Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8601/12.8TBOER.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
DECISÃO SOBRE A MATERIA DE FACTO
NULIDADE DE SENTENÇA
DEFEITO DA OBRA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não obstante a profunda alteração que foi introduzida pela L. 41/2013 de 26.06 no que respeita à decisão sobre a matéria de facto e respectiva fundamentação, que deixaram de ter lugar em sede de audiência de julgamento para passarem a constar da sentença, a disciplina das nulidades da sentença não sofreu alterações na sua essência, devendo o art. 615º ser interpretado tal como já vinha acontecendo.
2. Eventual contradição entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e a mesma decisão não integra a nulidade da sentença prevista na 1ª parte da al. c) do art. 615º do CPC, podendo, eventualmente, consistir em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto provada.
3. Estando em causa a invocação da existência de defeitos na “obra” realizada pela A., é aos RR. que incumbe o ónus da prova de tais defeitos (art. 342º, nº 2 do CC), bastando à A. fazer contraprova dos mesmos, destinada a torná-los duvidosos, para que a questão seja decidida contra os RR. (art. 346º do CC).
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: T, Lda. intentou contra V, Lda. e Vítor, acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 6.388,79, acrescida de juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A A. dedica-se à comercialização, instalação e manutenção de sistemas de ar condicionado e, no âmbito dessa actividade, forneceu e montou à R., por contacto do R., o equipamento descrito na proposta de preços junta aos autos, instalação que ficou concluída em 11.11.2011, tendo, posteriormente, sido emitida factura com data de vencimento em 30.12.2011, no montante de € 4.200,00, dos quais apenas foram pagos € 1.260,00.
Em 26.01.2012, foi necessário proceder à substituição de material, tendo sido emitida factura em 29.01.2012, no montante de € 319,80, que nunca foram pagos.
A A. alertou os RR. de que era necessário proceder à manutenção periódica do equipamento, o que os RR. não fizeram, conforme a A. constatou, tendo esta apresentado proposta de manutenção e limpeza do sistema, que os RR. aceitaram e, em 10.2.2012 realizaram a intervenção referente ao trabalho de limpeza e emitiram factura no valor de € 2.004,90, que nunca foram pagos.
Não obstante a A. ter, mais uma vez, alertado os RR. para a necessidade imperiosa de manutenção periódica, estes não a fizeram, vindo a A., em Maio de 2012 a fazer novos trabalhos de limpeza, que não cobrou aos RR.
Por diversas vezes a A. interpelou os RR. para proceder ao pagamento do montante em dívida, sem resultado.
Regularmente citados, os RR. contestaram, por excepção, invocando o cumprimento defeituoso do contrato e, em todo o caso, o pagamento das quantias totais de € 3.260,00 para liquidação da factura relativa à instalação inicial do equipamento, bem como por impugnação,  e termina propugnando pela improcedência da acção, e absolvição dos RR. do pedido.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, vindo, oportunamente, a ser proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, e condenou os RR. a pagarem à A. a quantia total de quatro mil quinhentos e noventa e quatro euros e vinte e quatro cêntimos – acrescida de juros de mora vincendos à taxa supletiva comercial até integral pagamento.
Inconformados com a decisão, dela apelaram os RR., formulando as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1 - A douta sentença sub Júdice é nula, por manifesto erro de julgamento e errada apreciação da prova, bem como por manifesta contradição entre a fundamentação e a matéria dada como não provada. (artºs 607º, nºs 3, 4 e 5 e 615º, nº 1, b) e c), ambos do NCPC)
2 – Ao dar como não provada a matéria dos nºs 32 a 37, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento.
3 – O Tribunal a quo, fazendo uma análise crítica, conjugada e criteriosa da prova documental, pericial e testemunhal, deveria ter dado como provada a matéria dos referidos números 32 a 37 dos Factos Não Provados.
4 – Pelo que, a douta sentença sub Júdice é nula por violar os nºs 3, 4 e 5 do artº 607º do NCPC.
5 – As partes celebraram apenas um contrato de empreitada, nos termos referidos nos nºs 9 e 10 do Factos Provados.
6 – A Recorrido garantiu que o novo sistema por si projectado e implementado solucionava definitivamente o problema da exaustão de fumos e cheiros (nº 10 dos Factos Provados).
7 – Conforme resulta da fundamentação e de todos os depoimentos prestados pelas testemunhas dos Recorrentes, V, F, D e P, só após o incêndio de Junho de 2013 é que tal problema foi solucionado e por uma terceira entidade.
8 – A Recorrida deu a obra de empreitada por concluída em Novembro de 2011.
9 – Os Recorrentes apresentaram reclamações contra os defeitos da obra por o sistema não extrair adequadamente os fumos e cheiros do restaurante após esta data.
10 – Vejam-se, a tal propósito, os depoimentos da testemunha V, tido pelo Tribunal na fundamentação, a quo, como irrepreensível, e que afirmou que os fumos só terminaram após Junho de 2013,
11 – e que o representante da Recorrida se deslocou à sua residência entre Dezembro de 2011 e Maio de 2012, constatando tal realidade.
12 – As obras que a Recorrida levou a cabo em resultado das reclamações apresentadas visavam a eliminação do defeito e supressão dos fumos do restaurante.
13 – Tarefa a que se propôs e que, mau grado o “experimentalismo” das obras levadas a cabo, não surtiu atingir.
14 – Incumpriu, assim, a Recorrida o Contrato de Empreitada que celebrou com os Recorrentes.
15 – Uma vez que se tratou de obras de eliminação de defeitos, estava vedado à Recorrida
reclamar da Recorrente o respectivo pagamento.
16 – Ao condenar os Recorrentes, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação e aplicação as disposições combinadas dos artºs 1208º, 1214º, nº 3, 1218º, 1221º, nº 1, 1222º, nºs 1 e 2 e 1223º, todos do C.C. e artºs 607º, nºs 3, 4 e 5 e 615º, nº 1, b) e c), ambos do NCPC.
17 – A douta sentença sub Júdice deve, por isso, ser revogada e substituída por outra que,
analisada criteriosamente a prova documental, pericial e testemunhal produzida, absolva os Recorrentes do pedido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) da nulidade da sentença;
b) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
c) do incumprimento do contrato.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - A A. dedica-se à comercialização, instalação e manutenção e sistemas e ar condicionado e ventilação.
2 - O estabelecimento da 1ª R. (‘…’) começou a funcionar em Abril de 2011 – com o sistema de exaustão de fumos composto por condutas tubo spiro e ventilador ligado ao forno (a lenha) e grelhador rústico e à fuga existente no edifício, que se revelou desadequado.
3 - Devido à ineficácia do sistema de exaustão, a cozinha e a sala de refeições ficavam permanentemente inundadas de fumos e cheiros – que incomodavam os empregados da 1ª R. e os clientes.
4 - O instalador nunca conseguiu resolver o problema do sistema e exaustão.
5 - Em Agosto de 2011 o 2º R. contactou a A. para resolução de um problema no sistema de exaustão instalado na sede da 1ª R., que se encontrava inoperacional.
6 - Os técnicos da A. deslocaram-se ao local, tendo realizado diagnóstico ao sistema instalado (um sistema de exaustão mecânica constituído por condutas de ar do tipo spiro, ligado um ventilador C, com motor de 3/4 cv – fabricado pela ‘R’ em …), e constatado que se tratava de uma cozinha com fornos de lenha – que geravam fumos com altas temperaturas, e que, pelo tipo de exaustão, necessitaria de um tipo de exaustão diferente e directa a uma chaminé.
7 - A equipa técnica da A. verificou que o sistema instalado não era “compatível” com a temperatura dos efluentes ou com o volume do caudal que movimentava – constatando que, após algumas horas de funcionamento, o motor eléctrico avariava e a exaustão ficava inoperacional.
8 - Foi ainda constatado que as instalações do restaurante tinham limitações em relação às condições de exaustão necessárias – motivadas pela disposição dos fornos no centro, sem fuga de fumos dedicada -, e a A. concluiu que era necessário alterar todo o estabelecimento, o que não se apresentava viável para os RR.
9 - A A. apresentou uma solução que permitisse o funcionamento naquelas condições - e que passava por redimensionar a instalação existente, substituir o ventilador existente (que se encontrava avariado) por um “400º/2H”, de forma a permitir que o sistema de evacuação de fumos pudesse funcionar em condições.
10 - Em … a A. apresentou a “análise do sistema de exaustão e fumos do restaurante ‘…’ em Lisboa Medidas de melhoria” junta a fls. 82 a 84 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – que originou a proposta junta a fls. 19.
11 - A A. garantiu à 1ª R. que, com o novo sistema e os novos equipamentos, ficaria solucionado definitivamente o problema da exaustão de fumos e cheiros, e que tal sistema carecia de manutenção periódica.
12 - No dia … a A. apresentou ao 2º R. a “Proposta Comercial nº …” junta a fls. 19 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – que os RR. aceitaram em … (fls. 20), mantendo-se o restaurante a trabalhar com o sistema instalado.
13 - Em … os RR. pagaram à A. a quantia de 1.260€.
14 - A instalação foi concluída e colocada em funcionamento em … – tendo sido explicado o modo de funcionamento dos equipamentos, e a necessidade de manutenção periódica (que poderia ser contratada à A. ou a outra empresa do ramo).
15 - Em …-11 a A. emitiu, em nome da 1ª R., a factura junta a fls. 21 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – no valor total de 3.616,20€, tendo a 1ª R. pago 2.000€ (fls. 95) em 21-V-12.
16 - Em …-11 foi publicada na revista ‘TO’ a reportagem junta a fls. 92 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
17 - A A. produziu relatórios de assistência em 10 e 11-I-12 (fls. 90-91).
18 - No dia 26-I-12 verificou-se ser conveniente substituir um ‘jet’ que se encontrava instalado no topo da prumada (uma vez que a perda de carga introduzida pelo aumento do caudal de extracção assim o aconselhava) – tendo a A. apresentado a “Proposta de Aditamento Nº 835” junta a fls. 28 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), que os RR. aceitaram.
19 - Em …-I-12 a A. emitiu, em nome da 1ª R., a factura junta a fls. 29 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – no valor total de 319,80€, que a 1ª R. não pagou.
20 - Para substituir o ‘jet’, tornava-se necessário a montagem de andaimes, que seriam disponibilizados pelos RR. – o que os RR. fizeram.
21 - Em Fevereiro de 2012 os técnicos da A. verificaram que o equipamento realizava ‘insuficiente extracção’ – devido a insuficiente manutenção.
22 - Os técnicos da A. deslocaram-se ao local e verificaram que a fuligem proveniente dos fornos a lenha tinha ‘colmatado’ a turbina do ventilador de extracção, bem como troços da rede de condutas.
23 - Em 1-II-12 a A. apresentou a “Proposta de Aditamento Nº …” junta a fls. 41 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), que os RR. não aceitaram.
24 - Em 1-II-12 a A. apresentou a “Revisão de Proposta Nº …” junta a fls. 42 (cujo teor se dá aqui por reproduzido), que os RR. aceitaram em 2-II-12 (fls. 43).
25 - Em 10-II-12 a A. efectuou os trabalhos de limpeza supra – tendo sido explicada a necessidade de manutenção periódica (que poderia ser contratada à A. ou a outra empresa do ramo), e tendo a A. entregue à 1ª R. a “proposta” junta a fls. 51 a 53.
26 - Em 26-IV-12 a A. emitiu, em nome da 1ª R., a factura junta a fls. 50 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – no valor total de 2.004,90€, que a 1ª R. não pagou.
27 - Em 2-V-12 os RR. voltaram a contactar a A., cujos técnicos verificaram o ‘insuficiente funcionamento do sistema’, devido à falta de manutenção e limpeza – tendo sido realizada a limpeza da turbina, que se encontrava ‘totalmente colmatada’, através de uma ‘porta de visita’ que se abriu na descarga do ventilador.
28 - As partículas que conseguem passar os filtros de ar são de pequeníssima dimensão e com elevada temperatura, e depositam-se (por acção da elevada temperatura) nas pás da turbina, reduzindo progressivamente a eficácia do ventilador.
29 - Os RR. foram diversas vezes interpelados para o pagamento.
30 - A 1ª R. reclamou à A. em 8 e 11-II-12 (fls. 85-86), 23-IV-12 (fls. 87), 31-V-12 (fls. 88) e 4-VI-12 (fls. 89) - e.
31 - Em 21-V-12 a A. pediu uma vistoria ao restaurante – cujo resultado é o “Registo de Manutenção” junto a fls. 93-94 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Começam os apelantes por invocar a nulidade da sentença, “prevista nos arts. 607º, nºs 3, 4 e 5 e 615º, als. b) e c), ambos do NCPC, por manifesto erro de julgamento e errada apreciação da prova, bem como a, também, manifesta contradição entre a fundamentação e a matéria  dada como não provada”.
Desta asserção e da análise das alegações, facilmente se constata que o que está em causa é, apenas, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e não qualquer nulidade da sentença que, aliás, não se verifica.
Dispõe o art. 615º, als. b) e c) do CPC que a sentença é nula se não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e, no que ora importa, se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão.
Não obstante a profunda alteração que foi introduzida pela L. 41/2013 de 26.06 no que respeita à decisão sobre a matéria de facto e respectiva fundamentação, que deixaram de ter lugar em sede de audiência de julgamento (art. 653º do CPC61) para passarem a constar da sentença (art. 607º), afigura-se-nos que a disciplina das nulidades da sentença não sofreu alterações na sua essência, devendo o art. 615º ser interpretado tal como já vinha acontecendo.
As causas de nulidade da sentença constantes do art. 615º do CPC são taxativas, e dessa taxatividade resulta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento [1], a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [2].
Assim, a sentença é nula por omissão de fundamentação de facto quando não especifique, de todo [3], os factos que considera provados.
Se deixar de especificar alguns que a parte entenda que deveriam ter sido especificados, existe eventual erro de julgamento a apreciar em sede de impugnação da matéria de facto, mas não existe a referida nulidade, sendo situações distintas que não se confundem.
Por outro lado, existe contradição entre os fundamentos e a decisão, se a ponderação dos elementos de facto tidos por assentes na sentença à luz das normas que se entendeu aplicáveis conduzirem a um resultado, e a decisão (ou parte dispositiva da sentença) espelhar outro.
A decisão tem sempre de ser fundamentada (art. 607º, nº 3 do CPC).
Em anotação ao art. 158º do CPC39 (de redacção semelhante), escrevia o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 284, que “a parte vencida carece de ser convencida, isto é, de conhecer as razões do seu insucesso, para que possa atacá-las por via de recurso, se quiser e puder recorrer. Mas não é esta a única justificação do preceito legal, pois que a exigência da motivação é aplicável mesmo às decisões de que não cabe recurso. Desde que o nosso sistema é o de legalidade, o juiz tem de demonstrar que decidiu em conformidade com a lei; tem, portanto, de interpretar a norma legal adequada e aplicá-la aos factos da causa. Este trabalho de interpretação e aplicação é da mais alta importância; é por via dele que se forma a jurisprudência e que esta se vai uniformizando e adaptando às novas condições e necessidades do meio social”.
E no Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 173, escrevia o mesmo Prof. que “A decisão é um resultado, é a conclusão dum raciocínio; não se compreende que se enuncie unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge”.
Ora, a sentença estará ferida da nulidade supra referida se as premissas do raciocínio apontarem num sentido e a decisão for noutro.
Como referiam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, na ob.cit., pág. 690, “nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.
            Ou como escrevia Alberto dos Reis in “ CPCP Anotado”, Vol. V, pág. 141, “no caso considerado no n.º 3 do art. 668º a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
No caso sub judice os recorrentes não alegam que existe contradição entre os fundamentos (de facto e de direito) da sentença e a decisão. O que alegam é que existe contradição entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e a mesma decisão.
Ora, esta contradição não se integra dentro da espécie de nulidade da sentença invocada (ou de qualquer outra), podendo, eventualmente, consistir em erro de julgamento, na apreciação da matéria de facto provada.
Isto dito, entremos na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sendo certo que, estando os depoimentos prestados em audiência de julgamento gravados e tendo os apelantes cumprido o disposto no art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC, nada obsta a tal apreciação.
Pretendem os apelantes que sejam dados como “provados” os factos 32 a 37 dados como “não provados” pelo tribunal recorrido, ou seja:
32 - O novo sistema nunca funcionou ‘adequadamente’, de Outubro de 2011 a Dezembro de 2012.
33 – pelo que a 1ª R. se viu na necessidade de proceder à integral substituição do sistema de extracção de fumos, tendo contactado com a A. para o efeito
34 - Os RR. não aceitaram/validaram a proposta nº ….
35 - Durante o último trimestre de 2011 e todo o ano de 2012 o restaurante funcionou de modo muito irregular e ‘muito abaixo dos seus parâmetros normais’ – uma vez que ninguém gosta de ir a um restaurante inundado de fumos e cheiros provenientes dos cozinhados em fornos de lenha.
36 - No período supra a 1ª R. perdeu 40.000€ em lucros que poderia ter auferido caso o sistema de exaustão funcionasse adequada e normalmente.
37 - A 1ª R. contratou outra empresa – que solucionou o problema a partir de Janeiro de 2013.
Os apelantes sustentam a alteração pretendida na própria fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que, alegam, é contraditória nesta parte, e no depoimento das testemunhas V, D, F e P. 
Importa começar por fazer duas observações.
Em primeiro lugar, estando em causa a invocação da existência de defeitos na “obra” realizada pela A., era aos RR. que incumbia o ónus da prova de tais defeitos (art. 342º, nº 2 do CC), bastando à A. fazer contraprova dos mesmos, destinada a torná-los duvidosos, para que a questão seja decidida contra os RR. (art. 346º do CC).
Por outro lado, a prova é um todo e deve ser analisada e ponderada de forma conjugada e articulada, tendo em conta as regras da experiência.
Ora, da análise das alegações resulta, desde logo, que os apelantes sustentam a sua pretensão, apenas, no depoimento das testemunhas por si arroladas, ignorando o depoimento das testemunhas arroladas pela A., não lhes fazendo qualquer referência seja para pôr em causa o referido depoimento, seja para pôr em causa a sua razão de ciência ou imparcialidade, o que, logo à partida, “inquina” e debilita a apreciação da prova que pelos apelantes é feita, quando é certo que o tribunal recorrido teve em atenção os referidos depoimentos como resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
De qualquer forma, analisados os documentos juntos aos autos, ouvidos todos os depoimentos e lida a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, conclui-se que nenhuma razão assiste aos apelantes.
Desde logo, no que à matéria de facto constante dos nºs 35 e 36 respeita, nenhuma prova foi feita, como referiu o tribunal recorrido e os apelantes não põem em causa directamente.
Mesmo as testemunhas arroladas pelos RR. nada referiram, de concreto, quanto à perda de clientela e à diminuição do volume de negócios.
O mesmo haverá que dizer relativamente ao facto constante do nº 34, a que ninguém fez referência, nem mesmo o R., gerente da R.
Resta, pois, apreciar a factualidade constante dos nºs 32, 33 e 37, que está relacionada entre si.
E, nesta matéria, haverá que dizer que a prova feita não é concludente, como entendeu o tribunal recorrido, pelo que a decisão sobre a mesma tinha, necessariamente, de ser feita contra os RR. a quem incumbia o respectivo ónus da prova.
O depoimento das testemunhas V, D, F e P são, em parte, contraditórios entre si, e, especialmente, com o que pelos RR. foi alegado.
Na contestação apresentada em 14.01.2013 [4], alegaram os RR., para além do mais, no art. 53º, que “para resolver o problema da extracção eficaz dos fumos [5] bastou a instalação de um novo ventilador escassos centímetros por cima do ventilador instalado pela A., e que liga directamente para a tubagem existente e que sempre existiu nas instalações da Ré” (sublinhado nosso).
Ora, as testemunhas V e F referiram que só deixou de haver fumos no restaurante [6], depois de ter ocorrido um incêndio no mesmo, em Junho de 2013, tendo a testemunha V afirmado que a situação se verificou, no mínimo, durante 2 anos [7].
E a testemunha P, que alterou, em Agosto, Setembro de 2013, o sistema de extracção de fumos, explicou que nada utilizou do que lá estava, que, aliás, se encontrava “derretido e ardido” [8], tendo instalado uma cúpula com recolha central, novo motor, e tubagem nova, com outro traçado.
Contraditório com o depoimento destas testemunhas, mas também não coincidente com o alegado pelos RR., mostra-se o depoimento da testemunha D que referiu que, em data que não soube concretizar, mas que terá ocorrido entre Agosto de 2012 e Fevereiro de 2013 [9], para resolver o problema dos fumos no restaurante, montou uma campânula (“aqui fora”) com uma ventoinha que tirava o fumo para dentro da chaminé, e perguntado se isso tinha ajudado, respondeu “ajudou não, resolveu o problema!”.
Não obstante estas contradições poder-se-ia concluir, como alegam os apelantes que, pelo menos, resultou demonstrado que o sistema instalado pela A. nunca tinha funcionado em condições, como sustentaram os RR.
Contudo, o depoimento destas testemunhas não se mostra suficiente para assim concluir, porquanto se a testemunha V declarou que os fumos eram constantes, muito recorrentes, a testemunha F afirmou que o problema se verificava quando o restaurante tinha mais clientes.
Por outro lado, o depoimento destas testemunhas resulta duvidoso face ao depoimento das testemunhas arroladas pela A., R e J, que declararam que os fumos só se verificavam quando o ventilador já não tinha caudal, o que acontecia em virtude da falta de manutenção e limpeza do mesmo, não obstante a informação que a A. prestou à R. de que a manutenção periódica era fundamental, sendo a periodicidade da manutenção apreciada caso a caso, mas que no caso deveria ser, pelo menos, de 3 em 3 meses [10].
Também a testemunha P, que fez a limpeza do extractor, concluiu que o estado em que o mesmo se encontrava antes de tal limpeza (num estado muito avançado de colmatação), se devia, manifestamente, a falta de manutenção, e as fotografias juntas aos autos, nomeadamente a fls. 30, 31, 39 e 40, evidenciam essa colmatação.
E se o R. declarou que a manutenção sempre foi feita, pelo “Sr. P” (D P), já esta testemunha ao ser-lhe perguntado se era ele que fazia a limpeza, respondeu categoricamente que não.
Resta acrescentar que, à luz das regras da experiência, se nos afigura muito duvidoso, tal como se afigurou ao tribunal recorrido, que perante um sistema de extracção de fumos inoperacional, nos termos pelos RR. alegados, estes nada tivessem feito (nomeadamente em termos judiciais) desde a última intervenção da A., em Maio de 2012, até ao alegado “incêndio”, em Junho de 2013 [11].
Aliás, salvo o devido respeito por opinião contrária, não existe qualquer contradição entre a decisão de dar como “não provados” os referidos factos e a respectiva fundamentação que espelha, exactamente, as dúvidas que a prova produzida, à luz das regras da experiência, criaram no espírito do julgador de 1ª instância.
Face às contradições supra referidas e à contra-prova feita pelas testemunhas da A., as dúvidas evidenciadas impõem que se dêem como não provados os factos referidos, tal como o fez o tribunal recorrido, improcedendo, pois, nesta parte, a apelação.
Tal como improcede no que à apreciação de mérito respeita, uma vez que a mesma assenta nas alterações à factualidade de facto peticionadas e que não foram atendidas, bem como a factualidade tida por provada que os apelantes não impugnaram, mas da qual fazem tábua rasa.
Assim, resulta da matéria de facto provada, nomeadamente dos pontos 5 a 11, que o sistema de exaustão instalado pela A. foi “condicionado” pelo sistema já existente, por vontade dos RR., e que o seu funcionamento eficaz dependia de manutenção periódica do mesmo, que não estava incluída na obra acordada.
Por outro lado, não resultou provado que as intervenções posteriores a 11 de Novembro de 2011 [12] da A. fossem “na vã tentativa de eliminar os defeitos”, que não se provaram nos termos alegados, antes visando melhorar o sistema de exaustão (com o que os RR. concordaram - ponto 18), e proceder à limpeza/manutenção do equipamento, serviço que, como já referido, não estava incluído no preço da obra, com o que os RR. também concordaram (pontos 21, 22 e 24).
Não estão, pois, em causa, trabalhos para eliminação de defeitos da obra, mas outros trabalhos acordados entre as partes, sujeitos ao pagamento dos preços acordados.
Improcede, pois, na totalidade da apelação, devendo confirmar-se a sentença recorrida.
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
 Custas pelos apelantes.
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Lisboa, 2014.12.09

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(Cristina Coelho)
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(Roque Nogueira)
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(Pimentel Marcos)
[1] De facto ou de direito, dizemos nós.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 686.
[3] Só a falta absoluta de fundamentação e não a motivação deficiente, errada ou incompleta, produz a nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, al. b), como entendiam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ob. cit., pág. 687, assim se entendendo quer no que respeita à fundamentação de facto, quer no que respeita à fundamentação de direito.
[4] Ver fls. 80 dos autos.
[5] Que sustentavam que a A. não tinha conseguido resolver.
[6] E forte trepidação do chão da casa da testemunha V que vive por cima do restaurante, segundo depoimento desta testemunha.
[7] Sendo que o R., ouvido em declarações, referiu que o incêndio ocorreu em 22.06.2013, após o que foi colocado outro equipamento em Setembro/Outubro.
[8] E retirado do sítio, amontoado no 1º piso, tendo declarado que “estava uma churrasqueira maciça e, dali para cima, não havia nada, tinha ardido”.
[9] Ouvido em 8.02.2014 (fls. 213, 214) referiu que o “arranjo” ocorreu “há um ano, ano e meio”.
[10] E como se veio a verificar atenta a factualidade dada como provada sob os pontos 21 a 25 e 27 da fundamentação de facto e que os apelantes não impugnam.
[11] Não se podendo, também, ignorar de todo o facto de “Na contestação à acção …/11 (instaurada pela “M – Equipamentos … Lda.” – conforme declarado por F, gerente desta), a aqui 1ª R. declarou (fls. 137 – em data incerta) que “(…) o certo é que, após a execução desta obra por parte da T Lda. foram eliminados os defeitos que a obra patenteava, passando a ser eficaz a extracção de fumos e de cheiros, face à maior potência do ventilador e às condutas adequadas, e consequente maior capacidade de extracção. Passou, assim, a partir de Dezembro de 2011, a funcionar normalmente o estabelecimento de restauração da Req.da, com agrado dos seus clientes e empregados (…).”, como consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e por referência a documento junto aos autos.
[12] Data de entrega da obra – ponto 14 da fundamentação de facto.