinados em tal acção penal de Curitiba, foi no âmbito da mesma proferido, em 3/Maio/2022, o despacho que determinou a revogação dos arrestos e sequestros decretados, a pedido do MP brasileiro, naquela acção penal de Curitiba
E para prova do alegado a Requerente juntou, como Docs. 1 e 2, cópias da aludida decisão de Habeas Corpus, assim como do tal despacho proferido pelo Tribunal de Curitiba que determinou a revogação dos arrestos e sequestros decretados.
Perante o exposto a Requerente concluiu o seu Requerimento apresentado nestes autos em 6/Maio/2022 pedindo a este TCIC, e passa-se a citar, que «determine a imediata revogação (ou, sem prescindir, a imediata suspensão até cumprimento, pelo MP brasileiro, da obrigação de comunicar às autoridades portuguesas a revogação da(s) Carta(s) Rogatória(s) que expediu, visando, designadamente, a ora Requerente) de quaisquer diligências e medidas de apreensão/bloqueio que possam estar em curso, procurando dessa forma acautelar a produção de efeitos indesejáveis e manifestamente assentes em pressupostos que não se verificam».
No seguimento do Requerimento de 6/Maio/2022 foi proferido o despacho deste Tribunal de fls. 736, datado de 7/Junho/2022, cuja notificação à Requerente foi expedida em 8/Junho, dando-se o teor de tal despacho como integralmente reproduzido, fazendo-se notar que o Tribunal aí determinou que os autos aguardassem por 30 dias, conforme fora promovido pelo MP a fls. 734.
Mas mais, ficou a Requerente ontem – dia 18/Julho/2022 – a saber que no dia 25/Maio/2022 as Autoridades Brasileiras comunicaram às Autoridades Portuguesas tudo aquilo que a própria requerente já informara no dia 6/Maio/2022, designadamente, que a 13ª Vara Federal de Curitiba, em razão de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (Brasileiro), revogou as constrições patrimoniais decretadas em face dos envolvidos.
Ou dito de outro modo mais simples, em 25/Maio/2022 as Autoridades Brasileiras comunicaram às Autoridades Portuguesas que os pedidos de apreensão solicitados na Carta Rogatória que está na origem destes autos ficavam sem efeito, querendo isso dizer que o pressuposto da apreensão dos bens da Requerente determinado nestes autos deixou de existir.
Isto é factual e objectivo e tudo o mais que se queira extrapolar para além do que se acaba de alegar mais não são do que conjecturas.
Pois bem, conforme decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa em 25/Fevereiro/2021, no Proc. nº .../19.3TELSB-C.L1-9 (i.e., na Carta Rogatória Distribuída que, na verdade, está na origem da destes autos), in www.dgsi.pt, num pedido de cooperação internacional não cabe às autoridades do Estado requerido (neste caso as Autoridades Portuguesas) valoração sobre a lei do Estado requerente, ou sobre a aplicação das diligências solicitadas no âmbito do processo onde se fundou o pedido de cooperação (cfr. Ponto I do sumário do referido Acórdão).
Quer isto dizer, à contrário, que sendo comunicado pelas autoridades brasileiras a revogação das medidas de apreensão determinadas no Brasil, objecto de pedido de execução dirigido às Autoridades Portuguesas, que tais medidas de apreensão foram anuladas (e, consequentemente, dadas sem efeito), cabe às Autoridades Portuguesas agir em conformidade com tal anulação, não lhe cabendo fazer qualquer valoração sobre a lei do Estado requerente (Brasileiro), ou sobre a aplicação das decisões aí determinadas.
Porém, o MP antes optou por ser mais papista que o Papa.
Ou seja, em vez de levantar as apreensões do património da Requerente que no Brasil se determinou que fossem levantadas, o MP promoveu que antes de isso acontecer os autos aguardassem mais 30 dias não fosse porventura dar-se o caso de uma eventual decisão da Justiça Eleitoral Brasileira poder (quem sabe…!) proferir uma hipotética decisão a repristinar as medidas de apreensão realizadas nestes autos.
O Tribunal aceitou esta “extraordinariamente cautelosa” promoção do MP, determinando (a fls. 736) que decorrido o prazo de 30 dias os autos lhe fossem remetidos para decisão sobre o requerido pela Requerente a fls. 640 e segs..
Contudo, o MP não se limitou a aguardar pela eventual prolação da tal  hipotética (e improvável, diríamos ainda) decisão da Justiça Eleitoral, antes tendo determinado que a PJ notificasse formalmente a Requerente pela primeira vez nestes autos de que, no cumprimento da presente Carta Rogatória, haviam sido apreendidas os seguintes bens imóveis propriedade da Requerente (….)
Notificação essa que se deu no dia 5/Julho/2022, isto é, cerca de 2 meses após a Requerente ter juntados aos presentes autos, em 6/Maio/2022, as decisões proferidas pela Justiça Brasileira que revogavam a presente Carta Rogatória; e cerca de 1 mês e meio depois das próprias Autoridades Brasileiras terem prestado, em 25/Maio/2022, a mesma informação às Autoridades Portuguesas.
Ou seja, o MP Português, num momento em que estava ciente que o presente Pedido de Colaboração Internacional que deu origem aos presentes autos fora revogado entendeu por bem adensar os efeitos da presente Carta Rogatória que, na verdade, pelo facto dos respectivos pressupostos terem sido anulados deveria ter já sido objecto de arquivamento.
Seja como for não nos alongaremos quanto a isso, e antes no concentraremos no facto de no despacho de fls. 736, proferido em 7/Junho/2022, o Tribunal ter determinado que decorrido que fosse o prazo de 30 dias os autos lhe fossem remetidos para decisão sobre o requerido pela Requerente a fls. 640 e segs..
Tal requerimento da Requerente (de fls. 640 e segs.) continua sem resposta, tendo, contudo, já passado os 30 dias que o Tribunal fixou para que os autos lhe fossem remetidos para efeitos de apreciar e decidir quanto ao aí alegado, pelo que devem ser os autos agora remetidos a este Tribunal.
(…)
Já na Relação e em virtude de não termos conseguido descortinar se a Digna Magistrada do Ministério Público foi notificada da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro em 28.04.2022, ou se o conhecimento desta decisão lhe advém da junção efectuada pela interessada E, solicitou-se um esclarecimento, sabendo-se, agora, que além da notícia dada pela requerente, a Digna Magistrada foi notificada através da Procuradoria Geral da República, no âmbito da carta rogatória.
C) Apreciação da questão em recurso.
Da irrecorribilidade dos despachos:
Ao contrário do que pugna a Digna Magistrada do ministério Público,  não se pode dizer que os despachos proferidos pelo MMº Juiz sejam despachos de expediente.
Não obstante nos despachos em causa o MMº Juiz a quo limitar-se,  “apenas”, a conceder o prazo de 30 dias requerido pela Digna Magistrada do MP, o certo é que na base desse deferimento está a concordância com os fundamentos constantes do solicitado por aquela Magistrada no sentido de não se proceder, de imediato, ao levantamento dos arrestos, mas esperar por um informação requerida à Justiça Brasileira.
Não se tratando de despacho de mero expediente é admissível recurso
Da ilegitimidade dos recorrentes.
No entender da Digna Magistrada do MP os recorrentes não teriam legitimidade para a interposição do recurso porquanto os despachos em crise pronunciam-se sobre o requerimento apresentado por E, sendo que não são afectados pela decisão recorrida.
Aqui, mais uma vez, discordamos da Digna Magistrada e  concordamos com o MMº juiz que entendeu que os recorrentes são directamente afectados por tais decisões.
Na verdade, a partir do momento em que estão apreendidos bens pertencentes aos recorrentes, o (s) despacho (s) que protelam o levantamento desse mesmo arresto afectam-nos directamente.
Concluindo, entendemos que os recorrentes têm legitimidade (art. 401º, n.º 1, al. d) “in fine” e n.º 2 “a contrario” do C.P.P.),
*
Da nulidade  dos despachos proferidos pelo MMº Juiz.
A 03.03.2022 no âmbito da Carta rogatória provinda da Justiça Brasileira ao abrigo da assistência mútua em matéria penal, foi solicitado o “sequestro” (arresto) de bens móveis e activos da propriedade de JB, E, B Unipessoal, Ld.ª e C, localizados em território português, até ao valor de € 35.000.000,00.
Tal arresto foi determinado no âmbito da referida carta rogatória.
Por requerimentos apresentados ao processo em Maio de 2022 veio E dar conta das decisões que tinham sido proferidas pela Justiça Brasileira, pedindo  o levantamento dos arrestos.
Entende a Digna Magistrada do Ministério Público que ao proferir os despachos recorridos, o Mmmo. Juiz de instrução criminal, visou, tão só e de forma singela, assegurar os fundamentos de uma actuação consentânea com a decisão tomada pelo tribunal do estado requerente.  Todavia, não pode o tribunal a quo tomar uma decisão acerca do destino a dar aos bens apreendidos, sem antes se acautelar e bem assim ver esclarecida a sua dúvida.”
A Digna Magistrada do M.P. teve dúvidas relativamente à interpretação da decisão das justiça brasileira e por isso escreveu "consigno que na carta rogatória n° .../19.3telsb foi determinado que se solicitasse informação às autoridades judiciárias brasileiras sobre se a decisão ora proferida na acção penal n° ... relativamente à revogação das medidas de apreensão é definitiva e se a justiça eleitoral (para onde terá sido remetido o processo) irá decidir sobre a eventual manutenção das apreensões solicitadas e já efectuadas."
Ora, o que diz a decisão do tribunal brasileiro?
Nas decisões da Justiça Brasileira é possível ler “ As medidas cautelares determinadas em face de D e associados são instrumentais à Acção Penal .... O Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski, no dia 28/04/2022, na Reclamação 52.466/PR, concedeu habeas corpus de ofício, para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR para processo e julgamento da Acção Penal ... e determinar a sua remessa à Justiça Eleitoral, a qual decidirá sobre o aproveitamento dos actos instrutórios já praticados, ficando anulados, desde logo, os actos decisórios.
A aludida decisão resultou na igual invalidação de todas as decisões e bloqueios  determinados nos presentes autos.
Ficam, portanto, revogados os arrestos e sequestros decretados, a pedido do MPF, nos presentes autos.
Fica a cargo do MPF informar às autoridades de Portugal que, em função da decisão proferida pelo Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski, na Reclamação 52.466/PR, todas as constrições patrimoniais que foram implementadas em Portugal, a partir dos pedidos de cooperação internacional extraídos dos presentes autos, em face de D, da ... - Empreendimentos Unipessoal LDA, bem como de A, E, B Unipessoal Ltda. e C, devem ser revogadas. Prazo de 15 dias.”
Não conseguimos vislumbrar na decisão em causa a dúvida levantada pela Digna Magistrada do MP.
A decisão diz expressamente que ficam revogados os arrestos e sequestros decretados.
Só ressalva que a Justiça Eleitoral pode decidir pelo aproveitamento de alguns actos instrutórios.
A revogação dos arrestos e sequestros é imediata, não havendo razão para que os tribunais portugueses, conjecturando uma futura decisão e acautelando uma dissipação do património, vão para além do que foi pedido pela justiça brasileira.
Não obstante a Digna Magistrada do Ministério Público não concordar com o ali decidido, o certo é que no âmbito da carta rogatória o pedido é claro.
Os despachos proferidos não têm qualquer fundamento legal, pelo que são nulos.

DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em  julgar totalmente procedente o recurso interposto, declarando nulos os despachos proferidos  e determinando que sejam substituídos por outro que, no estrito cumprimento da carta rogatória, proceda ao levantamento imediato dos  arrestos e sequestros decretados, tal como consta da decisão da Justiça Brasileira.
Sem custas – art. 513º nº 1 CPP

Lisboa, 12 de Janeiro de 2023
Raquel Correia Lima
Micaela Pires Rodrigues
Madalena Caldeira