Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
318/13.2TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. A falta ou insuficiência da indicação dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, no âmbito do despedimento colectivo, constitui causa de ilicitude desse despedimento e fundamento para a sua suspensão ao abrigo do 39º do CPT.
2. No caso, os critérios enunciados pela entidade empregadora, de tão vagos e genéricos, não permitem descortinar qualquer nexo entre os fundamentos invocados e a escolha da requerente, equivalendo à ausência da indicação dos critérios de selecção, impostos na alínea c) do n.°2 do artigo 360º do Código de Trabalho, o que torna ilícito o seu despedimento.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA veio intentar a providência cautelar de suspensão judicial de despedimento colectivo contra:
BB- Viagens e Turismo.
A requerente alega que foi admitida pela requerida, em 30 de Abril de 2004, através de contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, que mais tarde se converteu em contrato de trabalho sem termo, com a categoria profissional de aspirante e actividade de front-office, no balcão da requerida na cidade do Porto, sito na Rua (…) n.º (…), tendo ultimamente a categoria profissional de 1ª Técnica de Turismo.
A requerida decidiu proceder ao despedimento colectivo de alguns trabalhadores a ela afectos, no qual a requerente estava abrangida. Porém, da comunicação entregue à requerente, a requerida não indicou ou descreveu os critérios concretos de selecção da requerente, e explica apenas de forma genérica os critérios. Acresce ainda que um dos motivos indicados pela requerida (o fecho do balcão do Porto) nem sequer se verifica, pois o mesmo é mantido em funcionamento com apenas um funcionário - o que é relevante pois era esse o local de trabalho da requerente. Entende, assim, a requerente que o seu despedimento, a consumar-se, será ilícito, por falta de cumprimento das respectivas formalidades legais, pelo que deverá a presente providência cautelar de suspensão de despedimento colectivo ser decretada, por falta de cumprimento das formalidades legais exigíveis, suspendendo-se, assim, a cessação da contrato de trabalho da requerente.

A requerida apresentou a sua oposição, pugnando pelo cumprimento das formalidades exigidas para o despedimento colectivo. Alegou ainda que está vedado ao Tribunal conhecer, nesta providência, da verificação dos fundamentos do despedimento colectivo.

Realizou-se a audiência, sendo ouvidas as testemunhas arroladas.

Foi proferida sentença que decidiu: Nos termos acima referidos, vai deferida a providência cautelar de suspensão de despedimento colectivo, requerida por AA contra BB- Viagens e Turismo e, em consequência:
a) Determino a suspensão do despedimento de que foi alvo a requerente, determinando a sua imediata reintegração na requerida, com todos os efeitos a ela inerentes, designadamente retributivos.

A requerida, inconformada, interpôs recurso tendo nas suas alegações concluído, em síntese, que: Não existe incumprimento das formalidades que consistem na indicação concreta e explícita dos critérios de selecção, pois as menções que a requerida fez constar do anexo 4 da comunicação de intenção de despedimento sob a epigrafe “ Critérios de selecção dos trabalhadores – são mais do que suficientes para satisfazer a exigência de respeito pelas formalidades constantes do art.383º do CT. Mas ainda em sede de procedimento cautelar, não adianta discutir se os critérios de selecção indicados estão ou não suficientemente detalhados ou circunstanciados, se está ou não inequivocamente demonstrada a sua ligação em concreto a cada um dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo pois o tribunal nestes autos, não pode ir além de um juízo sumario de cognitio nos restritos termos da c) do n.º1 do art. 39º do CPT, ou seja, limitando-o a uma análise relativa ao cumprimento ou não das exigências de forma do artigo 383º do CPT.

Nas contra-alegações a autora pugna pela confirmação do decidido.
Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir
I. As questões suscitada nas conclusões do recurso que delimitam o seu objecto são, em primeiro, saber se a falta ou insuficiência da indicação dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, no âmbito do despedimento colectivo, constitui causa de ilicitude desse despedimento e com isso fundamento para a sua suspensão, ao abrigo do 39º do CPT; em segundo saber se, no caso em apreço, a requerida fez a indicação suficiente dos critérios de selecção dos trabalhadores a abranger pelo despedimento, designadamente os que abrangeram a requerente.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos:
(…)

III. Fundamentos de direito
Como acima se referiu, a 1ª questão suscitada é a de saber se a falta ou insuficiência da indicação dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, no âmbito do despedimento colectivo, constitui causa de ilicitude desse despedimento e fundamento para a sua suspensão, ao abrigo do 39º do CPT.
Para que seja decretada a suspensão de despedimento colectivo, como resulta da c) do art.º39 do CPT, importa averiguar se foram observadas as formalidades, referidas no art.º383 do CT/2009. Este dispõe que :
O despedimento colectivo é ilícito, nos termos deste art.º383 do CT /2009, se o empregador:
a) Não tiver feito a comunicação prevista nos nºs 1 ou 4 do artigo 360.º ou promovido a negociação prevista no n.º1 do artigo 361.º;
b) Não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, referido no n.º1 do artigo 363º;
c) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 4 do artigo 363.º.
Estabelece o artigo 360.º do mesmo diploma legal que:
1- O empregador que pretenda proceder a um despedimento colectivo comunica essa intenção, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores abranger".
2- Da comunicação a que se refere o número anterior devem constar:
a) Os motivos invocados para o despedimento colectivo;
b) O quadro de pessoal, discriminado pró sectores organizacionais da empresa;
c) Os critérios para a selecção dos trabalhadores a despedir;
d) O número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas;
e) ……
Temos assim que, nos termos da a) do art.º383 do CT, constitui causa de ilicitude do despedimento colectivo o facto do empregador não ter feito a comunicação a que se refere o n.º1 do art.º360, sendo que esta comunicação terá de obedecer ao imposto no seu n.º2, pelo que, deverá indicar os critérios para selecção dos trabalhadores a despedir. Com efeito, se naquela comunicação faltar algum dos elementos impostos no n.º2, essa comunicação não corresponde à exigência da comunicação a efectuar segundo o disposto no n.º1, o que conduz à sua falta para os efeitos da alínea a) do art.º383 do CT. Por outro lado, o conhecimento dos critérios para selecção dos trabalhadores a despedir integra-se no âmbito do processo de suspensão de despedimento, por se enquadrar na apreciação das formalidades a que alude o artigo 39º do CPT.
No caso, esses critérios foram enunciados na comunicação de despedimento, nos termos do documento de fls.76.
Importa então apreciar se a indicação dos critérios de selecção dos trabalhadores a abranger pelo despedimento colectivo feita pela requerida na comunicação do despedimento é, ou não, suficiente e se essa suficiência é possível ser apreciada no processo de suspensão de despedimento.
A sentença recorrida entendeu que a enunciação de critérios vagos e genéricos para selecção dos trabalhadores a despedir, constante na comunicação do despedimento, nomeadamente quanto à selecção da requerente, equivale à ausência de critérios. Entendimento com o qual a recorrente discorda em absoluto. Vejamos se lhe assiste razão.
Na verdade, a lei não impõe qualquer critério ou prioridade quanto aos trabalhadores a abranger pelo despedimento colectivo, cabendo à entidade empregadora a determinação dos mesmos. Todavia, a indicação dos critérios que servem de base para a selecção dos trabalhadores a despedir, como é exigido na sua comunicação, serve para estabelecer a ligação entre os motivos invocados para o despedimento colectivo e o concreto despedimento de cada trabalhador abrangido, de forma a que cada um destes possa compreender as razões porque foi abrangido pelo despedimento, pois só assim o despedimento de cada trabalhador pode considerar-se justificado, face ao disposto no art.º 53 da CRP. – Ver Acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 25.03.2009, disponível em www.dgsi.pt.
Analisemos se, no caso em apreço, a indicação dos critérios que serviram de base à selecção dos trabalhadores abrangidos, nomeadamente da requerente, cumpre a referida finalidade que, no fundo, consubstancia a razão de ser da sua exigência na comunicação do despedimento.
A requerida enviou à requerente:
- a comunicação de intenção de despedimento colectivo (fls. 70)
- a relação dos trabalhadores a despedir (fls. 72)
- a descrição dos motivos invocados para o despedimento colectivo (fls. 72 a 74),
indicando inclusivamente números de receitas;
- O quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa (fls.
75);
- a indicação dos critérios para selecção dos trabalhadores a despedir (fls. 76);
- a indicação do número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais
abrangidas (fls. 77);
- O período de tempo no decurso do qual se pretende efectuar o despedimento (fls.78)
- método de cálculo de indemnização (fls. 79).

No que concerne à indicação dos critérios para selecção dos trabalhadores a despedir (fls. 76), escreveu a requerida:
“1. Dando satisfação ao estabelecido na alínea c) do n.º 2 artigo 360.º do Código do Trabalho, a seguir se indicam os critérios que servem de base à selecção dos trabalhadores, cujos contratos de trabalho cessarão no âmbito do presente despedimento colectivo.
2. Os critérios de selecção adoptados isolada ou conjuntamente podem resumir-se aos seguintes:
Extinção do Departamento de Grupos; Extinção do Balcão da R. (…);
Extinção da secção Incoming;
Extinção do Balcão do Porto;
Extinção do sector de Contabilidade;
Restruturação, redução e reorganização do Balcão das (…);
Nível de vencimento vs antiguidade, que se reflectiria, consequentemente, no respectivo valor de compensação, principalmente, em relação ao atendimento no Porto; Trabalhadores no Atendimento que apresentam um maior volume de facturação; Total do volume de Vendas.”
A indicação dos critérios que servem de base à selecção dos trabalhadores a abranger tem uma importância fundamental, por ter como objectivo evitar práticas arbitrárias e discriminatórias na sua escolha e permitir, por outro lado, a sindicabilidade, quer pelo trabalhador, quer pelo tribunal da aplicação concreta desses critérios. Assim, a exigência legal da indicação prévia dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir não pode corresponder a uma mera fórmula vaga e esvaziada de qualquer conteúdo útil, pois só sendo devidamente concretizada é que permitirá aferir se o motivo individual invocado para esse trabalhador cabe nos critérios de selecção previamente definidos pelo empregador e que conduziram a que tivesse sido ele e não outros os seleccionados. De outra forma, ficaria obstaculizada a possibilidade do trabalhador abrangido sindicar a sua escolha individual à luz dos critérios de selecção definidos pelo empregador. E o tribunal impedido, na acção de impugnação de despedimento colectivo que viesse a ser instaurada, de controlar as escolhas concretas do empregador e impedido de afastar uma eventual arbitrariedade praticada na selecção desses trabalhadores, só assim se compatibilizando a iniciativa da empresa de reduzir os seus efectivos com o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição. Deste modo, a consequência da impossibilidade do trabalhador impugnar as razões da sua inclusão num despedimento colectivo só pode ser a da sua ilicitude com a consequente subsistência do vínculo contratual desse concreto trabalhador - ver Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/06/2012, Proc. 938/06.1TTVFR-P1.S1, www.dgsi.pt.
No caso, facilmente se verifica que a requerida não indicou os concretos critérios de selecção da requerente, pois a própria requerida refere, na comunicação despedimento, que os critérios de selecção são adoptados isolada ou conjuntamente, mas sem indicar o critério aplicado à requerente. Com efeito, não se descortina no referido documento (fls. 76) quais as razões da entidade empregadora que a levaram a incluir a requerente nos trabalhadores dos despedidos pelo que, desde logo, se indicia a provável inobservância das formalidades constantes do art.383.º, do Código do Trabalho. Mas também um dos motivos invocados (o fecho do balcão do Porto) não se verifica, pois como a própria requerida reconheceu em reunião (acta de fls. 43), este balcão teria apenas uma redução de trabalhadores, como decorre dos factos n.ºs 17 e 18.
Afigura-se-nos, assim, que os critérios enunciados pela requerida poderiam aplicar-se em abstracto a qualquer outro trabalhador, não permitindo ao tribunal sindicar as razões da escolha da requerente o que significa que a sua indicação constitui um vazio na compreensão do seu despedimento.
O despedimento colectivo é um despedimento com causas objectivas, ou seja, por motivos que não são imputáveis aos trabalhadores. A sua admissibilidade com a conciliação do princípio constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa, consagrado no art.º53 da Constituição impôs à própria lei a necessidade de contenção deste mecanismo, através da sua limitação em termos substanciais, com a enunciação dos motivos e procedimentais, com os processo de efectivação e a previsão das causas de ilicitude. Assim, ainda que muitas das decisões sejam decisões de gestão, como a da reestruturação face aos desequilíbrios económico-financeiros, não se pode impedir que o tribunal verifique se tais medidas são tomadas em respeito pelos direitos dos trabalhadores. “Ao fazê-lo, os tribunais não estão a substituir-se ao empregador na gestão da sua empresa, mas antes a manifestar que a liberdade económica e propriedade privadas não são os únicos valores constitucionalmente consagrados e devem-se conciliar com outros valores, entre os quais o direito ao trabalho e o reconhecimento da necessidade da tutela da personalidade do trabalhador”, cf. Prof. Júlio Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, pág. 994.
Deste modo, ainda que não caiba ao tribunal aferir os critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, porque eles estão relacionados com as opções da gestão da empresa, a indicação dos critérios destina-se a permitir o controle jurisdicional da selecção, ou seja, aferir se a escolha de determinado trabalhador se fundou em razões objectivas ou se ficou a dever a motivações arbitrárias e discriminatórias.
No caso, os critérios enunciados pela requerida, de tão vagos e genéricos, poderiam aplicar-se em abstracto a qualquer outro trabalhador, não permitem descortinar qualquer nexo entre os fundamentos invocados e a escolha da requerente, equivalendo, por isso, como bem se decidiu na sentença recorrida, à ausência de indicação de critérios de selecção, impostos na alínea c) do n.°2 do art.º360 do Código de Trabalho, o que equivale à ilicitude do despedimento colectivo de que a requerente foi alvo, atento ao disposto na alínea a) do art.º383 do Código de Trabalho/2009, devendo improceder o recurso interposto.

IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014.

Paula Sá Fernandes
Filomena Manso
Duro Cardoso
Decisão Texto Integral: