Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47/08.9TNLSB.L1-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: UNIÃO EUROPEIA
REGULAMENTO
TRANSPORTE MARÍTIMO
TRIBUNAIS PORTUGUESES
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
CONTRATO
CONTRATO DE ADESÃO
ABUSO DE DIREITO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1 - A competência internacional dos tribunais portugueses é a competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspectiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.
2 - As disposições constantes do DL n.º 352/86 devem ser conjugadas com as demais disposições legais em vigor, em Portugal, designadamente, com as que resultam ou decorrem dos Tratados e Convenções Internacionais que Portugal ratificou, e que encontram validamente em vigor em Portugal, tal como seja, no caso dos autos, as disposições do artigo 23º, n.º 1, alínea c) do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, prevalecendo estas sobre as primeiras.
3 – Assim, se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Membro, tiver convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, que será exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário, conforme determinado no Regulamento (CE) n.º 44/2001.
4 – No entanto, para que o pacto atributivo de jurisdição seja válido, deve ser celebrado, no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
5 – A segunda autora é uma empresa transitária, que se dedica ao agenciamento de transportes, contratando com empresas transportadoras e, no âmbito dessa actividade, já efectua há vários anos carregamentos nos navios operados pela ré, sendo ambas domiciliadas em Estados Membros da União Europeia.
6 – Por força da sua actividade comercial, a segunda autora não podia desconhecer que o conhecimento de carga materializa o contrato de transporte marítimo celebrado, incorporando regras, designadamente, referentes ao foro competente para a resolução dos litígios decorrentes da emissão do conhecimento de carga.
7 – No comércio marítimo internacional de mercadorias é corrente a prática de submeter os litígios emergentes do transporte marítimo ao foro da sede do transportador, constando tal cláusula de foro e lei dos conhecimentos de embarque, na generalidade dos conhecimentos emitidos, tal como no caso dos autos.
8 – As regras aplicáveis ao transporte de mercadorias por mar, ao abrigo de conhecimento de carga, têm um carácter imperativo, sendo balizadas pelas disposições aplicáveis, designadamente a Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, pelo que o argumento das autoras de que o clausulado do contrato é constantemente alterado não tem qualquer cabimento.
9 – Actualmente, o contrato de transporte marítimo apresenta-se na esmagadora maioria dos casos, como um contrato standard (contrato de adesão), assentando sobre cláusulas contratuais gerais.
10 – A constituição de um fundo de limitação de responsabilidade nos termos da Convenção LLMC 1976, no tribunal do local do acidente ocorrido com o navio “REPUBBLICA DI GENOVA”, em Antuérpia, nada tem a ver com o contrato de transporte celebrado entre as autoras e a ré, ou o pacto de aforamento que o mesmo contém, apenas consistindo na utilização de uma prerrogativa legal ao dispor da ré.
11 – O pacto de aforamento celebrado, reunindo todos os requisitos legais aplicáveis, deve ter-se por plenamente válido.
12 – Sendo manifesta a dimensão e o contexto internacional em que se desenvolveu o transporte marítimo em causa, entre Portugal e Angola, com intervenção de uma autora com sede em Angola e doutra em Portugal e uma ré, com sede em Itália, não é proibida a atribuição de competência ao Tribunal Italiano, tribunal da sede do transportador, conforme estabelecido no artigo 23º do Regulamento citado.
13 - A instauração da presente acção nos tribunais portugueses constitui violação do pacto atributivo de jurisdição acima referido, o que determina a procedência da excepção de incompetência relativa por infracção das regras de competência internacional resultantes daquele pacto e a consequente absolvição da ré da instância.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
Na presente acção declarativa de condenação que [C L.da e TT, L.da] intentaram contra [GCN SPA], representada em Portugal por [G P, L.da], pedem aquelas que a ré seja condenada a pagar à 1ª autora a quantia de 2.900 euros, resultado da soma do preço das mercadorias, bem como 2.000 euros, resultado da perda de imagem, em Luanda – Angola, e pagar à 2ª autora a quantia de 5.867 euros referente a frete (€ 4.600), taxas adicionais no destino (€ 312), transporte interno em Portugal até ao porto (€ 800), despacho (€ 80) e despesas conexas (€ 75), perfazendo o montante global devido a ambas as autoras a quantia de € 10.767, mais juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
Fundamentando a sua pretensão, alegam que a 2ª autora, na qualidade de agente transitário, celebrou com a ré um contrato de transporte marítimo de mercadorias de Lisboa até Luanda, tendo por objecto 672 volumes constituídos por telhas de cerâmica do expeditor [CECCSA], tendo como destinatário a 1ª autora.
A 1ª autora pagou à “Carriça” o preço da mercadoria, tendo esta emitido e enviado à 1ª autora uma factura.
A 2ª autora mandou proceder à inspecção dos 672 volumes, bem como à emissão das declarações de exportação.
Com esses elementos e com os demais que a 2ª autora forneceu à ré, esta fez emitir o documento de transporte – combined transport bill of lading – com destino final Luanda.
Tendo os contentores sido carregados em 4/03/2007, no porto de Lisboa, deveriam chegar a Luanda entre 19 e 27 de Março de 2007.
Porém, por imperativo da linha, o navio “[RG]” foi a Antuérpia antes de seguir para Luanda.
Quando se encontrava em Antuérpia, o navio adornou, no dia 8/03/2007, tendo ficado deitado de lado, durante seis meses.
Os referidos contentores encontravam-se no convés do navio, tendo caído à água, quando este adornou, tendo a mercadoria sido dada como totalmente perdida.
Assim sendo, a mercadoria não chegou ao seu destino, como a ré tinha sido contratada para fazer, sendo responsável pelo pagamento às autoras dos montantes supra referidos, em resultado do incumprimento do contrato de transporte marítimo celebrado entre a 2ª autora e a ré.
As autoras apresentaram à ré a reclamação e esta informou que poderia aderir a um fundo constituído para o efeito, em Antuérpia, mas as autoras manifestaram o seu direito de não aderir, pois que o contrato de transporte marítimo foi celebrado em Lisboa, onde o carregamento foi efectuado, pelo que o tribunal competente é o Tribunal Marítimo de Lisboa.

A ré contestou a pretensão das autoras e excepcionou a incompetência do Tribunal Marítimo de Lisboa, por violação do pacto atributivo de jurisdição.
Julgada procedente a excepção dilatória de incompetência relativa deduzida pela ré, por infracção das regras de competência internacional resultantes de pacto atributivo de jurisdição, foi aquela absolvida da instância.

Inconformadas, recorreram as autoras, formulando as seguintes conclusões:
1ª – O diploma legal aplicável aos factos descritos nos presentes autos é o DL n.º 352/86 e a Convenção de Bruxelas de 1924.
2ª – O primeiro fixa que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o julgamento das acções emergentes do contrato de transporte de mercadorias por mar, desde que o porto de carga se situe em território português e que o contrato de transporte tenha sido celebrado em Portugal.
3ª – Assim sendo, o tribunal internacional e relativamente competente é o Tribunal Marítimo de Lisboa.
4ª – No verso do documento de transporte marítimo denominado “Bill of Lading”, na sua cláusula segunda, consta que o tribunal competente é o de Nápoles, em Itália, e a lei aplicável é a deste país.
5ª – Mas nem esse documento foi entregue ao expeditor/autores, antes da mercadoria se encontrar dentro do navio, nem era certo que fosse esse o texto do verso do BL que iria ser entregue, dado que estes mudam frequentemente.
6ª – Jamais os autores concordaram ou contrataram com a ré nos termos do contrato de adesão que consta no verso do BL, nem segundo as suas cláusulas, nunca tendo aceite o seu conteúdo.
7ª – Outrossim celebraram um contrato de transporte marítimo que é oneroso, bilateral, sinalagmático e, quanto à sua forma, meramente consensual e sem cláusulas abusivas.
8ª – Entre os autores e a ré jamais foi acordado um pacto de aforamento.
9ª – Não se aplica o Regulamento (CE) n.º 44/2001 nem os artigos 99º, 108º, 111º, n.º 3, 288º, n.º 1, alínea e), 493º, n. os 1 e 2 e 494º, alínea a), todos do CPC.
10ª – Ademais fica demonstrado que jamais ficou fixado um tal pacto porquanto a própria ré constituiu um fundo, junto do Tribunal de Comércio de Antuérpia, na Bélgica, ao qual aplicou a Convenção de Londres, o que contradiz o pacto supra referido, estando confessado pela ré a existência de tal fundo e a competência de um Tribunal que não o de Nápoles, Itália, para sediar o mesmo.
11ª – Sob pena de violação do artigo 19º, alínea g) do DL 446/85, de 25 de Outubro, o qual prescreve que “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem”.
12ª – Pelo que, sendo o contrato celebrado em Portugal, onde a mercadoria é carregada, onde se situa a segunda autora e a representante da ré, onde foi celebrado o contrato de transporte marítimo, só o Tribunal Marítimo de Lisboa, em Portugal, pode ser o competente para apreciar a presente acção.

A ré contra – alegou, defendendo que a sentença recorrida fez uma correcta apreciação dos factos e consequente aplicação do direito, não merecendo qualquer censura.
2.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das apelantes, salvo se outras questões houver de conhecimento oficioso, a questão nuclear que se suscita consiste em saber se o Tribunal Marítimo de Lisboa será o competente para dirimir o litígio entre autoras e ré, cujo objecto, como se referiu, é a responsabilização desta pelo pagamento àquelas dos montantes referidos na petição inicial em resultado do alegado incumprimento do contrato de transporte marítimo celebrado entre a 2ª autora e a ré.
Para uma melhor dilucidação desta questão, abordaremos as diversas sub – questões suscitadas pelas recorrentes.
3.
3.1.
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL

As facilidades de deslocação de pessoas, bens e capitais potenciam o surgimento de litígios que apresentam, quer através das partes interessadas, quer através do seu próprio objecto, conexões com várias ordens jurídicas. Quando emerge um desses litígios plurilocalizados, coloca-se o problema de determinar qual o tribunal que, no âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem competência para o dirimir.
Esta selecção incumbe às regras sobre a competência internacional directa, às quais cabe determinar, em cada uma das jurisdições com as quais o litígio tem contacto, se os tribunais de alguma delas são competentes para resolver o conflito.
As regras sobre a competência internacional não são, consideradas em si mesmas, normas de competência, porque não se destinam a aferir qual o tribunal concretamente competente para apreciar o litígio, mas apenas a definir a jurisdição na qual se determinará, então com o recurso a verdadeiras regras de competência, qual o tribunal competente para essa apreciação.
Assim, os tribunais portugueses gozam de competência interna e internacional.
A diferença entre a competência interna e a internacional consiste no seguinte: a competência interna respeita às situações que, na perspectiva da ordem jurídica portuguesa, não possuem qualquer conexão relevante com outras ordens jurídicas; a competência internacional refere-se aos casos que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas.
A competência internacional dos tribunais portugueses é, assim, a competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspectiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.
3.2.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AO CASO DOS AUTOS

Para orientar a escolha da jurisdição competente para resolver o conflito plurilocalizado não existem na comunidade internacional regras fixas e, menos ainda, uniformes. Quer isto dizer que cada Estado pode determinar quais os elementos de conexão que considera relevantes para abrir a sua jurisdição ao julgamento de litígios plurilocalizados. Esses elementos podem ser escolhidos pela lei do Estado, mas também é frequente que se reconheça relevância à vontade das partes nesta matéria: é esse o caso da competência internacional convencional.
Instituída a Comunidade Económica Europeia, dada a livre circulação de pessoas, bens e capitais entre os Estados Membros, constatou-se o surgimento de litígios que apresentavam, quer através das partes interessadas, quer através do seu próprio objecto, conexões com as várias ordens jurídicas desses Estados. Daí a necessidade duma cooperação judicial civil mais intensa entre estes Estados que se traduziu na produção de instrumentos internacionais, destacando-se a Convenção de Bruxelas (também denominada Bruxelas I) de 24/09/68, ratificada por Portugal em 30/10/91, depois da sua adesão à Comunidade Europeia, ora União Europeia.
O Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22/12/2001, veio substituir, entre os Estados Membros, a Convenção de Bruxelas, à excepção dos territórios dos Estados Membros que são abrangidos pela aplicação territorial da Convenção e que ficam excluídos do presente regulamento por força do artigo 299º do Tratado (cfr. artigo 68º, n.º 1 do Regulamento).
Tal como a Convenção de Bruxelas I, este Regulamento determina a competência dos tribunais em matéria civil e comercial, estabelecendo, como regra geral, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado, só podendo ser demandadas nos tribunais de qualquer outro Estado, se relevar algum dos critérios especiais de competência nele previstos (artigos 2º e 3º), o que significa que o réu pode sempre ser demandado no Estado do seu domicílio mas, se relevar uma das competências especiais, o autor pode optar por utilizar uma destas competências.
Se o réu não tiver domicílio num Estado Membro, a competência é regulada pela lei do Estado do foro, isto é, a competência será regulada em cada Estado Membro pela lei desse Estado Membro, sem prejuízo da aplicação do disposto nos artigos 22º e 23º (cfr. artigo 4º, n.º 1).
Donde, quando as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Membro, tiverem celebrado um pacto atributivo de jurisdição, em caso de litígio, os tribunais competentes serão os determinados pelas partes (artigo 23º).
O Regulamento prevê, no entanto, o cumprimento de certas formalidades em relação a esse pacto atributivo de jurisdição, que constituem requisitos para a sua validade. Deve ser estabelecido por escrito ou em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si ou, ainda, no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam (cfr. artigo 23º/1).
Assim, as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Membro, podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário.
Aqui chegados e tendo em conta os princípios expostos, interessa saber se, para determinar a competência internacional do tribunal português na resolução do presente litígio, será aplicável o DL 352/86, de 21 de Outubro ou o Regulamento (CE) n.º 44/2001.
Consideram as autoras que, tendo o contrato de transporte marítimo sido celebrado em Lisboa e tendo o carregamento sido feito em Lisboa, a legislação aplicável é o DL 352/86, por força do disposto no seu artigo 30º, pelo que os tribunais portugueses são internacionalmente competente e o Tribunal Marítimo de Lisboa territorial e relativamente competente.
Não obstante o brilho das suas alegações, cremos não lhes assistir razão.
Nos termos do disposto no artigo 8º, n.º 2 da CRP, “as normas constantes das convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”, determinando ainda o n.º 4 desse artigo que “as disposições e tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do direito democrático”.
Aliás, em perfeita consonância com este preceito constitucional, o artigo 2º do diploma em causa (DL n.º 352/86) explicita que o contrato de mercadorias por mar é disciplinado pelos tratados e convenções internacionais vigentes em Portugal e, subsidiariamente, pelas disposições do presente diploma.
Ou seja, este DL só por si prevê a prevalência do direito da UE sobre as normas do direito ordinário interno consubstanciadas nesse diploma.
Donde decorre que “os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o julgamento das acções emergentes do contrato de transporte de mercadorias por mar, em qualquer dos casos enunciados nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 30º”, sem prejuízo, porém, do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários, e leis especiais.
Deste modo, as disposições constantes do DL 352/86 devem ser conjugadas com as demais disposições legais em vigor em Portugal, como as que resultam ou decorrem dos Tratados e convenções internacionais que Portugal ratificou e que se encontram validamente em vigor em Portugal, tal como, no caso dos autos, o Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento é à execução de decisões em matéria civil e comercial, prevalecendo o que se acha estabelecido a este propósito no dito Regulamento.
“Esta primazia do direito da UE, in casu, a primazia do Regulamento consiste em afastar as normas de direito ordinário interno pre – existentes que sejam incompatíveis com o direito da UE e em tornar inválidas ou, pelo menos, ineficazes e inaplicáveis, as normas subsequentes que o contrariem”[1].
3.3.
VALIDADE DO PACTO DE JURISDIÇÃO

Apesar de reconhecerem que, no verso do documento de transporte marítimo, denominado Bill of Lading (doravante BL), na sua cláusula segunda, consta que o Tribunal competente é o de Nápoles, em Itália, e que a lei aplicável é a deste país, sustentam as autoras que jamais aceitaram ou aceitariam um pacto de jurisdição que fosse contrário ao DL 352/86, conforme explicitam nas suas doutas conclusões (cfr. conclusões 5ª a 10ª).
A este propósito importa referir que, tal como se deixou exposto, o Regulamento (CE) de 21/12/2000 é aplicável ao caso dos autos, tal como manifestamente resulta da conjugação do disposto nos artigos 8º, n.º 4 da CRP e 249º do Tratado da Comunidade Europeia.
Quando a Constituição portuguesa estabelece que as disposições dos Tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, isso significa que as normas dos tratados, bem como as normas emanadas pelas instituições europeias, prevalecem sobre as normas de direito interno, incluindo as normas da própria constituição.
“O regulamento europeu é, à semelhança dos regulamentos no direito interno, um acto não legislativo de carácter geral, um acto normativo secundário, destinado a dar execução a disposições da Constituição Europeia e aos actos legislativos emanados das instituições competentes da União. Pode aproximar-se na sua aplicabilidade quer da lei europeia – obrigatória em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados -, quer da lei – quadro europeia, vinculando os Estados quanto aos resultados a alcançar e deferindo a competência às instâncias nacionais quanto à escolha da forma e dos meios”[2].
Por força do artigo 249º do Tratado da Comunidade Europeia, o Regulamento em causa é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável aos Estados Membros, entre os quais se inclui Portugal, prevalecendo as suas normas sobre normas de natureza idênticas constantes dos artigos 65º, 65/A e 99º do CPC, situação manifestamente clarificada com as alterações introduzidas com a reforma de 2003 (DL n.º 38/2003, de 8/03).
Tal como resulta do disposto no artigo 23º, n.º 1 do Regulamento, no que concerne aos requisitos de validade, os pactos de jurisdição devem, quanto à forma, ser celebrados por escrito ou verbalmente, mas neste caso confirmados por escrito, de acordo com os usos que as partes estabeleceram entre si [alíneas a) e b)] e, no âmbito do comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado (alínea c).
Devem, ainda, indicar os litígios que serão objecto de um processo, ou qual a relação jurídica que está na origem desses litígios, designar o tribunal ou os tribunais competentes para conhecer do litígio e, por fim, o pacto não pode derrogar competências exclusivas previstas no artigo 22º.
In casu, a 2ª autora, a [TTL.da] é uma empresa transitária que se dedica ao agenciamento de transportes, contratando com empresas transportadoras, sendo que, no âmbito dessa mesma actividade, há já vários anos, efectua carregamentos em navios operados pela ré.
Como realça a apelada, “por força da sua actividade de agente transitário, operando na área do transporte marítimo internacional de mercadorias, a 2ª autora não podia desconhecer que o conhecimento de embarque – documento emitido pelo transportador marítimo após o carregamento da mercadoria a bordo – materializa o contrato de transporte marítimo celebrado, incorporando regras referentes, designadamente, ao foro competente para resolução dos conflitos decorrentes da emissão do mesmo conhecimento de embarque”.

Na verdade, nos termos do disposto no artigo 1º, alínea b), da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924[3], tornada direito interno português pelo DL 37748 de 1/02/50, “contrato de transporte designa somente o contrato de transporte provado por um conhecimento ou por qualquer documento similar servindo de título ao transporte de mercadorias por mar”.
Com efeito, é prática corrente no comércio marítimo internacional, com interesse para o caso dos autos, a inclusão, no conhecimento de embarque, de cláusula, determinando a competência do foro da sede do transportador.
E porque o transportador não passará o seu tempo a alterar a sua sede, não procede a argumentação das autoras de que o verso do conhecimento de embarque é frequentemente alterado.
Aliás, como argumentam as apeladas, “nem mesmo relativamente a outras cláusulas se poderá dizer que as cláusulas do conhecimento de embarque são alteradas frequentemente”.
Com efeito, “as regras aplicáveis ao transporte de mercadorias ao abrigo do conhecimento de embarque têm um carácter imperativo, sendo balizadas pelas disposições legais em vigor, aplicáveis ao transporte em causa”.
Tal como resulta do disposto no artigo 3º, n.º 8 da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, (DL 37748 de 1/02/50), “será nula, de nenhum efeito, e como se nunca tivesse existido, toda a cláusula, convenção ou acordo num contrato de transporte, exonerando o armador ou o navio de responsabilidade por perda ou dano concernente a mercadorias provenientes de negligência, culpa ou omissão dos deveres ou obrigações preceituados neste artigo, ou atenuando essa responsabilidade por modo diverso do preceituado na presente Convenção”.
Além disso, refutando a argumentação das recorrentes, poder-se-á salientar que as cláusulas dos conhecimentos de embarque encontram-se disponíveis nos sites dos diversos transportadores marítimos, sendo facilmente acessíveis a qualquer interessado, tendo a 2ª autora, por força da sua actividade comercial de empresa transitária, vocacionada para o transporte marítimo de mercadorias, necessariamente, pleno acesso e conhecimento destas cláusulas.

Acresce que, ao contratar o transporte das suas mercadorias e ao proceder à entrega das mesmas à ré, para transporte, as apelantes aceitaram as condições de transporte da apelada, cujo clausulado e alcance há muito conheciam.
Não restam assim dúvidas de que o pacto de jurisdição goza de validade, improcedendo a argumentação das apelantes, nesta parte.
3.4.
CONTRATO BILATERAL E CONTRATO DE ADESÃO

Consideram as autoras que o contrato de transporte marítimo de mercadorias que celebraram é um contrato comercial oneroso, bilateral, sinalagmático e, quanto à sua forma, meramente consensual. É ainda um contrato de execução continuada, uma vez que a sua execução compreende as operações de carregamento, expedição ou deslocação, descarregamento e entrega ao destinatário e ainda de depósito, já que o transportador recebe coisas alheias, que se obriga a guardar durante o transporte e a restituir no mesmo estado.
Assim sendo, estando perante um contrato bilateral, concluem que o mesmo não pode ser considerado um contrato de adesão, porquanto a parte carregadora não aceitou nem teve conhecimento prévio das cláusulas apostas no verso do BL e, quando delas teve conhecimento, já a mercadoria estava a bordo do navio.
Portanto, segundo elas, o contrato de transporte marítimo em causa não pode ser considerado um contrato de adesão por duas ordens de razões: trata-se de um contrato bilateral e, além disso, não aceitaram nem tiveram conhecimento prévio das cláusulas apostas no verso do BL e, quando delas tiveram conhecimento, já a mercadoria estava a bordo do navio.
Estes argumentos não merecem o nosso acolhimento.
Quanto ao primeiro:
Deve distinguir-se entre contrato de transporte e contrato de transporte marítimo.
O contrato de transporte é um contrato consensual, valendo neste âmbito o princípio da liberdade de forma (artigo 219º CC). É também verdade que ao contrato de transporte surge quase sempre ligado um documento de transporte, seja no transporte de pessoas, seja no transporte de coisas. De todo o modo continua a defender a doutrina que estamos perante um contrato consensual, razão por que, faltando o documento de transporte, quando exigido, o contrato não é nulo, apenas se afastando a aplicabilidade da Convenção que o exija.
Ao contrário, o contrato de transporte marítimo constitui uma das excepções a esta normal consensualidade, que emerge do artigo 3º, n.º 1 do DL 352/86, onde se estabelece que “o contrato de mercadorias por mar está sujeito a forma escrita”.
Actualmente, mesmo em relação ao contrato de transporte, tout court, este apresenta-se, na esmagadora maioria dos casos, como um contrato standard (contrato de adesão), assentando sobre cláusulas contratuais gerais. “Não surpreende que seja assim porquanto o direito dos transportes não é, nem nunca foi, alheio à aceleração da história, nem à interpenetração entre direito e realidade social, nem à padronização negocial imposta pelo dinamismo inerente à actividade económica em geral e dos transportes em especial. Embora subsistam contratos de transporte com cláusulas especificamente negociadas, o mais frequente é o recurso a um clausulado tipo. De tal forma que, segundo alguma doutrina, a principal divisão do contrato de transporte operar-se-ia entre contratos standard e contratos negociados[4]”.
Quanto ao segundo:
Remete-se para o que atrás ficou dito, salientando que a argumentação das apelantes de que o clausulado do conhecimento de carga poderia ter sido mudado a qualquer momento, não tem qualquer cabimento, pois, tal como também ficou referido, as disposições aplicáveis ao contrato de transporte de mercadorias por mar têm um carácter imperativo.
3.5.
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM

Argumentam as apelantes que a própria ré/apelada não considera que o pacto de aforamento e jurisdição seja válido, porquanto constituiu um fundo junto do Tribunal de Comércio de Antuérpia ao qual aplicou a Convenção de Londres, direccionando os carregadores que a ele aderiram para este mesmo tribunal (cfr. artigo 16º da contestação).
Donde, “se a própria ré considera incompetente o Tribunal de Nápoles e a jurisdição italiana, não constituindo ali o fundo, outrossim na Bélgica, sob a legislação da Convenção de Londres, é porque também aceita que não existiu pacto de jurisdição, mantendo-se em vigor o artigo 30º do DL 352/86”.

Também aqui não colhe a argumentação das recorrentes.
Para além do que atrás se deixou dito quanto à inaplicabilidade do artigo 30º do DL 352/86 ao caso dos autos, acrescentar-se-á o seguinte:
Tal como salienta a apelada, a constituição de um fundo de limitação de responsabilidades por créditos marítimos nada tem a ver com o contrato de transporte marítimo de mercadorias celebrado entre as autoras e a ré nem com o pacto de aforamento que o mesmo contém.
De facto, na sequência do acidente que ocorreu com o navio “[RG”, que adornou, junto ao cais, no Porto de Antuérpia, a ré lançou mão da prerrogativa que resulta do disposto na Convenção de Londres de 1976 relativa à limitação de responsabilidade por créditos marítimos, designada por LLMC 1976.
Por força das disposições dessa mesma Convenção, em vigor na Bélgica, onde ocorreu o acidente, o Tribunal competente para a constituição do referido Fundo de Limitação era, e é, o Tribunal de Comércio de Antuérpia, pelo que foi junto desse tribunal que a ré requereu a constituição de tal fundo.
Estando o fundo validamente constituído, os diversos credores da ré que pretendam reclamar indemnizações decorrentes desse acidente, deverão fazê-lo junto de tal Fundo de Limitação.
Não está, portanto, em causa, no Tribunal de Antuérpia, o relacionamento entre as autoras e a ré, no âmbito do contrato de transporte celebrado, mas a prerrogativa legal que resulta de um instrumento internacional que permite à ré, em determinadas circunstâncias, limitar a sua responsabilidade a um determinado quantitativo que será posteriormente repartido pelos vários credores reclamantes.
Por essa razão, as autoras foram informadas da constituição do fundo, mas, tal como alegam na petição inicial, estas “manifestaram o seu direito de não aderir a tal fundo”.
Como tal, o relacionamento entre as autoras e a ré, objecto do litígio dos autos, nada tem a ver com o Tribunal de Antuérpia, pelo que improcede o argumento do venire contra factum proprium.
Nada obsta, portanto, à validade do pacto de aforamento acordado entre as autoras e a ré e que ao mesmo se aplique o Regulamento (CE) 44/2001, como atrás ficou dito.
3.6.
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL PROIBIDA

Alegam, finalmente, as apelantes que, considerando o disposto no artigo 19º, alínea g) do DL 446/85, de 25 de Outubro, a cláusula de eleição de foro deverá ser considerada proibida.
Também aqui não assiste razão às recorrentes.
Tal como o próprio artigo citado refere, deverá ter-se em conta o “quadro negocial padronizado”.
Ora, nos presentes autos, está em causa um contrato de transporte internacional de mercadorias por mar, entre Portugal e Angola, sendo certo que a 1ª autora tem a sua sede em Angola, a 2ª autora tem sede em Portugal e a ré tem a sua sede em Itália.
É, pois, manifesta a dimensão e contexto internacional em que se desenvolve este transporte, sendo certo que tanto a 2ª autora quanto a ré se encontram domiciliadas no território de dois Estados Membros da União Europeia, podendo qualquer deles lançar mão do disposto no artigo 23º, n.º 1 do Regulamento.
Por outro lado, como se referiu, é prática corrente no comércio marítimo a eleição do Tribunal da sede do transportador como o foro competente para dirimir os litígios decorrentes da emissão do conhecimento de carga, quiçá, “no sentido de uniformizar as decisões que possam existir relativas a cargas transportadas no mesmo navio e pertencentes a carregadores de diversas proveniências e nacionalidades, que porventura se encontrem envolvidas num mesmo acidente marítimo ou situação análoga”, como salienta a apelada.
Resulta pois do exposto a inaplicabilidade ao caso dos autos do artigo 19º, alínea g) do DL 446/85, de 25 de Outubro.
Para além disso, o direito interno não pode servir de obstáculo à vigência e aplicação do direito da UE na ordem interna sobre o direito interno.
Consequentemente, a instauração da presente acção nos tribunais portugueses constitui violação do pacto atributivo de jurisdição acima referido, o que determina a procedência da excepção de incompetência relativa por infracção das regras de competência internacional resultantes daquele pacto e a consequente absolvição da ré da instância, nos termos dos artigos 99º, 108º, 11º, n.º 3, 288º, n.º 1, alínea e), 493º, n. os 1 e 2 e 494º, alínea b), todos do CPC.

Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida, ao julgar procedente a excepção dilatória de incompetência relativa deduzida pela ré, por infracção das regras de competência internacional resultantes de pacto atributivo de jurisdição, validamente constituído, absolvendo-a da instância.

Concluindo:
1 - A competência internacional dos tribunais portugueses é a competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspectiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.
2 - As disposições constantes do DL n.º 352/86 devem ser conjugadas com as demais disposições legais em vigor, em Portugal, designadamente, com as que resultam ou decorrem dos Tratados e Convenções Internacionais que Portugal ratificou, e que encontram validamente em vigor em Portugal, tal como seja, no caso dos autos, as disposições do artigo 23º, n.º 1, alínea c) do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, prevalecendo estas sobre as primeiras.
3 – Assim, se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Membro, tiver convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, que será exclusiva, a menos que as partes convencionem em contrário, conforme determinado no Regulamento (CE) n.º 44/2001.
4 – No entanto, para que o pacto atributivo de jurisdição seja válido, deve ser celebrado, no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
5 – A segunda autora é uma empresa transitária, que se dedica ao agenciamento de transportes, contratando com empresas transportadoras e, no âmbito dessa actividade, já efectua há vários anos carregamentos nos navios operados pela ré, sendo ambas domiciliadas em Estados Membros da União Europeia.
6 – Por força da sua actividade comercial, a segunda autora não podia desconhecer que o conhecimento de carga materializa o contrato de transporte marítimo celebrado, incorporando regras, designadamente, referentes ao foro competente para a resolução dos litígios decorrentes da emissão do conhecimento de carga.
7 – No comércio marítimo internacional de mercadorias é corrente a prática de submeter os litígios emergentes do transporte marítimo ao foro da sede do transportador, constando tal cláusula de foro e lei dos conhecimentos de embarque, na generalidade dos conhecimentos emitidos, tal como no caso dos autos.
8 – As regras aplicáveis ao transporte de mercadorias por mar, ao abrigo de conhecimento de carga, têm um carácter imperativo, sendo balizadas pelas disposições aplicáveis, designadamente a Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, pelo que o argumento das autoras de que o clausulado do contrato é constantemente alterado não tem qualquer cabimento.
9 – Actualmente, o contrato de transporte marítimo apresenta-se na esmagadora maioria dos casos, como um contrato standard (contrato de adesão), assentando sobre cláusulas contratuais gerais.
10 – A constituição de um fundo de limitação de responsabilidade nos termos da Convenção LLMC 1976, no tribunal do local do acidente ocorrido com o navio “[RG”, em Antuérpia, nada tem a ver com o contrato de transporte celebrado entre as autoras e a ré, ou o pacto de aforamento que o mesmo contém, apenas consistindo na utilização de uma prerrogativa legal ao dispor da ré.
11 – O pacto de aforamento celebrado, reunindo todos os requisitos legais aplicáveis, deve ter-se por plenamente válido.
12 – Sendo manifesta a dimensão e o contexto internacional em que se desenvolveu o transporte marítimo em causa, entre Portugal e Angola, com intervenção de uma autora com sede em Angola e doutra em Portugal e uma ré, com sede em Itália, não é proibida a atribuição de competência ao Tribunal Italiano, tribunal da sede do transportador, conforme estabelecido no artigo 23º do Regulamento citado.
13 - A instauração da presente acção nos tribunais portugueses constitui violação do pacto atributivo de jurisdição acima referido, o que determina a procedência da excepção de incompetência relativa por infracção das regras de competência internacional resultantes daquele pacto e a consequente absolvição da ré da instância.
4.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelas apelantes.
Lisboa, 8 de Outubro de 2009
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Maria Manuela dos Santos Gomes

[1] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 4ª edição, 271.
[2] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 4ª edição, 268.
[3] Esta Convenção apenas se aplica ao contrato de transporte marítimo e este só abrange o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas a bordo no navio até ao momento em que são descarregadas no porto de desembarque.
[4] Francisco Costeira da Rocha, O Contrato de Transporte de Mercadorias, 37-38.