Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
121/05.3JDLSB-H.L1-5
Relator: ISILDA PINHO
Descritores: SENTENÇA ESTRANGEIRA
PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO
ESPAÇO DA UNIÃO EUROPEIA
REGIME APLICÁVEL
DESCONTO NA LIQUIDAÇÃO DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. Para que uma sentença proferida por um Tribunal do Espaço da União Europeia, designadamente de Espanha, possa produzir os seus efeitos em Portugal não basta a sua junção aos autos, ainda que devidamente autenticada por esse país estrangeiro, carecendo de ser aqui objeto de reconhecimento, cujo inerente pedido terá de ser apreciado pelo Tribunal da Relação.

II. Relativamente às sentenças proferidas no Espaço da União Europeia o regime aplicável é o da Lei 158/2015 de 17 de setembro, com recurso à Lei 144/99 de 31 de agosto, apenas e eventualmente, se necessário for, para o suprimento de alguma lacuna, não colmatável pelo Código de Processo Penal, enquanto direito subsidiário aplicável.
 [sumário elaborado pela relatora]
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum coletivo n.º 121/05.3JDLSB que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 22, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 07 de dezembro de 2022, foi proferida a seguinte decisão [transcrição]:
Fls. 6793 a 6828, 6830, 6863 a 6877:
Veio o arguido A requerer que:
- A liquidação de pena seja reconsiderada tendo em conta os descontos ainda por realizar, de acordo com os factos supra identificados e os documentos, nos termos e efeitos do art.º 80.º do CP;
- A respectiva restituição à liberdade uma vez que se mostram cumpridos mais de 5/6 da pena global.
Para tanto, o arguido, invocando a Decisão-Quadro 2008/675/JAI, alegou, em síntese, que:
- No processo 441/2012, de Espanha, foi condenado nas penas de 10 anos e 3 meses de prisão (pela prática do crime de tráfico de estupefacientes) e de 6 meses de prisão (pela prática do crime de falsificação de documento);
- Durante a execução destas penas de prisão, foi entregue, pelas autoridades judiciais espanholas, às autoridades judiciais francesas, para em França ser submetido a julgamento;
- Enquanto permaneceu em França, continuou em cumprimento das referidas penas de prisão em que foi condenado em Espanha;
- Durante esse período foi decretado em França o perdão das penas de prisão em dois meses;
- Esse período de dois meses não foi descontado na execução das penas de prisão em que foi condenado em Espanha, pelo que, aquando da liquidação da pena de prisão imposta nestes autos deverão ser descontados tais dois meses;
- As duas penas de prisão em que foi condenado no aludido processo 441/2012, de Espanha, não foram cumuladas juridicamente, como o seriam se a condenação em causa tivesse sido proferida em Portugal, na medida em que o ordenamento jurídico espanhol não o permite, pelo que, deverá nos presentes autos proceder-se a tal cúmulo jurídico;
- Em Espanha, poderia ter beneficiado em momento anterior de liberdade condicional, apenas tal não tendo ocorrido devido à emissão, por este tribunal, de mandado de detenção europeu, tendo em vista o cumprimento da pena de prisão que neste processo lhe foi imposta, pelo que, refere, deveria (…) ser concedido o benefício da compensação dos dias de liberdade provisória que seria concedida em Espanha, conforme o regime do art.º 59.º do Código Penal Espanhol, em dias no cumprimento da pena de prisão em execução nos presentes autos, que se contabilizam em 36 por ano, desde o ano de 2015 (ano do transito em julgado da sentença de Espanha) e 2022, que se contabilizam no momento em 7 (sete) anos, devendo também este período temporal ser considerado em sede de liquidação de pena nos presentes autos.
- O somatório das penas de prisão em que foi condenado em Espanha e em Portugal perfaz 18 anos e 9 meses, pelo que, à presente data, (…) tem cumpridos 15 anos e 7 meses, o que corresponde a 5/6 do cômputo geral das penas de prisão a que foi condenado.
Cumpre apreciar e decidir.
Não consta destes autos, nem o arguido em algum momento o alegou, que a sentença em matéria penal proferida no processo que identificou, que terá corrido termos no Reino de Espanha, foi objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos previstos na Lei n.º 144/99, de 31.08, e na Lei n.º 158/2015, de 17.09, e que, portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses, incluindo aqueles que o mesmo pretende atribuir-lhe.
Por seu turno, prevê o art.º 82.º do Código Penal que é descontada, nos termos dos artigos anteriores, qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, no estrangeiro. No entanto, não consta da documentação junta a estes autos pelo arguido, nem este o alegou, que a sentença em matéria penal proferida no referido processo, que terá corrido termos no Reino de Espanha, teve por objecto os mesmos factos que levaram à condenação daquele no presente processo.
Nesta medida, carece de qualquer fundamento a pretensão do arguido no que respeita aos descontos que, afirma, estão ainda por realizar.
Por fim, quanto à requerida restituição à liberdade uma vez que se mostram cumpridos mais de 5/6 da pena global, tal como se fez constar do despacho proferido em 05.10.2021, a competência material para a concessão da liberdade condicional pertence ao Tribunal de Execução das Penas [art.º 138.º, n.º 4, al. c), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade] (fls. 6722).
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Notifique.
*
Fls. 6878:
Na sequência da emissão de mandado de detenção europeu para assegurar o cumprimento pelo arguido A da pena única de prisão que lhe foi imposta nestes autos, aquele mandado veio a ser executado pelas autoridades do Reino de Espanha, o que foi comunicado a este processo em 04.08.2022.
Na medida em que no expediente remetido a este processo não se mostrava certificada a data em que o mandado de detenção europeu foi executado e, portanto, a partir de que momento o arguido passou a estar privado da liberdade à ordem dos presentes autos, o Ministério Público procedeu em 10.08.2022 a uma liquidação daquela pena única de prisão meramente condicional (cf. fls. 6747 e 6748), que foi homologada por despacho judicial de 12.08.2022 (cf. fls. 6749).
Aquando dessa liquidação de pena, o Ministério Público, invocando o disposto no artigo 80.º do C. Penal, descontou 2 anos e 2 dias que, segundo fez constar, foram já cumpridos no âmbito dos autos 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha. No entanto, não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no aludido processo que terá corrido termos no Reino de Espanha foi objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos previstos na Lei n.º 144/99, de 31.08, e na Lei n.º 158/2015, de 17.09, e que, portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses. Também não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no citado processo que terá corrido termos no Reino de Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram à condenação do arguido no presente processo. Assim, o desconto de 2 anos e 2 dias a que se procedeu na mencionada liquidação de pena condicional (de 10.08.2022) foi indevidamente efectuado. Contudo, tendo tal liquidação de pena sido elaborada condicionalmente apenas por não haver certeza quanto ao dia de início de cumprimento da pena única de prisão imposta nestes autos, não podem agora colocar-se em crise os efeitos jurídicos decorrentes da homologação de fls. 6749.
Em 30.11.2022, o Gabinete Sirene informou que o arguido passou a estar privado da liberdade à ordem do mandado de detenção europeu emitido nestes autos em 05.08.2022 (cf. fls. 6859 e 6860).
Nesta sequência, o Ministério Público elaborou a liquidação (definitiva) da pena única de prisão imposta ao arguido (fls. 6878).
E, atento o que acima se deixou exposto, concordo com a liquidação de pena de fls. 6878 e, como tal, homologo-a – art.º 477.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
Notifique e comunique ao estabelecimento prisional onde o arguido se encontra preso.
Passe e remeta certidões nos termos promovidos (art.ºs 477.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 35.º da Portaria n.º 280/2013, de 26.08).”
*
I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“IV - DAS CONCLUSÕES
A. O ora Recorrente foi notificado da Reformulação da Liquidação da pena de prisão realizada pela Digníssima Magistrada junto do Tribunal a quo, bem como do Despacho que recaiu sobre a homologação da mesma, e ainda sobre douto Despacho proferido sobre o requerimento apresentado pelo Recorrente em 31.12.2022, que indeferiu o pedido de cúmulo das Penas Espanholas e Portuguesa, sendo desta Liquidação de Pena e destes Despachos que ora Recorre,
Porquanto,
B. O Arguido foi condenado, em Portugal, na pena de prisão efetiva de 8 anos, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 22,
C. Foi também condenado em Espanha na pena de prisão de 10 anos e 3 meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e a 6 meses de pena de prisão, pelo crime de falsificação de documento, no Processo 441/2012,
D. Tudo somado perfaz a condenação na pena de prisão de 18 anos e 9 meses.
E. O Recorrente cumpriu à ordem dos presentes autos, I dia de detenção (15.06.2005), tendo, ainda, ficado sujeito à medida de coação de prisão preventiva, à sua ordem, no dia 16.06.2005 (conforme resulta de fis. 766 do processo), tendo sido restituído à liberdade no dia 15.12.2007 (por, à data, não se mostrar transitada em julgado a decisão, conforme resulta de fls. 5722/5724), ou seja, esteve privado da liberdade 2 anos e 6 meses;
F. Esteve, ainda, detido no âmbito do Processo Abreviado 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha, no período compreendido entre o dia 8.06.1998 a 11.06.1998, data em que ficou sujeito à medida de coação de prisão preventiva, a qual se manteve até 10.06.2020, ou seja 2 anos e 5 dias, tendo este processo sido arquivado, e este período de detenção não ter sido descontado, em qualquer outro processo em Espanha.
G. Esteve detido em Espanha, em virtude do MDE, desde o dia 05.08.2022 até ao dia 08.09.2022, ou seja, 4 dias, tendo sido entregue às autoridades portuguesas em 08.08.2022, pelo que em Portugal já cumpriu mais 4 meses e 28 dias,
H. Ou seja, tem cumprido um total de 15 anos, sete meses e 28 dias, pelo que à presente data tem cumprido 5/6 do somatório de ambas as penas, o qual se atingiria após 15 anos, 7 meses e 15 dias.
I. De acordo com a reformulação da Liquidação da Pena efetuada pela Digníssima Procuradora da República, junto do Tribunal a quo procedeu à reformulação da liquidação da pena de prisão (em que o Recorrente foi condenado) efetuada a 10.08.2022, temos a seguinte contabilização
- Início da pena: 05.08.2022
- Meio da pena: 03.02.2022
- Dois terços da pena: 03.06.2022
- Cinco sexto da pena: 03.10.2024
- Termo da pena: 03.02.2026;
J. A referida reformulação da Liquidação da pena foi objeto de despacho de homologação proferido pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo, no qual foi o Tribunal a quo considerou que (negrito nosso):
"... não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no aludido processo que terá corrido termos no Reino de Espanha foi objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos previstos na Lei n.º 144199, de 31.08, e na Lei n.º 158/2015, de 17.09, e que, portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses. Também nõo resulta dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no citado processo que terá corrido termos no Reino de Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram d condenação do arguido no presente processo. Assim, o desconto de 2 anos e 2 dias a que se procedeu na mencionada liquidação de pena condicional (de 10.08.2022) foi indevidamente efectuado. Contudo, tendo tal liquidação de pena sido elaborada condicionalmente apenas por não haver certeza quanto ao dia de início de cumprimento da pena única de prisão imposta nestes autos, não podem agora colocar-se em crise os efeitos Jurídicos decorrentes da homologação de fls. 6749."
K. Aceitando assim, que tenha sido efectuado o desconto de 2 anos e 2 dias, de pena de prisão preventiva cumprida em Espanha, à pena de prisão, sem que tivesse sido sujeita ao Procedimento de Reconhecimento de Sentença Estrangeira, invocado pelo Tribunal a quo, o que se aceita por Bem!
L. Porém, o Tribunal a quo já teve outro entendimento quanto ao pedido de cúmulo das penas espanholas, integralmente cumpridas, com a pena de prisão portuguesa, considerando que a mesma deveria ter sido sujeita ao identificado Procedimento, para produzir efeitos em Portugal, o que se descorda por completo, como a seguir se verá.
M. Mas antes de tal matéria, o ora Recorrente entende que os referidos doutos despachos estão feridos de ilegalidade por violadores do direito a uma Justiça Célere, consagrada no Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisidicional efetiva, garantido pelo art.º 20.º n.º 4 da CRP, porquanto o Recorrente apresentou em 31.08.2022, um requerimento a pedir que fosse efectuado o cúmulo das penas supra identificadas e apenas em 07.12.2022, foi proferido douto Despacho supra transcrito, o qual veio indeferir o pedido por não ter sido sujeito a prévio Procedimento de Reconhecimento de Sentença Estrangeira;
N. Ou seja, o Tribunal a quo demorou 3 meses para se pronunciar, quando já tinha intenção de o invocar à data, evitando assim, um conhecimento célere como lhe é devido aos pedidos efetuados em processos de arguido preso, violando o Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisidicional efetiva, garantido pelo art.º 20.º n.º 4 da CRP, o que se argui para os devidos efeitos legais.
Por outro lado,
O. Verifica-se que o douto Tribunal a quo, perante as mesmas circunstâncias, isto é, decisões proferidas por outro Estado-Membro, proferiu entendimentos diferentes em prejuízo do Recorrente, pois considerou o desconto da penas de prisão preventiva cumprida pelo Recorrente, em Espanha, sem necessidade do identificado procedimento,
P. Mas para realizar o cúmulo das penas Espanholas e Portuguesa, que é devido, já entendeu que era necessário recorrer ao identificado Procedimento, em claro e notório prejuízo para o Recorrente,
Q. Ou seja, demonstrou, salvo o devido respeito, ter dois pesos e duas medidas, o que no entender do Recorrente é violador do Princípio Constitucional consagrado no art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, o que se argui para os devidos efeitos legais.
Por outro lado,
R. Os doutos Despachos proferidos pelo Tribunal a quo estão feridos de inconstitucionalidade quando interpretados no sentido de que as sentenças penais comunitárias, no caso proferidas nos processos criminais que tenham corrido termos no Reino de Espanha, não podem produzir efeitos na ordem interna, sem que tenham sido objeto de prévio reconhecimento em Portugal, nos termos impostos pelas Leis n.º 144/99 de 31 de agosto e n.º 158/2018 de 17 de setembro, o que se argui para os devidos efeitos legais, por violação das disposições conjugadas do art.º 8.º n.º 2 a 4, do artigo 17.º n.ºs 1 e 2, e do art.º 19.º da Decisão-quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008 que consagra o Princípio do Reconhecimento Mútuo das Sentenças Penais Comunitárias, do Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional, previsto nos artigos 8.º, 17.º, 18.º, 20.º, 27.º, 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, do art.º 5.º n.º 1 al. c) e n.º4 e art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos art.ºs 8.º e 11.º n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem;
Porquanto,
S. As disposições conjugadas do art.º 8.º n.º 2 a 4, do artigo 17.º n.º 1 e 2, e do art.º 19.º da Decisão-quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, devem de ser interpretadas no sentido de que permitem a prolação de uma sentença global que abranja não só uma ou várias condenações proferidas anteriormente contra o Arguido no Estado-Membro onde essa sentença é proferida,
T. Mas também, uma ou várias condenações proferidas contra o Arguido noutro Estado-Membro e que são executadas, por força desta Decisão-Quadro;
U. E nesta medida conjugando-se o art.º 3.º n.º 3 da Decisão Quadro 2008/675/JAI, supra identificada, deve interpretar-se no sentido de que é possível a prolação de uma Decisão que abranja não só uma ou várias condenações proferidas anteriormente contra o interessado, mas também uma ou várias condenações proferidas contra ele noutro Estado-Membro e que são executadas, por força da Decisão quadro 2008/909.
V. Cabe, assim, às entidades judiciárias Portuguesas proceder ao cúmulo destas duas penas de prisão, em que o Recorrente foi condenado em Espanha, com a pena em que foi condenado em Portugal, por força, também, da aplicação do art.º 77.º n.º 1 do Código Penal Português.
W. Verifica-se que atendendo ao tempo já cumprido pela condenação em Espanha, pelo menos desde 07.01.2019, que não permitiu a sua liberdade condicional, e por força da aplicação conjugada do art.º 3.º n.º 3 da Decisão Quadro 2008/675/JAI, supra identificada, deve interpretar-se no sentido de que é possível a prolação de uma Decisão que abranja não só uma ou várias condenações proferidas anteriormente contra o interessado, mas também uma ou várias condenações proferidas contra ele noutro Estado-Membro e que são executadas, por força da Decisão quadro 2008/909, conforme foi entendimento do TJUE, no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 15 de abril de 2021, in EUR-Lex - 62019CJ0221 - EN - EUR-Lex (europa.eu)!
X. Assim, estando juntos aos autos a sentença proferida em Espanha, bem como o Registo Criminal do Recorrente, o qual contempla as sentenças proferidas por Espanha, nos termos do art.º 978.º n.º 2 do CPC, o qual dispõe que:
“Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.
Y. O douto Tribunal a quo estava em condições de efetuar o cúmulo jurídico das penas, acrescendo ainda que, nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 02.02.2016: “I - Uma sentença proveniente de país comunitário não é uma "sentença estrangeira" a que seja aplicável a Lei nº 144/99, 31-08." (negrito nosso);
Z. E sendo o Reino de Espanha é um País comunitário, logo, as sentenças ali proferidas não são consideradas “sentenças estrangeiras.
AA. Pelo que não carece de Procedimento prévio de Reconhecimento de Sentença no caso concreto, pois não estamos perante uma sentença estrangeira, sim perante uma sentença comunitária e o incidente suscitado não seria o adequado para o fim desejado.
BB. Conforme bem decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, supra citado "... em se tratando de sentença comunitária e vista a existência do princípio de reconhecimento mútuo das sentenças comunitárias, a desnecessidade de “revisão e confirmação de sentença estrangeira” é evidente";
CC. Portugal e Espanha são países comunitários, submetidos ao regime do princípio do reconhecimento mútuo - que assenta na ideia de confiança mútua entre os Estados-Membros da União Europeia, significando que uma decisão judicial tomada pela autoridade judiciária de um Estado-Membro, segundo a sua própria lei, é exequível directamente pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro, porque a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, sem qualquer intervenção do poder executivo” (Ac. do STJ de 23-11 -2006, Cons. Maia Costa).
DD. O Princípio do Reconhecimento Mútuo das sentenças comunitárias é aplicável em função do objectivo que a União Europeia fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, o que se argui para os devidos efeitos legais.
EE. A aplicação deste princípio deu lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em  matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça, o que implica, naturalmente, que não há que rever e confirmar a sentença, mas - por via do princípio do reconhecimento mútuo - a constatação de que a sentença está por natureza reconhecida e é exequível, restando apurar da adequação à ordem jurídica portuguesa dos seus efeitos penais.
FF. A obrigação de o juiz nacional se referir ao conteúdo de uma decisão-quadro quando procede à interpretação das regras pertinentes do seu direito nacional está, contudo, limitada pelos princípios gerais de direito, em especial os da segurança jurídica e da não retroatividade.
GG. Na ordem jurídica portuguesa vigoram em simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime comunitário e o regime interno, e nos termos do n.º 4 do artigo 8o da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sob a epígrafe “Direito Internacional”, preceito introduzido pela Lei Constitucional nº 1/2004, de 24 de Julho (Sexta Revisão Constitucional) é consagrado o Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário;
HH. O que significa que, quando a ação estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, este prevalece sobre o regime interno por ser de fonte hierarquicamente superior.
II. Dúvidas não restam que os doutos Despachos proferidos pelo Tribunal a quo, que agora são colocados em crise, violam o Princípio do Reconhecimento Mútuo das sentenças comunitárias, ao considerar que por as sentenças proferidas pelo Reino de Espanha não terem sido objecto de reconhecimento em Portugal, nos termos impostos pelas Leis n.ºs 144/99 de 31 de agosto e n.º 158/2015 de 17 de setembro, o que se argui para os devidos efeitos legais.;
JJ. Bem como violou o artigo 8º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) sob a epígrafe “Direito Internacional”, que consagra o Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário.
Assim,
KK. Tendo a reformulação da liquidação da pena de prisão desconsiderado o cúmulo das penas Espanholas e Portuguesa, não restam dúvidas que ao ter sido contabilizado o desconto do tempo em que o Recorrente esteve preso preventivamente, em Espanha, deveria de ter sido efectuado o cúmulo de todas as penas, e no caso, fazendo-se o somatório das mesmas, à presente data o Recorrente já cumpriu mais de 5/6 do total das penas, que se computam em 18 anos e 9 meses, uma vez que à presente data tem cumpridos 15 anos, 7 meses e 28 dias, o que se argui para os devidos efeitos legais,
LL Apenas se devendo concluir que devem os doutos despachos serem revogados, bem como, reformulada a liquidação da pena, e substituídos por outro e outra que contemplem o cúmulo das penas Espanholas e Portuguesa e bem assim, o desconto da pena já refletido, concluindo-se que à presente data já se mostram atingidos 5/6 da pena de prisão,
MM. Pois, os identificados Reformulação de Liquidação de pena e doutos Despachos proferidos aos assim desconsiderarem são violadores do:
- do Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisidicional efetiva, garantido pelo art.º 20.º n.º 4 da CRP;
- do Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional efetiva, garantido pelo art.º 20.º n.º 4 da CRP;
- das disposições conjugadas do art.º 8.º n.º 2 a 4, do artigo 17.º n.º 1 e 2, e do art.º 19.º da Decisão- quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008 que consagra o Princípio do Reconhecimento Mútuo das Sentenças Penais Comunitárias;
- do Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional, previsto nos artigos 8.º, 17.º, 18.º, 20.º, 27.º, 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, do art.º 5.º n.º 1 al. c) e n.º 4;
- do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- dos art.ºs 8.º e II.º n.º I da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Tudo quando interpretados no sentido de que as sentenças penais comunitárias, no caso proferidas nos processos criminais que tenham corrido termos no Reino de Espanha, não podem produzir efeitos na ordem interna, sem que tenham sido objeto de prévio reconhecimento em Portugal, nos termos impostos pelas Leis n.º 144/99 de 31 de agosto e n.º 158/2018 de 17 de setembro, o que se argui para os devidos efeitos legais;

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO

Se requer a V. Exa. se dignem julgar procedente o presente recurso, por provado, e, em consequência revogados a Liquidação de Pena efectuada e os respectivos Despachos supra identificados, com as legais consequências, alterando-se assim, a contagem da pena efectuada pela Digníssima Procuradora da República, nos moldes supra expostos, considerando nestes modos atingindo o cumprimento dos 5/6 da pena de prisão em que o Recorrente foi condenado.

Assim se fazendo Justiça!”.
*
O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido a 05-01-2023.
*

I.3 Resposta ao recurso
Efetuada a legal notificação, a Digna Procuradora da República respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, apresentando a seguinte conclusão [transcrição]:
III - CONCLUSÃO:
Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido não merece provimento, devendo manter-se integralmente o douto despacho recorrido.”
*
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, mais acrescentando o seguinte [transcrição]:
“(…)
Em breve síntese, a mensagem do recorrente centra-se em pretensas ilegalidades e inconstitucionalidades, a saber, resumidamente:
- o Tribunal “ a quo” operou um desconto na pena (em expiação nos presentes autos) decorrente de período de prisão preventiva sofrida no pº 131/09, que correu termos pelas Justiças do Reino de Espanha, sem cuidar de saber se essoutros autos foram submetidos ao procedimento prévio de reconhecimento de decisão proferida por Estado terceiro/estrangeiro, mas já ergueu essa exigência para igual dedução na execução da presente pena quanto às penas aplicadas e cumpridas no pº 441/12, também da alçada dos Tribunais do Reino de Espanha;
- do mesmo modo, respaldou-se em igual impedimento procedimental (necessidade de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira) para não ponderar a realização de cúmulo jurídico entre as condenações do presente processo e do aludido 441/12, olvidando Decisões-Quadro (2008/675/JAI e 2008/909/JAI) e, consequentemente, o primado do Direito internacional sobre o Direito nacional ( incluindo a própria Constituição, como direito interno: art.º 8º, CRP); e
- dessa sorte, duma assentada, violou direitos e garantias constitucionais (art.ºs 20º e 32º, do Texto Magno), mormente ao vedar a restituição imediata do arguido ao meio livre.
Vejamos, mais de perto, as questões suscitadas.
Por ser, afinal, o “nó górdio”, transversal a todo o Recurso, se bem captamos a mensagem recursória, impõe-se apurar se o (s) Despacho (s) recorrido (s) deveria (m), imediata e automaticamente, aplicar as Sentenças e Decisões proferidas naqueles dois processos (131/09 e 441/12) que tiveram o seu curso nas Instâncias judiciárias do Reino de Espanha, sem mais, como se tivessem sido prolatadas por homóloga autoridade nacional (como sustenta o recorrente, fundeando-se nas Decisões-Quadro invocadas e atrás enunciadas), ou, diversamente, fazer depender essa aplicação de prévia revisão e confirmação, sustando tais efeitos executórios.
Ora, sempre acatando visão distinta, afigura-se-nos ter o Mmº Juíz recorrido agido irrepreensivelmente, ao argumentar que tais Decisões jurisdicionais, não nacionais, deveriam passar pelo crivo do prévio reconhecimento, de cuja competência está incumbido o Tribunal da Relação (art.º 12º,3,b), CPP), de resto, procedimento reiteradamente disciplinado nas Leis 144/09, 31.08 (lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal: art.ºs 100º e 101º) e 158/15, 17.09 (regime jurídico de transmissão e execução de sentenças em matéria penal: art.º 16º), sendo que o princípio do reconhecimento ou confiança mútuos, entre os Estados, sublinhados nas Decisões-Quadro, significando que a matéria de facto e de direito firmadas na sentença estrangeira são intocáveis, e sequer são objecto do procedimento de reconhecimento, não habilita à imediata execução das decisões, que, para tanto, devem ser formalmente revistas e aferidas na sua admissibilidade (art.ºs 3º e 16º, L 158/15, 17.09).
Dito isto, cumpre concluir que a relevância daquelas decisões dos Tribunais de Espanha carecem de “validação” (do Tribunal da Relação), sendo precoce/indevida a pronta produção de efeitos como propugnado pelo recorrente, bem tendo andado o Tribunal “a quo”, acomodando-se estrita e criteriosamente na lei.
E se assim é, como pensamos não poder deixar de ser, então o que se constata é que, incorrectamente, como assumido judicialmente (e pelo próprio Mº Pº), foi levada em conta uma privação de liberdade sofrida e consignada no âmbito do pº 131/09, sem que, antes, tivesse a decisão subjacente sido reconhecida e confirmada pela competente Instância nacional, gerando uma liquidação (“condicional”) da pena (em 10.08.22) e subsequente homologação judicial (a 12.08.22) que, contudo, por razões de segurança jurídica e certeza do Direito (e dos direitos do visado), o Tribunal recorrido preferiu considerar transitada, mantendo um “crédito prisional”, ou seja, validando uma dedução/desconto na contagem da pena, consagrando uma expetactiva criada no destinatário, aqui arguido/recorrente.
Mas já não poderia, certamente, é multiplicar benefícios indevidos, ampliando novos descontos (não cogitados na liquidação “condicional” ou abrangidos na homologação respectiva), porquanto, nesse domínio, jamais gerou expetactivas no condenado, que devesse resguardar.
Não se trata de negar essa futura hipótese, cumpre sim é que haja o pressuposto necessário a essa consideração, desencadeando-se o procedimento de revisão das sentenças estrangeiras, o que está ainda por ocorrer.

“Mutatis mutandis” quanto à ventilada Audiência cumulatória (entre as penas dos processos realizados em Espanha e o presente), também ela dependente da mesma condição “prejudicial”.

Todos os considerandos sobre inconstitucionalidades (art.ºs 8º, 20º,4 e 32º, CRP) naufragam diante do que foi antedito, já que nunca o Mmº Juiz decidiu em contrário dos princípios vertidos na Carta Magna, antes observou escrupulosamente as Decisões-Quadro (que estiveram na génese das Leis 144/99 e 158//15, citadas, assinale-se), as quais, significativamente regulam o reconhecimento das Decisões dos vários Estados pelos demais Estados (art.ºs 5º e 8º da Decisão-Quadro 2008/909).
Também a imediata libertação, e uma vez que o recorrente está recluso, em expiação de pena, aqui aplicada, perde sentido, quando pedida (exigida) ao Tribunal recorrido, enquanto da condenação, já que é competente o TEP (art.º 138º, 2 e 4, c), CEPMPL), tendo o Tribunal “a quo” esgotada a sua intervenção, no momento em que se iniciou a execução da pena de prisão.

A rematar, diremos que não entendemos a censura feita ao pretenso atraso na prolação da decisão recorrida, que esteve dependente duma solicitação feita ao GNSirene, acerca da execução dos MDE, cuja resposta, devidamente documentada, surgiu a 30.11.22, breves dias antes da decisão judicial (7.12.22), provavelmente (porquanto não dispomos de acesso irrestrito, completo, aos autos electrónicos) intercalando-se promoção do Mº Pº, mal se antevendo onde reside o “pecado” e que consequências terão advindo, irreparáveis, para os interesses do condenado.

Deve, pois, a nosso ver, manter-se o judiciosamente decidido, o que vai sugerido.”.
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I.5. Resposta
Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, veio o arguido recorrente apresentar resposta ao sobredito parecer, reiterando a sua posição já expressa na motivação do recurso apresentado.
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I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- da necessidade/desnecessidade do reconhecimento em Portugal da sentença proferida em Espanha contra o arguido, no âmbito da qual foi condenado numa pena de prisão total de 10 anos e 9 meses;

Consequentemente, caso se entenda que era desnecessário tal reconhecimento:
- se a liquidação da pena se encontra corretamente efetuada ao não ter tido em conta tal pena;
- se deveria ter sido efetuado o cúmulo das penas [sofridas em Espanha com a dos autos de que o presente recurso é dependência]; e
- se o arguido deve ser imediatamente libertado por já ter cumprido os 5/6 da pena.
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II.2- Apreciação do recurso
Recorre o arguido do despacho proferido, a 07-12-2022, pelo tribunal a quo, que homologou a reformulação da liquidação da pena de prisão, indeferiu o pedido de cúmulo das penas espanholas e portuguesa e indeferiu a libertação imediata do recorrente.
Alega, para o efeito, em síntese, que tal despacho encontra-se ferido de ilegalidade, por violação de normas constitucionais e do direito comunitário, quando interpretadas no sentido de que as sentenças penais comunitárias [no caso proferida no âmbito de processo criminal que correu termos em Espanha], não podem produzir efeitos na ordem interna, sem que tenham sido objeto de prévio reconhecimento em Portugal, nos termos impostos pelas Leis n.º 144/99 de 31 de agosto e n.º 158/2015 de 17 de setembro.
Conclui no sentido de que quer a liquidação da pena efetuada, quer os respetivos despachos supra identificados deverão ser revogados, com as legais consequências, alterando-se assim, a contagem da pena efetuada pela Digníssima Procuradora da República, considerando que foi atingindo o cumprimento dos 5/6 da pena de prisão em que o recorrente foi condenado.

Vejamos:
Da motivação e conclusões do presente recurso decorre ser entendimento do recorrente que o despacho de homologação da reformulação da liquidação da pena efetuada pelo tribunal a quo encontra-se ferido de ilegalidades, por não ter atendido à condenação por si sofrida em Espanha e integralmente cumprida no âmbito do Processo 441/2012 [a saber: a pena de prisão de 10 anos e 3 meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e a pena de 6 meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento], pois, se o tribunal a quo tivesse tido em conta tal pena, atendendo a que o somatório da mesma com a pena aplicada em Portugal, no âmbito dos presentes autos [de 8 anos de prisão], perfaz o total de 18 anos e 9 meses, à presente data o recorrente teria já cumprido os 5/6 do somatório de ambas as penas [que se atingiria após 15 anos, 7 meses e 15 dias], considerados os descontos efetuados com a sua detenção e medida de coação de prisão preventiva, no âmbito dos presentes autos, o tempo em que esteve detido em Espanha ao abrigo do MDE e o período em que esteve detido [de 2 anos e 5 dias], no âmbito do processo abreviado n.º 131/2009, que correu, igualmente, termos em Espanha, que acabou por ser arquivado e não foi descontado em qualquer outro processo naquele país.
Argumenta o recorrente que o tribunal a quo para as mesmas situações (decisões proferidas em Espanha), teve duas formas diferentes de decidir, pois na questão do desconto da pena não foi necessário o Reconhecimento de Decisão Estrangeira, mas para o cúmulo de penas (sendo uma delas, integralmente cumprida, ainda em Espanha), já é requerido o identificado procedimento, o que constitui uma ofensa aos direitos liberdades e garantias do ora recorrente, por violação do Princípio Constitucional consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Porém, desde já se adianta que não lhe assiste razão.
Na verdade, a 10-08-2022, foi efetuada a liquidação da pena de 8 anos de prisão em que o arguido foi condenado nestes autos [homologada por despacho proferido a 12-08-2022], nos seguintes termos [transcrição]:
“Da liquidação (condicional) da pena do arguido A:
O arguido A foi condenado, por acórdão proferido nos presentes autos já transitado em julgado, na pena de 8 anos de prisão.
O arguido foi entregue pelas autoridades espanholas às autoridades portuguesas no passado dia 4.08.2022, na sequência do cumprimento do MDE emitido em seu nome (conforme comunicação de fls. 6743v., não se mostrando junto aos autos o MDE certificado, cujo envio se requer, a fim de se confirmar a data de cumprimento do MDE).
O condenado cumpriu 1 dia de detenção no âmbito dos presentes autos (15.06.2005), tendo ficado sujeito à medida de coação de prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, no dia 16.06.2005 (conforme resulta de fls. 766), tendo sido restituído à liberdade no dia 15.12.2007 (por, à data, não se mostrar transitada em julgado a decisão, conforme resulta de fls. 5722/5724).
No âmbito do Processo Abreviado 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha, o arguido ficou detido no período compreendido entre o dia 8.06.1998 e 11.06.1998, data em que ficou sujeito à medida de coação de prisão preventiva, a qual se manteve até 10.06.2020. Este período de detenção não foi descontado em qualquer processo.
Assim, na liquidação de pena a efetuar, haverá que descontar os períodos de privação de liberdade de 2 anos e 6 meses (já cumpridos no âmbito dos presentes autos) e de 2 anos e 2 dias (já cumpridos no âmbito dos autos 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha), o que perfaz um total de 4 anos, 6 meses e 2 dias a descontar na a liquidar, nos termos do disposto no artigo 80º do C. Penal.
Assim, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 477º do C. Processo Penal, promove-se seja liquidada a pena aplicada, com referência às regras de contagem do artigo 479º do mesmo diploma legal, nos seguintes termos:
Início da pena: 4.08.2022
Meio da pena: 2.02.2022
Dois terços da pena: 2.06.2023
Cinco sextos da pena : 2.10.2024
Termo da pena: 2.02.2026
(…)”.

E a 02-12-2022, tal liquidação da pena foi reformulada nos seguintes termos [transcrição]:
“(…) Referência 34340992: Tomei conhecimento da certificação do MDE.
Segundo informação da INTERPOL, o arguido A esteve preso em Espanha, por causa do seu mandado de captura de 5.8.2022 a 8.8.2022.
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Assim, importa proceder à reformulação da liquidação da pena efetuada a 10.8.2022 – referência 418070652:
- Inicio da pena: 5.08.2022;
- Meio da pena: 3.02.2022;
- Dois terços da pena: 3.06.2023;
- Cinco sextos da pena: 3.10.2024;
- Termo da pena: 3.02.2026”.

Tal reformulação da liquidação da pena foi homologada mediante a decisão ora recorrida nos seguintes termos [transcrição]:
“Fls. 6878:
Na sequência da emissão de mandado de detenção europeu para assegurar o cumprimento pelo arguido A da pena única de prisão que lhe foi imposta nestes autos, aquele mandado veio a ser executado pelas autoridades do Reino de Espanha, o que foi comunicado a este processo em 04.08.2022.
Na medida em que no expediente remetido a este processo não se mostrava certificada a data em que o mandado de detenção europeu foi executado e, portanto, a partir de que momento o arguido passou a estar privado da liberdade à ordem dos presentes autos, o Ministério Público procedeu em 10.08.2022 a uma liquidação daquela pena única de prisão meramente condicional (cf. fls. 6747 e 6748), que foi homologada por despacho judicial de 12.08.2022 (cf. fls. 6749).
Aquando dessa liquidação de pena, o Ministério Público, invocando o disposto no artigo 80.º do C. Penal, descontou 2 anos e 2 dias que, segundo fez constar, foram já cumpridos no âmbito dos autos 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha. No entanto, não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no aludido processo que terá corrido termos no Reino de Espanha foi objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos previstos na Lei n.º 144/99, de 31.08, e na Lei n.º 158/2015, de 17.09, e que, portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses. Também não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no citado processo que terá corrido termos no Reino de Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram à condenação do arguido no presente processo. Assim, o desconto de 2 anos e 2 dias a que se procedeu na mencionada liquidação de pena condicional (de 10.08.2022) foi indevidamente efectuado. Contudo, tendo tal liquidação de pena sido elaborada condicionalmente apenas por não haver certeza quanto ao dia de início de cumprimento da pena única de prisão imposta nestes autos, não podem agora colocar-se em crise os efeitos jurídicos decorrentes da homologação de fls. 6749.
Em 30.11.2022, o Gabinete Sirene informou que o arguido passou a estar privado da liberdade à ordem do mandado de detenção europeu emitido nestes autos em 05.08.2022 (cf. fls. 6859 e 6860).
Nesta sequência, o Ministério Público elaborou a liquidação (definitiva) da pena única de prisão imposta ao arguido (fls. 6878).
E, atento o que acima se deixou exposto, concordo com a liquidação de pena de fls. 6878 e, como tal, homologo-a – art.º 477.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
(…).”

Ora, da análise das referidas liquidações da pena em que o arguido foi condenado nestes autos [condicional e reformulação] e das respetivas decisões homologatórias logo se constata que pese embora o Ministério Público, invocando o disposto no artigo 80.º do C. Penal, tenha, de facto, descontado 2 anos e 2 dias respeitantes aos autos 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha, no despacho recorrido entendeu-se [e, diga-se, bem], que o fez indevidamente”, precisamente por “não resultar dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no aludido processo que terá corrido termos no Reino de Espanha foi objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos previstos na Lei n.º 144/99, de 31.08, e na Lei n.º 158/2015, de 17.09, e que, portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses” e  também por “não resultar dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no citado processo que terá corrido termos no Reino de Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram à condenação do arguido no presente processo”, pelo que não assiste razão ao recorrente quando argumenta que o tribunal a quo teve entendimentos diferentes no que respeita à necessidade do seu reconhecimento em Portugal para efeitos de cúmulo jurídico de penas e já não para efeitos de desconto na liquidação da pena.
Aliás, diga-se, pese embora o tribunal a quo tenha entendido que tal desconto foi efetuado indevidamente, mesmo assim homologou a respetiva liquidação da pena, ou seja, sem qualquer prejuízo para o arguido, por entender que não deveria por em causa os efeitos jurídicos decorrentes da homologação efetuada relativamente àquela primeira liquidação, que apenas tinha sido efetuada condicionalmente porque, na data, se desconhecia o dia do início do cumprimento da pena única de prisão imposta nestes autos, ou seja, em que data havia sido dado cumprimento ao MDE que havia sido emitido contra si.
De qualquer forma, diga-se, o que resulta daquela primeira liquidação da pena e que levou a que fosse tido em conta o referido desconto foi apenas o seguinte: “No âmbito do Processo Abreviado 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha, o arguido ficou detido no período compreendido entre o dia 8.06.1998 e 11.06.1998, data em que ficou sujeito à medida de coação de prisão preventiva, a qual se manteve até 10.06.2020. Este período de detenção não foi descontado em qualquer processo”.
Ou seja, em momento algum ali se refere que o período descontado dissesse respeito a pena em que o ora recorrente tivesse sido condenado por sentença proferida no âmbito do referido processo abreviado n.º 131/2009, que correu termos no Tribunal de Almeria, Espanha, mas sim a detenção seguida da medida de coação de prisão preventiva, pelo que não se descortina o fundamento do argumento do recorrente quando refere que para o desconto da pena não foi necessário o Reconhecimento de Decisão Estrangeira, desconhecendo-se que decisão carecia de ser reconhecida pois que nem sequer o próprio recorrente a identifica. 
Mais argumenta o recorrente que foi condenado, em Espanha, na pena de prisão de 10 anos e 3 meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e na pena de 6 meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento, no Processo 441/2012, cuja sentença se encontra já junta aos autos, com a devida Apostilha, bem como o seu certificado de registo criminal, pelo que deveria o tribunal a quo ter reconhecido o cúmulo de penas, por assim o exigirem as Decisões-Quadro 2008/675/JAI e 2008/909/JAI.
Nesse caso, conclui o recorrente, somando aquela pena [já integralmente cumprida de 10 anos e 9 meses] à que sofreu nestes autos [de 8 anos], e efetuado  o devido desconto [leia-se da referida pena já totalmente cumprida de 10 anos e 9 meses] com os descontos já tidos em conta na liquidação da pena efetuada pelo tribunal a quo, já teria o arguido cumprido 5/6 da pena e, consequentemente, deverá ser restituído à liberdade.
Ora, antes de mais refira-se que o recorrente parece esquecer que o cúmulo de penas regido pela lei portuguesa não é o cúmulo material [a que chama de somatório], mas sim cúmulo jurídico, que, como é consabido, são duas realidades distintas, já para não falar que para a existência de cúmulo jurídico de penas exige a lei a observância de vários pressupostos [nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal] que não se compadecem com a simples existência de várias condenações sofridas por um condenado.
De facto, como argumenta o recorrente, a DECISÃO-QUADRO 2008/675/JAI DO CONSELHO de 24 de Julho de 2008, é relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos Estados-Membros da União Europeia por ocasião de um novo procedimento penal e a DECISÃO-QUADRO 2008/909/JAI DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2008 é relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia.
Também é verdade que decorre do invocado artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da DECISÃO-QUADRO 2008/675/JAI DO CONSELHO de 24 de Julho de 2008 que:
“1. Cada Estado-Membro assegura que, por ocasião de um procedimento penal contra determinada pessoa, as condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes noutros Estados-Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos destas últimas, de acordo com o direito nacional.
2. O n.º 1 é aplicável na fase que antecede o processo penal, durante o processo penal propriamente dito ou na fase de execução da condenação, nomeadamente no que diz respeito às regras processuais aplicáveis, inclusive as que dizem respeito à prisão preventiva, à qualificação da infracção, ao tipo e ao nível da pena aplicada, ou ainda às normas que regem a execução da decisão.
(…)”
Mas, também, não é menos verdade que do artigo 1.º, n.º1, da mesma DECISÃO QUADRO  2008/675/JAI DO CONSELHO de 24 de Julho de 2008, que determina o objeto da mesma, decorre que: “A presente decisão-quadro tem por objectivo definir as condições em que, por ocasião de um procedimento penal num Estado-Membro contra determinada pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores contra ela proferidas noutro Estado-Membro por factos diferentes.” [sublinhado nosso], de onde se infere que tais condenações anteriores não são tidas em conta sem mais, mas apenas verificadas que se encontrem as condições ali determinadas.
Daí não decorrendo, como defende o recorrente, que da conjugação de tal norma com o artigo 77.º do Código Penal, impunha-se que o tribunal a quo procedesse ao cúmulo destas duas penas de prisão – da que o Recorrente foi condenado em Espanha, com a Pena em que foi condenado em Portugal.
Quanto à DECISÃO-QUADRO 2008/909/JAI DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, não se ignora o que ali consta nos artigos invocados pelo recorrente, tal como não se ignora o entendimento do TJUE, vertido no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 15 de abril de 2021, in EUR-Lex - 620I9CJ022I - EN - EUR-Lex (europa.eu), nem se põe em causa que não se possa englobar numa única pena, diversas condenações sofridas pelo arguido, mas também não é menos verdade que não basta que a sentença, neste caso Espanhola, tenha sido junta aos autos de que o presente recurso é dependência, com a devida Apostilha, bem como o seu certificado de registo criminal emitido pelas autoridades espanholas, para, por si só, daí se retirar os pretendidos efeitos supra enunciados [a saber: cúmulo/somatório das penas sofridas em Portugal com as penas sofridas em Espanha, seguido do desconto na liquidação da pena aqui efetuada das penas que sofreu em Espanha, e, concluir-se, pela sua imediata libertação por, dessa forma, já ter atingido os 5/6 da pena], bastando, para tanto, chamar aqui à colação, a título meramente exemplificativo,  o disposto no n.º1, do artigo 8.º invocado, aliás, pelo próprio recorrente, do qual decorre que “A autoridade competente do Estado de execução deve reconhecer a sentença enviada nos termos do artigo 4.º e segundo os procedimentos previstos no artigo 5.º e tomar imediatamente todas as medidas necessárias à execução da condenação, excepto se a autoridade competente decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da execução previstos no artigo 9.º”.
Ou seja, a própria DECISÃO-QUADRO 2008/909/JAI DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal, invocada pelo recorrente, prevê a possibilidade da recusa do reconhecimento de tal decisão, o que demonstra que não basta a sua junção a um processo de outro Estado-Membro, ainda que com a inerente autenticidade, para produzir os seus efeitos.
A pretensão do recorrente também não encontra sustentação no por si invocado n.º2 do artigo 978.º do Código de Processo Civil, [do qual decorre que “2 - Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa”], não só porque não faz qualquer sentido chamar aqui à colação tal disposição legal que rege a matéria civil, por inexistir qualquer lacuna na legislação penal sobre essa matéria, mas também porque o recorrente não pretende fazer uso desse documento [certificado de registo criminal devidamente autenticado pelas autoridades espanholas] como simples meio de prova, mas sim para conseguir a sua libertação imediata, o que, como é bom de ver, constituem realidades distintas.
Ou seja, não se pode concluir, da análise dos diplomas legais invocados pelo recorrente, que sendo Portugal e Espanha países comunitários, submetidos ao regime do princípio do reconhecimento mútuo das sentenças comunitárias, tal significa que uma decisão judicial tomada pela autoridade judiciária de um Estado-Membro, segundo a sua própria lei, é exequível diretamente pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro, sem necessidade do seu reconhecimento, e, muito menos, com o fundamento de que Espanha não é um país Estrangeiro e, como tal, não se aplica os invocados diplomas legais em que o tribunal a quo sustentou a sua decisão, como defende o recorrente.
Conclui-se, portanto, tal como o fez o tribunal a quo, que sempre seria necessário o reconhecimento da referida decisão, ao abrigo dos diplomas legais invocados [concretamente ao abrigo da Lei n.º 158/2015 de 17 de setembro, aqui aplicável por se estar perante decisões proferidas no Espaço da União Europeia, com recurso à Lei 144/99 de 31 de agosto, apenas e eventualmente, se necessário fosse para o suprimento de alguma lacuna, não colmatável pelo Código de Processo Penal, enquanto direito subsidiário aplicável], pelo que os argumentos recursivos de que as duas penas aplicadas no processo n.º 441/2012 não foram englobadas em qualquer cúmulo jurídico, por a tal não o permitir o Código Penal Espanhol, facto que já não ocorreria se a condenação em causa tivesse sido proferida em Portugal; que devido ao MDE o arguido não teve direito a qualquer benefício pelo tempo já cumprido da pena na Espanha; e que não existe extradição entre os países da comunidade europeia, mostram-se inócuos e irrelevantes, pois não é dessa situação que se trata nos presentes autos.
Não se põe, portanto, em causa o princípio de reconhecimento mútuo das respetivas decisões, assente na confiança entre os respetivos Estados-Membros, na liberdade de movimentação das pessoas e na necessidade de, ainda assim, assegurar a respetiva execução, mas, como vimos supra, tal não implica que as decisões de um Estado-Membro produzam os seus efeitos noutro estado membro só porque se fez a junção aos autos da respetiva decisão, pois, como vimos, a própria DECISÃO-QUADRO 2008/909/JAI DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, permite a recusa do reconhecimento e da execução perante determinadas situações.
E não se diga que foi violado o princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional, pois o tribunal a quo entendeu ser de aplicar ao caso, designadamente, a Lei n.º 158/2015 de 17 de setembro, que aprova o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, e, diga-se, esta lei mais não fez do que transpor duas decisões quadro, ou seja as Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de novembro de 2008, sendo aquela primeira precisamente a que o recorrente defende que deveria ser aplicada ao caso concreto.
Na verdade, das peças que instruem estes autos e da própria consulta eletrónica dos autos de que o presente recurso é dependência, o que resulta é que o recorrente vem, sucessiva e reiteradamente, formulando requerimentos, pelas mais diversas vias, com os mesmos argumentos e com a mesma finalidade: a sua imediata libertação, porque é seu entendimento ter já cumprido 5/6 da pena.
Exemplo disso é a providência de Habeas Corpus, recentemente apreciada e indeferida [concretamente a 09-12-2022] pelo STJ, da qual decorre que o ora recorrente fundamenta o seu pedido de concessão da referida providência na invocação da ilegalidade da manutenção da pena de prisão que se encontra a sofrer por, em seu entender, não se haver procedido ainda a um cúmulo jurídico e liquidação de todas as penas de prisão a que foi condenado em Portugal e Espanha, alegando que se tal já tivesse ocorrido se verificaria haver já cumprido mais de 5/6 da totalidade das penas aplicadas e, como tal, dever ser obrigatoriamente colocado em liberdade condicional [sublinhado nosso].
E, sobre a questão da necessidade/desnecessidade do procedimento de reconhecimento das referidas decisões proferidas em Espanha para que possam ser atendidas em Portugal, já se pronunciou, em sede da referida providência de Habeas Corpus, o Supremo Tribunal de Justiça, no sentido da necessidade de tal reconhecimento, nos termos que aqui se transcreve:
“(…) Como se alcança do exame dos Autos, e se encontra claramente explicitado na Informação prestada, nos termos legais, pelo Meritíssimo Juiz titular do processo à ordem do qual o requerente se encontra preso, não foram ainda objeto de reconhecimento em Portugal, nos termos impostos pelas Leis nºs 144/99 de 31 de agosto e nº158/2015 de 17 de setembro, as sentenças penais proferidas nos processos criminais que terão corrido termos no Reino de Espanha, mesmo tendo em atenção o disposto no artigo 17º deste diploma e, consequentemente, nos termos do disposto nos artigos 234º nº1 e 468º do CPP, tais sentenças não podem produzir efeitos na ordem interna até se proceder a tal reconhecimento.
Do exame dos Autos resulta, ainda, que o requerente se encontra preso em cumprimento de uma pena de 8 anos de prisão, constante de uma condenação criminal já devidamente transitada em julgado e que foi objeto de uma liquidação, ainda que condicional, por força da circunstância de não haver certificação da data do cumprimento do MDE e de se não ter procedido ao reconhecimento de sentença penal estrangeira, nos termos acima indicados.
(…)
Assim, tendo sido aplicada pela entidade competente a pena de prisão em causa, e encontrando-se esta devidamente transitada em julgado e não tendo esta atingido ainda o seu termo ou até os seu 5/6, forçoso é concluir pela inexistência de quaisquer factos que possam preencher algum dos pressupostos que a lei elenca no artigo 222º nº2 do CPP como sendo os adequados a aferir a ilegalidade de uma privação da liberdade.
Na verdade, e como é Jurisprudência constante deste Supremo Tribunal “no âmbito da providência de habeas corpus o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode e deve verificar se a prisão resultou de uma decisão judicial, se a privação da liberdade foi motivada pela prática de um facto que a admite e se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial. Isto sem prejuízo de, nos limites da decisão no âmbito da providência de habeas corpus, não condicionada pela via ordinária de recurso, se poder efectivar o controlo de situações graves ou grosseiras, imediatamente identificáveis e “clamorosamente ilegais” (na expressão do acórdão deste Tribunal de 3.7.2001, Colectânea, Acórdãos do STJ, II, p. 327), de violação do direito à liberdade.”(1)
Nesta conformidade outra conclusão se não impõe que não seja a de se concluir pela improcedência do peticionado por ausência de fundamento legal.
VI
Termos em que se acorda em indeferir a requerida concessão da providência de Habeas Corpus por falta de fundamento bastante, nos termos do disposto no artigo 223º nº4 al. a) do CPP.”. [sublinhado nosso].

Aqui chegados, conclui-se que bem decidiu o tribunal a quo ao considerar que tais “decisões jurisdicionais, não nacionais”, deveriam passar pelo crivo do seu prévio reconhecimento, procedimento reiteradamente disciplinado nas Leis 144/99, 31 de agosto [artigos 100º e 101º] e 158/2015 de 17 de setembro [artigos 16º e 16.º-A], sendo que, como o refere o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, “o princípio do reconhecimento ou confiança mútuos, entre os Estados, sublinhados nas Decisões-Quadro, significando que a matéria de facto e de direito firmadas na sentença estrangeira são intocáveis, e sequer são objeto do procedimento de reconhecimento, não habilita à imediata execução das decisões”. [sublinhado nosso].

Não se encontram, portanto, violadas quaisquer normas legais, designadamente as invocadas pelo recorrente, tendo o tribunal a quo observado, designadamente, a invocada Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, que esteve na génese da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro.
De qualquer forma, sempre se dirá, que não caberia ao tribunal a quo apreciar a questão quanto à libertação do arguido, caso se encontrassem cumpridos os 5/6 da pena, já que se trata de matéria da competência do TEP [artigo 138º, n.ºs 2 e 4, c), CEPMPL].
Finalmente,  quanto à censura feita ao pretenso atraso na prolação da decisão recorrida, cumpre dizer que carece, igualmente, de razão o recorrente, uma vez que encontrava-se pendente da resposta à solicitação feita ao GNSirene, acerca da execução do MDE, cuja resposta, devidamente documentada, foi trazida aos autos a 30-11-2022, ou seja, poucos dias antes da prolação da decisão judicial ora recorrida [proferida a 07-12-2022], intercala com a promoção do Ministério Público de 02-12-2022, não se descortinando a existência de qualquer prejuízo para o recorrente, tanto mais que já se encontrava pendente a providência de Habeas Corpus, que, como já dissemos supra,  acabou por ser indeferida, mediante decisão proferida a 09-12-2022.
Consequentemente, face a tudo quanto ficou exposto supra, o presente recurso terá de improceder.
*
III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a decisão da homologação da liquidação da pena e os demais despachos recorridos.

Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III], sem prejuízo de se verificar o pressuposto a que alude a alínea j), do n.º1, do artigo 4.º, do Regulamento das Custas Processuais.

Comunique-se, de imediato, à 1.ª instância, com cópia.
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Lisboa, 07 de março de 2023
[Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]  
Isilda Maria Correia de Pinho
Luís Almeida Gominho 
Jorge Gonçalves
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[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.