Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1543/17.2PULSB.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Tendo presente todo o circunstancialismo fáctico dado como provado na decisão recorrida, o elevado grau de culpa do arguido, a reiteração da sua conduta, o lapso temporal pelo qual os factos se prolongaram, o que nos revela, acima de tudo, uma certa crueldade, desrespeito e desconsideração quer por aquela que o fez nascer e vir a este mundo quer por aquela que escolheu para uma relação amorosa em determinado período da vida, abstendo-se de praticar os actos ignóbeis que praticou contra ambas e que deixaram(ão) marcas inequívocas nelas, sopesada até a diferença de idades existente no que à sua mãe respeita, a também elevada ilicitude, enquanto desvalor da acção, aferida pelo tipo de condutas apuradas, o dolo do arguido que foi sempre direto e muito intenso, as elevadas necessidades de prevenção geral, quer face ao flagelo social da violência doméstica (aqui entendida em sentido amplo e não com referência ao respetivo tipo legal que não foi considerado como preenchido), quer face à necessidade de respeito para com os agentes policiais no exercício das sua funções de autoridade pública e cabal desempenho das missões que lhe estão cometidas, e ainda da necessidade de prevenção especial que é in casu muito alta, quer perante os seus extensos antecedentes criminais, em que abundam crimes de ofensa à integridade física, quer à sua apurada personalidade em que releva ser conflituoso e agressivo, e ter hábitos de consumos de álcool em excesso, e, finalmente, face às molduras abstratas previstas para os crimes em que o arguido incorreu, parecem-nos como perfeitamente adequadas, por justas e proporcionais, as medidas das penas fixadas aos arguido em 2 (dois) anos de prisão para o crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 132.º, n.º 2, al. a), 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, todos do CP, em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o crime de perseguição p. e p. pelo art. 154.º-A do CP, e em 1 (um) ano de prisão para o crime de coacção e resistência sobre funcionário p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CP.
II - Atendendo à predisposição e persistência criminosas (os antecedentes criminais do arguido apontam para um percurso desvalioso e para uma carreira criminosa na mesma natureza de crimes), a intensidade da prática criminosa, a diversificação de esquemas de actuação, causadora de grande sentimento de insegurança, medo, inquietação e intranquilidade impróprios nas relações filiais e amorosas, presentes ou passadas, bem como a condição social actual do arguido, sem família constituída e sem que esteja inserido no seu meio social, sem trabalho e sem preocupação em o encontrar, sendo que conta 38 anos de idade, pelo que era de se esperar maior maturidade, a total ausência crítica do arguido quanto à sua atuação e desprezo que demonstrou quanto aos bens jurídicos que violou, afigura-se-nos que o efeito expansivo sobre pena a parcelar mais grave é superior ao efeito repulsivo do limite do simples cúmulo material, pelo que, face ao exposto, considerando o disposto no art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP e que o limite máximo da pena se cifra em quatro anos e seis meses de prisão e o mínimo em dois anos de prisão, considera-se ajustada a pena única fixada pela primeira instância em 3 (três) anos de prisão.
III - Registando o arguido vários antecedentes criminais, tendo sido já condenado em penas de prisão efectivas, bem como condenado, entre outros, por quatro crimes de ofensa à integridade física (dois simples e dois qualificados), e ainda por sequestro, ameaça agravada e homicídio, crimes perpetrados em três diferentes processos, abundando na sua conduta crimes contra as pessoas, seja quanto à sua integridade física, seja quanto à sua liberdade, e tendo praticado os factos dos autos durante o período de liberdade condicional que lhe havia sido concedido poucos meses antes, revela um censurável sentimento de impunidade, bem como uma personalidade desviante, irresponsável e inconsequente, que leva este tribunal a concluir, face às especiais necessidades de prevenção especial, que a suspensão da execução da pena de prisão, já não satisfaz manifestamente as finalidades da punição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 1543/17.2PULSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa - J18, foi submetido a julgamento, com intervenção de Tribunal Coletivo o arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia de xxx, concelho de Moura, nascido a xxx de outubro de 1980, solteiro, pedreiro-ladrilhador, residente na Rua xxx, Lisboa, atualmente detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa, acusado, como autor material, em concurso efetivo de infrações, enquanto reincidente, de 1 (um) crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, al. d), e 2, do Código Penal (doravante CP); 1 (um) crime de perseguição p. e p. pelo art. 154.º-A do CP; e 1 (um) crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CP; pela prática dos factos constantes da acusação de fls. 428 a 438, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
Realizado o julgamento, por acórdão proferido e depositado em 12 de outubro de 2018, foi decidido (e passamos a transcrever):
A) - PARTE CRIMINAL:
--julgar a acusação parcialmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver o arguido AA da prática do crime de violência doméstica de que vinha acusado;
--julgar a acusação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido AA pela prática em autoria material e em concurso efectivo de infracções de:
--1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 132.º, n.º 2, al. a), 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, todos do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
--1 (um) crime de perseguição p. e p. pelo art. 154.º-A do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
--1 (um) crime de coacção e resistência sobre funcionário p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão.
                                             *
Decide ainda este tribunal colectivo em condenar o arguido AA na pena única conjunta de 3 (três) anos de prisão, uma vez efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares acima impostas (vide art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP).
                                             *
Mais se decide condenar o arguido em 3 Ucs. de taxa de justiça, nos termos do disposto no art. 8.º, n.º 9, do RCP, em conjugação com a Tabela III anexa a este diploma.
                                             *
B)-Parte Cível:
--julgar a acção cível enxertada parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar o demandado AA a pagar ao demandante “HOSPITAL HH”, a quantia global de € 124,57, acrescida de juros de mora, contados à taxa anual de 4 %, desde a data da notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.
Custas da instância cível enxertada a cargo do demandante e do demandado na proporção dos respectivos decaimentos.
                                             *
Ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do CPP, condena-se ainda o arguido AA a pagar à ofendida CC a quantia de € 500 (quinhentos euros), a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos.” (fim de transcrição).

2. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
13.°[1] O Acordão de que se recorre conclui em oposição às regras legais estabelecidas no art.° 127.° do C.P.P. ao dar como provados alguns factos instrumentais dos quais, com toda a segurança e sem margem para qualquer dúvida, cumpria retirar a conclusão do não preenchimento de todos os factos conclusivos do tipo de crime pelo qual o Recorrente foi condenado.
14.° Ora, temos como regra basilar da livre apreciação da prova em processo penal, que não se confunde com a apreciação arbitária, discricionária ou até caprichosa da prova, de todo em todo imotivável: O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como métodos de avaliação a aquisição de conhecimento, critérios objectivos, genericamente susceptiveis de motivação e controlo... e;
15.° Do que emana o Acordão recorrido, tal ensinamento não foi seguido, na medida em que da convicção formada pelo Tribunal a quo, havendo de ser sempre uma mera convicção pessoal, transparece que a mesma não é "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos demais, só por si mesma".
16.° O Tribunal a quo interpretou restritivamente o disposto no n.° 2 do art.° 374.° do C.P.P., e consequentemente não apresentou uma exposição completa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas ou factos provados e não provados, que serviram para formar a convicção do Tribunal, em objectiva contradição factual entre eles mesmos, não se dando justificação plausível para a aplicação de pena de prisão efectiva.
17.° Não se entende porque se condena o Ora Recorrente a uma pena efectiva de 3 anos de prisão, quando do seu relatório social, resulta que de acordo com os dados recolhidas, que Arguido vive do seu trabalho, quando o crime cometido, foi feito em estado de embrieguez com sua mãe e companheira que o desculparam e perdoaram expressamente.
18.° O dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impôe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa, clara, lógica, coerente, encadeada factual e cronologicamente, assim como completa dos motivos de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão.
19.° A fundamentação do Acorsão, não tem que ser uma espécie de "assentada" em que o Tribunal reproduza as depoimentos dos testemunhos ouvidos, ainda que de forma sintética. Pretende-se que, de uma forma sucinta, seja tanto quanto possível transparente e explícito o processo lógico-racional que levou à convicção do Tribunal, com base no princípio da livre apreciação da prova (art.° 127 do C.P.P.) em ordem a facilitar o autocontrole da decisão pelo julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação.
20.° A fundamentação em apreço no Acordão, de modo algum preenche o conteúdo referido, antes se limitando a um puro e simples repositório da prova produzida, provada e não provada, em total contradição entre si, na parte dos factos pelo qual o Recorrente foi condenado, desconhecendo-se qual o exame crítico e racional da mesma pelo Tribunal.
21.° Relativamente à pena de 3 anos prisão efectiva, aplicada ao Arguido ora Recorrente, este, encontra-se inserido socialmente, tem uma família estruturada, tem trabalho, embora não sendo primário, é manifestamente exagerada, desproporcinal ao ilicito que o arguido cometeu e foi condenado, sendo-lhe eventualmente revogada a liberdade condicional, acrecida da presente pena de 3 anos, teria que cumprir mais 5 anos de reclusão, o que é contrário aos principios basilares do nosso Direito Penal, que visa ressocializar, intregar e não ser meramente punitivo aritemeticamente. O arguido tem um projecto de vida em espanha onde tem emprego garantido e uma companheira.
22.º Não tendo tais pressupostos sido devidamente ponderados e valorados pelo Tribunal a quo, pelo que o simples facto de não ser primário e jovem, foi penalizado e condenado em prisão efectiva, quando esse factor deveria ser tido em conta e ser relevado em sede de Recurso e suspensa a execução da pena, com regime de prova apertado e adequado aos vicios de consumo excessivo de alcool,.
23.° Tudo isto, e em face aos fins a que a pena se propõe, a dimensão originária da culpa, as formas subsequentes da actuação do arguido no seu processo regenerativo, de que tem dado mostras, permite que nos termos que o Tribunal ad quem
Nestes termos, repugna-nos acreditar que o Tribunal ad quem não se decida, pela suspensão da execução da pena com regime de prova, ou pelo cumprimento da pena em dias livres, nos termos dos art. 45.° e 50.° do Código Penal, permitindo que dessa forma seja, efectivamente, feita JUSTIÇA(fim de transcrição).

3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 618.

4. O Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta ao recurso, concluindo que ao mesmo deverá ser negado provimento, como consta de fls. 619 a 634, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, adiantando nada mais se lhe oferecer acrescentar à posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância (cfr. fls. 642/643).

6. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta.

7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questão prévia
Veio o arguido requerer a realização de audiência neste Tribunal da Relação.
Porém, não especificou os pontos da motivação do recurso que pretendia ver debatidos na audiência, de acordo com o estabelecido no n.º 5, do art. 411.º, do CPP.
Assim sendo, e porque a omissão em causa não integra qualquer das situações a que alude o art. 417.º, n.º 3, do CPP, em que deva haver lugar a despacho de aperfeiçoamento, o recurso será julgado nesta conferência.
Neste mesmo sentido se pronunciou o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 163/2011.
Indefere-se, assim, a realização do julgamento do recurso em audiência oral neste tribunal da Relação.

2. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP).
Faz-se aqui, desde já um parêntesis, para dizer o seguinte:
A Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, alterou o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, a Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância (vigilância eletrónica), e a Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
No que respeita ao Código Penal, a Lei n.º 94/2017 operou à sua quadragésima quarta alteração, tendo dado nova redação aos seus artigos 43.º a 46.º, 50.º, 53.º, 58.º, 59.º, 73.º e 240.º e aditado o artigo 274.º-A.
A nova redação do Código Penal, a este aportada pela mencionada Lei, entrou em vigor a 21 de novembro de 2017, sendo que quer a sentença ora recorrida, proferida a 12 de outubro de 2018, quer as motivações de recurso, apresentadas em 7 de novembro de 2018, foram redigidas cerca de um ano depois. No atual quadro legal, deixou de existir a pena de prisão por dias livres (antigo art. 45.º do CP), que o ora recorrente vem, alternativamente, requerer lhe seja aplicada por este Tribunal da Relação.
Perante manifesta impossibilidade legal, o Tribunal a quo, e bem, nem sequer ponderou a possibilidade da aplicação da pena de prisão por dias livres, tal como este Tribunal ad quem não perderá qualquer tempo a ponderá-lo.
Assim, as questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese, as seguintes:
- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com a alegação de que o Coletivo a quo violou o princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) e o acórdão recorrido sofre de total contradição entre a matéria fáctica nele provada e não provada;
- O Tribunal a quo interpretou restritivamente o disposto no n.° 2 do art.° 374.° do C.P.P., e consequentemente não apresentou uma exposição completa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas ou factos provados e não provados, que serviram para formar a convicção do Tribunal, em objectiva contradição factual entre eles mesmos, não se dando justificação plausível para a aplicação de pena de prisão efectiva;
- A pena de 3 anos de prisão aplicada é excessiva devendo ser reduzida;
- A pena deveria ter sido suspensa na sua execução com regime de prova.

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto:
a) O Tribunal a quo declarou provados os seguintes factos (transcrição):
"--o arguido é filho da ofendida CC, nascida no dia xx-xx-1963.
--no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 865/04.7PELSB, por acórdão proferido no dia 19-04-2006 e transitado em julgado no dia 13-02-2007, o arguido AA foi condenado, por factos cometidos no dia 05-09-2004, pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131.º do CP na pena de 11 (onze) anos de prisão.
--no âmbito do Processo Comum Singular n.º 206/06.9PULSB, por sentença proferida no dia 06-02-2009 e transitada em julgado no dia 26-02-2009, o arguido foi condenado pela prática de um crime de dano e de um crime de ameaça agravada, na pena única conjunta de 3 (três) anos de prisão, por factos cometidos no dia 04-02-2006.
--no âmbito do Processo Comum Singular n.º 391/04.4GHSNT, por sentença proferida no dia 18-06-2010 e transitada em julgado no dia 23-02-2012, o arguido AA foi condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada e de um crime de sequestro, na pena única conjunta de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por factos cometidos no dia 17-06-2004.
--no âmbito do Processo n.º 20111/13.1T2SNT, por acórdão proferido no dia 09-10-2013 e transitado em julgado no dia 09-10-2013, o arguido AA foi condenado na pena única conjunta de 13 (treze) anos de prisão, uma vez efectuado o cúmulo jurídico das penas de prisão em que foi condenado nos processos acima mencionados.
--esteve ininterruptamente em cumprimento destas penas de prisão desde o dia 19-04-2006 até ao dia 19-02-2017, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional aos 5/6, pelo tempo de prisão que lhe faltava cumprir, ou seja, até ao dia 19-04-2019.
--a partir do dia 19-02-2017, o arguido AA passou a morar na companhia da sua progenitora, CC, na residência localizada na Rua xxx, nesta cidade de Lisboa.
--também a partir dessa data, o arguido AA começou a sair com amigos e com vizinhos, entre os quais, a ofendida DD, com a qual manteve uma relação amorosa durante aproximadamente 6 meses.
--no dia 01-09-2017, entre as 00 horas e 00 minutos e a 1 hora e 45 minutos, o arguido AA dirigiu-se à residência da ofendida DD, sita na Rua xxx, Lisboa.
--de seguida, tocou insistentemente à campainha da residência da ofendida DD, o que levou uma patrulha da PSP a deslocar-se ao local.
--no dia 10-09-2017, pelas 14 horas e 30 minutos, o arguido AA desferiu murros na face, nos braços e no peito da ofendida CC, quando se encontravam no interior da residência de ambos, localizada na Rua xxx, nesta cidade de Lisboa.
--como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida CC sofreu as seguintes lesões: hematoma arroxeado da pálpebra superior esquerda; hematoma arroxeado da região da mandíbula esquerda; área ao redor do pescoço, como «gola», de equimoses arroxeadas e de escoriações; hematoma arroxeado, como palma de mão de adulto, da face anterior do tórax; hematoma arroxeado, como palma da mão de criança, do quadrante supero-externo da mama esquerda; hematoma arroxeado e escoriações múltiplas, com 12 cm por 17 cm de lados, da região escapular direita; hematoma arroxeado, como palma da mão de criança, do flanco esquerdo do abdómen; hematoma arroxeado, como palma de mão de adulto, da face posterior de todo braço esquerdo.
--em consequência desta conduta, as lesões sofridas pela ofendida CC determinaram 10 dias de doença, 3 com incapacidade para o trabalho.
--no dia 10-09-2017, pelas 15 horas e 54 minutos, a ofendida CC deu entrada no “Hospital HH”.
--os cuidados de saúde prestados em episódio de urgência pelo “Hospital HH” importam em € 124,57.
--o arguido AA agiu com o propósito concretizado de molestar a sua mãe, a ofendida CC, no seu corpo e na sua saúde, bem assim actuou com o intuito de lhe causar dores nas partes do corpo atingidas.
--por temer a repetição de episódios semelhantes, a ofendida CC somente regressou à mencionada residência 5 semanas depois destes factos.
--a ofendida CC padece de perturbação ciclotímica e sofre de episódios depressivos breves e major recorrentes.
--no dia 11-09-2017, pelas 21 horas e 00 minutos, o arguido AA dirigiu-se novamente à residência da ofendida DD, localizada na Rua xxx, nesta cidade de Lisboa.
--de seguida, tocou insistentemente à campainha desta residência, enquanto gritava “(…) ou me abres a porta ou meto-te a porta dentro, rebento-a já (…)”,  o que levou uma patrulha da Polícia de Segurança Pública a deslocar-se ao local.
--em datas não apuradas, mas situadas entre o dia 11-09-2017 e o dia 26-11-2017, o arguido AA deslocou-se para junto da residência da ofendida DD, onde permaneceu durante horas.
--por recear o que o arguido AA lhe pudesse fazer, a ofendida DD chegou a faltar ao trabalho.
--durante o mesmo hiato temporal, enviou mensagens escritas para a ofendida DD, para o número 91x xxx xxx, informando-a que estaria à sua espera à porta da sua residência e que ela não entraria em casa.
--no dia 26-11-2017, por volta das 16 horas e 00 minutos, a ofendida DD encontrava-se com os seus progenitores na residência destes, localizada na Rua João Baptista Ribeiro, n.º 2, nesta cidade de Lisboa.
--entre as 16 horas e 00 minutos e as 18 horas e 00 minutos, o arguido enviou à ofendida DD as seguintes mensagens de telemóvel:
--“o meu objectivo de vida é ver-te sofrer e quando já não tiveres mais nada aí é que vou começar a apaziguar a minha raiva por ti e tudo o que te rodeia”;
--“não leves a sério e fica à espera que me prendam”;
--“eu nunca senti tanto ódio por alguém”;
--“já gastaste 6 vidas estou a pedir”;
--“tu vais fazer a tua filha ver algo muito mau estou a pedir telefona”.
--por volta das 18 horas e 00 minutos, assustada com esta conduta, a ofendida DD solicitou auxílio da Polícia de Segurança Pública.
--uma patrulha da PSP acompanhou a pé a ofendida DD e a sua filha de 10 anos de idade, desde esse local até à sua residência.
--o arguido AA sabia que as expressões que dirigiu à ofendida DD lhe provocavam medo e inquietação e, não obstante, actuou da forma acima descrita, querendo esse mesmo resultado.
--sabia que ao enviar mensagens e ao tocar à campainha, várias vezes durante longos períodos, em horários tardios, perturbava a tranquilidade e o descanso da ofendida e da sua filha, mas ainda assim não se coibiu de prosseguir o seu comportamento. 
--nesse mesmo dia 26-11-2017, por volta das 23 horas e 12 minutos, na Rua Q.., nesta cidade de Lisboa, na presença de diversas pessoas, o arguido AA puxou insistentemente pelo braço a sua progenitora CC, enquanto afirmava: “dá-me as putas das chaves de casa”.
--nesta sequência, deslocou-se para o local uma patrulha da PSP composta pelos agentes EE, FF e GG, devidamente fardados e no exercício das suas funções.
--chegados ao local, estes elementos policiais ordenaram ao arguido AA para que libertasse a sua mãe, ordem que este acatou.
--como existia a informação que o arguido AA trazia consigo uma faca (arma branca), os mencionados agentes PSP ordenaram-lhe para se encostar à parede a fim de ser revistado, ordem que este não acatou.
--apesar de diversas insistências por parte dos agentes da PSP, o arguido AA negou-se sempre a ser revistado.
--a dado momento, dirigiu-se em passo acelerado em direcção dos mencionados agentes da PSP, os quais para se protegerem, devido à forte compleição física do arguido AA, lhe desfeririam duas bastonadas.
--de imediato, o arguido afirmou: “(…) já olharam bem para mim, podem bater à vontade, eu já comi o que tinha a comer durante 11 anos. Podem ter a certeza que nos vamos encontrar um dia, posso ir lá para dentro, mas um dia encontramo-nos (…)”.
--questionado sobre se tinha alguma arma em seu poder, afirmou “(…) não sei, querem vir cá ver (…) venham que não vão conseguir (…)”.
--passados alguns minutos, compareceram no local, como reforços, outros elementos da Polícia de Segurança Pública, acabando o arguido AA por ser imobilizado e algemado, após lhe ter sido dada voz de detenção.
--tendo sido questionado sobre se necessitava de assistência, afirmou: “(…) não preciso de nada, batam-me que é uma dor que adoro, um dia todos nos encontraremos (…)”.
--o arguido AA agiu com o propósito concretizado de impedir, com ameaça à sua saúde, que os agentes EE, FF e GG, membros da Polícia de Segurança Pública, devidamente fardados e em exercício de funções, procedessem à sua revista e à sua detenção.
--de igual modo, agiu com o propósito de se subtrair à sua actuação, de o revistarem e de o deterem, muito em particular ao dirigir-lhes as palavras acima mencionadas, bem sabendo que aqueles se tratavam de agentes da Polícia de Segurança Pública que se encontravam no exercício das suas funções devidamente uniformizados.
--o arguido AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
--é filho único do relacionamento dos pais e o mais velho de 7 irmãos, consanguíneos ou germanos, nascidos posteriormente de outros relacionamentos dos seus progenitores.
--os pais separaram-se quando tinha cerca de 2 anos e ficou a viver com a mãe.
--quando o arguido AA tinha cerca de 4 anos a mãe iniciou um novo relacionamento afectivo, do qual nasceu uma irmã uterina.
--entre os 4 e os 12 anos o arguido AA integrou este agregado familiar num quadro de rejeição mútua e de maus-tratos do padrasto ao enteado.
--a ruptura desta relação conjugal levou a família para junto dos avós maternos, até que, pouco tempo após, a progenitora iniciou uma nova relação afectiva, nunca aceite pelo arguido AA, da qual nasceu o seu irmão mais novo.
--durante a infância e a adolescência, o arguido AA viveu as crises depressivas da mãe, assim como as suas várias tentativas de suicídio.
--completou o 6.º ano de escolaridade com 13 anos e, passado um ano, passou a trabalhar na área da construção civil e residir com a sua namorada.
--cerca de 2 anos mais tarde separou-se da sua companheira, foi residir para o Alentejo para casa dos seus avós maternos e, durante esse período, terminou o 9.º ano de escolaridade, enquanto trabalhou como ladrilhador na área da construção civil.
--após ter vivido em Lisboa com uma nova companheira, o arguido AA foi viver para as Canárias, onde trabalhou como porteiro durante 1 ano.
--após regressou a Portugal, acabou por se fixar no Algarve com um primo, onde trabalhou inicialmente na construção civil e, mais tarde, na área da restauração.
--entretanto, durante o período de tempo em que permaneceu a residir no Algarve, o arguido AA iniciou uma relação afectiva com uma nova namorada, da qual resultou o nascimento do seu filho, actualmente com 15 anos de idade.
--entretanto, devido à conflituosidade existente no casal, o arguido AA decide regressar a Lisboa e passa a viver sozinho na capital numa altura em que a mãe estava emigrada na Bélgica na sequência de mais uma tentativa de suicídio.
--adquiriu o hábito de sair com um grupo de amigos e nesse contexto iniciou-se nos consumos de álcool em excesso e de substâncias estupefacientes.
--na sequência das condenações penais acima mencionadas, o arguido AA cumpriu pena de prisão, tendo na cadeia completado o 12.º ano de escolaridade e iniciado os estudos universitários na área da psicologia.
--ainda em privação da liberdade, iniciou uma relação afectiva com a sua advogada que o visitou regularmente na cadeia, a qual terminou no decurso do cumprimento da pena.
--quando saiu em liberdade condicional o arguido AA não se preocupou em encontrar trabalho e decidiu aproveitar a oportunidade para estar junto de amigos e de familiares em ocasiões festivas em Lisboa, no Alentejo e no Algarve.
--em contexto de grupo reactivou os hábitos de consumo de álcool regulares.
--durante cerca de três meses, de forma esporádica, trabalhou como pedreiro-ladrilhador por conta da firma “JJ” e auferiu € 60 por cada dia de trabalho.
--no âmbito do Processo Comum Singular n.º 708/99.1SRLSB, por sentença proferida no dia 13-11-2003 e transitada em julgado no dia 28-11-2003, o arguido AA foi condenado pela prática em autoria material de um crime de detenção de arma proibida na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 3.
--no âmbito do Processo Comum Singular n.º 986/01.8POLSB, por sentença proferida no dia 27-03-2007 e transitada em julgado no dia 02-05-2007, o arguido AA foi condenado pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 3.
--no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 1299/05.1PULSB, por decisão transitada em julgado no dia 23-06-2008, o arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 2,5. " (fim de transcrição).

b) Factos declarados não provados:
--no dia 10-09-2017, no interior da residência de ambos, o arguido AA tenha dito à sua mãe CC: “oh sua puta do caralho, eu pedi-te ajuda e tu foste para a igreja, vê lá o que é que o teu Deus te diz de eu ter ido beber para a rua, eu pedi-te ajuda e deixaste-me aqui sozinho sabendo que eu ia beber”.
--na ocasião acima mencionada, o arguido AA tenha empurrado a ofendida CC para cima da cama, que lhe tenha apertado o pescoço ou que esta tenha perdido os sentidos por alguns momentos.
--de seguida, o arguido AA tenha empurrado novamente a ofendida CC para cima de uma cama existente na residência, enquanto lhe disse: “(…) és uma puta do caralho, tu gostas é de tê-lo entalado, tu gostas é de andar com uns e com outros, agora diz ao teu Deus para te vir salvar, só não te mato porque gosto muito do Ivan e não quero que ele fique sem mãe, vou-te matar e depois suicido-me (…)”.
--após, o arguido AA tenha abandonado a residência, que a ofendida CC tenha telefonado para a sua filha LL ou que está última a tenha acompanhado ao hospital.
--a mãe do arguido tenha pernoitado em casa de uma pessoa amiga.
--no dia 13-09-2017, pelas 14 horas e 50 minutos, o arguido AA tenha tentado forçar a entrada da residência onde morava com a mãe ou que tenha estado cinco minutos a tocar à campainha e a bater à porta.
--no dia 26-11-2017, a hora não apurada, o arguido tenha partido a fechadura da porta da residência onde residia com a sua mãe CC.
--no dia 26-11-2017, o arguido AA tenha dito à sua mãe, CC, para lhe dar as chaves de casa, “antes que te magoes a sério”.
--a ofendida CC tenha sido observada em consulta de otorrinolaringologia no “Hospital HH” no dia 07-11-2017, como consequência directa e necessária da conduta do arguido." (fim de transcrição).

c)  Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se no acórdão recorrido:
"A formação da convicção do tribunal, de acordo com a qual deu como provados e como não provados os factos acima descritos assentou na globalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, avaliada criticamente, de forma conjugada ou concertada entre si, de acordo com a livre convicção do julgador e segundo as regras da experiência comum (art. 127.º do CPP), com particular destaque para:
--as declarações prestadas pelo arguido AA: em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido esclareceu essencialmente o tribunal sobre as suas condições sócio-económicas, na medida em que, quanto aos factos que lhe são imputados, limitou-se a remeter para as declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial, as quais, segundo referiu, espelham tudo aquilo que se passou. 
Nas declarações que prestou em sede de inquérito e que foram reproduzidas no decurso da audiência de discussão e julgamento, em conformidade com o disposto na al. b) do n.º 4 do art. 141.º do CPP, o arguido AA admitiu que no dia 26-11-2017 a sua mãe chamou a Polícia de Segurança Pública com receio que pudesse acontecer algum incidente semelhante ao ocorrido no decurso do mês de Setembro do mesmo ano, originado pelo consumo exagerado de bebidas alcoólicas, segundo referiu.
O arguido AA acrescentou ainda que, na sequência desse incidente, a sua mãe, CC, esteve acolhida durante 5 semanas no “MM” por não pretender partilhar consigo a mesma habitação e que o afastamento da residência foi ditado pela prática dos factos referentes à agressão relatada nos autos.
Ainda que de uma forma tímida e envergonhada, destas declarações ressalta, sem margem para quaisquer dúvidas, que o arguido AA admitiu a prática dos factos que lhe são imputados referentes ao dia 10-09-2017, na medida em que, para além de ter confessado que a sua mãe abandonou a residência durante 5 semanas após ter sido por si agredida, ainda referiu que a sua progenitora chamou a Polícia de Segurança Pública no dia 26-11-2017 com receio de ser por si novamente maltratada fisicamente. 
Aliás, nesta parte, as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial mostram-se inteiramente corroboradas pelos demais elementos probatórios constantes dos autos, muito embora a ofendida CC, enquanto progenitora, não tenha legitimamente pretendido prestar depoimento em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 134.º, n.º 1, al. a), do CPP.
Em primeiro lugar, resulta da documentação clínica de fls. 79 a 81 que a ofendida CC foi atendida no serviço de urgência do “Hospital HH” no dia 10-09-2017, pelas 15 horas e 54 minutos, “(…) vítima de alegada agressão por parte do filho (…)”, apresentando designadamente “(…) queixa TCE com PC? + trauma grelha costal esquerda com dor pleurítica associada (…)”.
Em segundo lugar, importa referir que essas lesões físicas mostram-se, em parte, documentadas fotograficamente a fls. 26 a 27 quando a mãe do arguido se dirigiu à esquadra da Polícia de Segurança Pública para apresentar denúncia/queixa contra o filho.
 Da mesma forma quando no dia 11-09-2017, foi observada no “Instituto de Medicina Legal”, apresentava “(…) hematoma arroxeado da pálpebra superior esquerda, hematoma arroxeado da região da mandíbula esquerda, área ao redor do pescoço, como «gola», de equimoses arroxeadas e de escoriações, hematoma arroxeado, como palma de mão de adulto, da face anterior do tórax, hematoma arroxeado, como palma da mão de criança, do quadrante supero externo da mama esquerda, hematoma arroxeado e escoriações múltiplas, com 12 cm por 17 cm de lados, da região escapular direita, hematoma arroxeado, como palma da mão de criança, do flanco esquerdo do abdómen e hematoma arroxeado, como palma de mão de adulto, da face posterior de todo braço esquerdo (…) – vide relatório pericial de fls. 40 a 41.
Deste modo, atendendo à confissão operada em primeiro interrogatório judicial, em conjugação com os demais elementos probatórios, muito em particular a prova documental e pericial acima mencionada, este tribunal colectivo forçou uma convicção suficientemente sólida e consistente, para além de toda a dúvida razoável, que permite imputar ao arguido AA a prática dos factos ocorridos no dia 10-09-2017 relativamente à agressão de que foi vítima a sua mãe CC.
O arguido AA negou essencialmente a prática dos demais factos descritos na acusação, referindo com particular destaque ao tribunal que manteve uma relação amorosa com a testemunha de acusação DD, que entretanto já está tudo bem com ela e que, no dia 26-11-2017, estava a pedir as chaves de casa à mãe, já que esta não pretendia que ele fosse para casa por estar a ingerir bebidas alcoólicas, que efectivamente estava a segurar a mãe pelo braço quando chegou o carro-patrulha da Polícia de Segurança Público e que os agentes policiais logo o começaram a agredir e que não desobedeceu a nenhuma ordem que lhe tenha sido transmitida.
--ponderado o depoimento da testemunha de acusação ouvida NN: esta testemunha de acusação, chefe da Polícia de Segurança Pública na esquadra de xxx, de forma perfeitamente compatível com os elementos documentais e periciais constantes dos autos, referiu com particular destaque em sede de audiência de julgamento que a ofendida CC apareceu nesse posto policial, oriundo do hospital, a fim de formular queixa/denúncia contra o seu filho e que, nessa ocasião, apresentava as lesões físicas que se mostram documentadas pelas fotografias de fls. 26 a 28.
O depoimento desta testemunha contribuiu também para o apuramento dos factos ocorridos no dia 10-09-2017 relativamente à agressão de que foi vítima CC, muito em particular para o esclarecimento das lesões corporais que ela apresentava quando foi apresentar queixa/denúncia na esquadra da Polícia de Segurança Pública, após ter tido alta do “Hospital HH”.
--ponderados os depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas EE e GG: estas testemunhas tinham conhecimento directo e pessoal dos factos sobre os quais depuseram (por serem os agentes da Polícia de Segurança Pública que no dia 26-11-2017, por volta das 23 horas e 00 minutos, se deslocaram à Rua xxx, nesta cidade de Lisboa, onde abordaram e, cerca de meia hora mais tarde, acabaram por conseguir deter o arguido AA, após a chegada ao local de reforços policiais) e deles efectuaram um relato que se mostrou isento (pese embora a ocorrência do incidente em que se viram envolvidos, depuseram de uma forma que se mostrou desapaixonada e desinteressada sobre o desfecho da causa, não denotando quaisquer intuitos persecutórios relativamente ao arguido), coincidente entre si e consentâneo com a demais prova produzida em sede de audiência de julgamento, contribuindo, de modo decisivo, para o apuramento do quadro factual acima mencionado.
Da conjugação dos depoimentos destas testemunhas de acusação resulta de modo inequívoco que o arguido conseguiu impedir a sua detenção por parte dos elementos policiais que inicialmente se dirigiram para o local (a saber, os agentes da PSP EE, FF e GG) e que somente foi imobilizado e algemado, cerca de meia hora mais tarde, após a chegada de reforços policiais.
Tendo em consideração o porte físico do arguido AA e a sua postura agressiva (quer através das palavras que dirigiu aos elementos policias presentes no local, quer através da conduta que empreendeu ao correr em direcção deles), este tribunal colectivo convenceu-se que a sua conduta se mostrou suficiente e adequada para impedir os agentes da PSP de exercerem as suas funções, tanto mais que existia a informação que ele trazia consigo uma faca ou uma arma branca e que eram conhecidos os seus antecedentes criminais, o que fez aumentar a sensação de perigosidade.
As características pessoais e o comportamento desencadeado pelo arguido AA, ou seja, a sua altura e a sua compleição física, associada à sua postura agressiva, à informação (na altura tida por certa) que transportava consigo uma arma branca e aos seus conhecidos antecedentes criminais, levaram legitimamente os agentes da PSP a temer pela sua integridade física e pela sua própria vida, o que os impediu de exercerem as suas funções, ou seja, de revistarem e de deterem o arguido.
A este propósito importa novamente salientar que se mostrou necessário solicitar reforços policiais e que, só depois destes chegarem ao local, foi possível manietar o arguido AA, o que significa que, com a sua descrita actuação, conseguiu impedir, durante cerca de meia hora, que os agentes da PSP acima mencionados EE, FF e GG procedessem à sua revista, à sua detenção e à sua subsequente condução à esquadra policial.
Mais:
A primeira destas testemunhas de acusação relatou ainda em sede de audiência de julgamento que se deslocou por umas 4 ou 5 vezes, no decurso dos meses de Outubro e de Novembro do ano transacto, à Rua xxx, a pedido da ofendida DD, por esta manifestar medo ou receio do arguido AA, conforme sucedeu no dia 26-11-2017 em que acompanhou a pé aquela ofendida (e a sua filha menor) desde a casa dos progenitores até à sua própria residência.
--o depoimento da testemunha de acusação DD: esta testemunha de acusação, que assumiu ter mantido uma relação amorosa com o arguido durante alguns meses, depôs de forma que se afigurou isenta, consentânea com a demais prova produzida em sede de audiência de julgamento, consistente e credível, contribuindo também, de modo decisivo, para o apuramento do quadro factual acima traçado.
Sem denotar o mínimo intuito de o prejudicar, de forma absolutamente segura e peremptória, esta testemunha de acusação relatou com particular destaque em sede de audiência de julgamento que manteve com o arguido uma relação ambivalente, composta por momentos bons e por momentos de afastamento, bem assim que durante estes últimos momentos andou receosa e assustada com os comportamentos do arguido, muito em particular com as mensagens que lhe enviou para o telemóvel, com as esperas que realizou à porta da sua residência ou com os toques insistentes na campainha da sua casa, o que a levou a solicitar o auxílio da Polícia da Segurança Pública e a faltar inclusive ao seu trabalho.
Atendendo a que comprovadamente a Polícia de Segurança Pública foi chamada por diversas vezes ao local, este tribunal colectivo não tem quaisquer dúvidas em afirmar que os comportamentos descritos na acusação tiveram a virtualidade de atingir a paz e a tranquilidade da ofendida DD, ao mesmo tempo em que afectaram a sua vida pessoal, o que significa que ela se mostrou genuína, sincera e verdadeira quando afirmou ter tido medo do arguido e ter andado assustada com os seus comportamentos, ainda que mais tarde se possa ter novamente envolvido com ele.
--o depoimento da testemunha de acusação OO: esta testemunha de acusação, agente da Polícia de Segurança Pública, não tinha conhecimento directo e pessoal dos factos vertidos na acusação, referindo unicamente ao tribunal que se limitou a receber na esquadra da PSP de Benfica o aditamento apresentado pela ofendida DD referente ao dia 26-11-2017.
--o depoimento da testemunha de defesa ouvida PP: esta testemunha de defesa, amigo de infância do arguido e dono do café “T…” localizado na Rua xxx, efectuou um relato dos factos que não se mostrou compatível com as regras da experiência comum e com as circunstâncias do caso, ao mesmo tempo em que se mostrou intrinsecamente incongruente e contraditório.
Esta testemunha referiu com particular relevância ao tribunal que no dia 26-11-2017 o arguido e a sua mãe se encontravam a conversar tranquilamente no interior do seu estabelecimento comercial por causa das chaves da residência, que a dado momento decidiram os dois dirigir-se para a via pública, que ele próprio também deixou o seu café e dirigiu-se para a rua, que neste local o arguido começou a falar mais alto com a sua mãe, que entretanto surgiu um carro-patrulha com diversos elementos da Polícia de Segurança Pública, que logo começaram a desferir diversas bastonadas no arguido, o qual sempre se manteve de pé, que em momento algum viu o arguido a investir na direcção dos agentes da Polícia de Segurança Pública ou a proferir as palavras mencionadas na acusação.
Este depoimento, pouco consistente e pouco credível, deixa por explicar o que terá levando a que a Polícia de Segurança Pública fosse chamada ao local, o que o levou a ter abandonado o café por si explorado para acompanhar o arguido e a sua mãe para a via pública quando, segundo a sua versão, a conversa entre ambos decorria com toda a tranquilidade, o que terá levado a que fossem chamados reforços policiais para o local e como o arguido AA se conseguiu manter sempre de pé, apesar de ter sido agredido violentamente à bastonada por parte de vários agentes, segundo a sua versão, mesmo tendo em conta a sua força, a sua altura e a sua compleição física. 
Isto significa que o depoimento desta testemunha de defesa não logrou contrariar a versão dos factos apresentada pelas testemunhas de acusação, muito em particular os depoimentos dos agentes da Polícia de Segurança Pública EE e GG, quando referiram que o arguido apresentava uma postura agressiva, que lhes dirigiu as palavras de intimidação descritas na acusação, que se dirigiu a eles em passo acelerado e que apenas o conseguiram revistar e deter, após a chegada de reforços policiais.
--os documentos fotográficos de fls. 26 a 28, do relatório exame médico-legal de fls. 40 a 41, dos assentos de nascimento de fls. 54 a 59, do relatório de urgência de fls. 79 a 81 (deste elemento probatório resulta que a consulta de otorrinolaringologia, realizada no dia 07-11-2017, não apresenta qualquer relação com os factos praticados pelo arguido), o documento de fls. 87, do relatório exame médico-legal de fls. 124 a 125, o documento de fls. 126 a 127 e 130, as certidões de fls. 221 a 278, 283 a 303 e 329 a 351, os documentos de fls. 475 a 476, o relatório social de fls. 521 a 525 e o certificado de registo criminal de fls. 542 a 547." (fim de transcrição).

d) Finalmente, quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos e à escolha e medida das penas parcelares e única, bem como da sanção acessória, cuja aplicação era requerida pelo MºPº, e do pedido de indemnização civil e da reparação da vítima, expendeu-se no acórdão recorrido:
"Qualificação jurídica dos factos:
--Quanto ao crime de violência doméstica:
O arguido encontra-se acusado pela prática em autoria material de 1 (um) crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, al. d), e 2, do CP.
Preceitua este artigo que “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: (…)
a) A pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal .”.
Da inserção sistemática deste artigo no Título I do Livro II do CP, referente aos “Crimes contra as pessoas”, desde logo resulta que o crime de violência doméstica visa a salvaguarda, enquanto bem jurídico, da pessoa individual e da dignidade humana.
Ao contrário do que vinha sendo entendido perante a anterior redacção do art. 152.º do CP, actualmente não se exige, como critério diferenciador dos restantes tipos legais protectores da integridade física, que o agente activo deste crime actue de modo reiterado, ou seja, que ao longo do tempo, de modo repetido, venha a infligir maus-tratos físicos ou psíquicos à mesma vítima (recorde-se que o n.º 1 do art. 152.º do CP, na sua actual redacção, faz expressa menção ao “modo reiterado ou não” da actuação do agente).
Por outro lado, neste crime exige-se que o agente activo mantenha com o sujeito passivo alguma das relações típicas descritas nas als. a) a d) do n.º 1 do art. 152.º do CP: que sejam casados um com o outro, que os dois tenham sido casados, que sejam namorados, que vivam em condições análogas às dos cônjuges, com ou sem coabitação, que os dois tenham vivido nessas condições, que o sujeito passivo seja progenitor de descendente comum em 1.º grau ou que seja pessoa particularmente indefesa que coabite com o sujeito activo.
Como afirmam Miguez Garcia e Castela Rio, “(…) Trata-se, fundamentalmente, de um crime de relação (…) Relações que, além de suporem, necessariamente, um vínculo afectivo estável, nalguns casos são longínquas (pretéritas) ou desprovidas de laços familiares. Relevará, mais exactamente, um certo grau de proximidade ao lado de uma estreita comunidade de vida (…) – in “Código Penal – Parte Geral e Especial”, Almedina, 2014, pág. 617.
“Pessoa particularmente indefesa” é aquela que se encontra à mercê do agente e que se mostra incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz em razão da idade, de deficiência, de doença, de gravidez ou de dependência económica – neste sentido, vide Acórdão do STJ de 26-11-2015, Proc. n.º 119/14.0JAPRT, acessível in www.dgsi.pt. .

A este propósito importa salientar que este tipo legal de crime não se satisfaz com uma mera fragilidade por parte da vítima, exige-se uma especial ou uma acentuada fragilidade decorrente de qualquer uma das circunstâncias previstas pela norma, seja, por exemplo, uma idade muito reduzida ou muito avançada ou uma situação de doença (física ou psíquica) que coloque a vítima numa situação de incapacidade de defesa.
As condutas típicas podem assumir uma diversidade de cambiantes, desde que integrantes dos conceitos indeterminados de maus-tratos físicos (ofensa à integridade física simples) e/ou de maus-tratos psíquicos (humilhações, provocações e ameaças), incluindo castigos corporais, privações da liberdade ou ofensas de natureza sexual.
Relativamente, ao elemento subjectivo do tipo, o dolo, o mesmo como elemento geral do tipo é constituído pelo conhecimento e pela vontade de realização dos elementos objectivos, de acordo com o disposto no art. 14.º do CP, em qualquer uma das suas modalidades: dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual.
No caso vertente, com relevância para o caso, importa referir que, muito embora coabitasse com o arguido AA, a sua mãe CC tinha 54 anos à data da prática dos factos e apresentava um quadro depressivo.
Deste modo, na ausência de quaisquer outras circunstâncias relevantes, entende este tribunal colectivo que a progenitora do arguido não deve ser considerada como “pessoa particularmente indefesa”, tanto mais que para o preenchimento deste tipo legal devem unicamente ser levadas em conta as qualidades intrínsecas da vítima, não propriamente a capacidade ou a robustez (física ou mental) do agente, conforme resulta deste dispositivo. 
A vítima CC está na meia-idade, não apresenta uma idade nem muito reduzida nem muito acentuada, ao mesmo tempo em que a doença mental de que padece não a torna particular ou especialmente frágil ou incapaz de se defender, perante a ausência de alegação e de prova de quaisquer outras circunstâncias relevantes para o efeito.
Ainda que surja como pessoa indefesa perante o arguido, sobretudo atendendo à compleição física deste último, este tribunal colectivo está longe de conseguir considerar a ofendida CC como “pessoa particularmente indefesa” em face da verificação de qualquer uma das circunstâncias previstas pela norma.
Deste modo, o arguido AA deve vir a ser absolvido da prática do crime de violência doméstica de que se encontra acusado.
De acordo com a alteração da qualificação jurídica dos factos, produzida em sede de audiência de julgamento, este tribunal colectivo entende que lhe deve ser imputada a prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 132.º, n.º 2, al. a), 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, todos do CP.
Preceitua o n.º 1 do art. 143.º do CP que "quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".
Desde logo resulta, da sua epígrafe e da sua inserção sistemática no CP, que este tipo legal de crime visa a protecção das pessoas e, mais detalhadamente, a sua integridade física (este dispositivo integra o Título I da Parte Especial do CP referente aos crimes contra as pessoas, bem como o seu Capítulo III, referentes aos crimes contra a integridade física).
Os conceitos vagos de "ofensa corporal" e de "ofensa da saúde", utilizados pelo legislador, têm levantado dúvidas tanto na doutrina como jurisprudência nacionais.
Com primeira nota, importa assinalar que a “integridade física” deve ser entendida em sentido amplo, em consonância com o disposto n.º 1 do art. 25.º da CRP, no qual se estabelece que a integridade física e moral das pessoas é inviolável, de modo a abarcar no seu âmbito qualquer ofensa que afecte o bem-estar físico, psíquico ou social da vítima.
De harmonia com o entendimento perfilhado, desde há muito anos, pelo Supremo Tribunal de Justiça (a este respeito vide o Assento de 18-12-1991, publicado no DR, I Série-A, de 08-02-1992), mas que mantém plena validade, deve ser conferido um sentido ético-social ao conceito de "integridade física", de modo a que o tipo legal abarque no seu âmbito tanto as situações em que a agressão provoca lesão, dor, sofrimento ou incapacidade para o trabalho, como aquelas em que a agressão não produz quaisquer danos na saúde da vítima.
Isto significa que este tipo legal de crime fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde da vítima, independentemente da dor ou do sofrimento causados, da doença ou de uma eventual incapacidade para o trabalho.
Na verdade, entendendo-se por saúde o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou de enfermidade (vide Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde, citado por Leal-Henriques e Simas Santos, in “Cód. Penal Anotado”), somente um conceito amplo que abranja também os simples actos de agressão não produtores de quaisquer danos na integridade física de outrem, permite atribuir um efeito útil à expressão "ofender o corpo ou a saúde", constante do art. 143.º do CP, tendo em conta que quaisquer lesões externas ou internas do corpo são susceptíveis de afectar a saúde física, psíquica ou social da vítima.
No caso vertente, face ao quadro factual supra traçado, mostra-se inegável o preenchimento por parte do arguido dos elementos objectivos deste tipo base de crime: no dia 10-09-2017, por volta das 14 horas e 30 minutos, o arguido AA desferiu murros na face, nos braços e no peito da ofendida CC, quando se encontravam no interior da residência de ambos, localizada na Rua xxx, nesta cidade de Lisboa.
Em consequência destes factos, a ofendida CC sofreu as seguintes lesões: hematoma arroxeado da pálpebra superior esquerda; hematoma arroxeado da região da mandíbula esquerda; área ao redor do pescoço, como «gola», de equimoses arroxeadas e de escoriações; hematoma arroxeado, como palma de mão de adulto, da face anterior do tórax; hematoma arroxeado, como palma da mão de criança, do quadrante supero-externo da mama esquerda; hematoma arroxeado e escoriações múltiplas, com 12 cm por 17 cm de lados, da região escapular direita; hematoma arroxeado, como palma da mão de criança, do flanco esquerdo do abdómen; hematoma arroxeado, como palma de mão de adulto, da face posterior de todo braço esquerdo, o que lhe determinou 10 dias de doença, 3 dos quais com incapacidade para o trabalho.
Por outro lado, o arguido actuou de forma deliberada, querendo e conseguindo, molestar fisicamente a ofendida CC, pelo que assim se mostra igualmente preenchido o elemento subjectivo deste tipo de crime.
Também se considera estar verificada a circunstância qualificativa prevista pelo disposto nos arts. 132.º, n.º 2, al. a), e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2,  do CP -“(…) o agente ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima (…)”- susceptível de revelar especial censurabilidade por parte do agente.
Como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a assinalar, de modo unânime, a especial censurabilidade ou perversidade constituem conceitos indeterminados que o legislador concretiza, através da enunciação exemplificativa, nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 132.º do CP, de circunstâncias (exemplos-padrão) que representem uma culpa e/ou uma ilicitude acrescidas (entre, muitos outros, vide, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2014, Proc. n.º 937/12.4JAPRT - 5.ª, de 01-10-2014, Proc. n.º 88/14.7YFLSB - 3.ª, de 09-07-2014, Proc. n.º 38/05.1SVLSB - 5.ª, de 03-07-2014, Proc. n.º 417/12.8TAPTL - 5.ª e de 04-06-2014, Proc. n.º 298/12.1JDLSB - 3.ª).
Isto significa que, para além das que se encontram expressamente previstas pelo n.º 2 do art. 132.º do CP, podem ocorrer outras circunstâncias juridicamente equivalentes, que qualifiquem o crime, por também serem representativas de uma especial censurabilidade ou perversidade. De igual sorte, a verificação de uma das circunstâncias previstas pelo referido n.º 2 do art. 132.º do CP constitui mero indício da existência dessa especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, estes exemplos-padrão não são de aplicação necessária e automática, o julgador só deve concluir pela qualificação do crime quando essas circunstâncias típicas representem uma culpa acrescida do agente ou uma ilicitude acrescida da sua conduta.
Feita a análise do quadro factual supra traçado, constata-se o preenchimento desta circunstância qualificativa, susceptível de revelar especial censurabilidade, na medida em que o arguido AA agrediu com inequívoca violência a ofendida CC, sua progenitora, causando-lhe diversas lesões físicas e determinando-lhe 10 dias de doença, 3 dos quais com incapacidade para o trabalho.
Deste modo, não se verificando quaisquer causas de exclusão da culpa e da ilicitude, concluímos que o arguido se constituiu autor material de um crime de ofensa à integridade física, na forma qualificada, de que foi vítima a ofendida CC.

--Quanto ao crime de perseguição:
O arguido AA encontra-se acusado pela prática em autoria material de um crime de perseguição p. e p. pelo art. 154.º-A do CP.
Estabelece este dispositivo do CP que “(…) quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa (…)”.
Operando a subsunção da factualidade apurada no citado artigo, concluímos, desde logo, pela tipicidade da conduta do arguido: entre o dia 01-09-2017 e o dia 26-11-2017, por diversas vezes, o arguido tocou insistentemente na campainha da residência da ofendida DD, fez-lhe esperas na via pública e enviou-lhe mensagens (“o meu objectivo de vida é ver-te sofrer e quando já não tiveres mais nada aí é que vou começar a apaziguar a minha raiva por ti e tudo o que te rodeia”;“não leves a sério e fica à espera que me prendam”; “eu nunca senti tanto ódio por alguém”; “já gastaste 6 vidas estou a pedir” e“tu vais fazer a tua filha ver algo muito mau estou a pedir telefona”;); atento um critério objectivo-individual, estas condutas são adequadas a causar medo e inquietação na vítima, tendo em conta a postura agressiva e violenta desenvolvida pelo agente.
Além de típica, é a conduta do arguido AA ilícita, porque violadora do bem jurídico tutelado pela censura penal: a liberdade individual.
E, finalmente, tal conduta é imputável a título de dolo directo (art. 14.º, n.º 1, do CP): o arguido AA sabia e quis provocar receio, inquietação e intranquilidade na ofendida DD, o que conseguiu.
Deste modo, não se verificando quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, o arguido deve ser condenado pela prática do crime de perseguição de que vinha acusado.

--Quanto ao crime de coacção e resistência sobre funcionário:
O arguido AA encontra-se também acusado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CP.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 347.º do CP: “Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até 5 anos”.
Inserido no Capítulo II do Título V da Parte Especial do CP, este tipo de ilícito configura-se com um crime contra a autoridade pública, ou seja, visa-se a tutela do “interesse do Estado no desempenho livre das funções que impendem sobre os servidores públicos no sentido de que sejam respeitadas as suas atribuições e actos legítimos” (cfr., neste sentido, Leal - Henriques e Simas Santos, in “Cód. Penal Anotado”, 2.º Volume, pág. 1082).
Averiguada a ratio da incriminação da norma, passemos agora à análise dos elementos constitutivos do tipo de crime e posterior subsunção dos factos provados.
Tipo objectivo: “Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas (…)”.
--sujeito activo da acção típica: o tipo objectivo do crime de resistência e coacção sobre funcionário supõe um sujeito activo ao qual não é exigida nenhuma qualidade especial, pelo que o tipo de crime se reconduz à classificação de crime comum.
--Acção típica: “(...) empregar violência ou ameaça grave (...), para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres (...)”.
Por violência entende-se todo o acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, não necessitando de ser grave nem sequer traduzir-se na prática de qualquer acto de agressão física, máxime o cometimento de um crime de ofensa à integridade física.
Caso a violência se manifeste pela prática de um crime de ofensa à integridade física, então, este crime será consumido pela previsão típica do art. 347.º do CP, dado que a agressão física é o meio específico de violação do bem jurídico tutelado.
“(…) A ameaça será grave desde que afecte a segurança e a tranquilidade do funcionário a que se dirige, devendo ser suficientemente séria e apta para produzir o resultado tipificado (…)” e “(…) para a consumação do crime necessário se torna que a acção violenta ou ameaçadora seja idónea a atingir de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que essa acção possa impedir o funcionário de concretizar a actividade por este prosseguida (…)” – vide, Miguez Garcia e Castela Rio, in “Código Penal – Parte Geral e Especial”, 2014, pág. 1170.
--Vítima da acção típica: “(...) contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança (...)”.
Tipo subjectivo: dolo.
O dolo, como elemento geral do tipo, é constituído pelo conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do tipo, nos termos do art. 14.º do CP.
No crime de resistência e coacção a funcionário, o dolo abarca:
--o conhecimento de que a vítima da acção típica é funcionário ou agente das forças armadas, militarizadas ou de segurança e o facto de se empregar sobre o mesmo violência ou ameaça grave para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções;

--a vontade de se proceder de acordo com essa representação, em qualquer das modalidades de dolo previstas na disposição normativa atrás referida (dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual);
Operando a subsunção da factualidade apurada no citado n.º 1 do art. 347.º, concluímos, desde logo, pela tipicidade da conduta do arguido AA: no dia 26-11-2017, por volta das 23 horas e 12 minutos, o arguido executou actos de ameaça perante os Agentes da PSP EE, FF e GG, investindo na direcção deles com todo o seu porte físico e dirigindo-lhe as palavras acima mencionadas, tais como, “(…) eu já comi o que tinha a comer durante 11 anos. Podem ter a certeza que nos vamos encontrar um dia, posso ir lá para dentro, mas um dia encontramo-nos (…)” e, quando foi questionado sobre se tinha alguma arma em seu poder,  afirmou “(…) não sei, querem vir cá ver (…) venham que não vão conseguir (…)”; o arguido actuou de modo a que os referidos Agentes da PSP não levassem a cabo as suas funções, muito em particular que procedessem à sua revista e à sua detenção; tais actos mostraram-se idóneos a dificultar e a impedir a actuação dos elementos daquela força policial, tendo em conta a postura agressiva, os antecedentes criminais e a compleição física do arguido, tanto mais que apenas foi possível efectivar a sua imobilização e a sua detenção após a chegada de reforços policiais; por último, nenhumas dúvidas se levantam quanto à qualificação dos referidos Agentes da PSP como membros de uma força de segurança.
Além de típica, é a conduta do arguido AA ilícita, porque violadora do bem jurídico tutelado pela censura penal: a autoridade pública.
E, finalmente, tal conduta é imputável ao arguido a título de dolo directo (cfr. artigo 14º, nº 1, do Cód. Penal): o arguido tinha conhecimento que as pessoas que ameaçou eram Agentes da PSP, no exercício das suas funções, e, não obstante, assumiu o comportamento acima descrito de modo a que estes não praticassem actos relativos a essas funções, muito em particular que procedessem à sua revista, detenção e condução à esquadra.
Indiciada a ilicitude pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em análise e inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, concluímos assim que o arguido AA praticou o crime de resistência e coacção sobre funcionário pelo qual se encontra acusado.

d) Pedido de indemnização civil formulado pelo demandante:
À responsabilidade criminal do agente acresce a sua responsabilidade civil, o que o obriga a indemnizar o demandante das perdas e danos emergentes da prática do crime, sendo tal indemnização regulada pela lei civil (cfr. art. 129.º do CP).
O pedido de indemnização civil funda-se, assim, na responsabilidade emergente da prática de facto ilícito, baseada na responsabilidade subjectiva do demandado.
E valendo neste domínio o princípio consignado no art. 483.º do CC, de harmonia com este preceito legal, podemos isolar como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva extracontratual ou aquiliana:
--o facto: facto voluntário do agente, facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana, pois só um acto concebido desta forma poderá constituir suporte da aplicação das ideias de ilicitude, culpa e causa de produção do dano;
--a ilicitude: categoria dogmática, que exprime, em termos formais, o carácter antijurídico do facto, e consiste na violação do direito de outrem, quando reprovada pela ordem jurídica, ou na violação da lei que protege interesses alheios;
--o nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante: para que o acto ilícito gere efeitos jurídicos é necessário que o agente tenha agido com culpa, entendida, em termos clássicos, como o nexo de imputação do facto ao agente lesante;
--o dano: entendendo-se por dano a supressão ou diminuição de uma situação favorável, revista a mesma ou não contornos patrimoniais;
--o nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela vítima: que se traduz na averiguação, do ponto de vista jurídico, de quando é que um prejuízo se pode qualificar como consequência de um dado facto, e exprimindo-se essa relação entre o acto ilícito e o dano por um conceito de teor normativo, designado por causalidade adequada.
E poder-se-á afirmar que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil acima elencados, de modo a dizer-se que o demandante “Hospital HH” tem direito à indemnização reclamada?
Mostrando-se provado o crime de ofensa à integridade física qualificada de que foi vítima a ofendida CC, desde logo, se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual que obrigam o arguido/demandado AA a reparar os prejuízos decorrentes da sua conduta.
Deste modo, enquanto autor do facto ilícito, culposo e típico, o demandado AA deve ser compelido a ressarcir o demandante “Hospital HH” quanto aos gastos que teve com o tratamento da ofendida CC (€ 124,57), em episódio de urgência, no dia 10-09-2017.
A taxa de juros de mora deve ser contada de com o disposto na Portaria n.º 291/03, de 08-04, que fixou a taxa dos juros civis em 4%.
Quanto ao demais, deverá improceder o pedido de indemnização civil formulado “Hospital HH”, na medida em que a consulta otorrinolaringologia, realizada no dia 07-11-2017, não apresenta nenhuma conexão com a prática pelo arguido/demandado da factualidade em referência nestes autos.

e) Escolha e determinação da medida da pena:
O crime de ofensa à integridade física qualificada, imputado ao arguido AA é punível, em conformidade com a lei, com pena de prisão até 4 anos.

Por seu turno, o crime de coacção e resistência sobre funcionário imputado ao agente é cominado, em abstracto, com pena de prisão até 5 anos.
Por último, o crime de perseguição em referência nos autos é punível, em alternativa, com pena de prisão com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360.
*
O Ministério Público pede a condenação do arguido como reincidente.
De acordo com o disposto no art. 75.º, n.º 1, do CP, “é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.”
Por seu turno, acrescenta o n.º 2 que “o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”
O arguido esteve em cumprimento de pena de prisão entre os dias 19-04-2006 e 19-02-2017, em virtude de ter sido condenado, por último, no âmbito do Proc. n.º 20111/13.1T2SNT, na pena única conjunta de 13 (treze) anos de prisão.
Os factos em apreciação nesses processos foram cometidos nos anos de 2004 e de 2006, o que significa que o arguido AA voltou a incorrer na prática de novos crimes, puníveis com pena de prisão superior a 6 meses, num período temporal inferior a 5 anos, descontando o lapso temporal, entre 19-04-2006 e 19-02-2017, em que esteve em cumprimento da pena de 13 (treze) anos de prisão.
Assim, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 76.º do CP, o limite mínimo da pena aplicável é elevado de 1/3 e o limite máximo permanece inalterado, o que significa, no caso vertente, que os crimes acima enunciados passam a ser punidos com a pena de prisão com o limite mínimo de 40 dias (vide art. 41.º, n.º 1, do CP).
Prosseguindo:
Em sede de critério de escolha da pena, estabelece o art. 70.º do CP, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", expressando tal preceito uma das ideias fundamentais subjacentes ao sistema punitivo do CP: uma “reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais” (in Robalo Cordeiro, “Escolha e Medida da Pena”, Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, pág. 238).
No caso vertente, as circunstâncias apuradas, muito em particular, a personalidade do arguido resultante da prática dos factos em discussão e as condenações penais que foi sofrendo ao longo do tempo, não nos permitem formular um juízo favorável, no tocante à prevenção de futuras delinquências, pelo que se conclui que a aplicação de uma pena de prisão é a única que realiza de forma suficiente e adequada as finalidades das penas quanto ao crime de perseguição p. e p. pelo art. 154.º-A do CP.
Daí que optemos pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão quanto a este último crime, em detrimento da imposição de penas não privativas da liberdade, que não acautelam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
                                                  *
Para a determinação da pena concreta a aplicar ao arguido recorre-se ao critério global previsto no nº 1 do art. 71.º do CP, o qual dispõe que tal determinação se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, concretizados esses dois termos do binómio (a culpa e a prevenção) a partir da eleição dos elementos para os mesmos relevantes, ou seja, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as enumeradas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo preceito legal.
Aliás, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 40.º do CP, a pena visa exclusivamente alcançar finalidades preventivas (quer ao nível da prevenção geral positiva, quer ao nível da prevenção especial), que se prendem unicamente com a protecção dos bens jurídicos e com a reintegração do agente na sociedade.

Por isso, a partir da moldura legal do crime, há que formar uma submoldura para o caso concreto, limitada no máximo pelo ponto óptimo da satisfação das necessidades de prevenção geral e no mínimo pela medida da pena ainda ajustável àquelas necessidades. As exigências de prevenção especial devem ditar a pena concreta, tudo, naturalmente, sem ultrapassar o grau de censura que o agente pode suportar, ou seja, a sua própria culpa (como decorre, aliás, do disposto no n.º 2 do art. 40.º do CP, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”).
Assim, considerando os mencionados critérios dosimétricos constantes do art. 71.º do CP, ponderado o grau de culpa do arguido (que se nos afigura de estabelecer próximo dos limites médios das molduras penais abstractas), ponderadas as exigências de prevenção (afigurando-se existirem particulares necessidades de prevenção especial, atendendo aos seus relevantes antecedentes criminais, e, no que concerne à prevenção geral, ficando a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico, assegurada com a imposição ao arguido de penas a fixar próximo dos limites médios das respectivas molduras penais abstractas), e as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido (grau de ilicitude / mais reduzido no crime de coacção e resistência sobre funcionário/ bastante mais intenso nos outros dois delitos; modo de execução dos crimes/violência e ameaça exercida sobre as vítimas; intensidade do dolo - dolo directo; antecedentes criminais; condição sócio-económica;), afigura-se adequado ao facto e à personalidade do agente, a aplicação ao arguido AA de uma pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, de uma pena de 1 (ano) e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de perseguição e uma pena de 1 (ano) de prisão pela prática do crime de coacção e resistência sobre funcionário. 
                                                     *
Importa agora proceder à determinação da pena única conjunta:
A pena única, através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.° 2 do art. 77.º do CP, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, sem nunca poder ultrapassar o limite máximo intransponível dos 25 anos de prisão.
Para além dos critérios gerais de determinação da medida da pena previstos pelo art. 70.º, n.º 1, do CP (a culpa do agente e as exigências de prevenção, quer gerais, quer especiais), o legislador mandar atender, na operação de fixação da pena única conjunta, ao critério específico estabelecido pelo n.º 1 do art. 77.º do CP, segundo o qual, se deve valorar, em conjunto, os factos praticados e a personalidade do agente.
Na operação destinada à fixação da pena conjunta os factos devem deixar de ser analisados individualmente, deve ser retirada a imagem global da actuação do agente e esta devem ser valorada, de forma conjugada, com a personalidade do agente, de modo a apurar se o arguido apresenta tendências criminosas (ou mesmo uma carreira criminosa) ou se, ao invés, a pluralidade de infracções não radica em características negativas do seu ser.
Conforme se deixou explanado no Ac. do STJ de 18-01-2012, Proc. n.º 34/05.9 PAVNG.S1: “(…) há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos (…)”.
Mais se acrescenta que:“ (…) todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais (…)”.
No caso vertente, verifica-se que o arguido AA apresenta uma personalidade agressiva e impulsiva, que não consegue, de todo, tolerar as frustrações e que não se inibe de fazer uso da força física, de uma forma que se apresenta manifestamente desproporcional e desadequada às circunstâncias concretas do caso.

O arguido reage de modo agressivo e com muita facilidade aos acontecimentos da vida que o desagradam, seja perante a sua progenitora, seja perante a pessoa com quem manteve uma relação amorosa, seja inclusive perante os agentes da autoridade que foram chamados ao seu local de residência por causa de desacatos ou incidentes por si causados.
O seu percurso de vida é marcado pela agressividade física ou verbal perante todos aqueles que com ele convivem e que de alguma forma assumem condutas que o desagradam.
O cumprimento anterior de uma longa pena de prisão, pela prática de importantes infracções criminais (v.g. homicídio), não fez o arguido inflectir o seu comportamento, vendo-se envolvido, pouco tempo após lhe ter sido concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena, na prática de novos crimes, os quais, em comum com os anteriores, têm a marca da violência ou da ameaça grave sobre as pessoas que com ele convivem.
Deste modo, afigura-se adequado ao facto e à personalidade do agente, a condenação do arguido AA na pena única conjunta de 3 anos de prisão.
                                                      *
Estabelece o art. 50.º, n.º 1, do CP, referente aos pressupostos da suspensão da pena de prisão, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Pese embora se verifique in casu o pressuposto formal previsto pelo art. 50.º, n.º 1, do CP (aplicação ao arguido de pena de prisão não superior a 5 anos), este tribunal colectivo entende que a pena suspensa não acautela de modo adequado as finalidades da punição.
Não se determina a suspensão da execução desta pena de prisão, atendendo às imperiosas necessidades de prevenção especial, que se prendem com a insensibilidade e com a indiferença que o arguido demonstra pelas regras sociais vigentes, não tendo inclusive as anteriores condenações penais servido para o afastar da prática de novos crimes, que também implicam o exercício da violência física ou psíquica sobre pessoas.
São inexpressivas (ou mesmo inexistentes) as expectativas do arguido AA vir a assumir em liberdade, de forma regular e constante, comportamentos normativos, na medida em que, pouco tempo após ter beneficiado da concessão da liberdade condicional (obrigatória) aos 5/6 da pena, logo voltou a incorrer na prática de novos crimes como os que estão a ser julgados no âmbito do presente processo, que implicam o exercício de actos de violência ou de ameaça grave sobre as pessoas que com ele conviveram.

O arguido AA tem antecedentes relacionados com criminalidade considerada grave e violenta (entre outros ilícitos, recorde-se que foi condenado pela prática de crimes de homicídio, de ameaça agravada, de ofensa à integridade física qualificada, ofensa à integridade física simples e de sequestro).
Teme-se que caso seja restituído à liberdade possa vir, de novo, a assumir a prática dos novos crimes relacionados com a protecção de bens jurídicos de natureza pessoal, tanto mais que, após lhe ter sido concedida a liberdade condicional, obrigatória aos 5/6 da pena de prisão, rapidamente retomou a prática dos crimes em apreciação nestes autos. 
Pelo exposto, não se suspende a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

f) Pena acessória proposta pelo Ministério Público:
Estabelece o art. 152.º, n.º 4, do CP, que “(…) nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica (…)”.
Acrescenta o n.º 5 deste preceito que “a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (…)”.
Conforme se viu, o arguido vai ser absolvido da prática do crime de violência doméstica relativamente à sua progenitora CC, a qual não pretendeu prestar depoimento no decurso da audiência de discussão e julgamento.
Deste modo, este tribunal colectivo não irá impor ao arguido AA a pena acessória proposta pelo Digno Magistrado do Ministério Público, na medida em que esta reacção penal se encontra dependente do preenchimento (não verificado in casu) do mencionado crime de violência doméstica.
Idêntica solução relativamente à ofendida DD.
Conforme se viu, esta ofendida manteve uma relação amorosa com o arguido AA e do depoimento que prestou em audiência de julgamento não resulta uma vontade inequívoca de afastamento e de exclusão de contactos.
Deste modo, valorando a ilicitude global dos factos e a postura da própria ofendida DD, entende este tribunal colectivo não impor a pena acessória de proibição de contactos e de afastamento da vítima do crime de perseguição.

g) Reparação da vítima:
Por último, o Ministério Público pede também que este tribunal arbitre à vítima uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos, nos termos do art. 82.º-A do CPP.
Estabelece o n.º 1 deste preceito que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos arts. 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.”.
Como o crime de ofensa à integridade física qualificada cometido pelo arguido assume inequívoca e manifesta gravidade e como são evidentes as consequências deles resultantes para o bem-estar físico e psíquico da ofendida CC, sua progenitora, entende este tribunal colectivo atribuir-lhe, a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 500, tendo também em consideração a modesta situação económica do arguido AA." (fim de transcrição).

3. Vejamos se assiste razão ao recorrente.

3.1. O recorrente parece querer impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto com a alegação de que o Coletivo a quo violou o princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP) e o acórdão recorrido sofre de total contradição entre a matéria fáctica nele provada e não provada. Acresce que, não em sede de conclusões mas no ponto 4º da sua motivação, alude ao princípio do in dubio pro reo, em termos que sugerem que a decisão recorrida também o não terá respeitado.
Com efeito, depreende-se que era intenção do arguido AA impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Antes de mais, importa assinalar que in casu este Tribunal pode conhecer de facto, atento o preceituado no art. 428.° do CPP, uma vez que houve documentação da prova produzida, oralmente, na audiência em 1a instância, sendo que, em conformidade com o disposto na al. b), do art. 431.°, do CPP.
Porém, não dá o recorrente AA cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Ao longo da motivação o recorrente limita-se a impugnar a matéria de facto de uma forma genérica, não especificando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas que impunham decisão diversa da recorrida, por referência aos respectivos suportes técnicos de gravação, no que respeita à prova testemunhal.
Isto é, o recorrente não chega sequer a identificar cada ponto da sua discordância e em relação a cada ponto as razões da sua discordância.
Limita-se o recorrente, sem identificar os concretos pontos de facto da decisão recorrida que considera incorrectamente julgados, a tecer considerações várias e a invocar a violação dos princípios da livre apreciação da prova, contido no art. 127.º do CPP, e do in dubio pro reo a par da invocação de que o acórdão recorrido sofre de total contradição entre a matéria fáctica nele provada e não provada.
Nestes casos, como o dos presentes autos, em que o recorrente não dá cumprimento ao ónus de impugnação especificada, nem nas conclusões, nem na motivação de recurso, não há que endereçar-lhe convite para aperfeiçoamento, pois tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
Neste sentido se pronunciaram os Ac do Tribunal Constitucional n.ºs 259/2002 de 18/6/2002 e 140/2004 de 10/3/2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, jurisprudência que se mantém actual face às alterações introduzidas ao CPP pelas Leis n.ºs 48/2007 de 29/8 e 20/2013 de 21/2.
Na verdade, o preceituado actualmente no n.º 3 do art. 417.º do CPP mais não é do que a consagração dessa mesma jurisprudência do Tribunal Constitucional, que não constava do preceito na redacção anterior.
Porém, o convite só pode ser dirigido ao aperfeiçoamento das conclusões e nunca à própria motivação, conforme resulta do disposto nos n.º s 3 e 4 do art. 417.º do CPP, que, de seguida, se transcreve:
“3 – Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 412º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada. Se a motivação do recurso não contiver as conclusões e não tiver sido formulado o convite a que se refere o n.º 2 do artigo 414.º, o relator convida o recorrente a apresentá-las em 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado.
4 – O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.”
Em anotação a este preceito diz Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, 2008, “O convite ao aperfeiçoamento não pode constituir uma ocasião para o recorrente modificar o âmbito do recurso, tal como ele se encontra fixado na motivação. Portanto, as conclusões formuladas na sequência do convite estão vinculadas ao âmbito dos fundamentos do recurso já apresentado e não podem dele divergir.”
Não tendo o arguido/recorrente dado cumprimento ao ónus de impugnação especificada, imposto pelo art. 412.º n.ºs 3 e 4 do CPP, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (art. 431.º do CPP), a não ser no âmbito dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP, entre os quais consta, na sua alínea b), o da contradição insanável de fundamentação, que o recorrente invoca ter sido preterido e passaremos a apreciar.
Começaremos por assinalar que, qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP (entre os quais se contam também a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e o “erro notório na apreciação da prova” – alíneas a) e c), respetivamente) tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.
Por outro lado, importa sublinhá-lo, mesmo que não venham alegados pelo(s) recorrente(s), sempre são de conhecimento oficioso, em sede de recurso, por parte da Relação.
Quanto ao vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP), dir-se-á que «para se verificar contradição insanável da fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso»[2].
«A contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão só importa a verificação do vício quando não seja sanável pelo tribunal ad quem. Isto é, quando seja insanável. Na verdade, tratando-se, por exemplo, de um erro no assentamento da matéria de facto, ou mesmo da respectiva fundamentação de facto, um erro perceptível pela simples leitura do texto da decisão, não poderá falar-se em vício de contradição, o qual só existirá se eliminado o erro pelo expediente previsto no artigo 380º do CPP, correcção a que o próprio tribunal de recurso pode e deve proceder (nº 2 do mesmo artigo), a contradição persistir, então, sim, sendo insanável.
A contradição tanto pode emergir entre factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados (p. ex. «provado que matou», «não provado que matou»), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão. É exemplo deste último tipo de contradição, a circunstância de a sentença se espraiar em considerações tendentes à irresponsabilidade penal do arguido e a decisão final concluir, sem mais explicações, por uma condenação penal.»[3]
Em suma, o vício a que alude a al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP verifica-se «quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal»[4].
Atento ao texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, não vemos onde possa nela verificar-se o mencionado vício de contradição insanável da fundamentação, improcedendo o recurso nessa parte.
Porquanto todos os vícios a que alude o n.º 2, do artigo 410.º, do CPP sempre são, como já dissemos, de conhecimento oficioso, apreciemos, agora se existem os demais. Ou seja, por um lado, o da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e, por outro lado, o do “erro notório na apreciação da prova” – alíneas a) e c), respetivamente, daquele mencionado preceito.
A insuficiência a que se refere a alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP, é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Só existe o aludido vício quando os factos provados são insuficientes para justificar uma decisão de direito, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação.
Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.
Situação que não aconteceu no presente caso.
Os factos dados como provados são suficientes para a conclusão de direito a que chegou o tribunal a quo, o recorrente é que com ela não concorda, pretendendo, no fundo, que o tribunal a quo tivesse feito uma valoração diferente da prova produzida em julgamento, esquecendo-se, contudo, que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga – art. 127.º do CPP – e não de acordo com a apreciação que dela faz o recorrente.
Livre apreciação essa que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e motivável.
Conforme se refere no Ac. desta Relação de 24/5/2011, proferido no âmbito do Proc. 309/09.8PEOER.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, “Deverá ainda ter-se presente que em matéria de apreciação da prova intervém sempre uma componente subjectiva, nomeadamente quanto à credibilidade da prova pessoal, e que os próprios depoimentos em audiência são frequentemente condicionados pelo modo como são recebidos. Tal componente «implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação.”
Diz-se, ainda, um pouco mais à frente “Ao realizar o julgamento, o juiz de 1.ª instância tem, em virtude da oralidade e da imediação, «uma percepção própria do material probatório que nós indiscutivelmente não temos. O juiz do julgamento tem contacto vivo e imediato com o arguido, com o ofendido, com as testemunhas, assiste e não raro intervém nos seus interrogatórios pelos diversos sujeitos processuais, recolhe um sem número de impressões … que não ficam registadas na acta, apenas na sua mente …Essa fase ao vivo, do directo, é irrepetível».
Na fase de recurso, praticamente dominada pela escrita em vez da oralidade (apesar de os depoimentos estarem gravados e, por isso, poderem ser ouvidos), é quase impossível avaliar, com correcção, da credibilidade de cada depoimento, dizer se um é mais credível do que o outro prestado em sentido diverso é tarefa difícil. Perante dois conjuntos de depoimentos, cada um deles testemunhando em sentido contrário ao outro, por qual deles optar? Acompanhando, mais uma vez, o acórdão atrás citado, «essa é, em princípio, uma decisão do juiz do julgamento. Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais». Como a propósito refere Damião da Cunha, os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da primeira instância. Em recurso, pouco mais haverá a fazer do que controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou abuso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.

«Aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar é a violação de todo um conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação da prova (que limitam o “arbítrio” na sua apreciação), exactamente: as regras de experiência comum, o princípio in dubio pro reo, o princípio de presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto, isenta de qualquer referência a características pessoais do arguido».

Por seu turno, o erro notório na apreciação da prova configura-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.
Ou seja, existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis[5].
«Tem que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio e não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida», lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de janeiro de 2008, proferido no processo n.º 4085/06.
Portanto, o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.
Depreende-se, contudo, do teor da motivação de recurso e das respectivas conclusões, que aquilo que o recorrente efectivamente pretende é que o tribunal de recurso sindique a forma como o tribunal de 1.ª instância apreciou a prova produzida em audiência.
Porém, se pretendia impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deveria ter dado integral cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4, do art. 412.º, do CPP, o que não fez, conforme referimos supra.
Da leitura da decisão recorrida verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.

Por seu turno, o in dubio pro reo "além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, por Gomes Canotilho e Vital Moreira, 4.ª edição revista, pág. 519).
O in dubio pro reo "parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador" (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997). Impõe este princípio que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 533/98, DR, II Série, de 25-02-1999.
Como se expendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de outubro de 2008, relatado pelo Exmº Cons. Arménio Sottomayor (publicado in JusNet 5547/2008): “A violação deste princípio, segundo uma vez mais se afirmou-se no ac de 22-03-2007 - proc 4/2007-5, em que o aqui relator foi adjunto, "dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção" Ora, da análise da decisão não resulta que, quer na 1ª instância, quer na Relação, tenha perpassado pelo tribunal dúvida alguma quanto aos factos praticados pelo recorrente, assentando os factos provados nas provas produzidas e nas ilações que delas tiraram as instâncias, o que é legalmente consentido. Também, por conseguinte, o princípio in dubio pro reo não se mostra violado.”
Também no acórdão do do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2007 (consultável in www.dgsi.pt) se pode ler: "o princípio in dubio pro reo representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova; configura um limite normativo a este princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória – o qual não exclui a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido, mas não afasta a consistente hipótese do contrário –, ou seja, se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio in dubio pro reo."
O princípio “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável. O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objetivos ou subjetivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Não se trata porém de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dúbio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto (cfr. Ac. do TRL de 14 de dezembro de 2010 proferido no proc. n.º 518/08.7PLLSB.L1, publicado in www.dgsi.pt).
Finalmente, dir-se-á que a Relação só pode averiguar a aplicação do in dubio pro reo se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida quanto a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de setembro de 2009, proferido no processo n.º 169/07.3GCBNV.S1 e consultável in Jusnet)
Na decisão recorrida não se impôs lançar mão do princípio jurídico-processual penal do in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência (até ao trânsito em julgado da sentença condenatória) constitucionalmente consagrada no artigo 32.° n.º 2 da C.R.P., pois, no caso concreto, não subsistiu no espírito do tribunal a quo, e o mesmo se pode afirmar para este tribunal ad quem, uma dúvida relevante e invencível sobre a prática de factos integradores dos crimes, de ofensa à integridade física qualificada, perseguição e coacção e resistência sobre funcionário, por parte do recorrente AA e que são os descritos na matéria de facto dada por provada.
Com efeito, como resulta da decisão recorrida o tribunal não teve quaisquer dúvidas quanto à decisão sobre a matéria de facto e expôs na sua fundamentação, de forma cristalina e perfeitamente percetível para quem a leia, as razões da sua firme convicção.
Percebe-se que o recorrente entenda que, face à prova produzida, o tribunal devia ter ficado, pelo menos, com dúvidas e dado como não provados determinados factos, atento o aludido princípio in dubio pro reo.
No entanto, as dúvidas e a opinião do recorrente, por muito respeitáveis que sejam, e realmente são, para o que aqui importa, são irrelevantes.
Impõe-se pois, e finalmente, sublinhar, que, como resulta bem claro do texto da decisão recorrida, o tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas de que os factos aconteceram exatamente como os deu por assentes, e explicou como adquiriu essa convicção.
Nada há a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação dessa convicção.
O recorrente parece confundir aquilo que não deve ser confundido: a questão da convicção (e o grau exigível para ser tomada uma determinada decisão) e a suficiência da fundamentação dessa convicção. Neste caso, foi sólida a convicção do tribunal, não o assaltou a dúvida quanto à atuação do arguido.
Em conformidade com todo o exposto, tem-se por fixada a matéria de facto, improcedendo, pois, o recurso quanto à “pretensa” impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

3.2. Mais defende o recorrente AA que o Tribunal a quo interpretou restritivamente o disposto no n.° 2 do art.° 374.° do C.P.P., e consequentemente não apresentou uma exposição completa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas ou factos provados e não provados, que serviram para formar a convicção do Tribunal, em objectiva contradição factual entre eles mesmos, não se dando justificação plausível para a aplicação de pena de prisão efectiva;
Vejamos.
De acordo com o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, a sentença é nula quando, no que ora importa, não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º.
Sendo que, o artigo 374.º (epigrafado “Requisitos da sentençaVer jurisprudência”) depois de no seu n.º 1 preceituar que a  sentença começa por um relatório, que contém a indicações tendentes à identificação do arguido, do assistente e das partes civis, a indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido, e ainda a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada, acrescenta no seu n.º 2 que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.". Finalmente, o n.º 3 do artigo 374.º determina que a sentença termina pelo dispositivo que deve conter, nos termos da sua alínea b) (a única que aqui interessa ser considerada por ser apenas esta cuja preterição é geradora de nulidade), a decisão condenatória ou absolutória.
No caso do acórdão recorrido é manifesto, face ao seu teor, já acima transcrito e para o qual remetemos[6], que este deu cabal cumprimento às menções referidas quer no n.º 2 quer na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º do CPP, pelo que, consequentemente, não se verifica a apontada nulidade da sentença, prevista no art. 379.°, n.º 1, al. a), do CPP.
Com efeito, importa sublinhá-lo o Tribunal a quo, ao contrário do que alega o recorrente, não interpretou restritivamente o disposto no n.° 2 do art.° 374.° do C.P.P., bem como não apresentou uma exposição incompleta dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, tendo, antes sim, indicado e feito um exame critico das provas e dos  factos que deu por provados e não provados, explicando objectiva e cabalmente como formou a sua convicção do Tribunal, em todos os domínios incluindo no que respeitou à aplicação de pena efectiva de prisão.
Destarte, igualmente improcede o recurso nestoutro segmento.

3.3. Alega o recorrente AA que pena de 3 anos de prisão que lhe foi aplicada é excessiva devendo ser reduzida.
Para tanto, recorda-se, alega que encontra-se inserido socialmente, tem uma família estruturada, tem trabalho, embora não sendo primário, é manifestamente exagerada, desproporcinal ao ilicito que o arguido cometeu e foi condenado, sendo-lhe eventualmente revogada a liberdade condicional, acrecida da presente pena de 3 anos, teria que cumprir mais 5 anos de reclusão, o que é contrário aos principios basilares do nosso Direito Penal, que visa ressocializar, intregar e não ser meramente punitivo aritemeticamente. O arguido tem um projecto de vida em espanha onde tem emprego garantido e uma companheira.”
Vejamos.
Antes de mais, para o que ora nos cumpre apreciar, o mesmo se dizendo para o Tribunal a quo, irreleva na medida concreta da pena se, por via da presente condenação, o arguido, que estava em liberdade condicional, vai ver aquela sua situação alterada, já que a revogação da mesma não é automática, o que o próprio recorrente logo admite quando fala, de resto com acerto, em “eventualmente”.
Dito isto, prossigamos.
Segundo o n.º 1 do art. 71.º do Código Penal (doravante CP), «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Por sua vez, dispõem os nºs 1 e 2 do art. 40.º do CP que «a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - já que o processo de determinação da pena é (e só pode ser) um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas. Na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção.

Os fins das penas têm sido equacionados a partir de um objetivo essencial: a redução ou prevenção da criminalidade. Na concretização deste objetivo identificamos a prevenção geral e a prevenção especial. A primeira na perspetiva da intimidação coletiva, a segunda na perspetiva da intimidação individual, isto é, de prevenção da reincidência.
Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos. E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade (Ac. do S.T.J. de 4-7-1996, Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 225).
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente: entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do S.T.J. de 15-10-1997, Proc.º n.º 589/97, 3ª secção). É também esta, em síntese, a lição do Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).
"A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica" (Anabela Miranda Rodrigues, in "A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570-571)
Modernamente, da prevenção especial decorre ainda aquilo que se pode designar de reforma e que consiste na ressocialização do delinquente.
Este fim de ressocialização do delinquente vai para além da prevenção da reincidência, tal como esta tem sido classicamente entendida. Pretende-se que o delinquente não reincida não por recear sofrer numa reação criminal, mas porque não tem necessidade de cometer o crime, uma vez que pode levar uma vida ética e socialmente não reprovável. E é deste quid que emerge o conceito de reinserção social (Relatório do Provedor de Justiça apresentado à Assembleia da República, 2007, pág. 20).
Com efeito, tendo em vista o assinalável desajustamento que se verificava entre as finalidades político-criminais subjacentes ao Código Penal de 1982 e a experiência resultante da sua aplicação prática, o legislador, com a revisão operada em 1995 quis afirmar, expressamente, no artigo 40.º, então introduzido, como proposições basilares do programa político-criminal: que o direito penal é um direito vinculado à tutela de bens jurídicos; que a culpa é tão-só limite da pena; que a intervenção penal tem como finalidade a "proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
Foi reafirmado, igualmente, o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizando-se o papel da multa como pena principal e alargando-se o âmbito de aplicação das penas de substituição.
Na exposição de motivos da proposta de Lei 98/X (que está na origem da revisão de 2007) podemos ler que a revisão procura "fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado", indicando-se, entre as principais orientações da revisão, "a diversificação das sanções não privativas da liberdade, para adequar as penas aos crimes, promover a reintegração social dos condenados e evitar a reincidência".
Versando sobre este tema, Adelino Robalo Cordeiro disse nas Jornadas de Direito Criminal, (Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, pág. 48):
O critério geral que preside à escolha da pena (artigo 70.º) e bem assim os critérios particulares a que obedece a aplicação (escolha) das penas de substituição, assentam no pressuposto comum, clara e repetidamente explicitado na redacção introduzida pela Revisão, de que a pena escolhida há-de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal como agora definidas no artigo 40.º, n.º 1: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, vale dizer, as exigências de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização.
São, portanto, puras razões ou exigências de prevenção que dominam a operação de escolha da pena, portanto a aplicação das penas de substituição: a culpa esgotou as suas virtualidades na determinação da pena principal.”.
Dentro dos limites estabelecidos no tipo legal, a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do arguido e as exigências de prevenção (art. 71.º, n.º 1, e 40.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CP), havendo que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido considerando, nomeadamente, os fatores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do art. 71.º do CP.
A determinação da medida concreta da pena há-de efectuar-se em função da culpa do agente (relevando o ilícito típico, através desta) e das exigências de prevenção, quer a prevenção geral positiva ou de integração (proteção de bens jurídicos), quer a prevenção especial (reintegração do agente na sociedade) - art. 40.º, n.º 1, do CP -, funcionando a culpa como limite máximo que aquela pena não pode ultrapassar (n.º 2 deste art. 40.º). As circunstâncias referidas no n.º 2 do art. 71.º do CP constituem os itens a que deve atender-se para a fixação concreta da pena e atuam dentro dos limites da moldura penal abstrata, sem se partir de qualquer ponto determinado dessa moldura. São essas circunstâncias e outras que tenham igual relevância do ponto de vista da culpa e da prevenção, porque a enumeração legal é exemplificativa, que vão determinar a medida concreta da pena, a qual há-de satisfazer as necessidades de tutela jurídica do bem jurídico violado e as exigências de reinserção social do agente. A medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime, entre esses limites se devendo satisfazer, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, às quais cabe, em última análise, a função de determinação da medida da pena dentro dos limites assinalados - cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e ss.
Revertendo ao caso concreto, dir-se-á que, tendo presente todo o circunstancialismo dado como provado na decisão recorrida, o elevado grau de culpa do arguido, a reiteração da sua conduta, o lapso temporal pelo qual os factos se prolongaram, o que nos revela, acima de tudo, uma certa crueldade, desrespeito e desconsideração quer por aquela que o fez nascer e vir a este mundo quer por aquela que escolheu para uma relação amorosa em determinado período da vida, abstendo-se de praticar os actos ignóbeis que praticou contra ambas e que deixaram(ão) marcas inequívocas nelas, sopesada até a diferença de idades existente no que à sua mãe respeita, a também elevada ilicitude, enquanto desvalor da acção, aferida pelo tipo de condutas apuradas, o dolo do arguido que foi sempre direto e muito intenso, as elevadas necessidades de prevenção geral, quer face ao flagelo social da violência doméstica (aqui entendida em sentido amplo e não com referência ao respetivo tipo legal que não foi considerado como preenchido), quer face à necessidade de respeito para com os agentes policiais no exercício das sua funções de autoridade pública e cabal desempenho das missões que lhe estão cometidas, e ainda da necessidade de prevenção especial que é in casu muito alta, quer perante os seus extensos antecedentes criminais, em que abundam crimes de ofensa à integridade física, quer à sua apurada personalidade em que releva ser conflituoso e agressivo, e ter hábitos de consumos de álcool em excesso (à data dos factos) e (no passado) de substâncias estupefacientes, e, finalmente, face às molduras abstratas previstas para os crimes em que o arguido incorreu, parecem-nos como perfeitamente adequadas, por justas e proporcionais, as medidas das penas fixadas aos arguido AA em 2 (dois) anos de prisão para o crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 132.º, n.º 2, al. a), 143.º e 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, todos do CP, em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o crime de perseguição p. e p. pelo art. 154.º-A do CP, e em 1 (um) ano de prisão para o crime de coacção e resistência sobre funcionário p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CP.

Passemos, finalmente a apreciar do quantum da pena única, questão que é, em suma, a relativa a como proceder corretamente ao cúmulo jurídico das penas parcelares.
Como se sabe, quando o agente pratica uma pluralidade de crimes, formando um concurso efetivo de infrações, quer seja concurso real, quer seja concurso ideal, homogéneo ou heterogéneo, sem que tenha sido julgado e condenado, com decisão transitada, é-lhe aplicada uma pena única.
Cavaleiro de Ferreira [Lições de Direito Penal, Parte Geral II – Penas e medidas de Segurança, Almedina, Reimpressão da edição de janeiro 1989, 2010, p. 155] afirma que “à pluralidade de crimes (concurso real e ideal de crimes) corresponde uma pluralidade de penas aplicáveis. Mas o cúmulo material das penas, ainda que seja o princípio de que parte o sistema do código, é corrigido pela proclamação de um outro princípio, o princípio de que uma só pena - única e total – será imposta ao delinquente”.
Os princípios gerais de determinação da pena única constam do artigo 77.º do CP, que estabelece as regras da punição do concurso. No n.º 1 prevê-se que, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles” é condenado numa única pena, em cuja medida “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e no n.º 2, prescreve-se que “[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, Maria João Antunes [As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 56-57, que a seguir se acompanha] explica que “o direito português adota um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico”, observados os seguintes passos: “o tribunal começa por determinar a pena (de prisão ou de multa) que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal da determinação até à operação de escolha da pena, uma vez que é relativamente à pena conjunta que faz sentido pôr a questão da substituição”. Depois, “o tribunal constrói a moldura penal do concurso: o limite máximo é dado pela soma das penas aplicadas aos vários crimes, com os limites previstos no n.º 2 do artigo 77.º do CP (25 anos para a pena de prisão e 900 dias para a pena de multa); o limite mínimo corresponde à mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, em seguida, “o tribunal determinada a medida da pena conjunta do concurso, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção (artigo 71.º do CP) e o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP (…)”, sendo que, “este critério especial garante a observância do princípio da dupla valoração”, nos termos do qual, em princípio, os fatores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta.
Neste domínio, o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta, se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, “importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (...), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (...).” (in Acórdão de 12 de setembro de 2012, proferido no processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1.)
Na determinação da pena conjunta, importa atender aos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, devendo ter-se em conta não só os critérios gerais da medida da pena ínsitos no artigo 71.º do CP, como também o, já aludido, critério especial constante do artigo 77.º, n.º 1, do CP. A este propósito, o Supremo Tribunal ponderou que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo ‒ e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade ‒ o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos” (in Acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo n.º 160/06.7GBBCL.G2.S1), sendo fundamental, “na formação da pena conjunta (…) a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade do agente” (in  Acórdão de 28 de abril de 2010, proferido no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1).
Em suma: não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado (cfr. Acórdão do STJ, de 18 de novembro de 2009, proferido no processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1).
Dito de outro modo, cumpre realizar um juízo que não se limite a um mero cúmulo material, pois o legislador penal não adotou o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado).
Importante na determinação concreta da pena única será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes, tudo ponderado, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência para atuações ilícitas do agente (neste sentido FIGUEIREDO DIAS, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 290 a 292).
É neste quadro teórico que se moverá a solução a dar ao caso em apreciação.
Assim, e à luz dos critérios supra expostos, há que considerar:
- A predisposição e persistência criminosas, bem como a capacidade de execução, no que releva, quanto aos crimes de ofensa à integridade física e de coacção e resistência sobre funcionário, a forte compleição física do arguido;
- a intensidade da prática criminosa, a diversificação de esquemas de actuação e os prejuízos causados a lesados, ainda não ressarcidos;
- a ilicitude da actuação é bastante elevada, causadora de grande sentimento de insegurança, medo, inquietação e intranquilidade impróprios nas relações filiais e amorosas, presentes ou passadas.
- A condição social actual do arguido, sem família constituída (não vislumbramos onde esteja a família estruturada que refere ter) e no mais (também contrariamente ao que alega) nada indicando que esteja inserido no seu meio social, recorde-se que estava sem trabalho e sem preocupação em encontrar atividade laboral. Como provado, quando no dia 19-02-2017 saiu em liberdade condicional não se preocupou em encontrar trabalho e decidiu aproveitar a oportunidade para estar junto de amigos e de familiares em ocasiões festivas em Lisboa, no Alentejo e no Algarve, apenas tendo, durante cerca de três meses, e de forma esporádica, trabalhado como pedreiro-ladrilhador, acrescendo que “em contexto de grupo reactivou os hábitos de consumo de álcool regulares”, sendo que conta presentemente 38 anos de idade, pelo que era de se esperar maior maturidade;
- A total ausência crítica do arguido quanto à sua atuação e desprezo que demonstrou quanto aos bens jurídicos que violou;
- Os antecedentes criminais do arguido que apontam para um percurso desvalioso e para uma carreira criminosa na mesma natureza de crimes. Recorde-se que à data dos factos estava em liberdade condicional, havia meio ano, faltando-lhe ainda aproximadamente ano e meio para o seu términus.
Assim sendo, as exigências quer de prevenção especial, quer de prevenção geral, são bastante elevadas.
Prosseguindo e quanto às penas aplicadas ao arguido AA, a fixação da moldura do concurso, de acordo com as regras doutrinarias e jurisprudências, no caso sub judice encontra-se possibilitada pela igual natureza das sanções a considerar no concurso – 3 penas parcelares de prisão, devendo assim, ter como limite mínimo a pena parcelar mais grave – 2 anos de prisão e por limite máximo a soma aritmética das penas parcelares – 4 anos e 6 meses de prisão.
Os crimes perpetrados pelo arguido/recorrente em concurso real e efetivo não preencheram o mesmo tipo legal, não resultaram do mesmo tipo de atuação, nem foram cometidos em imediata conexão motivacional e com sobreposição temporal, tendo decorrido em vários episódios ao longo de quase três meses (de 1 de setembro a 26 de novembro de 2017).
A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas (in Acórdão STJ, de 10 de setembro de 2009, proferido no processo n.º 6/05.8SOLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Afigura-se-nos que o efeito expansivo sobre a parcelar mais grave é superior ao efeito repulsivo do limite do simples cúmulo material, pelo que, face ao exposto, considerando o disposto no art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP e que o limite máximo da pena se cifra em quatro anos e seis meses de prisão e o mínimo em dois anos de prisão, este Tribunal ad quem considera ajustado ter sido a pena única fixada pela primeira instância em 3 (três) anos de prisão, que é de manter, assim também não dando provimento ao recurso nesta parte.

3.4. Finalmente, pugna o recorrente AA que pena deveria ter sido suspensa na sua execução com regime de prova.
Vejamos, então, se a pena de 3 (três) anos de prisão em que foi condenado deverá ser suspensa na sua execução, ainda que sob condição.
Dispõe o art. 50.° do Cód. Penal que "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. ".
Assim, o pressuposto material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este prognóstico terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes o momento da decisão.
Em conjugação com o que se deixa exposto, dever-se-á ainda dizer que o instituto da suspensão da execução da pena de prisão previsto no citado art. 50.º do Cód. Penal está dependente da verificação de um pressuposto formal, qual seja a aplicação de uma pena previamente determinada não superior a cinco anos, e de um pressuposto material, consistente numa avaliação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto que permita concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, de tal modo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
Como ensina Jorge de Figueiredo Dias “o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. (…) A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metomania» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»” (in "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, ed. 1993, págs. 343 e 344).
Com efeito, deve dizer-se que a suspensão da execução da pena de prisão não superior a 5 anos é imposta por aquele preceito, a menos que esteja contra indicada em face das exigências de prevenção especial e geral em defesa da ordem jurídica, mas já não da culpa.
Sendo que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Quanto à prevenção geral, surge aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
Como ensina Hans Heinrich Jescheck “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa.” (in Tratado, Parte Geral, versão espanhola, vol. II, pp. 1152 e 1153)
Enquadrando jurisprudencialmente o instituto da suspensão de execução da pena dir-se-á que sendo a suspensão da execução da pena uma medida pedagógica e reeducativa, sempre que se verificarem os pressupostos formais estipulados no art. 50.° do Cód. Penal deve ser decretada, se se mostrar adequada para afastar o delinquente da criminalidade, ainda que ele, anteriormente, já tenha sido condenado em penas de prisão (vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1999, proc. 578/99-5; SASTI, n.° 33, 95).
Ainda neste sentido, pode ver-se, mais recentemente, o acórdão do STJ n.º 8/2012, de 24 de outubro de 2012 (publicado Diário da República n.º 206, Série I, dessa mesma data e consultável online em http://bdjur.almedina.net/item.php?field=item_id&value=1743059), onde se expendeu: “Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza - assumida sem ausência de risco - de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos - assim, Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2003, processo n.º 865/03-5.ª, CJSTJ 2003, t. 2, p. 157, e de 25 de Outubro de 2007, processo n.º 3247/07-5.ª, CJSTJ 2007, t. 3, pp. 233-236.” (fim de transcrição).
Não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas. (ac. STJ de 10 de Novembro de 1999, proc. 82.3/99-3ª; SASTJ, 35, 74 que tem 3 declarações de voto e voto de desempate do Conselheiro Sá Nogueira).
Recordemos que no acórdão recorrido, quanto a esta questão e no que ora releva, expendeu-se, mui doutamente, o seguinte:
"Não se determina a suspensão da execução desta pena de prisão, atendendo às imperiosas necessidades de prevenção especial, que se prendem com a insensibilidade e com a indiferença que o arguido demonstra pelas regras sociais vigentes, não tendo inclusive as anteriores condenações penais servido para o afastar da prática de novos crimes, que também implicam o exercício da violência física ou psíquica sobre pessoas.
São inexpressivas (ou mesmo inexistentes) as expectativas do arguido AA vir a assumir em liberdade, de forma regular e constante, comportamentos normativos, na medida em que, pouco tempo após ter beneficiado da concessão da liberdade condicional (obrigatória) aos 5/6 da pena, logo voltou a incorrer na prática de novos crimes como os que estão a ser julgados no âmbito do presente processo, que implicam o exercício de actos de violência ou de ameaça grave sobre as pessoas que com ele conviveram.
O arguido AA tem antecedentes relacionados com criminalidade considerada grave e violenta (entre outros ilícitos, recorde-se que foi condenado pela prática de crimes de homicídio, de ameaça agravada, de ofensa à integridade física qualificada, ofensa à integridade física simples e de sequestro).
Teme-se que caso seja restituído à liberdade possa vir, de novo, a assumir a prática dos novos crimes relacionados com a protecção de bens jurídicos de natureza pessoal, tanto mais que, após lhe ter sido concedida a liberdade condicional, obrigatória aos 5/6 da pena de prisão, rapidamente retomou a prática dos crimes em apreciação nestes autos." (fim de transcrição).

Com efeito, resulta da factualidade provada que o arguido regista vários antecedentes criminais, tendo sido já condenado em penas de prisão efectivas, bem como condenado, entre outros, por quatro crimes de ofensa à integridade física (dois simples e dois qualificados), e ainda por sequestro, ameaça agravada e homicídio, crimes perpetrados em três diferentes processos. Ou seja abundam na conduta do arguido os crimes contra as pessoas, seja quanto à sua integridade física, seja quanto à sua liberdade.
Mais, o arguido praticou os factos referidos nos autos precisamente durante o período de liberdade condicional que lhe havia sido concedido em 19 de fevereiro de 2017 e que duraria até 19 de Abril de 2019.
O comportamento do arguido revela, assim, um censurável sentimento de impunidade, bem como uma personalidade desviante, irresponsável e inconsequente, que leva este tribunal a concluir que a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, já não satisfaz manifestamente as finalidades da punição. Aliás, o arguido não soube sequer aproveitar a oportunidade que lhe foi concedida com a concessão de liberdade condicional, praticando factos no decurso da mesma e demonstrando que todas as oportunidades que lhe foram sendo concedidas não surtiram o efeito pretendido.
Nesta conformidade, entende o tribunal que, face às especiais necessidades de prevenção especial, ponderando ainda as circunstâncias acima expostas, a simples ameaça da prisão e a censura do facto já não tutelarão de forma suficiente os bens jurídicos atingidos e não permitirão a reintegração do arguido na sociedade - art. 40.º, n.º 1 do Cód. Penal.
Isto para concluir que o tribunal entende que as exigências de prevenção especial e geral, demonstradas, além do mais, pelos seus imensos antecedentes criminais, não permitem outra forma de execução que não seja a do cumprimento efectivo da pena de prisão ora aplicada ao arguido em estabelecimento prisional.
Por fim, dever-se-á enfatizar que, em sede de audiência de julgamento, o arguido não demonstrou ter ainda interiorizado o desvalor da sua conduta censurável, revelador de uma personalidade irresponsável e desviante, o que, em conjugação com o que se deixou expresso, outrossim milita a favor da aplicação de uma pena de prisão efectiva.
Em suma: Concorda-se com a decisão do Tribunal a quo ao fundamentar a não suspensão da execução da pena aplicada ao arguido AA no facto de não ser possível realizar, no caso e circunstâncias concretas, um juízo de prognose positiva quanto ao futuro, não crendo bastante a ameaça do cumprimento da pena para afastar o arguido de posteriores tentações.
Termos em que, se decide não suspender a pena de prisão aplicada. Destarte, também neste particular, o recurso não logra procedência.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo (art. 513.º do CPP e artigos 5.º e 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de fevereiro).
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por cinquenta e seis páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP)

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019

Calheiros da Gama

Antero Luís

[1] O recorrente depois de alinhar as suas motivações em 12 pontos inicia as suas conclusões com o número seguinte, daí começarem em 13.º.
[2] Cf. Ac. do STJ de 22-05-1996, Proc. n.º 306/96, in www.dgsi.pt.
[3] Cf. o comentário do Senhor Conselheiro Pereira Madeira no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, págs. 1358-1359. E, no mesmo sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2.ª edição, 2000, págs. 340-341.
[4] Cf. Acs. do STJ de 06-10-1999 e de 13-10-1999, in Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2.ª Ed., pág. 1058.
[5] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 6.ª edição, págs. 67 e ss.
[6] Nos termos do art. 97.º, n.º 5, do CPP (n.º 4 na redação do anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto) “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”, sendo que neste quadro, desde que revelem o exercício de uma ponderação própria pelo juiz, nada obsta a remissões seja do tribunal a quo seja deste tribunal ad quem - vd. mutatis mutandis acórdãos do Tribunal Constitucional n.° 189/99, de 23 março de 1999, publicado no Diário da República, II série, de 17 de fevereiro, e n.º 684/2015, de 15 de dezembro de 2015, consultável no sítio daquela alta instância.