Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
212/13.7TTFUN.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: ACORDO DE REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CESSAÇÃO DO ACORDO
EFICÁCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – Caso o trabalhador, à data de envio da comunicação revogatória do acordo de revogação do contrato de trabalho, no exercício de um direito potestativo a que a entidade patronal não se pode opor ou recusar, já tenha visto ingressar na sua esfera jurídica a compensação ou parcela da mesma acordada e disso tenha conhecimento, deverá devolver em simultâneo com a dita comunicação tal compensação;
II – Nas situações em que tal compensação pecuniária, na totalidade ou em parte, ainda não ingressou na sua esfera jurídica ou, tendo-o feito, o visado disso não tenha conhecimento (falta de conhecimento que tem de ser apreciado objetivamente, dentro de parâmetros de razoabilidade e experiência comum), o trabalhador poderá enviar, tão-somente, a referida comunicação;
III – No entanto, mal o trabalhador venha a saber que recebeu tais montantes compensatórios, deverá providenciar pela sua restituição, em tudo o que tenha sido despoletado pela referida cessação do contrato de trabalho (indemnização e prestações que só foram liquidadas em função do termo do vínculo laboral, tais como indemnização, remuneração das férias vencidas mas cujo gozo poderia ocorrer em momento posterior, bem como o respetivo subsídio e ainda os proporcionais das férias, inerente subsídio e subsídio de natal, relativos ao ano do termo, entretanto revogado, da relação laboral);
IV – A simultaneidade exigida pelo regime legal tem que ser interpretada com grano salis, em hipóteses como a dos autos, continuando, portanto e mesmo aí, a revogação do acordo revogatório do contrato de trabalho a estar dependente, em termos de eficácia jurídica, da restituição dos montantes/prestações antes mencionados.

(Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


I – RELATÓRIO

AA, portador do cartão de cidadão n.º (…), emitido pelo SIC do Funchal, com o NIF (…) e com residência no (…), Bloco (…) Funchal, veio através do preenchimento e entrada do formulário próprio, propor, em 23/05/2012, ação especial regulada nos artigos 98.º-B e seguinte do Código do Processo do Trabalho, mediante a qual pretendia impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que foi alvo pela sua entidade empregadora BB, SA, CIF n.º (…) e com sede na Rua (…), n.º (…) Estoril, Cascais.

Tendo tais autos seguido os seus normais termos, o juiz do Tribunal do Trabalho do Funchal veio a proferir saneador sentença, com data de 11/09/2012, onde, em síntese, julgou procedente a exceção dilatória de erro na forma do processo, com a consequente absolvição da Ré da instância.

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O Autor, inconformado com tal decisão, veio interpor recurso da mesma, que tendo sido admitido como de Apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, veio a ser julgado por Decisão Sumária, proferida no dia 17/01/2013, neste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, aí se tendo confirmado o despacho recorrido, vindo idêntica apreciação a ser adotada em Conferência, na sequência da Reclamação para a mesma apresentada pelo Autor, por força do Acórdão prolatado em 20/3/2013.

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O Autor veio então a instaurar, em 23/04/2013, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral, contra a Ré, pedindo, em síntese, a declaração da ilicitude do despedimento efetuado pela mesma, com a consequente condenação desta a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas até à sua reintegração no respetivo posto de trabalho.

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Alega o Autor, em síntese, que em 02-12-2008 entrou ao serviço da Ré, tendo assinado um acordo para revogação do contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 01-05-2012, sendo que, com a data de 08-05-2012 procedeu ao envio à Ré de uma comunicação onde revoga aquele acordo.

Acrescenta que a Ré não aceitou que a comunicação da cessação do acordo fosse eficaz, declarando que considerava finda a relação laboral, o que configura um despedimento ilícito.

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Designada data para audiência de partes (despacho de fls. 7), que se realizou, nos termos do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença das partes (fls. 14 e 15), tendo a Ré sido citada pessoalmente para o efeito, a fls. 8, através de carta registada com Aviso de Receção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.

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A Ré apresentou, a fls. 16 e seguintes, contestação, onde, alegou, em síntese, o seguinte:

- Autor e Ré celebraram um acordo de revogação do contrato de trabalho, com os fundamentos da extinção do posto de trabalho;

- A revogação daquele acordo não é eficaz porque o Autor não colocou à disposição da Ré os valores que recebeu a título de indemnização pela cessação do contrato;

- Não era lícito ao trabalhador revogar o acordo celebrado na medida em que o motivo subjacente à celebração do acordo foi a existência de fundamentos para a extinção do posto de trabalho, o que está fora da disponibilidade das partes;

Conclui que a ação deve ser julgada improcedente, sendo absolvida do pedido.

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Respondeu o Autor, a fls. 71 e seguintes, mantendo, no essencial, a sua posição já vertida na petição inicial.

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Foi proferido, a fls. 80 e 81, despacho saneador, onde, depois de ser fixado em € 5.000,01º valor dação e justificada a não realização de Audiência Preliminar, foi considerada válida e regular a instância, dispensada, atenta a simplicidade da causa, a selecção da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória, sendo desde logo admitidos os requerimentos de prova das partes de fls. 4 v.º e 33 e designado dia para a realização da audiência de discussão e julgamento, cuja prova será objeto de gravação.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 101 e 102 e 104 a 107), tendo a prova aí produzida sido objecto de registo-áudio.

A matéria de facto controvertida foi objecto da Decisão constante de fls. 108 a 111, que não foi alvo de reclamação, dado nenhuma das partes se encontrar presente na data designada para sua leitura.

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Foi então proferida a fls. 114 a 123 e com data de 10/04/2014, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:

“Pelo exposto, considero a presente ação declarativa procedente e em consequência:

a) Declaro ilícito o despedimento do Autor;

b) Condeno a Ré no pagamento de uma indemnização ao Autor, fixando-se o seu valor em montante equivalente a um mês de retribuição base (€612,45), por cada ano completo de antiguidade ou fração de antiguidade, decorrido desde o início do contrato a 02-12-2008 e o trânsito em julgado da decisão final;

c) Condeno a Ré no pagamento ao Autor das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento e até ao trânsito da decisão, sem prejuízo do desconto das quantias a que alude o art.º 390.º, n.º 2 do Cód. Trabalho.

Custas a cargo da Ré.»

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A Ré, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 124 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 158 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com o efeito meramente devolutivo decorrente do número 1 do artigo 83.º do Código do Processo do Trabalho.
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A Apelante BB, SA, apresentou, a fls. 126 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)

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O Autor apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da respetiva notificação, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 153 e seguintes):

(…)

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O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 165 e 166), não tendo as partes se pronunciado no prazo de 10 dias acerca do seu teor, apesar de notificadas para esse efeito.

*
Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – OS FACTOS

Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância:

1. - O Autor intentou neste Tribunal contra a Ré uma ação com processo especial de impugnação de despedimento com o n.º 317/12.

2.- Por Acórdão da Relação de Lisboa notificado em 25/3/13, entretanto transitado em julgado, foi decidida a absolvição da instância, por erro na forma de processo, o que originou a presente ação.

3.- O Autor entrou ao serviço da Ré em 2/12/2008.

4.- Sendo-lhe atribuída a categoria profissional de “vigilante” e paga recentemente a retribuição base mensal de € 641,93.

5.- A Ré é uma sociedade que presta serviços de segurança privada maioritariamente em Portugal Continental e, por motivos de reestruturação empresarial, em 01 de Junho de 2012, cedeu a sua posição contratual à sociedade CC, LDA, nos cinco contratos de prestação de serviços que ainda mantinha na R.A.M.

6.- Desde o início da vigência do contrato de trabalho celebrado com a Ré, o Autor sempre exerceu as suas funções em instalações da sociedade DD, S.A., cliente da sociedade Ré, de ora em diante abreviadamente designada por “Cliente’.

7.- Em 29 de Fevereiro de 2012, a Cliente, alegando sérias dificuldades económicas, cessou o contrato de prestação de serviços de vigilância que havia celebrado com a sociedade Ré.

8.- Logo após aquela denúncia por parte da sociedade DD, SA, o Autor gozou os 22 dias de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2012 e, posteriormente, substituiu um colega nas férias daquele, num posto de outra cliente.

9. – O Autor e a Ré outorgaram o documento junto a fls. 46 a 49, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, intitulado “acordo de revogação do contrato de trabalho”, no qual declaram que o mesmo produz efeitos a partir do dia 01 de Maio de 2012, invocando a impossibilidade de subsistência da relação laboral e a consequente extinção do posto de trabalho.

10.- Da cláusula segunda do acordo acima referido em 9., consta que:

Nesta data, a Entidade Patronal pôs à disposição do Trabalhador, o montante ilíquido de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) a título de indemnização global pela cessação do contrato de trabalho, assim como respetivos proporcionais, concretamente, o valor respeitante aos 14 dias úteis de férias não gozadas no ano de 2012, subsídio de férias de 2012, subsídio de natal à razão de 4/12 e proporcionais de férias e subsídio de férias à razão de 4/12 (que se venceriam em Janeiro de 2013).

11.- Da cláusula terceira do acordo acima referido em 9., consta que:

«O pagamento da indemnização devida ao Trabalhador será realizada em duas tranches. A primeira no montante de €900,00 (novecentos euros) será liquidada com a outorga do presente contrato, a restante, no montante de €900,00, será liquidada no último dia do mês de Maio de 2012.»

12.- Em 08-05-2012, o Autor procedeu ao envio à Ré de uma comunicação intitulada “Revogação da Denúncia”, recebida pela Ré a 11-05-2012, com o seguinte teor:

«Ex.mos. Senhores:

Nos termos do artigo 402.º da Lei 7/2009, venho informar a V. Exas que revogo o Acordo celebrado em 1 de Maio de 2012.

Pelo exposto fica revogado o referido acordo de rescisão de contrato datado de 01/05/2012.

Assim, caso não tenha nenhuma indicação de V. Exas. comparecerei no meu local de trabalho no dia 10 de Maio de 2012, das 23h as 07h na EE, S. Martinho.

(…)».

13.- A 07 de Maio de 2012 a Ré ordenou o pagamento da primeira tranche da indemnização, no valor de €900,00, montante que deu entrada na conta do Autor a 09-05-2012.

14.- E, posteriormente, em 30 de Maio de 2012, foi ordenado o pagamento da segunda tranche da indemnização acordada, no montante de € 900,00.

15.- Em resposta à comunicação do Autor acima referida em 12. a Ré remeteu-lhe a comunicação escrita junta aos autos a fls. 52, datada de 14-05-2012, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

16.- O Autor não devolveu à Ré as quantias acima mencionadas em 13. e 14.

17.- O subsídio de férias vencido a 01-01-2012 foi pago ao Autor em Fevereiro e Março de 2012.

18.- A Ré não tinha, tal como na atualidade, qualquer cliente no arquipélago da Madeira onde pudesse colocar o trabalhador, num posto compatível com as suas funções, e assim mantê-lo ao seu serviço.

19. – O Autor reside no arquipélago da Madeira e não estava disposto a deslocar-se para o continente para poder continuar a exercer a sua atividade profissional por conta da Ré.

20.- O documento acima referido em 9. foi assinado pelo Autor e pelo legal representante da Ré a 03 de Maio de 2012.

Factos não Provados:

Pode ler-se, a fls. 475 da Decisão sobre a Matéria de Facto, o seguinte:

«Com interesse para a decisão da causa não se provou qualquer outro facto ».

Nota: O Ponto 4. foi alterado oficiosamente por este Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do número 1 do artigo 662.º do NCPC, no que respeita ao valor da retribuição-base auferida mensalmente pelo Autor.     

*
III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

*

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

(…)

B – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A Recorrente não impugnou específica e especificadamente, no seu recurso de Apelação, a Decisão sobre a Matéria de Facto proferida pelo tribunal da 1.ª instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 666.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, o recorrido requerido a ampliação subordinada do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do Novo Código de Processo Civil, se encare a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

Ora, ao abrigo de tais poderes oficiosos e tendo em conta os recibos de vencimentos juntos a fls. 60 e 62, em que se constata que a retribuição base do Autor, em Fevereiro e Março de 2012 era de € 641,93 e não de € 612,45 (valor inexplicavelmente referenciado pelo Autor na sua Petição Inicial), determina-se a alteração do Ponto 4. da Matéria de Facto dada como Provada de maneira a passar a constar o valor correto da remuneração base do Apelado.         

C - OBJETO DO RECURSO DE APELAÇÃO DA RÉ

A Apelante, numa palavra, discorda do entendimento expresso na sentença quanto ao reconhecimento da eficácia jurídica da comunicação de revogação do acordo de revogação do contrato de trabalho que vigorava entre as partes, feita pelo Autor, por vir desacompanhada da devolução da primeira parcela da compensação global que lhe havia sido liquidada, no montante de 900,00 Euros, sendo certo que a referida cessação do vínculo laboral se radicou na extinção do posto de trabalho que até aí era ocupado pelo Apelado.            

D - REGIME LEGAL APLICÁVEL

Importa ter presente o regime jurídico regulador dessa forma de cessação da relação de trabalho e que se mostra previsto nos artigos 349.º e 350.º do Código do Trabalho de 2009:

SECÇÃO III

Revogação de contrato de trabalho

Artigo 349.º

Cessação de contrato de trabalho por acordo

1 - O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo.

2 - O acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar.

3 - O documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a de início da produção dos respetivos efeitos.

4 - As partes podem, simultaneamente, acordar outros efeitos, dentro dos limites da lei.

5 - Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.

6 - Constitui contraordenação leve a violação do disposto nos n.ºs 2 ou 3.

Artigo 350.º

Cessação do acordo de revogação

1 - O trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração.

2 - O trabalhador, caso não possa assegurar a receção da comunicação no prazo previsto no número anterior, deve remetê-la por carta registada com aviso de receção, no dia útil subsequente ao fim do prazo.

3 - A cessação prevista no n.º 1 só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho.

4 - Excetua-se do disposto nos números anteriores o acordo de revogação devidamente datado e cujas assinaturas sejam objeto de reconhecimento notarial presencial, nos termos da lei.

Será, essencialmente, com base nas transcritas normas legais que iremos proceder à análise das questões suscitadas no presente recurso de Apelação.

 

E - INTERPRETAÇÃO JURÍDICA DO REGIME LEGAL

Chamando à colação a nossa melhor doutrina e jurisprudência sobre esta matéria (declaração revogatória do acordo revogatório), ouça-se Pedro Furtado Martins[1]:

«I. O artigo 350.º, 1, atribui ao trabalhador o direito de unilateralmente «fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração". Concede-se ao trabalhador o direito de desfazer o acordo, ou seja, o direito de, através de uma declaração negocial dirigida ao empregador, pôr fim ao acordo revogatório do contrato de trabalho. Uma vez que o efeito deste acordo consiste na extinção do vínculo contratual, a sua cessação polo trabalhador implica a não-produção de tal efeito, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho. O que significa que esta faculdade se configura como um direito potestativo do trabalhador[2], de cujo exercício resulta a reposição em vigor do contrato de trabalho, sem que o empregador a tal se possa opor. (…)

III. Exige-se que a declaração do trabalhador revista a forma escri­ta. Sendo a lei omissa quanto à sanção decorrente da não-observância da forma da declaração, aplica-se a regra geral da nulidade, como prescreve o artigo 220.° do CC. Trata-se certamente de uma formalidade ad substantiam, uma vez que da lei não resulta que o documento em que o trabalhador comunica ao empregador a vontade de fazer cessar o acordo revogatório «é exigido apenas para prova da declaração» (cfr. artigo 364.º, n.º 2, CC)[3].

Em princípio o trabalhador fará a entrega pessoal da comunicação escrita ao empregador, assegurando assim o cumprimento do curto prazo de que dispõe para o efeito. Nos casos em que o trabalhador «não possa assegurar a receção no prazo» fixado, estabelece-se que a deve remeter por carta registada com aviso de receção, no dia útil subsequente ao fim do prazo» (artigo 350.º, 2).

IV. A eficácia da cessação do acordo revogatório - ou seja, a reposição do vínculo laboral - depende ainda de outro requisito. Nos termos do artigo 350.º, 3, ao mesmo tempo que comunica a declaração de cessação do acordo, o trabalhador tem de entregar ou pôr, por qualquer forma, à disposição do empregador «a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho».

A execução da obrigação de devolução suscita algumas dificuldades quando a declaração do trabalhador de fazer cessar o acordo é comunica­da por carta registada. Julga-se que a forma mais expedita de resolver o problema será fazer acompanhar a comunicação de um cheque do valor em causa, emitido a favor da entidade empregadora, ou proceder ao depósito dessa quantia numa conta bancária do empregador. De resto, a lei admite que a disponibilidade dos valores seja assegurada «por qualquer forma», pelo que qualquer destas alternativas é viável.

Outra eventual dificuldade respeita à determinação do objeto da obrigação de devolução, em especial quando o acordo de revogação do contrato de trabalho tiver envolvido o pagamento de um valor global que as partes pretenderam que liquidasse todos os créditos do trabalhador eventualmen­te existentes, além de o compensar pela perda do emprego. Como notou JOANA VASCONCELOS[4], nestes casos é frequente incluir no montante global pago por ocasião da cessação do vínculo laboral a remuneração e outras prestações retributivas vencidas no último mês da execução do contrato, quantias essas que não são objeto da obrigação de devolução, pois não devem ser consideradas como «compensações pecuniárias pagas em cum­primento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho».

Concretizando, imagine-se que, no acordo revogatório, as partes acertaram no pagamento de uma verba global de € 25 000, que incluía € 20 000 como contrapartida do assentimento do trabalhador em terminar o contrato de trabalho e € 5000 de créditos salariais correspondentes a:

a) € 1.500, da retribuição do último mês de execução do trabalho;

b) € 750, da retribuição e do subsídio de férias correspondentes a alguns dias de férias já vencidas mas não gozadas [cfr. artigo 245.º, 1, a)];

c) € 1500, da retribuição e do subsídio de férias correspondentes ao pro­porcional das férias vincendas no ano da cessação [cfr. artigo 245.º, 1, b)];

d) € 750, do subsídio de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação [cfr. artigo 263.º, 2, b)]; e

e) € 500, correspondentes as horas de formação profissional que não foram proporcionadas e ao crédito de formação que detinha (cfr. artigo 134.°).

Nesta hipótese, se o trabalhador pretender desfazer o acordo revogatório, pergunta-se qual o montante que terá de devolver: apenas os € 20 000 da compensação? Também os restantes € 5.000 dos créditos que detinha? Ou apenas € 23.500, deduzindo dos créditos salariais a retribuição correspondente ao último mês de trabalho?

A resposta está longe de ser evidente. Não se questiona a necessidade de devolver o valor da compensação, no caso de € 20 000. Tal como é óbvio não ser necessário devolver a retribuição relativa ao período de trabalho prestado antes da celebração do acordo, ou seja, no exemplo, € 1500. Quanto aos demais créditos, julgamos quo têm de ser devolvidas as verbas correspondentes a férias, subsídio de Natal e formação profis­sional (que no caso ascendiam a um total de € 3300), na medida em que respeitam a créditos que, não tendo o contrato de trabalho terminado, não se venceram ou ainda não teriam de ser liquidados.

Mas tudo se complica nos casos em que as partes convencionem uma verba global que não tem efetiva correspondência com o somatório dos créditos salariais determinados, vencidos e vincendos, e da contrapartida pelo consentimento do trabalhador em aceitar a cessação do con­trato do trabalho.

Assim, no mesmo exemplo, imagine-se agora que se ajusta um valor glo­bal de € 30 000, no qual as partes integram todos os créditos vencidos e vincendos, incluindo créditos não liquidados e controvertidos, relativos a trabalho suplementar que o trabalhador afirma ter prestado e a um prémio do desempenho a que diz ter direito, pretensões que o empregador não reconhece, mas que afirma estar disposto a não discutir se o trabalhador aceitar a referida verba global e única de € 30. 000.

Nesta hipótese, a compensação assume uma natureza verdadeiramente global e indiferenciada, com caráter transacional, que torna muito difícil distinguir o que tem ou não de ser devolvido pelo trabalhador. Parece-nos que o mais adequado será consentir que a devolução apenas não abranja a retribuição correspondente aos dias de trabalho já prestado, devendo o trabalhador devolver tudo o resto, mesmo que, em teoria, fosse de admitir que parte do valor pago se referia a créditos salariais vencidos (os valores reclamados, mas não aceites, correspondentes ao alegado tra­balho suplementar prestado e ao prémio de desempenho)».[5]

Os seguintes acórdãos dos nossos tribunais superiores também tem uma palavra a dizer sobre tal problemática:

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/1/2008, processo n.º1761/2007-4, relator: Seara Paixão, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

I - A conduta do trabalhador que exerce o direito que a lei lhe confere (art.º 395.º nº 1 do Código do Trabalho) de fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho, não é abusiva uma vez que não excede (muito menos “manifestamente”) os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.º 334.º do C. Civil).

II -A cessação do acordo de revogação é eficaz quando o trabalhador não devolve a importância recebida, se esta se refere unicamente às remunerações que estavam em falta à data da celebração do acordo, não incluindo indemnizações ou a importâncias resultantes da cessão do contrato, como a retribuição devida por férias, subsídio de férias e de Natal relativas ao ano da cessação  

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/01/2008, processo n.º 0744798, relatora: Albertina Pereira, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):

A revogação do acordo de cessação do contrato de trabalho implica a devolução das compensações pagas em cumprimento do mesmo, pois tal revogação faz cessar esse acordo e implica a subsistência do contrato de trabalho, não fazendo sentido que o trabalhador mantenha o direito aos créditos que apenas se vencem com a efetiva cessação do contrato.[6]    

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27/03/2014, processo n.º 781/11.6TTFAR.E1, relatora: Paula do Paço, publicado em www.dgsi.pt (Sumário Parcial): 

II - A revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo é uma das modalidades legalmente previstas de cessação do vínculo laboral.

III - O ordenamento jurídico, porém, consagra um direito potestativo do trabalhador de pôr fim ao acordo revogatório do contrato que haja sido celebrado, desde que a declaração de vontade de fazer cessar tal acordo seja apresentada por escrito, até ao sétimo dia seguinte à data da celebração do acordo.

IV - Na eventualidade de terem sido pagas compensações pecuniárias em cumprimento do acordo ou por efeito da cessação do contrato, em simultâneo com a aludida comunicação escrita, o trabalhador tem de entregar ou colocar, por qualquer forma, à disposição do empregador, tais quantias, sob pena de ineficácia da declaração manifestada.

V - Caso o trabalhador não tenha conhecimento ou obrigação de conhecer que já dispunha do valor da primeira prestação acordada quando emite e remete a declaração escrita de cessação do acordo, não lhe é exigível que cumpra a condição de eficácia prevista no n.º 3 do artigo 350.º do Código do Trabalho.

Ora, chegados aqui e face ao quadro legal, doutrinário e jurisprudencial que deixámos enunciado, é possível extrair as seguintes conclusões:

1) Caso o trabalhador, à data de envio da comunicação revogatória do acordo de revogação do contrato de trabalho, no exercício de um direito potestativo a que a entidade patronal não se pode opor ou recusar, já tenha visto ingressar na sua esfera jurídica a compensação ou parcela da mesma acordada e disso tenha conhecimento, deverá devolver em simultâneo com a dita comunicação tal compensação;

2) Nas situações, como a dos autos[7], em que tal compensação pecuniária, na totalidade ou em parte, ainda não ingressou na sua esfera jurídica ou, tendo-o feito, o visado disso não tenha conhecimento (falta de conhecimento que tem de ser apreciado objetivamente, dentro de parâmetros de razoabilidade e experiência comum), o trabalhador poderá enviar, tão-somente, a referida comunicação;

3) No entanto, mal o trabalhador referido na alínea anterior venha a saber que recebeu tais montantes compensatórios, deverá providenciar pela sua restituição, em tudo o que tenha sido despoletado pela referida cessação do contrato de trabalho (indemnização e prestações que só foram liquidadas em função do termo do vínculo laboral, tais como indemnização, remuneração das férias vencidas mas cujo gozo poderia ocorrer em momento posterior, bem como o respetivo subsídio e ainda os proporcionais das férias, inerente subsídio e subsídio de natal, relativos ao ano do termo, entretanto revogado, da relação laboral);

4) A simultaneidade exigida pelo regime legal tem que ser interpretada com grano salis, em hipóteses como a dos autos, continuando, portanto  e mesmo aí, a revogação do acordo revogatório do contrato de trabalho a estar dependente, em termos de eficácia jurídica, da restituição dos montantes/prestações antes mencionados.[8]                           

F - LITÍGIO DOS AUTOS

Tendo como pano de fundo o que se deixou anteriormente defendido, resta saber se o Autor, ao não devolver o montante global de € 1. 800,00 (ou, pelo menos, a primeira parte dessa quantia, percebida por ele em 9/5/2012, pois a não devolução da segunda parcela pode ter resultado da posição assumida pela Ré na carta de 14/5/2012).

Dir-se-á que não é fácil interpretar os factos que resultaram provados ou que ressaltam dos documentos pertinentes (v.g. teor do acordo de revogação do contrato de trabalho, recibos e transferências bancárias), afigurando-se-nos, no entanto,  que dos mesmos é possível extrair o seguinte cenário:

a) Autor e Ré subscreveram, com data de1/5/2012, um acordo de revogação do contrato de trabalho com as cláusulas transcritas nos Pontos 10. e 11.:

10.- Da cláusula segunda do acordo acima referido em 9., consta que:

“Nesta data, a Entidade Patronal pôs à disposição do Trabalhador, o montante ilíquido de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) a título de indemnização global pela cessação do contrato de trabalho, assim como respetivos proporcionais, concretamente, o valor respeitante aos 14 dias úteis de férias não gozadas no ano de 2012, subsídio de férias de 2012, subsídio de natal à razão de 4/12 e proporcionais de férias e subsídio de férias à razão de 4/12 (que se venceriam em Janeiro de 2013).

11.- Da cláusula terceira do acordo acima referido em 3.9, consta que:

«O pagamento da indemnização devida ao Trabalhador será realizado em duas tranches. A primeira no montante de €900,00 (novecentos euros) será liquidada com a outorga do presente contrato, a restante, no montante de € 900,00, será liquidada no último dia do mês de Maio de 2012.»

b) Ficou igualmente assente o seguinte:

3.- O Autor entrou ao serviço da Ré em 2/12/2008.

4.- Sendo-lhe atribuída a categoria profissional de “vigilante” e paga recentemente a retribuição base mensal de € 641,93[9].

7.- Em 29 de Fevereiro de 2012, a Cliente, alegando sérias dificuldades económicas, cessou o contrato de prestação de serviços de vigilância que havia celebrado com a sociedade Ré.

8.- Logo após aquela denúncia por parte da sociedade CC, SA, o A. gozou os 22 dias de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2012 e, posteriormente, substituiu um colega nas férias daquele, num posto de outra cliente.

17.- O subsídio de férias vencido a 01-01-2012 foi pago ao Autor em Fevereiro e Março de 2012.                 

c) Resulta dos documentos juntos a fls. 60 a 66, que o Autor recebeu em Fevereiro e Março de 2012 o subsídio de férias (€ 641,93) relativo às férias vencidas em 1/1/2012, que aliás gozou, como ficou demonstrado, em Março de 2012, tendo recebido a correspondente retribuição (€ 641,93).

d) O Autor veio peticionar a remuneração do mês de Abril de 2012, no valor de € 641,93, não tendo a Ré demonstrado o seu pagamento, como lhe competia, de acordo com as regras do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil) e atenta a circunstância de se tratar de um facto extintivo do referido direito, limitando-se antes a reconduzir tal liquidação à compensação global acordada na revogação do contrato de trabalho (cfr., aliás, o Ponto 8.).

e) Verifica-se uma manifesta contradição entre os factos dados como assentes nos Pontos 8. e 17. e o conteúdo da cláusula segunda do acordo de revogação da relação laboral dos autos, afigurando-se-nos que devemos atender ao teor desta última, nos seus precisos termos, dado ter sido essa realidade que foi fruto do consenso entre as partes e consta da cláusula 2.ª do documento em análise, nada nos dizendo que os 14 dias úteis aí identificados não se referem ao gozo atrasado de férias ou que, em alternativa, o Apelado gozou nos referidos 22dias de Março de 2012, essas férias atrasadas (14 dias úteis) + 8 dias úteis das férias vencida em 1/1/2012.      .    

Face a tal quadro fáctico, impõe-se referir que a cláusula 2.ª não é de leitura unívoca e evidente, pois é possível extrair da mesma as duas seguintes interpretações:

1) O montante de 1.800,00 Euros abarca somente a compensação pela cessação consensual do vínculo laboral, acrescendo aquele as demais prestações (ali denominadas, enigmaticamente, de «respetivos proporcionais»), tais como «o valor respeitante aos 14 dias úteis de férias não gozadas no ano de 2012, subsídio de férias de 2012, subsídio de natal à razão de 4/12 e proporcionais de férias e subsídio de férias à razão de 4/12 (que se venceriam em Janeiro de 2013)», a que teria de se acrescentar o salário de Abril de 2012;

2) Aquela quantia abarca todas essas realidades, visando a módica importância de € 1.800,00 pagar valores que, a partir da nomeação que é feita em tal cláusula e considerando ainda a remuneração de Abril de 2012, atingiriam a soma global de € 2.225,18 [(€ 641,93 + € 125,18) + (€ 641,93 : 22 dias x 14 dias x 2) + (€ 641,93 : 12 x 4 x 3)]   ou o valor de € 1.458,9818, se excluímos o salário + subsídio de alimentação de Abril de 2012.

Ora, se interpretarmos a aludida cláusula 2.ª nos moldes indicados em 1), tal implicaria que o montante de € 1.800,00 (ou somente de € 900,00) corresponderia, na íntegra, à indemnização ou compensação pela cessação por acordo do vínculo laboral, o que obrigaria o Autor a devolvê-lo na íntegra, o que o mesmo não fez.

Se encararmos a dita cláusula na segunda perspetiva, então só no caso de reconduzirmos aquantia de € 1.800,00 às prestações salariais no valor global de € 2.225,18 é que poderíamos, eventualmente, defender o direito do Autor a fazer-se pagar de imediato por tais créditos de trabalho, mas importa lembrar que a cláusula 2.ª não alude à remuneração de Abril de 2012 e ao respetivo subsídio de refeição mas apenas às demais (cfr, aliás, a declaração constante do número 4 da citada cláusula), não tendo o trabalhador, por outro lado, direito, em qualquer caso, aos proporcionais das férias e subsídios de férias e de natal, na quantia global de € 641,93    .

A ser assim, sempre o Autor teria o dever de devolver à Ré um montante residual de € 216,75 (na primeira hipótese) ou de € 982,999 (no segundo cenário, que nos parece o mais consentâneo com os elementos dos autos).                                          

Não nos parece que constitua fundamento para a atitude de retenção do Autor do montante de € 1.800,00 a circunstância da Ré não ter liquidado logo no dia 1/5 mas somente no dia 8/5,  a primeira tranche da compensação acordada, sendo certo que nada é invocado pelo trabalhador a esse respeito, na carta de revogação do acordo revogatório do contrato de trabalho e que o regime do artigo 350.º do Código do Trabalho tem uma natureza excecional, que se sobrepõe ou afasta o regime geral ou mesmo especial que com ele conflitue  (nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 14/11/2007, AD, 555.º, 652).

Logo e em conclusão, o Autor, ao não restituir o montante de e 1.800,00 ou pelo menos, parte do mesmo, nos termos antes explanados, retirou eficácia jurídica à carta revogatória por si remetida à Ré.

Sendo assim, tem o presente recurso de Apelação de ser julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida e a subsequente absolvição da Ré dos pedidos contra ela formulados, sendo certo que quanto à retribuição de Abril de 2012 + subsídio de alimentação, a absolvição da Ré quanto ao seu pagamento já transitou em julgado (cfr. teor da parte decisória da decisão da 1.ª instância).     

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:

a) Em alterar oficiosamente o Ponto 4. da Factualidade dada como Provada;  

b) Em julgar procedente o recurso de apelação interposto por BB, SA, nessa medida se revogando a sentença recorrida na parte impugnada e se absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados pelo Autor.

*

Sem custas, atenta a isenção de que beneficia o Autor – artigo 4.º, número 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais.

Registe e notifique.

Lisboa, 05 de Novembro de 2014     

José Eduardo Sapateiro

Sérgio Almeida

Jerónimo Freitas)


[1] Em “Cessação do Contrato de Trabalho», 3.ª Edição revista e atualizada, Julho de 2012, PRINCIPIA, páginas 141 e 144 a 146.
[2] JOANA VASCONCELOS, «A revogação…», RDES, cit., 186 e, mais recentemente, A Revogação..., cit., 347 (a matéria do presente número é versada com profundidade nas pp. 334 e seguintes desta monografia) (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[3] No sentido da qualificação como um negócio formal, JOANA VASCONCELOS, «A revogação…», RDES, cit., 190 e, mais recentemente, A Revogação..., cit., 345 (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[4] JOANA VASCONCELOS, «A revogação…», RDES, cit., 189, texto e nota 52 e, mais desenvolvidamente, A Revogação..., cit., 342-345 (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[5] Jorge Leite, em “Crónica - observatório legislativo”, texto publicado em Questões Laborais, n.º 8, Ano III, 1996, Coimbra Editora, a páginas 194 e seguintes (mais especificamente, a página 217) defende o seguinte:
«A lei (n.º 3 do art.º 1.º e n.º 2 do art.º 2.º) faz depender a eficácia da revogação do acordo revogatório e da revogação do ato de demissão de um outro requisito: o trabalhador deverá, em simultâneo com a comunicação revogatória, entregar ou pôr à disposição da entidade empregadora, na totalidade, o valor de compensações que lhe hajam sido eventualmente pagas em cumprimento do acordo revogatório ou por efeito da cessação do contrato, isto é, para usar uma formulação que abranja os dois casos, o trabalhador deverá restituir aquilo que lhe foi pago em função da prevista mas frustrada extinção do contrato.»         
[6] Aresto referido pela Ré na sua contestação e alegações de recurso, importando reproduzir, para melhor compreensão do seu Sumário, o seguinte excerto do mesmo:
«No caso vertente, como se viu, as partes fixaram a compensação em Euros 965,00.
Essa quantia não a pagou a ré aquando da outorga do acordo revogatório, tendo-a depositado no dia 2.03.2006, e a mesma ficado apenas disponível em 6.03.2006. A autora, por seu turno, em 3.03.2006 enviou à ré carta a fazer cessar o acordo de revogação.
Pretende a autora que, uma vez que a verba de euros 965,00 ainda não estava disponível quando enviou a dita carta a fazer cessar o acordo de revogação do contrato, não estava obrigada a entregar ou a pôr à disposição do empregador o valor da compensação.
Adianta-se desde já que não lhe assiste razão.
Com efeito, se é verdade que não tendo a autora recebido a dita verba compensatória de euros 965,00 quando celebrou o acordo de revogação do contrato de trabalho, nem quando remeteu a carta a e extinguir os efeitos do acordo revogatório, não poderia, naturalmente, exigir-se à mesma a entrega dessa verba. Mas, a partir do momento em que referido valor ficou disponível, deveria a mesma, de imediato, ter procedido à sua devolução à ré ou, pelo menos, por qualquer forma, colocá-la à disposição desta. A autora não somente assim não fez, como expressamente o refere, como ainda defende que não estava obrigada a fazê-lo, por não estar em causa qualquer das compensações previstas pelo legislador, mas sim créditos a que já tinha direito.
De novo não lhe assiste razão.
E o art.º 395, do Código do Trabalho é bem claro sobre essa matéria ao exigir a devolução quer do valor das compensações pagas em cumprimento do acordo ou por efeito da cessação do contrato. O que se compreende, pois se a revogação do acordo de revogação do contrato de trabalho vai fazer cessar este acordo, o contrato de trabalho não chega a cessar, continua a vigorar, não fazendo qualquer sentido que o trabalhador mantenha o direito aos créditos que apenas se vencem com a efetiva cessação do contrato.
No caso em apreço, trata-se de férias, subsídio de férias, proporcionais dos mesmos e de Natal, que tudo indica decorrem da cessação do contrato de trabalho, pois estão em causa os respetivos proporcionais. A esse propósito já esta Relação se pronunciou. Com efeito, no acórdão de 17.01.2005, www.dgsi.pt, decidiu-se o que se haveria de considerar como integrante do conceito de compensação, apenas se excluindo dessa noção, a retribuição auferida como contrapartida da prestação do trabalho e outras atribuições patrimoniais que se vencem com carácter de regularidade durante e por causa da execução do contrato de trabalho, como prémios, diuturnidades e subsídio de alimentação, por exemplo. Nesse sentido também, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 1999, págs. 60 a 63 e Jorge Leite, Observatório Legislativo, Questões Laborais, Ano III - 1996, Tomo 8, págs. 217 e 218.
Desta feita, porque a autora não devolveu qualquer quantia do montante recebido, não operou a revogação do acordo de revogação do contrato de trabalho - o que significa que o contrato de trabalho cessou por acordo das partes.»
[7] O Autor remeteu à Ré, em 8 de Maio de 2012, a carta de revogação com o seguinte teor:

«ASSUNTO: REVOGAÇÃO DA DENÚNCIA

Ex.mos. Senhores;

Nos termos do artigo 420 da Lei 7/2009, venho informar a V. Exas. que revogo o Acordo celebrado em 1 de Maio de 2012,

Pelo exposto fica revogado o referido acordo de rescisão de contrato datado de 1/5/2012.

Assim, caso não tenha nenhuma indicação de V. Exas., comparecerei no meu local de trabalho no dia 10 de Maio de 2012, das 23h às 07h na PREBEL, S. Martinho.

Sem outro assunto.

Apresento os meus melhores cumprimentos». (cfr. Ponto 12. dos Factos Provados)

Segundo o Ponto 13. da Factualidade dada como Provada «A 07 de Maio de 2012 a Ré ordenou o pagamento da primeira tranche da indemnização, no valor de €900,00, montante que deu entrada na conta do Autor a 09-05-2012.», referindo ainda o Ponto 14. que «E, posteriormente, em 30 de Maio de 2012, foi ordenado o pagamento da segunda tranche da indemnização acordada, no montante de € 900,00.», valores esses que não foram devolvidos pelo Autor à Ré segundo o Ponto 16.º: «O Autor não devolveu à Ré as quantias acima mencionadas em 13. e 14.»  

A Ré remeteu ao Autor, com data de 14/4/2012, a carta com o seguinte teor (cfr. Ponto 15.):

«Excelentíssimo Senhor,

Acusamos a receção da s/missiva datada de 8 de Maio de 2012, na qual sob epígrafe de "Revogação da Denúncia", vem V. Ex.ª declarar que pretende cessar o acordo de revogação do Contrato de Trabalho, com fundamento na extinção do posto de Trabalho, outorgado no passado dia 01 Maio 2012.

Nos termos do disposto no artigo 350.º, n.º 1 e n.º 3 do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de Fevereiro, assistia a V. Ex.ª o direito de fazer cessar o acordo de revogação que outorgou com esta sociedade, na qualidade de s/Entidade Patronal, caso efetuasse uma comunicação escrita até ao 7.º dia seguinte da data da celebração e em simultâneo, entregasse ou pusesse à N/ disposição o montante que foi entregue a V. Ex.ª a título de compensação pecuniária paga em virtude do cumprimento do acordo.

Dado que V. Ex.ª na comunicação que N/ dirigiu, no termo do prazo legal de que dispunha, não entregou as referidas quantias pecuniárias que lhe foram pagas, nem sequer as colocou à N/ disposição, imperativamente, nos termos da lei, a comunicação da cessação do acordo realizada é ineficaz

Nestes termos, consideramos válido e plenamente eficaz o aludido acordo de revogação do Contrato de Trabalho, com fundamento na extinção do posto de Trabalho, celebrado com V.Ex.ª.

Finda que está a relação laboral existente com V.Ex.ª agradecemos que se coíba de comparecer em qualquer posto de vigilância ou instalação pertencente a esta sociedade, sob pena de nos vermos forçados a desencadear os competentes procedimentos legais contra V.Ex.ª.

Sem outro assunto de momentos, subscrevemo-nos apresentando os n/ melhores cumprimentos.»
[8] Dir-se-á, desde já que a segunda linha de argumentação desenvolvida pela Ré nas suas conclusões de recurso - extinção do posto de trabalho como fundamento da revogação do contrato de trabalho -não colhe minimamente, pois uma forma de cessação do vínculo laboral (consensual) não se confunde  ou pode reconduzir a uma outra (unilateral), sendo o cariz revogatório do documento assinado por ambas as partes que releva juridicamente, para efeitos de aplicação dos artigos 349.º e 350.ºdo Código do Trabalho de 2009, como é defendido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de  18/12/2013, processo n.º 559/12.0TTLSB.L1-4, relator: Sérgio Almeida, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
I  – O despedimento por extinção de postos de trabalho (art.º 26.º do C. Trabalho) é uma resolução por iniciativa do empregador fundada em razões objetivas, ligadas à empresa e não imputáveis ao comportamento culposo do trabalhador.
II. Para a verificação do pressuposto previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 368 e 359, n.º 1, do Código do Trabalho o que releva são as resoluções resultantes da iniciativa da entidade patronal, i. é despedimentos, como resulta da locução “promovida pelo empregador” contida no n.º 1 do art.º 359, e não outras formas de cessação do contrato, nomeadamente revogações, que são os atos pelos quais ambas as partes, regulando ex lex privata o negócio bilateral, decidem pôr-lhe fim.
III. Qualquer alusão inserida no acordo de revogação, seja que até se verificam os pressupostos para haver despedimento coletivo ou que tem subjacentes razões de mercado, estruturais ou tecnológicas, é irrelevante para este efeito, já que a cessação continua a não puder ser imputada meramente ao empregador.      
[9] O Ponto de Facto referia o valor de € 612,45, mas determinou-se a sua retificação oficiosa, nos termos do artigo 662.º, número 1 do NCPC, para o montante correto de € 641,93, conforme resulta dos recibos de vencimento juntos pela Ré.  

Decisão Texto Integral: