Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2384/17.2YRLSB-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: ARBITRAGEM NECESSÁRIA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE INDEFESA
INVALIDADE DA PATENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: Sob pena de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proibição de indefesa, deve entender-se que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, a parte pode defender-se, por excepção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Questão prévia

No nosso sistema recursório não há segundas alegações do recorrente ou dito de outro modo não há resposta às contra-alegações do recorrido (artigo 638.º CPC). Por outro lado estão, em princípio, vedados os nova (novas causas de pedir , novos pedidos, novas excepções, novos meios de prova, etc).
Pelo exposto, ordenamos o desentranhamento da resposta de fls. 1139 e ss das recorrentes e sua devolução às mesmas.
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NG instaurou acção arbitral, ao abrigo dos arts. 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, contra TV..
Posteriormente, em consequência de sucessivas modificações subjectivas da instância (cfr., infra, D)), acabaram por ficar como Demandantes e como Demandadas as entidades seguintes:
-  Como Demandantes, a NG e a NS (as “Demandantes”);
-  Como Demandadas, a TV., a TL e a R (as “Demandadas”).
Nos termos do n.º 8 do artigo 3.º da citada Lei n.º 62/2011, após consulta às partes, foram fixadas pelo TA e fizeram-se constar da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral (arts. 14.º e ss.) as regras por que se rege o presente processo arbitral.
Ficou, nomeadamente, estabelecido, no art. 14.º da referida Acta de Instalação, o seguinte: «Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável e, em especial, na Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro (nomeadamente, a faculdade de recurso da decisão final para o Tribunal da Relação competente), aplicam-se à presente arbitragem as regras de processo previstas na presente acta de instalação. Os aspectos processuais omissos na presente acta de instalação serão regulados por decisão do Tribunal Arbitral, podendo este integrá-los por remissão para o Código de Processo Civil ou para o Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, de 1 de Março de 2014».
A Demandante NG foi notificada, em 16 de Fevereiro de 2016, para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar petição inicial e proceder ao pagamento da provisão.
Estando a decorrer o referido prazo, a referida Demandante fez entrar nos autos, em 11 de Março de 2016, requerimento suscitando a intervenção, na qualidade de Co-Demandadas, das sociedades T e R,. Notificadas para se pronunciarem sobre este requerimento, a TV., a TL e R requereram, por sua vez, em 7 de Abril de 2016, que fosse ordenada a intervenção da TL e da R nestes autos, em substituição da TV., e que fosse extinta a instância no que respeita a esta última.
Em 29 de Março de 2016, a Demandante NG apresentou a petição inicial, onde formulou os pedidos seguintes:
–     Ser a Demandada condenada a abster-se, no território português, ou com vista à comercialização nesse território, de importar, fabricar, armazenar, introduzir no mercado, vender ou oferecer os medicamentos objecto dos pedidos de AIM identificados no artigo 40 da Petição Inicial ou, sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas comerciais, quaisquer composições farmacêuticas combinadas para utilização no tratamento ou prevenção da hipertensão que compreenda valsartan e amlodipina, ou, quando apropriado, os seus sais farmaceuticamente aceitáveis, em que a composição combinada é uma forma de dose unitária combinada numa combinação fixa, enquanto os direitos de propriedade industrial da Novartis permanecerem em vigor, ou seja, até 9 de Julho de 2019;
–     Ser a Demandada condenada, com vista a garantir o exercício dos direitos da Demandante, a não transferir a terceiros os pedidos de AIM identificados no artigo 40 da Petição Inicial ou quaisquer outras AIMs ou pedidos de AIM que contenham a combinação de valsartan e amlodipina, ou um dos seus sais farmaceuticamente aceitáveis, numa forma de dose unitária combinada numa combinação fixa para utilização no tratamento ou prevenção da hipertensão, até à data de caducidade dos direitos ora exercidos, referida anteriormente;
–     Ser a Demandada condenada a pagar, nos termos do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 22.000 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida, de acordo com o acima exposto; e
–     Ser a Demandada condenada a pagar os custos da arbitragem, incluindo o reembolso das provisões efectuadas pela Demandante ao Tribunal e os honorários dos advogados da Demandante.
Seguiu-se o despacho de 29 de Abril de 2016 (Despacho n.º 2), pelo qual o TA decidiu:
a. Deferir o chamamento da TL e da R para intervirem na presente acção arbitral enquanto Co-Demandadas, prosseguindo a demanda também contra a TV.;
b. Conceder à Demandante NG o prazo de 15 dias para, querendo, completar a sua petição inicial, em face da decisão anterior;
c. Determinar que o prazo de 30 dias, para contestação das Demandadas, só começasse a contar a partir da data em que viessem a ser notificadas, pelo Tribunal, da apresentação do articulado referido na alínea anterior, ou, não havendo lugar à apresentação do mesmo, da data em que o Tribunal as notificasse do decurso do prazo para completamento da petição.
Em 12 de Maio de 2016, a Demandante NG submeteu ao Tribunal versão revista da respectiva petição inicial, em quer manteve inalterados os pedidos anteriormente deduzidos.
As Demandadas contestaram em 15 de Junho de 2016, assentando o essencial da respectiva defesa na excepção de invalidade/inoponibilidade da Patente Europeia n.º 2322174 e requerendo, em conformidade, que o TA as absolvesse dos pedidos formulados pela Demandante.
A título subsidiário, para a hipótese de o TA não se considerar competente para analisar a referida excepção, as Demandadas requereram que fosse ordenada a suspensão da instância arbitral, invocando encontrarem-se pendentes:
–     Acção de declaração de nulidade da Patente Europeia n.º 2322174, intentada em 30 de Maio de 2016, pela TL junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (“TPI”);
–     Processo de oposição apresentado no EPO/IEP, em 19 de Abril de 2016, contra a Patente Europeia n.º 2322174, por uma outra empresa do Grupo T (a TL). 
Em 6 de Setembro de 2016, a Demandante NG respondeu às excepções suscitadas na Contestação, sustentando, em síntese, que:
–    Não cabe na competência do TA decidir sobre a invalidade/inoponibilidade da Patente Europeia n.º 2322174;
–    Em todo o caso, a mencionada patente reúne os requisitos de patenteabilidade e é, por isso, válida;
–    A presente instância arbitral não deve ser suspensa pelo TA.
As Demandadas, devidamente autorizadas pelos Despachos n.º 3 e n.º 4 do TA, pronunciaram-se em 19 de Outubro de 2016 sobre os documentos que a Demandante NG juntou com o articulado de resposta às excepções.
Em cumprimento do despacho proferido pelo TA em 16 de Novembro de 2016 (Despacho n.º 5), as Demandadas juntaram aos autos certidão emitida pelo TPI, pela qual se comprova que em 30 de Maio de 2016 a Demandada TL intentou acção de declaração de nulidade da Patente Europeia n.º 2322174 e que a mesma ainda se encontrava na fase dos articulados.
Seguidamente, em 15 de Dezembro de 2016, o TA procedeu ao saneamento do processo através do Despacho n.º 6, tendo deliberado, por maioria dos juízes que o compõem:
a. Declarar a incompetência do Tribunal para apreciar e conhecer da excepção de invalidade/inoponibilidade da Patente Europeia n.º 2322174, deduzida pelas Demandadas na respectiva Contestação;
b.Não decretar a suspensão da instância requerida pelas Demandadas.
No dia 9 de Janeiro de 2017, o TA proferiu o Despacho n.º 7, pelo qual se decidiu:
a. Notificar as partes do projecto de Guião de Prova preparado pelo Tribunal, convidando as mesmas a apresentar as reclamações e sugestões que considerassem oportunas dentro do prazo de 10 dias;
b. Convidar as partes a requerer, dentro do mesmo prazo, as diligências complementares de prova que reputassem necessárias;
c.  Estender o prazo desta arbitragem pelo período adicional de um ano
Mediante requerimento entrado nos autos em 16 de Janeiro de 2017, a NS veio requerer a sua intervenção principal espontânea nos autos, como Co-Demandante, invocando que, por meio de contrato de licença de exploração assinado em 10 de Outubro de 2016, a Demandante NG lhe concedera uma licença não exclusiva para explorar, no território português, os direitos emergentes da Patente Europeia n.º 02322174. Em 6 de Fevereiro de 2017, o TA deliberou, por maioria dos seus membros, admitir a intervenção da NA., como Co-Demandante no presente processo arbitral (Despacho n.º 8).
Por seu turno, as Demandadas, no dia 17 de Janeiro de 2017, interpuseram recurso da parte do Despacho de 15 de Dezembro de 2016 (Despacho n.º 6), em que o TA se declarou incompetente para apreciar a excepção relativa à invalidade da patente EP232174, apresentando também nessa data as competentes alegações. As Demandantes contra-alegaram em 6 de Fevereiro de 2017 e, através do Despacho n.º 10, de 13 de Fevereiro de 2017, o TA deliberou, por maioria, não admitir a interposição do recurso. Esta última decisão foi objecto de reclamação por parte das Demandadas, em 9 de Março de 2017, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente a reclamação e decidido manter o despacho reclamado, em 24 de Abril de 2017.
Entretanto, depois de apreciar as sugestões e reclamações que as Demandantes e as Demandadas apresentaram relativamente ao projecto de Guião de Prova preparado pelo TA, respectivamente, nos dias 18 e 23 de Janeiro de 2017 e em 6 de Fevereiro de 2017, o Tribunal ordenou a notificação às Partes da versão final do mesmo em 9 de Fevereiro de 2017 (Despacho n.º 9).
Seguidamente, estando em curso a marcação da audiência de prova, o Tribunal determinou o reforço das provisões para honorários e despesas a constituir por cada uma das Partes (Despacho n.º 11, de 23 de Fevereiro de 2017). Mediante requerimento entrado nos autos em 2 de Março de 2017, as Demandadas requereram, porém, que esse despacho fosse “dado sem efeito” e fosse “proferido novo Despacho em que o montante dos reforços das provisões para os encargos arbitrais [fosse] reduzido para um valor razoável tendo em conta a efectiva actividade jurisdicional desenvolvida nos autos”. No dia 9 de Março de 2017, as mesmas Demandadas fizeram entrar nos autos um outro requerimento, em que solicitam uma série de esclarecimentos, alegadamente necessários para dar cumprimento ao aludido Despacho n.º 11. Nesse mesmo dia 9 de Março de 2017, as Demandadas apresentaram novo requerimento em que deram conta ao Tribunal de que haviam efectuado as transferências conforme indicado no despacho n.º 11, apenas com o intuito de evitar o desentranhamento da sua defesa. Por último, no dia 10 de Março de 2017, as Demandadas deram a conhecer ao TA o requerimento que, ainda no dia 9 de Março de 2017, fizeram entrar no Tribunal da Relação de Lisboa, tendo em vista a redução do montante dos honorários fixados pelo TA. Mediante despacho proferido em 10 de Março de 2017 (Despacho n.º 12), o TA entendeu por bem prestar alguns esclarecimentos às Demandadas, relegando a definitiva resolução do assunto para o Tribunal da Relação de Lisboa. Este último Tribunal viria a indeferir o pedido das Demandadas, mediante Acórdão proferido em 22 de Maio de 2017.
A audiência de prova teve lugar na data fixada por acordo entre as partes e o TA – 16 de Março de 2017 –, tendo sido ouvidas apenas duas testemunhas, ambas arroladas pelas Demandantes, a saber:
– a Senhora Dra. B, licenciada e mestre em Ciências Farmacêuticas, pós-graduada em Economia da Saúde pela Universidade de York, funcionária da NG, onde desempenha funções relacionadas com o pricing e acesso ao mercado e com a comparticipação de medicamentos, especialmente nas áreas de neurociências e oftalmologia e produtos maduros, como é o caso do Ex; e
– a Senhora Dra. M, economista e funcionária da N, exercendo a função de Marketing Science Manager, fazendo a gestão de análises de apoio a marketing e vendas, cenários de vendas, cenários de risco, análise da concorrência, análise do mercado e tendências.
Subsequentemente, no dia 22 de Março de 2017, as Demandantes fizeram entrar nos autos um requerimento em que transmitiram ao TA terem sido informadas de que a Teva iria iniciar a comercialização dos seus medicamentos genéricos a partir do dia 1 de Abril de 2017, juntando um documento destinado a comprovar esse facto. Pediram, por isso, ao TA que, ao contrário do que ficara acordado no final da audiência, a notificação das partes para alegações se fizesse imediatamente. Mediante comunicação electrónica efectuada no mesmo dia 22 de Março de 2017, as Demandantes vieram ainda esclarecer que, “caso o Tribunal [entendesse] que as transcrições [devessem] ser disponibilizadas a ambas as partes, [poderiam] fazer chegar às Demandadas uma cópia do documento que [iriam receber] da empresa que as Demandantes entretanto contrataram para o efeito e que [poderiam] suportar integralmente o custo dessas transcrições”.
Por despacho datado de 23 de Março de 2017 (Despacho n.º 13), o Tribunal deliberou que procederia à notificação prevista no art. 34.º da Acta de Instalação logo que as Demandantes lhe fornecessem cópia das transcrições dos depoimentos prestados em audiência e comprovassem ter disponibilizado essas mesmas transcrições às Demandadas. Em coerência, no dia 24 de Março de 2017, após as referidas transcrições terem sido disponibilizadas a ambas as partes, o TA determinou a respectiva notificação para, no prazo simultâneo de 30 (trinta) dias, apresentarem alegações por escrito, de facto e de direito (Despacho n.º 14).
Seguiu-se o requerimento apresentado pelas Demandadas em 11 de Abril de 2017, pelo qual vieram requerer a recusa do Presidente do Tribunal Arbitral. As Demandantes responderam a este requerimento em 28 de Abril de 2017, juntando à sua resposta dois documentos. Daí que, em 7 de Maio de 2017, o TA tivesse emitido um despacho (Despacho n.º 15) clarificando que ficaria a aguardar pela pronúncia das Demandadas sobre tais documentos, e só depois decidiria o incidente de recusa. Após pronúncia das Demandadas em 8 de Maio e de comunicação do Árbitro-Presidente tomando posição sobre o incidente e manifestando não ver fundamento ou motivo para renunciar às respectivas funções, o TA proferiu o Despacho n.º 17, julgando improcedente o incidente de recusa do Árbitro-Presidente.
Ambas as partes apresentaram alegações de facto e de direito no dia 5 de Maio de 2017.
Entretanto, no dia 2 de Maio de 2017, as Demandadas haviam informado o Tribunal de que, por apenso à acção de anulação da EP2322174, anteriormente intentada, a Demandada TL iria “requerer uma providência cautelar no Tribunal da Propriedade Intelectual peticionando a suspensão imediata dos efeitos da referida EP2322174”. Mais referiram que iriam juntar “cópia da referida providência cautelar aos presentes autos com a maior brevidade e, nessa altura, (…) [iriam] requerer a suspensão da instância arbitral até que o Tribunal da Propriedade Intelectual [proferisse] decisão quanto à referida providência cautelar”. Por requerimento de 12 de Maio de 2017, as Demandadas informaram o Tribunal de que, nesse mesmo dia, havia sido requerida a anunciada providência cautelar contra a Demandante NG perante o TPI, tendo nesse âmbito pedido “a suspensão dos efeitos da EP 2322174 durante a pendência da acção principal”. E mediante requerimento autónomo, datado do mesmo dia 12 de Maio de 2017, as Demandadas juntaram aos autos o referido requerimento inicial da providência cautelar, solicitando ao Tribunal que dele não desse conhecimento às Demandantes antes destas dele serem notificadas pelo Tribunal da Propriedade Intelectual.
Por despacho de 16 de Maio de 2017 (Despacho n.º 16), o TA determinou a notificação às Demandantes do requerimento referido no número anterior e da cópia do requerimento de providência cautelar, para exercício do contraditório sobre o pedido de suspensão da instância. As Demandantes pronunciaram-se em 18 de Maio de 2017, concluindo que “a suspensão da instância requerida pela T [deveria] ser totalmente rejeitada e a decisão final imediatamente proferida”. As Demandadas, por seu turno, responderam a este requerimento das Demandantes em 19 de Maio de 2017.
Seguiu-se novo requerimento das Demandadas, datado de 31 de Maio de 2017, reiterando o pedido de suspensão da presente instância arbitral, desta feita com fundamento na circunstância de o Tribunal Constitucional ter proferido um acórdão, em 24 de Maio de 2017, cujo teor, segundo a interpretação das Demandadas, daria suporte suplementar ao seu pedido. Responderam as Demandantes em 8 de Junho de 2017, afirmando, no essencial, que a matéria da suspensão da instância já fora “decidida pelo Tribunal Arbitral no Despacho n.º 6 e do qual a T não recorreu” e que o Acórdão n.º 251/2017 do Tribunal Constitucional, para além de não ter força obrigatória geral, se baseia em premissas totalmente erróneas.
No dia 9 de Junho de 2017, os árbitros que compõem o TA acordaram, por maioria:
a) Ordenar o desentranhamento do requerimento que as Demandadas fizeram entrar nos autos em 19 de Maio de 2017;
b) Não decretar a suspensão da instância requerida pelas Demandadas.
Após produção de prova foi proferido laudo final em que se deliberou:
a) Condenar as Demandadas a abster-se de, no território português, ou com vista à comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no mercado, vender ou oferecer os medicamentos objecto dos pedidos de AIM identificados no artigo 40 da Petição Inicial e na al. Q) dos Factos Assentes, ou, sob as mesmas ou quaisquer outras designações ou marcas comerciais, quaisquer composições farmacêuticas combinadas para utilização no tratamento ou prevenção da hipertensão que compreenda valsartan e amlodipina, ou, quando apropriado, os seus sais farmaceuticamente aceitáveis, em que a composição combinada é uma forma de dose unitária combinada numa combinação fixa, enquanto os direitos de propriedade industrial das Demandantes, emergentes da Patente Europeia n.º 2322174 permanecerem em vigor;
b) Absolver as Demandadas do pedido de proibição de transmissão das AIMs requeridas pela Demandada TV. e identificadas no artigo 40 da Petição Inicial e na al. Q) dos Factos Assentes, sem prejuízo de considerarem a decisão oponível a eventuais adquirentes das mesmas;
c) Condenar as Demandadas a pagar às Demandantes uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 12.000,00 (doze mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação constante da alínea a), se tal vier a suceder;
d) Repartir os encargos da arbitragem na proporção de 70% para as Demandadas e 30 % para as Demandantes.
Encargos
Ponderado o trabalho desenvolvido e o tempo por que se prolongou a presente arbitragem, o número de intervenientes, o conjunto de diligências processuais realizadas e reflectidas nos autos, que incluíram vários incidentes – dois incidentes de intervenção de terceiros e um incidente de recusa do Árbitro Presidente – e recursos e a prolação de 18 despachos intercalares, o valor dos interesses em jogo e as regras estabelecidas na Acta de Instalação do Tribunal Arbitral, que foram aceites pelas Partes, fixam-se os encargos com os honorários dos Árbitros e a remuneração da Secretária nos montantes de € 33.800,00 (trinta e três mil e oitocentos euros) para os honorários do Árbitro-Presidente, € 26.000,00 (vinte e seis mil euros para os honorários de cada um dos restantes árbitros e de € 2.000,00 (dois mil euros) para os da secretária do tribunal (valores acrescidos de IVA, se aplicável).
Constituem encargos adicionais da presente arbitragem as despesas realizadas com comunicações, fotocópias, parqueamento e aluguer de sala para realização da audiência de prova, que ascendem a € 303,00.
Depois de elaborada a conta final, devolva-se o eventual excesso de provisões constituídas.
Envie-se certidão ao INPI e ao Infarmed.
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Inconformadas, interpuseram TV, TL e R competente recurso cuja minuta concluíram da seguinte forma:
1. Foi requerida a suspensão dos autos enquanto a ação de declaração de nulidade está pendente perante o Tribunal de Propriedade Intelectual sob n.° 185/16.4YHLSB ou, alternativamente face ao processo de oposição pendente junto do Instituto Europeu de Patentes (IEP/EPO) contra a EP2322174, nos termos do disposto no artigo 272° do CPC, e ainda nos termos do artigo 30, n.° 3 da LAV, aplicável subsidiariamente de acordo com o disposto no artigo 3°, n.° 8 da Lei n.° 62/2011.
2. É incorreto que o Tribunal Arbitral não possa ordenar a suspensão da instância, visto que nos termos do artigo 19° da ata de instalação, a requerimento das partes, o tribunal pode ordenar a suspensão da instância.
3. A suspensão do processo é possível quando o tribunal arbitral entende ser justificado, sendo que esse é um dos poderes que de acordo com a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) atribui ao tribunal para “conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado” (artigo 30, n.° 3 da LAV, aplicável subsidiariamente de acordo com o disposto no artigo 3°, n.° 8 da Lei n.° 62/2011).
4. A necessidade da suspensão da instância é acentuada face ao princípio constitucional a um processo justo e equitativo, em situações como a presente em que o único meio de defesa é invocar que a patente EP 2322174 não preenche os requisitos de patenteabilidade.
5. O prazo de doze meses para proferir decisão não pode constituir um obstáculo à suspensão, visto que no artigo 38° da ata de instalação está previsto que tal prazo pode ser prorrogado, o que está de acordo com o artigo 43° da LAV.
6. A decisão do Tribunal Arbitral contraria em absoluto o acórdão muito recentemente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo n.° 1248/14.6YRLSB.S1.
7. O despacho saneador viola o disposto no artigo 19° da ata de instalação, o artigo 272° do CPC, o artigo 30°, n.° 3 da LAV, os artigos 19° e 38° da ata de instalação e artigo 43° da LAV.
8. O despacho n.° 18 contém uma manifestamente errada interpretação da Lei, nomeadamente do artigo 272° do CPC devendo ser revogado em conformidade.
9. No que concerne ao argumento de que as Recorrentes não interpuseram recurso do despacho que anteriormente indeferiu a suspensão da instância, resulta manifesto que o Tribunal Arbitral desconhece a lei, porquanto o artigo 644°, n.° 2 do CPC é claro ao não admitir recursos de despachos intercalares que indeferem a suspensão da instância.
10. O Tribunal Arbitral perfilhou nos presentes autos o entendimento de que o disposto no artigo 3°, n.° 7 da Lei n.° 62/2011 não admite recursos de despachos intercalares.
11. Ou seja, o Tribunal Arbitral entende que não são admissíveis recursos dos despachos intercalares, nomeadamente o despacho que indeferiu a suspensão da instância. Mas, o facto de as Recorrentes não terem interposto um recurso (que segundo o próprio Tribunal Arbitral jamais seria admitido) terá um aparente efeito processual.
12. Na sentença arbitral o Tribunal Arbitral deu como provado que as “Demandadas já se encontram a comercializar os seus medicamentos genéricos”, com base em requerimento apresentado pelas Recorridas já após a audiência de julgamento. Mas não aceita um requerimento de suspensão apresentado após a audiência de julgamento pelas Recorrentes.
13. O Tribunal Arbitral parece adotar dois critérios: o requerimento no qual foram alegados factos novos pelas Recorridas e documentos juntos com o mesmo são admissíveis após o encerramento da discussão, mas o mesmo não ocorre com o requerimento apresentado pelas Recorrentes.
14. As Recorrentes viram-se forçadas a requerer a providência cautelar junto do Tribunal da Propriedade Intelectual face à reiterada recusa do Tribunal Arbitral em apreciar a defesa das Recorrentes no processo arbitral.
15. O despacho n.° 18 proferido pelo Tribunal Arbitral no dia 9 de junho de 2017 viola o disposto no artigo 19° da ata de instalação, os artigos 272° e 644°, n.° 2 do CPC, o artigo 30°, n.° 3 da LAV, artigo 38° da ata de instalação e artigo 43° da LAV.
16. O Tribunal Constitucional esclareceu quaisquer dúvidas sobre a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 1° a 3° da Lei n.° 62/2011 em conjugação com o artigo 35° do CPI no sentido de não ser admissível pelo tribunal a apreciação da defesa da Demandada quando tal defesa assenta na invalidade do direito de propriedade industrial.
17. O despacho saneador perfilhou uma interpretação da lei manifestamente inconstitucional e contrária à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional.
18. O regime do artigo 35° do CPI apenas atribui competência exclusiva aos tribunais judiciais quando o que se pretende é obter a declaração de nulidade ou a anulação da patente, com eficácia erga omnes, não impedindo que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a nulidade incider tantum, ou a título de exceção.
19. Não foi requerido ao Tribunal revogasse a patente ou que declarasse a nulidade dessa patente com eficácia erga omnes.
20. As Recorrentes limitaram-se a contestar que a substância ativa contida nos seus medicamentos violasse a patente mediante a alegação dos factos que demonstram que a patente em causa não preenche os requisitos de patenteabilidade porquanto carece de atividade inventiva e contém matéria adicionada, sendo por isso nula e, nessa medida inoponível às Recorrentes.
21. A Lei n.° 62/2011 impôs a submissão destes litígios a arbitragem necessária, sem estabelecer qualquer limitação dos meios de defesa do Demandado, os quais, nessa medida, são os mesmos que poderiam ser invocados perante o tribunal judicial.
22. De acordo com a Proposta de Lei n° 13/XII, a intenção do legislador foi consagrar um mero sistema alternativo de arbitragem em relação aos tribunais de primeira instância, com recurso para o Tribunal da Relação.
23. O sistema de arbitragem necessária só pode ser considerado um verdadeiro sistema alternativo em relação aos tribunais de primeira instância caso sejam assegurados ao Demandado os mesmos meios de defesa de que o Réu dispõe junto do Tribunal do Estado. 
24. A defesa das Recorrentes quanto à EP 2322174 assentou na alegação de que (obviamente) a patente é nula.
25. A sujeição de um litígio à arbitragem necessária não pode implicar uma restrição dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados.
26. A presunção prevista no artigo 4°, n° 2 do CPI (a que alude o despacho recorrido), relativa aos requisitos da concessão da patente, é uma mera presunção juris tantum, o que permite ao demandado fazer a prova do contrário. Só assim se garante uma justa composição do litígio.
27. O princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva prevista no artigo 20°, n.° 2 da CRP deverá ser apreciado na sua vertente de garantia de um processo equitativo porquanto assume uma das dimensões em que a tutela jurisdicional efetiva foi violada pela interpretação da Lei n.° 62/2011 pelo Tribunal Arbitral.
28. A restrição dos meios de defesa impede que os factos alegados por uma das partes como sendo causa de pedir sejam impugnados pela outra parte, em manifesto prejuízo do princípio da igualdade.
29. A interpretação da Lei n.º 62/2011 de 12 de dezembro no sentido de que “não se afigura, pois, ficar abrangida a discussão sobre a existência ou a validade da própria validade da patente (...) mesmo que a título incidental” é inconstitucional por violação do princípio da proibição de indefesa previsto no artigo 20°, em conjugação com o artigo 18°, n.° 2 ambos da Constituição da República Portuguesa, devendo o despacho saneador ser revogado e substituído por despacho que admita a defesa deduzida pelas Recorrentes.
30. O artigo 104° do Código de Propriedade Industrial determina de forma expressa que os direitos decorrentes de uma patente podem ser inoponíveis. Assim, não existe qualquer fundamento que impeça o tribunal de conhecer, a título incidental, a validade dessa patente no âmbito de uma ação intentada com fundamento na alegada infração dessa patente.
31. O que a jurisprudência do TJEU na decisão C-4/03 proíbe é a apreciação, tanto por via reconvencional como por via de exceção, da invalidade de um direito de propriedade industrial por parte de um tribunal de um Estado Membro que não seja o tribunal do Estado Membro onde tenha sido concedido o referido direito industrial.
32. O despacho saneador proferido pelo tribunal arbitral, no qual este interpretou o disposto nos artigos artigo 3° da Lei n.° 62/2011, artigo 91°, n.° 1 do CPC e artigo 35° do CPI no sentido de que tais normativos afastam a competência do tribunal arbitral para apreciar uma contestação na qual foi deduzida uma exceção perentória impeditiva de invalidade da patente, constitui uma clara violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva na vertente do princípio do acesso à Justiça, direito a defesa, processo justo e equitativo estatuído no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
33. O Tribunal Arbitral fez uma errada interpretação do artigo 35°, n.° 1 CPI, artigo 111°, n.° 1, al. c) da LOSJ e artigo 89°-A, n.° 1 al. c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais. 34. No despacho n.° 9 Tribunal Arbitral escusou-se a pronunciar-se sobre cada uma das ilegalidades do projeto de guião de prova invocadas pelas Recorrentes, remetendo para considerações sobre a autenticidade de documentos e informação contida na página do Infarmed e Agência Europeia do Medicamento.
35. As Recorrentes apresentaram um projeto de guião de prova com todas as alterações sugeridas devidamente identificadas, como, tal projeto vinha acompanhado de uma reclamação na qual cada uma das alterações foi devidamente fundamentada nos articulados apresentados pelas Partes.
36. O único documento autêntico junto aos autos pelas Recorridas corresponde a certidão da patente que contêm a descrição e reivindicações da patente, mas em parte alguma estão vertidas naquele documento autêntico (ou em qualquer documento particular) as conclusões das Recorridas sobre o âmbito de proteção das reivindicações da patente sob litígio.
37. No artigo 238° sua contestação, as Recorrentes afirmaram de modo claro, expresso e indubitável que dava por impugnado “o alegado na petição inicial, à exceção dos artigos 23, 25 a 28, 30, 31, 40, 41 e 48”.
38. Nos termos do disposto no artigo 615° a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, aplicável aos despachos por força do artigo 613°, n.° 3 do CPC.
39. O despacho n.° 9 proferido pelo Tribunal Arbitral ser julgado nulo por omissão, nos termos do artigo 615° do CPC conjugado com o artigo 613°, n.° 3 do CPC devendo ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal Arbitral para que seja proferido novo despacho e o processo seguir os seus trâmites nos termos legais.
40. O despacho n.° 9 e o guião de prova fixado pelo Tribunal Arbitral deverão ser reapreciados, revogados e substituídos por decisão que tenha em atenção a reclamação apresentada pelas Recorrentes e consequentemente os factos contidos nos pontos G), K), L), M), P), Q), R), S), V) e W) da matéria assente deverão ser removidos da matéria assente e aditados à base instrutória.
41. Atenta a alteração substância da matéria dada como assente e a base instrutória, não se poderá deixar de concluir que as ilegalidades contidas no despacho n.° 9 influíram de forma determinante na decisão da causa. E, consequentemente, deverá ser revogada a sentença em conformidade.
42. Na sentença o Tribunal Arbitral deu como provados factos novos invocados pelas Recorridas no requerimento apresentado no dia 28 de abril de 2017, isto é já após a audiência de julgamento.
43. Em momento algum até à sentença, o Tribunal Arbitral proferiu qualquer despacho a ordenar o aditamento daqueles factos aos temas da prova e notificando as Recorrentes para se pronunciar.
44. O Tribunal Arbitral fundamenta a sua decisão no artigo 588° do CPC, o qual limita os articulados supervenientes até à audiência de julgamento, pelo que não seria aplicável in casu e mesmo que fosse aplicável o artigo 588° do CPC, sempre deveria o Tribunal Arbitral ter proferido um despacho liminar de admissão do articulado superveniente, concedendo um prazo de 10 dias para a parte contrária se pronunciar, o que não fez.
45. A sentença arbitral é nula por constituir uma decisão surpresa, que violou o princípio do contraditório previsto no artigo 3°, n.° 3 do CPC e no artigo 30° da LAV, devendo ser declarada nula atento o disposto no artigo 615°, n.° 1 al. d) e ainda 195°, n.° 1 e n.° 2, ambos do CPC.
46. Da ata de instalação decorre de forma clara (são os próprios Exmos. Senhores Árbitros que afirmam “para evitar qualquer dúvida”) que os honorários do Árbitro Presidente ascenderão “no máximo, a € 26.000,00.”, mas a sentença determina o montante de € 33.800,00 para os honorários do Árbitro Presidente.
47. No que concerne aos honorários dos restantes árbitros, a ata de instalação prevê um máximo de € 20.000,00. No entanto na sentença prevê um montante de € 26.000,00 para cada um deles.
48. Na sentença o Tribunal Arbitral não faz qualquer menção ao referido artigo 44.° da acta de instalação e mesmo que tivesse havido uma particular complexidade e o Tribunal Arbitral pretendesse aplicar o artigo 44.° da acta de instalação, tal decisão sempre deveria ser precedida da audição das partes.
49. O Tribunal Arbitral em momento algum notificou as Partes para estas se pronunciarem sobre tal matéria.
49. Não tendo sido ouvidas as Partes antes da fixação de uma majoração dos honorários dos Árbitros, o artigo 44.° da acta de instalação foi violado de forma manifesta.
50. A decisão proferida pelo tribunal arbitral relativamente à matéria de encargos violou o artigo 44.° da ata de instalação, e ainda os o princípio basilar ao contraditório previsto nos artigos 3°, n.° 3 do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser declarada nula atento o disposto no artigo 615°, n.° 1 al. d) e ainda 195°, n.° 1 e n.° 2, ambos do CPC.
51. O Tribunal Arbitral decidiu absolver as Recorrentes do pedido de proibição de transmissão das AIMs requeridas pela Recorrente Teva.
52. O Tribunal Arbitral foi além do que foi peticionado pelas Recorridas, decidindo julgar oponível a sentença arbitral a terceiros estranhos ao processo.
53. O pedido de proibição de transmissão das AIMs e o pedido e extensão de oponibilidade da sentença a terceiros estranhos ao procesos arbitral não têm qualquer identidade.
54. A sentença deverá ser declarada nula por excesso de pronúncia atento o disposto no artigo 615°, n.° 1 al. d) e ainda 195°, n.° 1 e n.° 2, ambos do CPC e consequentemente, a sentença deverá ser julgada nula e revogada em conformidade.
55. No facto n.° 1 da matéria dada como provada em audiência, o Tribunal Arbitral ultrapassou largamente o quesito formulado pelo Tribunal Arbitral no guião de prova.
56. Quanto ao facto n.° 4 da matéria dada como provada em audiência, o facto dado como provado pelo Tribunal Arbitral não está relacionado com o quesito formulado no ponto n.° 4) no guião de prova.
57. O Tribunal Arbitral ao apreciar a matéria de facto na sentença arbitral ultrapassou largamente os quesitos formulados pelo Tribunal Arbitral, em manifesta violação dos artigos 25° e 40° da ata de instalação.
58. O quesito 4) respeita ao valor que representam as vendas que poderiam alcançar os medicamentos genéricos valsartan + amlodipina.
59. Do depoimento da testemunha B (constante da transcrição de Depoimentos – ficheiro áudio – 16 de março de 2017 - com início a 00:01:43 e fim a 00:12:01 - pág. 3 – 9) não resultou demonstrado o facto alegado no ponto 4).
60. Do depoimento da testemunha M (constante da transcrição de Depoimentos – ficheiro áudio – 16 de março de 2017 - com início a 00:13:44 e fim a 00:32:17 - pág. 10 – 22) não resultou o facto alegado no ponto 4).
61. O facto n.° 4) deverá ser dado como não provado.
62. Do depoimento da testemunha M (constante da transcrição de Depoimentos – ficheiro áudio – 16 de março de 2017 - com início a 00:13:44 e fim a 00:32:17 - pág. 10 – 22) resultou demonstrado que o facto n.° 6) deverá ser dado como não provado.
63. A decisão que absolveu as Recorrentes do pedido de proibição da transmissão das AIMs mas considerou a decisão oponível quanto a terceiros estranhos ao processo arbitral, a mesma padece de uma manifestamente errada interpretação da lei, nomeadamente dos artigos 101°, n.° 1 e 2 do Código da Propriedade Industrial (CPI), 263°, n.° 3, 619°, n.° 1 e 581° do CPC.
64. Os artigos 581° e 619°, n.° 1 do CPC respeitam ao caso julgado, ou seja, em nada estão relacionados com a oponibilidade da decisão arbitral a terceiros.
65. O artigo 263° do CPC não é aplicável aos processos arbitrais.
66. O legislador não fez menção à aplicação subsidiária daquela norma do CPC ao regime da Lei n.° 62/2011 ou da Lei n.° 63/2011.
67. O sistema processual civil baseia-se num princípio do juiz natural, o que não é regra do processo arbitral.
68. O corolário do princípio do contraditório no processo arbitral advém do direito de intervenção das Partes na constituição do Tribunal Arbitral.
69. Interpretar-se o artigo 3° da Lei n.° 62/201 no sentido de que a sentença é oponível aos terceiros adquirentes das AIMs é suprimir o direito ao contraditório, constituindo dessa forma uma interpretação inconstitucional do referido artigo 3° da Lei n.° 62/2011 por violação do princípio a uma defesa efetiva decorrente dos artigos 20° e 18° da C.R.P.
70. As Recorrentes devem ser absolvidas do pedido de condenação de não transmissão da AIM a terceiros, sem outras conclusões do Tribunal Arbitral quanto a esta matéria.
71. O Tribunal Arbitral faz uma manifestamente errada interpretação do artigo 829°-A do CC.
72. Nos termos do artigo 829°-A do CC, o tribunal só deve condenar o devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória quando as circunstâncias do caso o justifiquem e sempre segundo critérios de razoabilidade.
73. Existe uma corrente jurisprudencial segundo a qual os Tribunais Arbitrais carecem de competência para apreciar sequer a sanção pecuniária compulsória.
74. Não só o despacho saneador, como o despacho que decidiu sobre a reclamação sobre o
guião de prova e a sentença arbitral padecem de nulidades e erros manifestos na apreciação da matéria de facto e de direito.
75. As Recorrentes deverão ser absolvidas da instância ou, caso assim não se entenda, dos pedidos e face à absolvição das Recorrentes sempre deverão ser igualmente absolvidas do pagamento de quaisquer encargos com o processo.
76. O Tribunal Arbitral fez uma manifestamente errada interpretação do artigo 42°, n.° 5 da Lei da Arbitragem Voluntária, devendo a sentença proferida pelo tribunal recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes dos pedidos.
77. O valor fixado pelo Tribunal Arbitral para encargos arbitrais viola o disposto no artigo 41° da ata de instalação.
78. Os encargos arbitrais deverão ser reduzidos ao abrigo do disposto no artigo 17°, n.° 3 da Lei de Arbitragem Voluntária, face à manifesta simplicidade dos autos.
79. O Tribunal Arbitral recusou apreciar a defesa das Recorrentes em matéria da invalidade da EP 2322174.
80. A audiência de julgamento teve a duração de 32 minutos e 18 segundos.
81. O processo arbitral não assumiu qualquer complexidade, bem pelo contrário.
82. A fixação dos encargos arbitrais no montante total de € 87.800 (oitenta e sete mil oitocentos euros), em um processo em que o Tribunal Arbitral se recusou a apreciar a defesa deduzida pelas Recorrentes afigura-se manifestamente desproporcional, face à simplicidade da matéria em apreço.
83. Muito embora os tribunais arbitrais não assumam a natureza de tribunais enquanto órgãos de soberania, não podem deixar de ser entendidos como um tribunal, pelo que está sujeito ao artigo 20°, n.° 1 da CRP e, consequentemente, está vinculado aos princípios da proporcionalidade e do livre acesso ao direito, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (art. 20° da CRP). Deverá ser revogada a decisão do Tribunal Arbitral que fixou os encargos arbitrais em € 87.800, e substituída por uma decisão que fixe os encargos arbitrais em montante acordo com a complexidade do processo em apreço, ao abrigo do disposto no artigo 17°, n.° 3 da Lei da Arbitragem Voluntária.
Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e consequentemente:
a) revogue o despacho saneador e ordene a suspensão da instância na pendência do processo de declaração de nulidade da EP 2322174, e tendo a decisão contida naquele despacho influído diretamente na sentença esta deverá ser revogada em conformidade;
b) revogue o despacho n.° 18 e ordene a suspensão da instância arbitral na pendência da providência cautelar requerida para a suspensão da EP 2322174, e tendo a decisão contida naquele despacho influído diretamente na sentença esta deverá ser revogada em conformidade;
c) revogue o despacho saneador que declarou a incompetência do tribunal arbitral, ordenando a apreciação da validade da EP2322174, e tendo a decisão contida naquele despacho influído diretamente na sentença esta deverá ser revogada em conformidade;
d) julgue o despacho n.° 9 que apreciou a reclamação sobre o guião de prova nulo por omissão de pronúncia e revogue o despacho e a sentença que se baseou no guião de prova fixado pelo Tribunal Arbitral, e tendo a decisão contida naquele despacho influído diretamente na sentença esta deverá ser revogada em conformidade;
e) revogue o despacho n.° 9 e reaprecie a reclamação apresentada pela Recorrente quanto ao guião de prova e, e tendo a decisão contida naquele despacho influído diretamente na sentença esta deverá ser revogada em conformidade;
f) julgue a sentença arbitral nula por violação do princípio do contraditório por constituir uma decisão surpresa e revogue a sentença em conformidade;
g) julgue a sentença arbitral nula por excesso de pronúncia e revogue a sentença em conformidade;
h) reaprecie a matéria de facto e a prova produzida nos autos e revogue a sentença arbitral na parte em que deu como provado os factos n.° 4 e n.° 6 e dê como provado apenas o facto n.° 1 nos termos redigidos no guião de prova;
i) revogue a sentença por erro na interpretação do direito e substitua a sentença por outra que absolva a Recorrente dos pedidos identificados nas alíneas a) a e) da sentença recorrida;
j) revogue a sentença em matéria de encargos arbitrais e reduza os encargos de forma proporcional ao trabalho realizado pelo Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 17°, n.° 3 da LAV’’.
As recorrentes apresentaram contra-alegações tendo concluído deste modo:
“a) devem ser as Recorridas imediatamente absolvidas dos pedidos d), e), f) e g);
b) improcedem todas as conclusões das Recorrentes , devendo ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se integralmente a decisão arbitral, assim se fazendo justiça’’.
***
São de considerar assentes os seguintes enunciados de dados de facto:
A. A Demandante NG  é titular da Patente Europeia n.º 02322 174 (Art. 23.º PI + Doc. 1 PI + Art. 238.º Cont.).
B. A Patente Europeia n.º 02322 174 é uma patente divisionária da EP 1 870 098, que, por sua vez, é um pedido divisionário da EP 1 096 932 (Art. 25.º PI + Arts. 11.º a 13.º e 238.º Cont. + Docs. 3 a 5 Cont.).
C. A Patente Europeia n.º 02322 174 tem a mesma data de submissão (9 de Julho de 1999) e a mesma data de prioridade da EP 1 096 932 (10 de Julho de 1998) (Art. 26.º PI + Arts. 8.º e 238.º Cont.).
D. A concessão da Patente Europeia n.º 02322 174 foi publicada no Boletim Europeu de Patentes a 23 de Setembro de 2015 (Art. 27.º PI + Doc. 1 PI + Art. 238.º Cont. + Doc. 2 Cont.).
E. A Patente Europeia n.º 02322 174 tem como data limite de vigência 9 de Julho de 2019 (Art. 28.º PI + Doc. 1 PI + Art. 238.º Cont.).
F. A Patente Europeia n.º 02322 174 foi validada em Portugal em 7 de Outubro de 2015 (Art. 29.º PI + Doc. 1 PI).
G. A Patente Europeia n.º 02322174 refere-se a uma composição farmacêutica combinada para utilização no tratamento ou prevenção da hipertensão que compreende valsartan e amlodipina, ou, quando apropriado, e em cada um dos casos, um dos seus sais farmaceuticamente aceitáveis, em que a composição combinada é uma forma de dose unitária combinada numa combinação fixa (Arts. 11.º e 24.º PI + Doc. 1 PI).
H. A Patente Europeia n.º 02322 174 contém 2 reivindicações (Art. 31.º PI + Doc. 1 PI + Art. 238.º Cont.).
I) A reivindicação 1 da Patente Europeia n.º 02322 174 tem a redacção seguinte:
«Composição farmacêutica combinada para utilização no tratamento ou prevenção da hipertensão  que compreende:
(i) o antagonista do AT1 valsartan ou um seu sal farmaceuticamente aceitável;
(ii) amlodipina ou um seu sal farmaceuticamente aceitável; e um veículo farmaceuticamente aceitável, em que a composição combinada é uma forma de dose unitária combinada numa combinação fixa» (Art. 32.º PI + Doc. 1 PI + Art. 28.º Cont.).
J) A reivindicação 2 da Patente Europeia n.º 02322174 tem a redacção seguinte:
«Composição farmacêutica combinada para utilização de acordo com a reivindicação 1, em que o componente (ii) é besilato de amlodipina» (Art. 33.º PI + Doc. 1 PI + Art. 28.º Cont.).
K) Por meio de contrato de licença de exploração assinado em 10 de Outubro de 2016, a Demandante NG concedeu à Demandante Interveniente NS uma licença não exclusiva para explorar, no território português, os direitos emergentes da Patente Europeia n.º 02322174 (Art. 2.º do Requerimento da Demandante Interveniente de 16.01.2017  + Doc. junto com esse requerimento).
L) Um dos direitos concedidos à Demandante Interveniente NS ao abrigo do referido Contrato de Licença é o direito de, isoladamente ou em conjunto, intentar em Portugal quaisquer acções judiciais ou arbitrais ou procedimentos cautelares com vista à protecção da Patente Europeia n.º 02322174 (Art. 3.º do Requerimento da Demandante Interveniente de 16.01.2017  + Doc. junto com esse requerimento).
M) O Contrato de Licença referido em K) está devidamente averbado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Art. 3.º do Requerimento da Demandante Interveniente de 16.01.2017  + Doc. junto com esse requerimento).
N. Em Portugal, a associação medicamentosa de valsartan e amlodipina é comercializada pelo Grupo N, sob as marcas comerciais C® e EX (Art. 10.º PI + Doc. 4  O) O EX é um medicamento que contém valsartan e amlodipina como substâncias activas, esta última na sua forma de sal besilato (Art. 9.º PI + Doc. 4 PI + http://app10.infarmed.pt/infomed/lista.php).
P) A associação de valsartan e amlodipina é comercializada em Portugal com a seguinte composição, dosagens e forma farmacêutica (Art. 86.º PI + Doc. 4 PI +
Q) A 27 de Fevereiro de 2015, o INFARMED publicou na lista “Publicação para efeitos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto”, disponível na sua página electrónica oficial, os pedidos de AIM para medicamentos contendo a associação de valsartan e besilato de amlodipina, requeridos pela Demandada TV, nos termos indicados abaixo (Art. 40.º PI + Doc. 2 PI + Art. 238.º Cont.):
R. Por meio de certidão emitida pelo INFARMED no dia 24 de Fevereiro de 2016 (a qual foi posteriormente corrigida, sendo a nova certidão datada de 23 de Março de 2016), a Demandante NG tomou conhecimento de que, nos pedidos de AIM que originaram os presentes autos, foram indicadas como futuras titulares outras sociedades que não a Demandada TV:
- para os pedidos de AIM com os números de ID 594102, 594103 e 5914104, a TV indicou a Demandada TL como futura titular das AIM;
- para os pedidos de AIM com os números de ID 594105, 594106 e 5914107, a Demandada R foi indicada como futura titular das AIM (Art. 40.º PI + Doc. 3 PI + Art. 238.º Cont.).
S. Os genéricos valsartan+besilato de amlodipina T contêm a combinação das substâncias ativas valsartan e besilato de amlodipina (Art. 44.º PI + Doc. 2 PI).
T. O besilato de amlodipina é um sal farmaceuticamente aceitável de amlodipina (Art. 45.º PI + Docs. 1 e 4 PI + Arts. 115.º a 118.º Cont.).
U. Atendendo a que a Demandada TV requereu AIMs para comprimidos revestidos por película para uso farmacêutico, os referidos medicamentos contêm, necessariamente, um veículo farmaceuticamente aceitável (Art. 46.º PI + Docs. 2, 3 e 4 PI).
V) Conforme publicitado pelo INFARMED, os pedidos de AIM relativos aos medicamentos genéricos com as substâncias ativas valsartan+besilato de amlodipina Teva referem a forma de dosagem de comprimidos revestidos por película, compreendendo valsartan+besilato de amlodipina, ou seja, numa apresentação na forma de dose unitária combinada numa combinação fixa (Art. 47.º PI + Docs. 2 e 3 PI).
W) O EX é o medicamento de referência dos genéricos valsartan+besilato de amlodipina Teva (Art. 48.º PI + Doc. 2 PI + Art. 238.º Cont.).
X) O resumo das características do medicamento EX aprovado mostra que este é indicado para o tratamento da hipertensão essencial (Art. 50.º PI + Doc. 4 PI).
Y. As Demandadas não solicitaram nem obtiveram, de algum modo, o consentimento da Demandante NG. para explorar a invenção protegida pela Patente Europeia n.º 02322 174 (Art. 55.º PI + 168.º a 170.º Cont.).
Z. Ensaios clínicos demonstraram que o uso de uma combinação fixa de valsartan e amlodipina é eficaz no tratamento da hipertensão e proporciona vantagens em relação às monoterapêuticas daquelas substâncias activas (Art. 22.º PI + Doc. 1 e Doc. 4 PI).
AA. Actualmente, Portugal encontra-se incluído nos cabazes de 10 países da UE, bem como nalguns cabazes de países não pertencentes à EU (Art. 95.º PI + Doc. 5 PI).
BB. Em virtude de um ajuste dos preços ocorrido em Janeiro, o Ex 5mg/80mg tem um preço de venda ao público de 30,53 € e um PVA — Preço de Venda ao Armazenista — de 20,03 €, e o Ex 5mg/160mg tem um PVP de 40,28 € e um Preço de Venda ao Armazenista de 28,68 €;
CC. Os preços dos genéricos valsartan+besilato de amlodipina da T não sofreram alteração em função do referido ajuste, pois já estavam aprovados;
DD. Para o genérico valsartan+besilato de amlodipina da T de 5mg/80mg o Preço de Venda ao Público será de 16,96 € e o PVA de 11,29 € e para o 5mg/160mg de 20,64 € e de 14,53 €.
EE. Os volumes de vendas a armazenistas dos medicamentos EX e C em Portugal, em termos de unidades e valor, foram:
- No ano de 2013, de 434.118 unidades e de € 15.146.310;
- No ano de 2014, de 447.906 unidades e de € 14.929.305;
- No ano de 2015, de 464.094 unidades e de € 12.647.717;
- No ano de 2016, de 464.109 unidades e de € 12.324.365.
FF. Os genéricos terão de ter um preço pelo menos 50% abaixo do medicamento originador, o qual será o seu preço máximo de comercialização.
GG. Com novas entradas de genéricos, esse preço sofre uma redução adicional de, sensivelmente, 5%.
HH. Quando é criado um grupo homogéneo, é fixado um preço de referência determinado pela média dos 5 preços mais baixos, para cada grupo homogéneo, ou seja, para cada dosagem, para cada apresentação e esse preço de referência determina o co-pagamento do doente para cada uma das apresentações.
II. A qualquer momento podia ser criado um grupo homogéneo para o Ex, dado que as AIMs solicitadas pela T já tinham sido concedidas e os preços já haviam sido administrativamente fixados.
JJ. De qualquer modo, a T poderia lançar imediatamente no mercado o seu medicamento genérico, pois tem a AIM concedida e os preços fixados.
KK. No primeiro ano, é expectável que a T consiga conquistar 55% do volume de vendas desses dois produtos das Demandantes e, no segundo ano, à roda de 68%, naturalmente depois traduzido para o preço que a T tem.
LL. Através da observação de muitos outros mercados e muitas outras moléculas há uma consistência em torno dos 50% / 60% de erosão no primeiro ano.
MM. Apesar de ser possível que as empresas originadoras, quando se dá o lançamento do medicamento genérico no mercado, para tentarem manter a quota de mercado que possuíam, reduzam o preço dos seus medicamentos, normalmente, tal opção não é viável, principalmente por causa do sistema de referenciação internacional de preço que está em vigor, pois isso poderá ter um impacto muito grande noutras filiais das empresas originadoras.
NN. Um documento contendo uma listagem, enviada à N e a outras empresas farmacêuticas, dos medicamentos comparticipados com início de comercialização a 1 de Abril de 2017, inclui genéricos Amlodipina+Valsartan Teva, comprimidos revestidos por película nas dosagens 5 mg + 160 mg (caixa de 56 comprimidos), 5 mg + 80 mg (caixas de 14 e 56 comprimidos).
OO. As demandadas já se encontram a comercializar os seus medicamentos genéricos, Amlodipina+Valsartan Teva, nas dosagens 5 mg + 160 mg e 5 mg + 80 mg.
***
Do Direito
TV., TL e R interpuseram recurso do acórdão arbitral, datado de 23 de junho de 2017, bem como do despacho saneador, proferido no dia 15 de dezembro de 2016, do despacho n.° 9 proferido no dia 9 de fevereiro de 2017, que decidiu sobre as reclamações apresentadas pelas Recorrentes ao guião de prova, e ainda do despacho n.° 18 proferido no dia 9 de junho de 2017, que indeferiu a suspensão da instância arbitral.
A prática das últimas décadas tem demonstrado que a par da sentença final podem coexistir no processo arbitral diferentes decisões interlocutórias (e até pós-finais).
Dispõe o artigo 2º da Lei 62/2011, de 14 de Dezembro sob a epígrafe “Arbitragem necessária”: “Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na acepção da alínea ii) do nº 1 do artigo 3° do Decreto-Lei nº 176/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.”

E estabelece-se no nº 7 do artigo 3º (instauração do processo) que “Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo”.


O que significa, até mesmo pela sequência de tramitação em que se mostra inserido aquele nº 7, ser admissível recurso da decisão arbitral final.

Tal não significa, porém, que as decisões interlocutórias não sejam sindicáveis.
Como se decidiu na decisão singular de 10.03.2016 desta Relação - Processo 402/16.OYRLSB-8 - e no Ac. RL , de 11.09.2014 - Processo n.º 775/14.0YLRLSB-, ambos em  www.dgsi.pt, “no âmbito de uma arbitragem necessária instituída nos termos da Lei nº 62/2011, de 12/12, não é admissível recurso imediato da decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que não tem competência, só podendo esta decisão ser impugnada de forma diferida, no recurso interposto da decisão final”.
 Na doutrina, refere Armindo Ribeiro Mendes: “Apesar de o Código de Processo Civil Português prever a impugnação autónoma por recurso de apelação relativamente a certas decisões interlocutórias em matéria processual (nomeadamente, quanto às decisões sobre suspensão da instância ou de admissão e rejeição de meios prova ou ainda quanto a medidas cautelares  - art. 691.º, n.º 2, alíneas f),i) e l), deste diploma – hoje artigo 644.º, n.º 1, al. a), n.º 2 , alíneas c) e d)), ainda que as partes do processo arbitral tenham o direito de recorrer, não o poderão fazer de forma imediata, não o poderão fazer de forma imediata, por tal não estar previsto na NLAV.
Isto não significa, claro, que, no recurso que venham a interpor da decisão final as partes não possam suscitar a ilegalidade de certas decisões interlocutórias. Terá de se aplicar aqui , por um lado, o disposto no art. 691.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (hoje artigo 644.º, n.º 3) e, por outro, o princípio do carácter abrangente dos recursos das decisões arbitrais que estava expressamente contemplado no art. 27.º, n.º 3, da LAV 1986’’ (“A Nova Lei de Arbitragem Voluntária e as Formas de Impugnação das Decisões Arbitrais’’, Estudos em Homenagem ao Pro. Doutor José Lebre de Freitas, Vol II, Coimbra Editora, Coimbra, 2013: 724).
Quanto à ordem do julgamento dos recursos, dispõe o artigo 660.º que “o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente’’.
 Como é sabido, o legislador de 2013 retomou neste artigo o regime anterior ao do DL n.º 303/2007, de 24 de agosto, que não continha preceito que regulasse o julgamento das impugnações previstas nos n.ºs. 3 e 4 do artigo 691.º.
Cardona Ferreira concordou com a eliminação do artigo 710.º: “Reportava-se aos defuntos agravos. Quanto à ordem de julgamento de recursos, havendo mais de um, pensamos porque, a ordem básica natural, é a da prejudicialidade, de forma a não serem praticados actos inúteis’’ (Guia de Recursos em Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007:161).
Não foi essa e bem a opinião que prevaleceu na última reforma.
Valem hoje plenamente as considerações de Fernando Ferreira quando salienta que “as impugnações são apreciadas pela ordem da pronúncia das decisões, mas as questionadas pelo apelado são apreciadas se a sentença ou o despacho forem confirmados; se estes actos processuais forem revogados ou alterados, conhece-se então as impugnações’’, acrescentando que “no caso de as decisões interlocutórias terem sido impugnadas pelo apelante, há que distinguir:
a) A impugnação não merece provimento: nega-se provimento à impugnação e conhece-se da apelação;
b) A impugnação merece provimento e a infracção cometida tem influência no exame ou decisão da causa: dá-se provimento à impugnação, anula-se tudo o que se processou depois da decisão impugnada e considera-se prejudicado o conhecimento da apelação;
c) A impugnação mereceria provimento , por a decisão questionada ter desrespeitado a lei, mas a infracção cometida não tem influência nem no exame nem na discussão da causa nem o seu provimento tem interesse para a recorrente : nega-se provimento à impugnação e conhece-se da apelação’’ (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009:224).
Isto dito, comecemos por analisar o recurso da decisão em que o Tribunal Arbitral se julgou incompetente para conhecer da excepção de nulidade da patente. 
O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, de 24 de maio de 2017, decidiu “Julgar inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes’’.
Este Acórdão salienta a divisão existente quanto a esta questão na doutrina e jurisprudência nacionais:
“13. A doutrina e a jurisprudência mostram-se divididas quanto à possibilidade de perante o tribunal arbitral necessário, previsto na Lei n.º 62/2011, ser invocada, como meio de defesa, designadamente como exceção perentória, a nulidade da patente. Numa tal hipótese, caberia ao tribunal arbitral apreciar a nulidade da patente, mediante decisão cuja eficácia permaneceria confinada ao processo em causa.
Defendendo esta possibilidade, são geralmente citados autores como Remédio Marques (“A Arbitrabilidade da Exceção de Invalidade da Patente no Quadro da Lei n.º 62/2011”, in Revista de Direito Intelectual, n.º 2/2014, pág. 215), Dário Moura Vicente ( “O regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes”, in ROA, Ano 72, pág. 981) e José Alberto Vieira (“A competência do Tribunal Arbitral Necessário para Apreciar a Exceção de Invalidade da Patente Registada”, in Revista de Direito Intelectual, , n.º 2/2015, pág. 195).
Em sentido contrário, encontramos Manuel Oehen Mendes (“Breves Considerações sobre a Incompetência dos Tribunais Arbitrais Portugueses Para Apreciarem a Questão da Invalidade das Patentes e dos Certificados Complementares de Proteção para Medicamentos”, in Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, pág. 927) e Evaristo Mendes (“Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efetiva e Questões Conexas”, in Propriedades Intelectuais, 2015, n.º 3, pág. 103).
A divisão de posições evidencia-se também na jurisprudência, designadamente entre os juízes do Tribunal arbitral necessário, bem como nas decisões da Relação de Lisboa (competente para apreciar os recursos interpostos das decisões arbitrais), havendo decisões que consideram que a invalidade da patente registada pode ser suscitada a título de exceção e decidida pelo tribunal arbitral com efeitos circunscritos ao processo e outras que consideram que o mesmo tribunal arbitral carece de competência para apreciar, ainda que a título de mera exceção, a questão da invocada invalidade da patente.
Com pertinência para a questão em análise salienta-se o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 14 de dezembro de 2016, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ceeda3a230b3c6648025808900637340?OpenDocument, – o qual foi objeto de recurso de constitucionalidade que corre termos neste Tribunal) –, e que identifica do seguinte modo a controvérsia existente na doutrina e na jurisprudência:
«(…) a doutrina e a jurisprudência mostram-se divididas quanto à possibilidade de, nesse processo, pendente perante o tribunal arbitral necessário, ser invocada, a título de estrito meio de defesa, como mera exceção perentória, a referida nulidade da patente, cabendo então ao tribunal arbitral apreciá-la, mediante decisão cuja eficácia permaneceria confinada exclusivamente ao processo em causa, não produzindo a decisão proferida, mesmo nos casos em que julgasse demonstrada a invocada nulidade da patente, os típicos efeitos de caso julgado material.
Sustentando esta possibilidade, podem citar-se nomeadamente Remédio Marques (A Arbitrabilidade da Exceção de Invalidade da Patente no Quadro da Lei nº 62/2011, in Revista de Direito Intelectual, nº2/2014, pág. 215), Dário Moura Vicente ( O regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes, in ROA, Ano 72, pág. 981) e José Alberto Vieira ( A competência do Tribunal Arbitral Necessário para Apreciar a Exceção de Invalidade da Patente Registada, in Revista de Direito Intelectual, , n.º 2/2015, pág. 195).
Em sentido contrário, podem invocar-se nomeadamente Manuel Oehen Mendes (Breves Considerações sobre a Incompetência dos Tribunais Arbitrais Portugueses Para Apreciarem a Questão da Invalidade das Patentes e dos Certificados Complementares de Proteção para Medicamentos, in Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, pág. 927) e Evaristo Mendes (Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efetiva e Questões Conexas, in Propriedades Intelectuais, 2015, n.º 3, pág. 103).
No que toca à jurisprudência – para além de os próprios juízes que vêm integrando o referido Tribunal arbitral necessário dissentirem frontalmente quanto a este tema (como sucedeu, de forma ostensiva, no caso dos autos) – verifica-se que a jurisprudência da Relação de Lisboa (competente para apreciar os recursos interpostos das decisões arbitrais) se mostra também dividida, sendo manifesta uma linha de fratura entre ao arestos que – como ocorre nos presentes autos (Ac. de 3/12/2015) – consideram que a invalidade da patente registada pode ser suscitada a título de exceção e decidida pelo tribunal arbitral com efeitos circunscritos ao processo (cfr. o Ac. de 13/1/15, P. 1356/13) e aqueles em que se considerou que o mesmo tribunal arbitral carece de competência para apreciar, ainda que a título de mera exceçãoo, a questão da invocada invalidade da patente (Acs. de 13/2/14, P. 1053/13 e de 4/2/16, P. 138/15).»
O referido acórdão o Supremo viria a dar provimento à revista, concluindo pela incompetência do tribunal arbitral necessário para apreciar, ainda que a título incidental e com efeitos circunscritos ao processo, a exceção de invalidade da patente’’.
O aresto citado, põe seguidamente em destaque as duas razões que têm sido avançadas para justificar a tese da inadmissibilidade - i) a natureza do direito de patente e o carácter constitutivo do respectivo registo; ii) o interesse em concentrar o contencioso da propriedade industrial no TPI, favorecendo a especialização/competência e evitando decisões contraditórias relativamente à mesma patente-, criticando tal posição e concluindo que tal tese viola o princípio da proporcionalidade stricto sensu  ou princípio da justa medida que veda a adoção de medidas que se apresentem como excessivas para atingir os fina visados porquanto “21. (…) De acordo com a interpretação da decisão recorrida, a competência exclusiva do TPI para a matéria da nulidade da patente determina que aquele vício só pode ser invocado perante este tribunal, mediante ação destinada a declará-lo com eficácia geral. Nesta perspetiva, os tribunais arbitrais necessários representariam uma solução limitada, destinando-se apenas a resolver a atual insuficiência da via judicial, permitindo aos titulares das patentes a sua invocação contra quem requer uma AIM, mas não a discussão da sua validade ou existência (artigo 2.º da Lei n.º 62/2011).
O demandado fica, assim, colocado numa situação em que não pode controverter a validade da patente por via incidental na arbitragem, não lhe sendo permitido invocar a exceção da sua nulidade. Isso não significa, porém, que seja impedido de defender o seu direito de comercializar um medicamento genérico contra um medicamento de referência protegido por uma patente inválida. Simplesmente terá o ónus de o fazer na ação própria (nos termos do artigo 35.º do CPI), com intervenção de todos os interessados nessa lide e perante o tribunal materialmente competente (o TPI). Decorre do que se expôs que do regime processual assim delineado não resulta uma privação absoluta de meios processuais idóneos para fazer valer em juízo o direito ou interesse do requerente da AIM.
A questão é saber, no entanto, se a imposição do recurso à ação de declaração de nulidade ou anulação da patente junto do TPI constitui meio eficaz para obter tutela da posição do demandado face a uma patente inválida ou se corporiza um ónus excessivo, o que implica averiguar da articulação entre os dois processos.
22. Subsiste, portanto, uma questão essencial: saber se o ónus imposto à parte, no caso, o requerente da AIM, consistente na interposição da ação de declaração de nulidade ou anulação da patente, revela respeito pela regra da proporcionalidade, tendo em conta o fim visado, revelando-se como uma restrição admissível do direito à tutela efetiva dos direitos das partes, no respeito pelo preceituado no artigo 20.º da Lei Fundamental.
Ora, na verdade, a instauração da referida ação de invalidação da patente dificilmente terá influência sobre a resolução do conflito pendente na arbitragem. A declaração de nulidade pelo TPI, com eficácia erga omnes, tem efeitos ex tunc (eficácia retroativa), mas com ressalva dos efeitos jurídicos já produzidos em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado (artigo 36.º CPI). Ora, tendo em conta a duração habitual dos pleitos, é improvável que a decisão da jurisdição comum sobre a validade da patente transite em julgado em momento anterior ao do trânsito em julgado da decisão arbitral. Significa isto que, mesmo que a empresa de medicamentos genéricos obtenha a declaração de nulidade da patente relativa ao medicamento de referência, sempre continuará vinculada relativamente à indemnização ou a sanções pecuniárias compulsórias fixadas e transitadas em julgado o que, na realidade, deixa em aberto a possibilidade de condenação do agente do medicamento genérico pela prática de uma infração de um direito de propriedade industrial cujo título, afinal, é inválido. Assim, a mera possibilidade de interposição de uma ação de declaração de nulidade ou anulação não se revela um meio alternativo eficaz para suprir a necessidade de defesa do requerente de AIM, podendo redundar numa ablação total do seu direito de defesa pela impossibilidade de invocação da nulidade da patente na ação arbitral.
É certo que para obstar àquele efeito, o demandado na ação arbitral pode requerer uma “suspensão” do processo até o TPI se pronunciar. Nesse caso, «o tribunal arbitral deferirá a pretensão se – excecionalmente, dados os termos em que o exclusivo é concedido e a circunstância de se tratar de patentes em fim de vida, via de regra já escrutinadas a nível mundial – houver fortes indícios capazes de vencer a presunção de validade de que a patente goza» (cfr. Evaristo Mendes, “Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efetiva e Questões Conexas”, in Propriedades Intelectuais, n.º 3, 2015, 103; cfr. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016, ponto 8).
A necessidade de desencadear, pelo interessado na emissão da AIM do medicamento genérico, a pertinente ação de invalidação da patente que obsta à pretendida introdução no mercado, conjugada com a possibilidade de requerer e obter a suspensão da instância arbitral até que tal ação seja julgada, constituem, com efeito, meios procedimentais – alternativos à dedução perante o tribunal arbitral da exceção de nulidade da dita patente – que permitem satisfazer o seu direito a questionar a validade da patente que obsta à comercialização por ele pretendida.
No entanto, a obtenção da suspensão da instância arbitral deve ser considerada incerta. Atendendo-se ao regime aplicável a essa situação, verifica-se que a possibilidade de o demandado requerer a suspensão da instância se encontra prevista no artigo 272.º do Código de Processo Civil (CPC), dependendo da verificação de requisitos positivos e negativos. Por um lado, é necessária a verificação de uma causa prejudicial (requisito positivo) – entendendo-se que se verifica nexo de prejudicialidade entre duas ações pendentes justificativo da suspensão (a situação em que a decisão de uma ação pode afetar o julgamento a proferir na outra). Por outro lado, o seu deferimento depende também da verificação de requisitos negativos elencados no n.º 2 do artigo 272.º do CPC. De acordo com este preceito, «não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens».
Assim, a decretação da suspensão não pode ser tida como certa a priori, pois só diante das circunstâncias de cada caso é que os juízes avaliarão a pertinência e adequação de deferir o pedido de suspensão da instância arbitral.
Não deve ignorar-se, para além disso, que a suspensão da instância não encontra na ação arbitral o campo de aplicação ideal, sabido que é constituir uma mais-valia da arbitragem precisamente a oferta de celeridade na resolução do litígio. Note-se que a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, estabelece, no seu artigo 43.º, n.º 1, a regra geral de que «os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro». Independentemente da questão de saber se aquele prazo de caducidade encontra, ou não, justificação para ser aplicado nas arbitragens necessárias como a prevista no regime sob análise, certo é que o interesse da celeridade na composição do litígio constitui um apelo inegavelmente associado ao recurso à arbitragem. Ora, esta vocação de celeridade constitui fator que pode desincentivar a suspensão da instância.
Não pode, portanto, excluir-se a hipótese de o tribunal arbitral não determinar a suspensão. Nesse caso, como observado no voto de vencido constante da decisão arbitral, «na hipótese (muito provável) de esta suspensão da instância arbitral não ser acolhida, poderiam verificar-se consequências muito melindrosas e funestas para a empresa demandada na ação arbitral e demandante na ação proposta junto dos tribunais do Estado português (Tribunal da Propriedade Intelectual)». De facto, se a suspensão da instância não for decretada, mesmo que o TPI venha a declarar a nulidade erga omnes, o trânsito em julgado da decisão arbitral inviabiliza os efeitos retroativos da decisão judicial, nos termos do artigo 36.º, in fine, do CPI. Os efeitos já produzidos pela decisão arbitral manter-se-iam, embora fundados numa patente inválida. Terá de se concluir, nesse caso, que a solução em causa nem sempre permitirá acautelar os direitos de defesa do requerente da AIM, podendo originar uma situação da sua total supressão.
23. Mesmo nos casos em que o requerente da AIM interponha a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente em momento prévio ao da demanda em processo arbitral e obtenha a suspensão da instância arbitral, o ónus assim imposto terá de ser proporcional ao fim visado com a norma.
De facto, a solução normativa em apreciação, ao impor ao requerente da AIM a instauração da ação de invalidação da patente, obriga a que logo no momento em que opta pela via procedimental traduzida em requerer a AIM, o respetivo requerente defina a sua estratégia processual: ou pretende ver invalidada a patente e terá de intentar a correspondente ação de declaração de nulidade ou anulação no TPI ou não tem efetivo interesse em questionar a validade da patente e desencadeia o pedido de AIM, sabendo que, na eventual ação arbitral a que se sujeita, não poderá suscitar e ver decidida, com eficácia limitada às partes naquela ação, a exceção de nulidade.
Enfatizando-se a circunstância de na génese do processo arbitral ter estado afinal uma iniciativa originária do próprio demandado, a posição de demandado pode ser vista como consequência da sua anterior iniciativa procedimental ao despoletar o pedido de AIM. E sendo assim, não pode deixar de ter presente que um tal requerimento o coloca em posição de sujeição a uma ação arbitral, devendo, pois, contar com a possibilidade de lhe vir a ser oposto o direito emergente do reconhecimento e registo da patente. Deste argumento decorreria a conclusão de que não constitui ónus excessivo acautelar o seu direito através da interposição da ação de invalidação da patente logo que requer a AIM.
Esta perspetiva ignora, porém, que pode não ser do interesse do requerente ou titular da AIM ver declarada a nulidade da patente, mas tão só defender-se da condenação que é pedida contra si na ação de arbitragem necessária. Pode bem ser que o seu interesse, enquanto demandado pelo titular da patente, se restrinja a impedir a condenação, ou dito de outro modo, a obter a absolvição do pedido de condenação por infração de patente (caso já tenha efetivamente introduzido o medicamento no mercado) ou simplesmente impedir a condenação a abster-se de introduzir aquele genérico (concorrente do medicamento de referência patenteado) no mercado, garantindo o início ou a continuação da sua atuação no mercado concernente àquele genérico.
A anulação, com efeito erga omnes, da patente, pode mesmo apresentar-se como contrária aos seus interesses, na parte em que beneficia terceiros igualmente concorrentes do titular da patente. Numa perspetiva económica – e não devemos esquecer que o campo das patentes nos coloca no domínio dos exclusivos económicos concedidos como estímulos à inovação – o contencioso sobre a validade de um direito de patente cuja decisão tenha eficácia erga omnes projeta-se na liberdade de agir no mercado de múltiplos agentes económicos. Não é de todo claro qual seria o interesse de um agente acusado de infração a uma patente em fazer declarar a nulidade desta com efeitos erga omnes, incentivando a concorrência de outros agentes. A anulação da patente prossegue o interesse público na defesa da liberdade do mercado, promoção da sã concorrência e seus reflexos no público em geral, enquanto consumidor. No entanto, neste caso, a sua prossecução está a ser imposta ao agente económico que apenas pretende comercializar um medicamento genérico.
Não é razoável impor-se ao requerente da AIM que promova e prossiga interesses de terceiros, bem como o interesse público no que diz respeito à validade da patente, ao fixar como única via a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente. Desta forma, a solução normativa em apreciação obriga o requerente da AIM a tornar-se autor da ação de invalidação no TPI, mesmo contra a sua vontade, o que representa um condicionamento do seu direito de acesso aos tribunais e da sua liberdade de delinear a estratégia processual que seja mais consentânea com o seu interesse económico – o que está relacionado com a liberdade de iniciativa económica constitucionalmente tutelada.
Não cabendo ao requerente da AIM a defesa do interesse dos terceiros, agentes económicos que com ele concorrem no mercado, ou do interesse público, impor-lhe o ónus de instaurar a ação de declaração de nulidade da patente, constitui necessária e inevitavelmente um encargo excessivo, em especial quando o Ministério Público tem legitimidade para instaurar ação de nulidade no TPI. É excessivo forçar o requerente da AIM a ter que recorrer ao TPI – com todos os custos associados a essa ação – para ali requerer a declaração de invalidade de uma Patente, com efeitos erga omnes, quando pode apenas invocar a sua invalidade, inter partes, para efeitos exclusivos de se defender do pedido de condenação que lhe foi especificamente dirigido.
24. Aqui chegados somos levados a concluir que a norma restritiva objeto de fiscalização tem como consequência uma lesão efetiva e significativa do direito de defesa.
O recurso à ação de anulação da patente como única via de contestar a validade da patente pode deixar o requerente de AIM sem possibilidade de defesa contra uma patente inválida no âmbito de uma arbitragem. Tal significa que estaria obrigado a interpor a ação de anulação ainda antes de ser eventualmente demandado numa ação arbitral, o que o coloca na situação de estar vinculado a uma defesa por antecipação. Mesmo que tal fosse razoável, esta via não é suficiente para, só por si, dar resposta à necessidade de tutela do requerente pois, como se disse, a decisão do TPI não afeta casos julgados e que existe a probabilidade de esta apenas surgir após a pronúncia arbitral. A única forma de obstar a esta situação seria a alternativa de requerer a suspensão da instância arbitral enquanto o TPI não se pronuncia. Esta solução, no entanto, não oferece garantias de acautelar todas as situações configuráveis na pendência de ação de invalidade de patente interposta perante o TPI contemporânea da ação por infração que corre no tribunal arbitral necessário. A articulação entre ambas as ações através da suspensão da instância do processo arbitral é possível, mas incerta, pois o requerimento de suspensão não equivale necessariamente ao seu deferimento e em caso de indeferimento ou de não suspensão, no geral, subiste um défice de defesa que redunda numa impossibilidade de exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva.
Mesmo nos casos em que o requerente da AIM de medicamento genérico, demandado na ação arbitral, obtém a suspensão dessa instância, a solução alternativa encontrada apresenta-se também nesse caso como uma restrição significativa ao direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva, por impor ao requerente o ónus de litigar numa ação independentemente de tal ser em seu interesse, forçando-o a prosseguir interesses de terceiros, seus concorrentes, e o interesse público.
A impossibilidade de invocação da nulidade da patente como defesa por exceção na ação arbitral implica um sacrifício significativo – por vezes, absoluto – do direito de defesa, com o fim de proteger a existência de uma via processual única (a ação de declaração de nulidade ou anulação da patente) e a competência exclusiva do TPI, que estão relacionados com a natureza da patente. É necessário, pois, aferir da proporcionalidade da imposição desta restrição, face a este fim.
O privilégio atribuído pela patente dá ao seu titular o direito a opor-se a que um terceiro explore a sua invenção, o que tem um valor económico protegido pelo direito fundamental de propriedade. É para tutelar este direito exclusivo que o legislador, concretizando o seu direito de acesso à tutela judicial efetiva, criou a via de acesso aos tribunais arbitrais e o respetivo processo. É de referir, no entanto, que a patente não atribui ao seu detentor o direito de lançar o medicamento no mercado pois para tal terá ainda de submetê-lo a ensaios clínicos a apreciar pela autoridade administrativa competente. Note-se, igualmente, que a proteção constitucional do direito de propriedade privada, que abrange também o direito de exclusivo económico atribuído pela patente, não é absoluta (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 801), podendo ser objeto de restrições decorrentes da colisão com normas referentes a outros direitos fundamentais ou mesmo do modelo constitucional de Estado social (a função social da propriedade privada ou razões de interesse público ou da coletividade podem justificar limitações ao direito de propriedade privada). Embora se compreendam as preocupações que levam à imposição de apenas uma via processual e um tribunal no âmbito do conhecimento da invalidade das patentes, o sistema montado para prosseguir este fim é suscetível de ter como consequência, por vezes, uma ablação total do direito de defesa ou, noutras vezes, uma significativa compressão. Inexiste a demonstração cabal de que a possibilidade de o tribunal arbitral se pronunciar sobre a validade da patente, com meros efeitos inter partes, produza danos irreversíveis ou gravosos à proteção da patente, equivalentes ao sacrifício imposto ao direito de defesa do requerente de AIM. Efetivamente, afastar esta possibilidade pode ter como consequência, ainda que apenas por vezes, impedir um agente económico de exercer a sua liberdade de iniciativa com base numa patente nula ou inválida – o que dificilmente encontra justificação. A proteção da patente, valor central no nosso ordenamento, não justifica a restrição do direito de defesa a este nível, podendo ser alcançada por outras vias.
Assim, a norma objeto do presente julgamento revela-se excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM. Termos em que deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da proibição de indefesa (artigo 20.º da Constituição em conjugação com o seu 18.º, n.º 2)’’.
Este Acórdão mereceu uma vigorosa crítica de Alexandre Libório Dias Pereira sobretudo assente em três ordens de razões: i) por estar garantido o recurso também nesta arbitragem necessária; ii) por o TC ter sempre considerado a possibilidade de recurso para o tribunal estadual  o núcleo essencial ou irredutível do direito fundamental de acesso ao direito; iii) por o Acórdão ser tributário de uma interpretação teleológica da lei, no sentido de sobrepor os fins políticos prosseguidos pelo legislador à aplicação efectiva de direitos exclusivos que beneficiam legitimamente de uma presunção de validade e eficácia (“Da invalidade da patente na arbitragem necessária relativa a medicamentos genéricos’’, Revista de Legislação e Jurisprudência,  Ano 147.º, 2018: 182 e ss, máxime 209 e 210).
Também as recorridas consideram que o Acórdão n.º 251/2017 para além de não ser obrigatório é erróneo.
Ora, sendo certo que não vivemos num sistema de Common Law, nem vigorando entre nós uma regra do precedente, não temos dúvida em acompanhar a doutrina agora consagrada pelo TC.
Não apenas por respeito pelo princípio da certeza e segurança do direito, tão caro ao referido anotador, mas ainda porque coloca a jurisprudência do TC, de certa maneira, na justa rota, afastando- se (se nos é permitido e salvo o devido respeito) do pouco convincente/fundamentado Acórdão n.º 435/2016.
Se levarmos em conta o Acórdão desta Relação de 14.05.2015, Processo N.º 1109/14.9YRLSB, www.dgsi.pt, deste mesmo colectivo de juízes e para o qual remetemos, ficaremos com uma ideia clara do que deverá ser um processo verdadeiramente garantístico e conforme com a Constituição Republicana de 1976.
Os recorrentes têm pois, razão, ao pretenderem a revogação da decisão do tribunal arbitral que se declarou incompetente para apreciar e conhecer da excepção de invalidade /inoponibilidade da Patente Europeia n.º 2322174.
Sá a título subsidiário e para a hipótese de o tribunal não se considerar competente é que as demandadas requereram a suspensão da instância arbitral, também ela indeferida.
Como vimos, as impugnações das interlocutórias devem ser apreciada pela ordem da pronúncia das decisões, sendo que merecendo aquelas provimento e tendo a infracção cometida , como claramente tem, influência na decisão da causa deve dar-se provimento ao recurso, anular-se o que se processou depois da decisão impugnada e considerar-se prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso unitário das ulteriores decisões (para além do que aludem as recorridas quanto à diferença entre recurso e acção de anulação, tema aliás inicialmente demarcado).
***
Pelo exposto, acordamos em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar o Despacho n.º 6, de 15 de Dezembro de 2016, em anular o que se processou depois dessa decisão e em ordenar a apreciação da validade da EP 2322174.
Custas pelas Recorridas.
***
21.06.2018

Luís Correia de Mendonça

Maria Amélia Ameixoeira

Rui Moura