Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3/03.3IELSB.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: JULGAMENTO SEM A PRESENÇA DO RÉU
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Nos casos em que o arguido tenha prestado TIR e tenha sido devidamente advertido, a notificação por via postal simples considera-se efectuada ainda que a carta, devidamente depositada nos termos do art.º 113º/3 do CPP, venha devolvida e, também, no caso de ser devolvida sem a nota de depósito, por inexistência de caixa de correio.
II – Se o arguido for detido ou preso, à ordem de outro processo, entre a data em que prestou TIR e a data em que se realiza o julgamento, mantém-se a sua obrigação de comunicação ao processo da alteração da morada, uma vez que se o arguido não enviar esse requerimento nem solicitar que seja enviada essa informação, e ela não chegar por outro meios ao processo, antes do julgamento, se considera validamente notificado e este pode ser feito na sua ausência.
III – Nos casos em que o arguido tenha prestado TIR e tenha sido devidamente advertido, não se devem fazer diligências para obter outras moradas, nem se devem tentar fazer notificações noutras moradas,
IV - No entanto, se tiverem sido feitas, as tentativas de notificar o arguido noutras moradas e por outros meios, ainda que infrutíferas por não ser encontrado, não põem em causa a validade da notificação para a morada constante do TIR.
V - Não constitui nulidade a realização do julgamento na ausência do arguido, que se encontre devidamente notificado e cuja presença se não mostre indispensável, sem que se tenham realizado diligências para a sua comparência sob detenção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Na Secção Criminal da Instância Local de Lisboa, por sentença de 10/02/2005, constante de fls. 889/902, foram os Arg.[1] XXX e “YYY”, com os restantes sinais dos autos (cf., respectivamente, TIR[2] de fls. 300/301[3] e certidão de fls. 283/291) condenados nos seguintes termos:

“…Pelo exposto, considero a acusação procedente e, em consequência:

1º) Condeno o arguido XXX, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, previsto e punido no art. 105°, n°s 1, 4 e 5 do RGIT em conjugação com o art. 30° do CP na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

2°) Determino a suspensão da execução daquela pena de prisão por um período de 5 (cinco) anos, sob condição de, no mesmo prazo, o arguido juntar aos autos documento comprovativo de que entregou à administração fiscal as prestações tributárias em dívida, acrescidas dos respectivos juros (art. 50° do CP e 14° do RGIT);

3°) Condeno a YYY, pela prática do crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada previsto e punidos no arts. 7° e 105° do RGIT, em conjugação com o art. 30° do CP, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa à taxa legal de Eur. 5;

4°) Condeno ainda ambos os arguidos no pagamento solidário das custas do processo, fixando-se em 2 UC de taxa de justiça, procuradoria em '/4 daquela taxa de justiça a favor do SSMJ, bem como 1% da mesma nos termos e para os efeitos do n°3 do art. 13° do DL n° 423/91, de 30 de Outubro (arts. 513°, n°I e 3 e 514° do CPP), bem como no pagamento dos honorários do seu Ilustre Defensor Oficioso que se fixam em 11 UR reduzidos a '/2 caso se trate de advogado estagiário. …”.

*

Não se conformando, o Arg. XXX interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 1.090/1.093, concluindo da seguinte forma:

“…1°- O Recorrente foi julgado e condenado sem que para o efeito tivesse sido notificado para a audiência de discussão e julgamento.

2°- A informação da notificação do Recorrente de fls. 873 não corresponde à verdade quando comparada com o teor negativo das fls. 848, 849, 850 e 850v.

3°- O que aconteceu nos autos foi um desrespeito de procedimentos processuais.

4°- Ao ser violado o princípio da legalidade das normas processuais penais, os actos praticados estão feridos de nulidade tornando inválido todo o processado, obrigando à repetição do julgamento.

5°- Considera o Recorrente terem sido as seguintes NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS pelos motivos devidamente expostos: art.°s 118.°; 119.° alínea c); 122.°; 332.°; 333.° n.° 1 todos do C.P.P., pelo que a douta decisão de fls. deve ser revogada e substituída por outra mais adequada à situação descrita.

Em face do exposto,

Deve conceder-se provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada JUSTIÇA. …”.

*

O MP[4] não respondeu ao recurso.

*

Neste tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto (fls. 1.124).

*
A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis ou seja o princípio da verdade material; da livre apreciação da prova e o princípio “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade bem como da oralidade e da imediação.

A decisão em crise fixou da seguinte forma a matéria de facto, com interesse para a decisão deste recurso:

“…2.1.Factos provados

Com relevância para a decisão de mérito, resultaram provados os seguintes factos:

O arguido singular tem sido, desde a constituição da sociedade, seu sócio maioritário e gerente.

Nessa qualidade, tem sido desde então, e foi-o no período de 2000/2002, gestor de direito e de facto da arguida colectiva e responsável por toda a gestão da empresa, sem quaisquer limitações.

Entendeu ele, nos anos econômicos de 2000, 2001 e 2002, obter para a empresa ganhos indevidos, à custa da Fazenda Pública, correspondentes a importâncias de natureza tributária, de que sobre aquela recaía a obrigarão de entregar nos cofres do Estado, tendo-as deduzido dos rendimentos que pagou quem devia, e que decidiu reter na sociedade o fazê-las desta.

O que ocorreu relativamente a valores monetários que foram deduzidos na empresa, correspondentes a retenções de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), categorias A, B e F (trabalho dependente, trabalho independente e rendimentos prediais) que estava obrigado a entregar ao Fisco no legal prazo, conforme previsto no Código do IRS.

Assim, como descrito, não entregou nos cofres do Estado os montantes do IRS deduzido e retido, comprováveis pelos elementos contabilísticos constantes nos autos, conforme seguintes quadros (valores em euros):

2000:

MêsImposto Retido e Não Entregue
Cat ACat BCat FTotal
Novembro3.954,77309.89--------45,264.309.96
Dezembro7.106.526.974.6045,2614.126.38
Total11.061.297.284.4990.5218.436.30

2001:

MêsImposto Retido e Não Entregue
Cat ACat BCat FTotal
Janeiro3.918,86---------------------46,263.965,12
Fevereiro4.702,1711.917,5546,2616.665,98
Março5.163,569.721,0946,2614.938,91
Abril5.163,56---------------------46,265.209,82
Maio4.227,91664,5546,264.938,82
Junho3.567,40---------------------46,263.613,66
Julho6.603,88---------------------95,526.696,40
Agosto3.559,22------------------------------------------3.559,22
Setembro--------------------49,88 49,88
Outubro3.489,19249,4092,523.831,11
Novembro3.567,403.440,92174,867.183,18
Dezembro7.897,323.770,9946,2611.714,57
Total51.860,4729.814,48683,7282.358,67
2002:
Mês Imposto

Retido e Não

Entregue
Cat ACat BCat FTotal
Janeiro3.381,80529,7048,303.959,80
Fevereiro3.374,9021.655,6048,3025.078,80
Março4.352,40865,2048,305.625,90
Abril2.872,20400,3048,303.320,80
Maio2.869,202.342,4048,305.259,90
Junho3.023,80249,4048,303.321,50
Julho5.141.20566,9048,305.756,40
Agosto2.780,10---------------------48,302.828,40
Total27.795,6026.609,50386,4054.791,50

Tais verbas tributárias, no total de 155.586,44 €, cuja entrega não foi efectuada nos cofres do Estado, conforme era obrigatório, nem no prazo legalmente devido nem em momento posterior, foram indevidamente apropriadas pelo arguido a favor da empresa.

A sociedade, com a actuação descrita, desenvolvida em seu nome e interesse pelo arguido singular, seu gestor, de não entregar ao Fisco as descritas verbas, locupletou-se com elas, fazendo-as suas, de onde e de tudo resultando o correspondente prejuízo para a Fazenda Nacional, o que era sabido e pretendido pelos acusados.

Como sabido era que a sua conduta estava proibida e punida pelo Direito, agindo o arguido singular, livre, determinada e conscientemente.

Não foi possível apurar as condições pessoais, económicas e sociais do arguido. Mais se provou:

De acordo com os depoimentos das testemunhas inquiridas, a sociedade, passava por grandes dificuldades económicas.

O arguido não tem antecedentes criminais averbados.

2.2. Factos não provados

Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.  …”.

*
Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[5] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.
Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado[6].
No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma:

“…A convicção do tribunal resultou da análise crítica e conjugada dos seguintes meios de prova:

prova documental:

Fls.276 ss;

Fls. 337 a 771;

CRC de fls. 786;

A convicção do tribunal resultou da análise conjugada dos elementos probatórios trazidos aos autos. Assumiram, em primeiro lugar, relevo, os depoimentos das testemunhas em audiência de julgamento, perito de fiscalização tributária, ao tempo, que, nessa qualidade, procedeu à acção de fiscalização do arguido - e técnica de inspecção, a que se reportam os autos -, as quais revelaram conhecimento directo dos factos acima descritos, transmitindo-os ao Tribunal de forma clara, isenta e credível conjugadas pelo tribunal com o teor dos documentos acima elencados, provenientes da Direcção Geral das Contribuições e Impostos.

Os antecedentes criminais do arguido resultaram provados pelo teor do seu CRC junto aos autos. …”.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[7] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[8], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[9].

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a única questão fundamental a decidir no presente recurso é a de saber se o Recorrente estava devidamente notificado e, portanto, o julgamento podia ter sido realizado na sua ausência, como foi.

*

Cumpre decidir.

Antes do mais, importa, agora, consignar que não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP, que são de conhecimento oficioso e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum[10].

*

Isto posto, analisemos a questão que importa apreciar.

Como vimos, o Recorrente prestou TIR em 28/04/2003, tendo indicado a seguinte morada: “WWW”.

Nunca veio aos autos comunicar qualquer outra morada.

O julgamento na ausência do Arg., nos casos em que a presença deste é obrigatória, constitui nulidade insanável (art.º 119º/c) do CPP).

Pelo despacho de fls. 804/806, datado de 19/04/2004, foram designadas as datas de 18/01/2005, pelas 10.00 horas, e de 20/01/2005, pelas 10.00 horas, para a realização do julgamento nestes autos.

Para notificação deste Arg., em 29/04/2004, foi enviada carta para a morada indicada no TIR (fls. 809/810).

Essa carta veio devolvida, com a seguinte nora do distribuidor: “Encontra-se encerrado e não tem receptáculo postal”.

Posteriormente, foram tentadas outras notificações por via postal simples, para uma outra morada (fls. 819, 855-ficheiro da DGV), que foi devidamente depositada (fls. 827) e veio posteriormente devolvida (fls. 838/840), e pessoais, por via da PSP, que foram infrutíferas (fls. 848/850).

O julgamento teve início na data marcada, 18/01/2005 (acta de fls. 872/875), na ausência deste Arg., mas na presença do seu Exm.º Defensor Oficioso, que não requereu a sua audição na segunda data designada, e a sua continuação foi designada para 31/01/2005, e nesta data realizada (acta de fls. 882/883), tendo sido emitidos mandados de condução do Arg., que não foi possível cumprir (fls. 884/885).

Entendemos que a notificação feita por via postal simples, enviada para a morada constante do TIR foi plenamente válida e operante, pelo que bem ajuizou o tribunal recorrido ao considerar que o Arg. estava devidamente notificado.
Na verdade, nos casos em que o Arg. tenha prestado TIR e tenha sido devidamente advertido, como foi neste, a notificação por via postal simples considera-se efectuada ainda que a carta, devidamente depositada nos termos do art.º 113º/3 do CPP, venha devolvida[11] e, também, no caso de ser devolvida sem a nota de depósito, por inexistência de caixa de correio[12].
Também entendemos, contra vária jurisprudência[13], que, se o Arg. for detido ou preso, à ordem de outro processo, entre a data em que prestou TIR e a data em que se realiza o julgamento, se mantém a sua obrigação de comunicação ao processo da alteração da morada, o que poderá fazer directamente, através de requerimento enviado por via postal registada (art.º 196º/3-c) do CPP), ou solicitando ao estabelecimento prisional que faça essa comunicação, uma vez que se o Arg. não enviar esse requerimento nem solicitar que seja enviada essa informação, nem por outro meio chegar essa informação aos autos, será muito difícil que o tribunal venha a ter conhecimento dessa alteração de endereço, até por não existe um registo de TIR, que possa ser consultado pela autoridade que procede à sua detenção. Além disso, o disposto no art.º 114º está previsto para os casos em que o Arg. está preso à ordem dos autos em que se efectua a notificação, ou há conhecimento nos autos de que se encontra preso à ordem de outro processo.
Entendemos que, nos casos em que o Arg. tenha prestado TIR e tenha sido devidamente advertido, como foi neste, não se devem fazer diligências para obter outras moradas, nem se devem tentar fazer notificações noutras moradas, porque se trata de actos legalmente dispensados, salvo se se considerar que a presença do Arg. na audiência é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material (art.º 333º/1 do CPP), nos termos da jurisprudência fixada pelo STJ que infra referimos.
No entanto, se tiverem sido feitas, as tentativas de notificar o Arg. noutras moradas e por outros meios, ainda que infrutíferas por não ser encontrado o Arg., não põem em causa a validade desta notificação, porque não encontramos fundamento legal para que a indagação oficiosa do paradeiro do Arg. possa invalidar uma notificação que se encontrava já perfeita e era válida, nos termos dos art.ºs 113º/3 e 196º/3-c) do CPP.
Apesar disso, no presente caso, o tribunal recorrido teve ainda o cuidado suplementar de diligenciar pela localização do Arg., o que, em nosso entender, como dissemos, podia ter dispensado.

Na verdade, nesta matéria, seguimos a jurisprudência constante do acórdão do STJ de 18/12/2008, de cujo sumário citamos[14]: “1 – A imposição de termo de identidade e residência, de acordo com o art. 196° do CPP, significa que, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, o arguido indicou um domicílio à sua escolha (n.º 2) e lhe foi dado conhecimento (n.º 3) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado [a)], da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado [b)]; de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial onde correm os autos [c)]; e de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente; e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [d)].

2 – Se o arguido mudou da morada que indicara, nos termos do n.º 2 do art. 196.º e não comunicou essa mudança aos autos, como estava obrigado, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara fica legitimada a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º.

3 – A circunstância da mãe do arguido ter informado que o arguido estaria numa outra morada, o que foi consignado pela GNR não dispensou o recorrente de vir comunicar, na forma prevista na lei, a mudança de residência aos autos que visa garantir a disponibilidade e contactibilidade dos arguidos, responsabilizando-os por isso, em termos de notificações futuras.
4 – Daí que tendo o arguido sido notificado termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, na residência indicada, não enferme de qualquer nulidade o seu julgamento na ausência.
”.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 31/01/2008, relatado por Rodrigues da Costa[15].
Aderimos, inteiramente aos argumentos destes dois acórdãos acabados de citar.
Acresce que o entendimento contrário a este frustraria completamente um dos objectivos da alteração do CPP efectuada pelo DL 320-C/2000, de 15/12, assumidamente o de evitar adiamentos de julgamentos, conforme resulta do seu preâmbulo: “… A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do Nº 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efectuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos.
Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.
No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196º, Nº 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.
...
Atendendo ao facto de uma das principais causas de morosidade processual residir nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento por falta de comparência do arguido, limitam-se os casos de adiamento da audiência em virtude dessa falta, nomeadamente quando aquele foi regularmente notificado.
Com efeito, a posição do arguido no processo penal é protegida pelo princípio da presunção de inocência, prevista no Nº 2 do artigo 32º da Constituição, que surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo, o qual implica a absolvição do arguido no caso de o juiz não ter certeza sobre a prática dos factos que subjazem à acusação.
Se o arguido já beneficia deste regime processual especial, não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento, razão que possibilita, por um lado, a introdução da modalidade de notificação por via postal simples, nos termos acima expostos, e, por outro, permite que o tribunal pondere a necessidade da presença do arguido na audiência, só a podendo adiar nos casos em que aquele tenha sido regularmente notificado da mesma e a sua presença desde o início da audiência se afigurar absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material.
Para tanto, no despacho que designa a data da audiência, é igualmente designada data para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do artigo 333º, Nº 1, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do artigo 333º, Nº 3.
E se no processo existir advogado constituído, o tribunal deve diligenciar pela concertação da data para audiência, de modo a evitar o conflito com a marcação de audiência por acordo feita ao abrigo do artigo 155º do Código de Processo Civil.
Com efeito, se o tribunal considerar que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos Nº 2 a Nº 4 do artigo 117º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no Nº 6 do artigo 117º.
Nestes casos, o arguido mantém o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência e se esta ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor pode requerer que seja ouvido na segunda data designada pelo juiz nos termos do Nº 2 do artigo 312º
A limitação da possibilidade de adiamento da audiência estende-se também aos casos de falta de comparência de qualquer pessoa cuja presença seja indispensável à boa decisão da causa ou seja imposta por força da lei ou de despacho do tribunal, caso em que igualmente se permite a inquirição ou audição das pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341º, sem prejuízo da alteração da ordem que seja necessário efectuar dentro do respectivo rol, procedendo-se no entanto à documentação dos depoimentos ou esclarecimentos prestados. …”.
Por outro lado, esse entendimento levaria o Estado a despender com cidadãos incumpridores meios (nomeadamente os meios policiais para o procurar, deter e transportar ao tribunal, etc.) que são escassos e que, por isso, iriam prejudicar os cidadãos cumpridores, porque esses meios lhes faltariam (se as entidades policiais andam ocupadas a procurar, deter e transportar Arg. faltosos para os julgamentos, não poderão andar em operações de policiamento, socorro, etc.). Cremos que se não justifica um tal prémio àqueles nem um tal prejuízo a estes.
Acresce que já foi considerada constitucional a tese que sufragamos[16] e que foi fixada jurisprudência no mesmo sentido, pelo acórdão 9/2012 do STJ[17].
Entendemos, pois, que não constitui nulidade a realização do julgamento na ausência do Arg., que se encontre devidamente notificado e cuja presença se não mostre indispensável, sem que se tenham realizado diligências para a sua comparência sob detenção.
Assim, não se verifica a arguida nulidade, pelo que é improcedente o recurso.

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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UC.
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Notifique.

D.N..

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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

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Lisboa, 04/06/2015

João Abrunhosa

Maria do Carmo Ferreira

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[1] Arguido/a/s.
[2] Termo/s de Identidade e Residência.
[3] Prestado em 28/04/2003.
[4] Ministério Público.
[5] Código de Processo Penal.
[6] Relativamente à fundamentação de facto, cf. a jurisprudência plasmada no Ac. STJ de 17/11/1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss., do qual citamos: “O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... .”.
Também neste sentido, ver Maria do Carmo Silva Dias, in “Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas Questões Ligadas à Prova Pericial”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2005, pp. 178 e ss., bem como a doutrina e a jurisprudência constitucional citadas. No mesmo sentido, cf. Sérgio Gonçalves Poças, in “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, revista “Julgar”, n.º 3, Coimbra Editora, p. 21 e ss..
Ver ainda José I. M. Rainho, in “Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas”, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2006, pp. 145 e ss. donde citamos: “Em que consiste portanto a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção? Consiste simplesmente na indicação das razões fundamentais, retiradas a partir das provas segundo a análise que delas fez o julgador, que levaram o tribunal a assumir como real certo facto. Ou, se se quiser, consiste em dizer por que motivo ou razão as provas produzidas se revelam credíveis e decisivas ou não credíveis ou não decisivas. No primeiro caso o tribunal explica por que julgou provado o facto; no segundo explica por que não julgou provado o facto. … a motivação não tem porque ser extensa, de modo a significar tudo o que foi probatoriamente percepcionado pelo julgador. Pelo contrário, deve ser concisa, como é próprio do que é instrumental, conquanto não possa deixar de ser completa.”.
Ver, por último, o acórdão do Tribunal Constitucional de 17/01/2007, in DR, 2ª Série, n.º 39, de 23/02/2007, que decidiu, além do mais, “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”.
[7] Supremo Tribunal de Justiça.
[8] Nesse sentido, ver Vinício Ribeiro, in “CPP – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2011, pág. 1292.
Ver também a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que com a devida vénia, reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[9] Cf. Ac. 7/95 do STJ, de 19/10/1995, relatado por Sá Nogueira, in DR 1ª Série A, de 28/12/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP, nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.
[10] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[11] Nesse sentido, cf. o acórdão da RP de 09/06/2004, relatado por Fernando Monterroso, no proc. 0412931, in www.dgsi.pt, também disponível em JusNet 3341/2004, cujo sumário citamos: “A notificação ao arguido que tenha prestado termo de identidade e residência considera-se efectuada, apesar de a carta ter sido devolvida, desde que tenha sido enviada para a morada por ele indicada no termo de identidade e residência.”.
[12] Nesse sentido, cf. o acórdão da RC de 14/05/2014, relatado por Jorge Dias, no proc. 346/10.0GBLSA.C1, in www.dgsi.pt, também disponível em JusNet 2857/2014, cujo sumário citamos: “Se um arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência.”.
[13] Nomeadamente, os seguintes acórdãos:
- da RG de 18/12/2012, relatado por Cruz Bucho, no proc. 706/08.6GAFLG.G1, in www.dgsi.pt, cujo sumário citamos: “…I) A regular notificação exigida pelo nº 1 do artº 333º do CPP, pressupõe a observância das formalidades contempladas no nº 3 do artº 113 do CPP, tendo além do mais em conta a residência declarada pelo arguido aquando da prestação do TIR. II) Efetuada assim a notificação a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respetivo conteúdo. III) In casu, encontrando-se o arguido preso, ainda que no âmbito de outro processo e noutra comarca, impunha-se a notificação do recorrente, nos termos do artº 114º, nº 1, do CPP. IV) Não tendo o arguido sido notificado de harmonia com o citado preceito legal, não pode ter-se por regularmente notificado para julgamento, tendo assim, sido cometida a nulidade prevista na alínea c) do artº 119º, do CPP.". …”;
- da RC de 14/05/2014, relatado por Isabel Silva, no proc. 539/09.2GAALB.C1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “Constitui nulidade insanável, prevista na alínea c) do artigo 119.º do CPP, a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, que nela não compareceu por ter sido preso em momento posterior ao da respectiva notificação na morada indicada no TIR.”, sendo de  realçar que este acórdão não contraria o nosso entendimento, uma vez que, neste caso, havia notícia nos autos de que o Arg. se encontrava preso.
[14] Acórdão do STJ de 18/12/2008, relatado por Simas Santos, in www.gde.mj,pt, Processo 08P2816.
[15] Acórdão publicado in www.gde.mj,pt, Processo 07P3272, de cujo sumário citamos: “1 - Tendo o arguido prestado termo de identidade e residência (TIR) e o despacho de acusação sido remetido para a morada por si indicada nesse TIR, por via postal simples, com prova de depósito, bem como sido notificado do despacho “de recebimento” da acusação e designação de data para audiência de julgamento e ainda do defensor nomeado, também por via postal simples com prova de depósito, foi o mesmo regularmente notificado dos actos cuja notificação pessoal a lei impõe 2 - No que se refere ao julgamento, é de considerar que esteve legitimamente representado na audiência pelo seu defensor oficioso, sendo do seu conhecimento, a partir da prestação do TIR, que tal eventualidade poderia ocorrer, caso não desse cumprimento às obrigações constantes do mesmo TIR, como acabou por acontecer (arts. 196.º, alínea d) e 333.º do CPP). 3 - A notificação por via postal simples nos termos indicados não ofende o núcleo essencial do direito de defesa do arguido, pois as garantias de que o legislador fez rodear a possibilidade de o arguido ser notificado por essa via são de molde a considerar-se como tendo chegado à esfera de conhecimento do arguido a notificação dos actos fundamentais do processo, nomeadamente aqueles em que se exige a sua presença, maxime, o julgamento, e que, se ele deles não tomou conhecimento foi por culpa sua, estando ciente das suas consequências. 4 - O julgamento na ausência, nessas condições, estando o arguido representado por defensor oficioso e sendo respeitadas as demais exigências legais impostas pelos números 1, 2 e 3 do art. 333.º do CPP, garantindo-se, além disso, o direito ao recurso com a exigência de notificação pessoal do arguido (pela sua voluntária apresentação ou através da sua detenção), não viola o essencial dos direitos de defesa, de presença e de audição, como se ponderou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 206/2006, de 22/3, Proc. n.º 676/2005 e no Acórdão n.º 465/2004, de 23/6, Proc. n.º 249/2004. …”.

[16] Nesse sentido, veja-se o já referido acórdão n.º 206/2006 do Tribunal Constitucional, de 22/03/2006, relatado por Maria Helena Brito, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, do qual citamos: “… Segundo o recorrente, este n.º 3 do artigo 333º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido apenas pode ser ouvido em audiência de julgamento se o requerer no próprio dia em que tem lugar a audiência de julgamento na ausência, seria inconstitucional, por violação das garantias de defesa asseguradas no artigo 32º, n.ºs 1, 2, 5, e 6 da Constituição, e no artigo 11º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Não tem, porém, razão, o recorrente.

10. Refira-se, em primeiro lugar, que no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/04, de 23 de Junho (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) já foi apreciada a possibilidade, consagrada no artigo 333º, n.º 1, do Código de Processo Penal – preceito que, como se assinalou, não está agora directamente em discussão –, de julgamento na ausência do arguido, se a sua presença não foi considerada indispensável, tendo-se, a esse propósito, dito o seguinte:

«  “[…]
4. Perante tal formulação da questão de constitucionalidade, entende o Tribunal Constitucional, em primeiro lugar, que o artigo 32º, nº 6, da Constituição, limita, efectivamente, a liberdade de conformação do intérprete pela garantia da defesa do arguido julgado na sua ausência; em segundo lugar, que o artigo 333º, nº 1, na dimensão aplicada, não tem o sentido de dispensar aquela garantia e em terceiro lugar que não foi aplicada na decisão recorrida qualquer norma ou critério normativo referidos ao artigo 333º do Código de Processo Penal, nos termos dos quais fosse dispensada a garantia do exercício do direito de defesa pelo arguido.
Vejamos, em detalhe, cada um dos aspectos referidos.
O artigo 32º, nº 6, da Constituição não autoriza, com efeito, toda e qualquer solução legal quanto ao julgamento na ausência do arguido, sendo o seu sentido fundamental o de exigir que o legislador articule os valores justificativos do julgamento na ausência do arguido com as condições inultrapassáveis do núcleo irredutível do direito de defesa.
Pondo o julgamento na ausência do arguido em causa princípios como o da oralidade e da imediação do processo penal, instrumentais da verdade material e do direito de defesa, ele é, obviamente, uma solução que só se poderá justificar em certos termos e condições, quando seja necessário, adequado e não desproporcionado afectar tais princípios garantísticos do processo penal.
Por outro lado, essa afectação terá necessariamente de ser compensada com a garantia do exercício do direito de defesa nos termos possíveis, nomeadamente através do direito ao recurso.
Impõe, assim, o parâmetro constitucional uma ponderação pelo legislador das razões que justificam a opção pelo julgamento de ausentes de acordo com o princípio da proporcionalidade e o asseguramento do máximo das garantias possíveis e adequadas quanto ao exercício do direito de defesa.
As modalidades que a lei ordinária há‑de prever para efectivar as anteriores exigências não têm, obviamente, de obedecer a um único modelo.
A questão que se coloca, neste contexto, é a de saber se o artigo 333º, nº 1, extravasa o núcleo garantístico constitucionalmente configurado pelo artigo 32º, nº 6, da Constituição.
Ora a resposta há-de ser negativa.
Com efeito, aquele preceito impõe ao julgador vários critérios de acção que exprimem o princípio de necessidade e de adequação que subjaz ao parâmetro constitucional. Assim, não só impõe que sejam tomadas todas «as medidas necessárias e legalmente admissíveis» para obter a comparência do arguido, como, após o esgotamento sem êxito desse procedimento, impõe que o juiz pondere se é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a presença do arguido desde o início da audiência. Só no caso de o tribunal ponderar que não se verifica tal indispensabilidade é que se tornará possível o julgamento na ausência do arguido.
Por outro lado, esta norma articula-se com outras que garantem ao arguido, julgado na sua ausência, direitos vários como o de prestar declarações até ao encerramento da audiência, em certas circunstâncias (artigo 117º, nº 3, em articulação com o artigo 117º, nº 2, do Código de Processo Penal) e o direito de recurso após notificação da sentença ao arguido nos termos do artigo 333º, nº 5.
Em rigor, o artigo 333º, nº 1, que o recorrente questiona, exprime apenas a exigência de um juízo de ponderação de necessidade do julgamento na ausência do arguido e esta ponderação, que não pode ser obviamente arbitrária e não justificada, não está, por isso, em colisão com o artigo 32º, nº 6, da Constituição.
Colocando o recorrente em causa, exclusivamente, a ponderação pelo julgador da necessidade do julgamento na ausência do arguido, o Tribunal Constitucional considera que tal critério, que apela, ele mesmo, à proporcionalidade e necessidade (a indispensabilidade) com o limite inultrapassável da necessidade da presença do arguido para a descoberta da verdade material, não colide com qualquer princípio constitucional. Conclusão que é reforçada com o facto de o despacho que concretiza tal ponderação ser recorrível.
Num segundo plano, considerando, agora, a dimensão aplicada pelo acórdão recorrido, verifica-se que o Tribunal da Relação não interpretou, no caso concreto, o artigo 333º, nº 1, do Código de Processo Penal, num sentido que conduzisse à admissibilidade de diminuição de garantias de defesa, sublinhando que «estando sempre o arguido devidamente assistido pela Il. Defensora Oficiosa, esta nada requereu perante a ausência daquele, nem tão pouco reagiu ao douto despacho de não indispensabilidade da sua presença como o podia».
Assim, o acórdão recorrido delineou, daquele modo, o critério normativo com que decidiu a questão posta, não configurando o juízo de indispensabilidade como um juízo derivado de uma livre apreciação do julgador sem fundamentação nem controlo em sede de recurso.
Consequentemente, em face da dimensão normativa concretamente aplicada, isto é, do modo como o tribunal recorrido interpretou os critérios do artigo 333º, nº 1, do Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer violação do artigo 32º, nº 6, da Constituição.
[…].”.

11. Do acórdão acabado de transcrever retira-se que, para a resolução do problema agora em causa, importa partir da consideração de que a Constituição – nomeadamente, o seu artigo 32º, n.º 6 –, não obstante não proibir o julgamento na ausência do arguido, exige que “o legislador articule os valores justificativos do julgamento na ausência do arguido com as condições inultrapassáveis do núcleo irredutível do direito de defesa”.

Seguidamente, e adoptando ainda o raciocínio constante desse acórdão, cabe verificar se o artigo 333º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação perfilhada na decisão recorrida, tem o sentido de dispensar a garantia da defesa do arguido.

Segundo o recorrente, a resposta deveria ser afirmativa, porque tal interpretação excepciona “a regra geral do prazo para a prática dos actos de modo sub-reptício”: o que estaria essencialmente em causa, na sua perspectiva, seria, assim, o prazo peremptório excessivamente curto para a prática de um acto processual (o acto de requerer a sua própria audição em julgamento).

Aduz o recorrente ainda outros argumentos no sentido da inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreciação – por exemplo, o de que o arguido teria de “conformar-se com a defesa feita por quem o Tribunal que o vai julgar nomear para a sua defesa” (cfr. fls. 258 do corpo das alegações), ou o de que “o Tribunal não concedeu ao defensor nomeado […] uma interrupção para que este pudesse conferenciar com o arguido ou, pelo menos, examinar os autos, o que não foi determinado com prejuízo evidente para a defesa do arguido” (cfr. fls. 259 das alegações).

Tais argumentos são, todavia, manifestamente irrelevantes para a apreciação dessa questão. No caso do segundo argumento, porque não tem o Tribunal Constitucional competência para sindicar decisões judiciais, em si mesmas consideradas, sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional (cfr. as várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional). No caso do primeiro argumento, porque a necessidade de conformação com a defesa feita por defensor nomeado não decorre do preceituado no artigo 333º, n.º 3, do Código de Processo Penal – a única disposição legal agora em causa.

Centremo-nos, pois, no argumento segundo o qual a interpretação do artigo 333º, n.º 3, do Código de Processo Penal, perfilhada na decisão recorrida, conduz a um prazo peremptório excessivamente curto para a prática de um acto processual (o acto de requerer a audição do próprio arguido em julgamento): após o encerramento da audiência, já não seria possível formular o requerimento a que alude aquele preceito.

A este respeito, importa considerar que dessa interpretação não decorre a impossibilidade de o advogado constituído pelo arguido ou o defensor nomeado formularem o requerimento de audição do arguido. Isto é, não pode invocar-se, a favor da tese da inconstitucionalidade dessa interpretação, a circunstância de o arguido se encontrar fisicamente impossibilitado de comparecer à primeira audiência, pois que nada impede que o seu mandatário ou defensor ajam em defesa dos seus interesses, durante esta audiência, formulando precisamente tal requerimento.

Assim sendo, o prazo para formular tal requerimento só poderia ser entendido como curto se o mandatário ou o defensor estivessem adstritos ao seu cumprimento ainda que estivessem, eles próprios, fisicamente impossibilitados para o cumprir.

Ora, ainda que esta exigência pudesse, em abstracto, extrair-se do artigo 333º, n.º 3, do Código de Processo Penal – circunstância que não cabe agora averiguar, pois que, sendo o presente recurso um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, só pode ter como objecto uma norma ou interpretação normativa aplicada na decisão recorrida (cfr. artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional) –, a verdade é que ela não o foi no caso concreto. E não o foi porque, no caso concreto, nem o advogado constituído pelo arguido nem o defensor nomeado se encontravam fisicamente impossibilitados para cumprir tal prazo. Como se diz na resposta do Ministério Público já referenciada (supra, 4., a fls. 160):
 “[…] nem o defensor oficioso nomeado, nem o mandatário do arguido, fizeram o requerimento a que alude o n.º 3 do artigo 333º do C.P. Penal, sendo certo que, este último, ainda que ausente, da mesma forma que comunicou a impossibilidade do arguido comparecer poderia, desde logo, requerer a audição deste na segunda data designada, o que não fez.”.

Em suma, o artigo 333º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação perfilhada na decisão recorrida, não tem o sentido de dispensar a garantia da defesa do arguido, pois que quer o advogado constituído pelo arguido, quer o defensor nomeado, podem, sem qualquer dificuldade, formular o requerimento aí previsto até ao encerramento da (primeira) audiência realizada na ausência do arguido. A questão da exiguidade do prazo só poderia eventualmente colocar-se se o prazo devesse ser cumprido mesmo que ambos estivessem fisicamente impossibilitados, situação que não cumpre ponderar, pois que, no caso concreto, não se verificou. 
Termos em que improcedem as razões invocadas pelo recorrente. …”.
[17] Acórdão de 08/03/2012, relatado por Maia Costa, in www.gde.mj.pt, processo 245/07.2GGLSB.L1-A.S1, que fixou a seguinte jurisprudência: “Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do art. 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo.”.