Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
310/17.8GCMTJ.L1-3
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: INIBIÇÃO DE CONDUZIR
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
SUSPENSÃO
SUBSTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I - A inibição de conduzir prevista no artigo 136º do Código da Estrada, não se confunde com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69º nº1 alínea a) do Código Penal: enquanto aquela tem natureza administrativa e deriva apenas da prática de uma contraordenação grave ou muito grave, esta constitui uma verdadeira pena acessória e deriva da prática de um crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário.
II - Ao crime de condução em estado de embriaguez aplica-se a pena acessória do citado artigo 69º do Código Penal.
III - A pena acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69º do Código Penal não pode ser atenuada especialmente, nem substituída por caução de boa conduta, nem suspensa na sua execução ou substituída por uma pena alternativa, uma vez que não existe nenhuma norma no Código Penal que preveja tais faculdades.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

1. RELATÓRIO
1.1. No Juízo Local Criminal do Montijo, foi julgado em processo abreviado - 310/17.8GCMTJ - o arguido CM..., filho de A… e de M…, nascido em 16-12-1972, casado, motorista, residente Rua das S… Nº 8…, 1º. Esqº, 28..-… S…, e por sentença de 23NOV17 foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º, nº1, com referência ao art. 69º, nº1, al. a) ambos do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de 6€ (seis euros), descontando-se 1 (um) dia de detenção em sede de cumprimento de pena ao abrigo do artigo 80º, nº2 do Código Penal, e, nos termos do art. 69º, nº1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, por um período de 4 (quatro) meses.
1.2. Inconformado com a sentença dela interpôs recurso o arguido que motivou concluindo nos seguintes termos (transcrição integral):
«I. O ora recorrente foi condenado na pena de 80 dias de multa, à razão diária de €6,00, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículos em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses, nos termos do art. 69º n.º1, al. a) do Código Penal.
II. Não se conforma o ora recorrente com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses.
III. Para a determinação da medida da pena o douto tribunal deveria ter valorado – e não o fez – os seguintes factos:
IV. A ausência de antecedentes criminais do arguido; assim como a confissão dos factos e o arrependimento quanto à sua conduta.
V. O recorrente é motorista de veículos pesados e necessita de estar habilitado para o exercício da sua profissão.
VI. A impossibilidade de poder conduzir, levará inevitavelmente à cessação do contrato de trabalho do recorrente e consequente colocação em situação de desemprego, que é manifestamente desproporcional, à conduta do recorrente.
VII. Foi aplicada uma pena de multa no valor de €480,00, que não contesta.
VIII. A proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º, nº 1 do C.P., assume a natureza de uma verdadeira pena e está associada à prática de uma crime- art. 65º n.º 1 e 69º n.º 1, ambos do C.P, e nessa qualidade pode ser suspensa na sua execução ou ser substituída por pena alternativa ou especialmente atenuada, art. 73º n.º 2 e aplicado o regime dos art. 41º a 60º todos do Código Penal.
IX. E não poderia ser de outra forma, nos termos do art. 40º n.º 1 do Código Penal.
X. E na escolha da medida que deve realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nos termos do art. 70º do Código Penal.
XI. Estão pois reunidos os requisitos para a suspender a execução da pena de proibição de conduzir veículos com motor, que foi aplicada ao recorrente ou a aplicação de uma pena alternativa, como a aplicação de caução de boa conduta ou trabalho a favor da comunidade, o que se requer.
XII. Assim não se entendendo, mostram-se reunidos os pressupostos estabelecidos no art. 74° para a dispensa da pena- art. 74°, n.° 1 do Código Penal, o que também se requer.
XIII. Se assim não for entendido e ainda pelos mesmos motivos, há aqui lugar a uma atenuação especial, art. 71° e 72° do Código Penal, para se proceder a uma atenuação especial da pena de proibição de conduzir veículos com motor, devendo, neste caso, a pena de proibição de conduzir veículos com motor ser fixada em um mês e cumprida no período de férias do recorrente, que também se requer.
XIV. Direito Violado o Art.40° e artigos 70°, 71°, 72° e 73° todos do Código Penal».
1.3. Na 1ª instância houve Resposta do Ministério Público o qual concluiu pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:
1. «A decisão recorrida é material e formalmente correcta devendo merecer inteira confirmação pois não enferma de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição;
2. O enquadramento jurídico-penal, tendo em conta os factos dados como provados, mostra-se correcto e as penas aplicadas revelam-se bem doseadas, atendendo ao ilícito criminal em causa, aos bens jurídicos tutelados, à personalidade do arguido e às necessidades de prevenção que o caso reclama;
3. No que tange à alegada violação dos artigos 40º, e 70º, 71º, 72º e 73º, todos do Código Penal, verifica-se que a pena aplicada é consentânea com todos os critérios legais aplicáveis, não sendo excessiva a aplicação ao arguido da pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de quatro meses, a qual entendemos que se mostra correctamente ponderada e aplicada, não merecendo assim a douta decisão ora recorrida, nenhum reparo;
4. A pena acessória de proibição de condução, prevista no art.º 69º, do Código Penal, por resultar da prática de um crime e estar associada a uma pena criminal, não pode ser suspensa na sua execução, substituída por trabalho a favor da comunidade, nem a sua aplicação pode ser dispensada, ou diferida ou fraccionada no tempo, uma vez que a mesma se trata de uma pena criminal, sendo esta também a natureza da infracção que lhe deu origem, razão pela qual, não poderá ser confundida com a sanção acessória de inibição de conduzir associada às contra-ordenações estradais, a qual possui natureza administrativa;
5. Assim sendo, o peticionado pelo recorrente, como já é entendimento pacífico na jurisprudência, não tem qualquer fundamento legal, na medida em que não existe no nosso ordenamento jurídico a possibilidade, quer da suspensão da execução da pena acessória de proibição de condução veículos motorizados, quer da sua substituição por qualquer outra pena, ao invés do que ocorre no Código da Estrada para a sanção acessória de inibição de conduzir;
6. Face ao exposto, e tendo em consideração todos os elementos constantes nos autos, resulta evidente que a decisão proferida e ora posta em crise pelo arguido não se mostra violadora de qualquer normativo legal, princípio processual ou constitucional, limitando-se única e exclusivamente a aplicar os normativos legais em conformidade com os factos e elementos probatórios trazidos aos autos.
Nestes termos deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos.
Porém, Vossas Excelências decidirão, com mais elevada prudência, como sempre, conforme for de lei e de JUSTIÇA».
1.4. Nesta Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, subscrevendo os fundamentos aduzidos na Resposta à motivação do Ministério Público em 1ª Instância.
1.5. Foi cumprido o art. 417º, nº2, do CPP.
1.6. Foram colhidos os Vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
No dia 12 de julho de 2017, pelas 01h29, o arguido tripulava o veículo automóvel de matrícula 14-..., na Rua da C..., S..., Alcochete, após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade não determinada.
O arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue do arguido tendo este acusado a taxa de 1,938 g/l de álcool etílico no sangue.
O arguido quis e previu, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, conduzir o veículo automóvel pela via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas.
O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punível por lei.
O arguido não tem antecedentes criminais registados, exerce a profissão de motorista de transportes internacionais para Espanha, aufere ordenado base de 600,00 euros, ao que acresce montantes não concretamente apurados.
O arguido vive sozinho, tem duas filhas, de 10 e vinte anos, a quem dá pensão de alimentos de 150,00 euros a cada uma.
O arguido despende consumos de água, luz e gás, no montante mensal de cerca de 150,00 euros, encontra-se de momento a não pagar a renda de casa.
O arguido tem o 9º ano de escolaridade do ensino básico.
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3. O DIREITO
3.1. No caso subjudice o recurso é restrito à matéria de direito.
O objeto do presente recurso prende-se com as seguintes questões suscitadas pelo recorrente, nas conclusões da respetiva motivação que delimitam o seu objeto:
- A pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis é excessiva;
- A pena acessória de proibição de conduzir deve ser ser suspensa na sua execução ou ser substituída por pena alternativa ou especialmente atenuada, art. 73° n.° 2 e aplicado o regime dos art. 41° a 60° todos do Código Penal.
3.1.1. Vejamos a primeira questão suscitada - a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis é excessiva;
A condução de veículos sob a influência do álcool, em que a taxa deste no sangue seja igual ou superior a 1,2g/litro, integra o crime p. e p., pelo art. 292º, do Código Penal, a que corresponde pena de prisão até um ano, ou pena de multa até 120 dias, e a que acresce a pena acessória do art. 69º, nº 1, al. a), do Código Penal de proibição de conduzir veículos motorizados de três meses a três anos.
O primeiro pressuposto para a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, é que o agente seja punido por crime cometido no exercício da condução de veículo motorizado. A condução de veículo pela via pública ou equiparada, com taxa de álcool no sangue, igual ou superior a 1, 2 g/litro, é elemento típico previsto no art. 292º, do CP.
O segundo pressuposto do citado normativo é que o facto constitua grave violação das regras de trânsito rodoviário, com dolo ou negligência, pela via pública, por condutor com uma TAS igual ou superior a 0,5 g/l.
A inibição que se decreta nos termos do citado art. 69º, nº 1, do Código Penal não emerge automaticamente da lei, limitando-se o juiz, sem mais a declará-la, para efeitos de cumprimento e execução. Ao invés, a imposição desta pena acessória pressupõe, no plano da sua própria definição, a intervenção mediadora do juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso, e perante a avaliação da culpa do agente (art. 71º, do CP), vem a fixar os limites da sua duração. Neste sentido, a determinação da medida concreta da pena acessória de inibição de conduzir, prevista no art. 69º, nº 1, do CP, rege-se pelos critérios norteadores a que alude o art. 71º, do CP, ou seja, pelos mesmos critérios que determinam a aplicação da pena principal, permitindo ao juiz fixá-la em concreto, segundo as circunstâncias do caso, conexionadas com o grau de culpa do agente e as necessidades de prevenção. Tem o seu destino ligado ao da pena principal, obedecendo a determinação da sua medida concreta aos fatores determinantes da graduação daquela pena em concreto, com recurso aos critérios gerais previstos no art. 71º, do CP, isto é, realiza-se dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial (art. 71º, do CP).
O arguido foi condenado como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de €6, e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses.
O recorrente não põe em causa a condenação na pena principal (pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de 6€).
Insurge-se, porém, contra a pena acessória de inibição de conduzir que considera excessiva.
Retomando o ambiente fáctico relevante para este tópico da decisão, no caso subjudice, no dia 12 de julho de 2017, pelas 01h29, o arguido tripulava o veículo automóvel de matrícula 14-..., na Rua da C..., S..., Alcochete, após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade não determinada. O arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue do arguido tendo este acusado a taxa de 1,938 g/l de álcool etílico no sangue. O arguido quis e previu, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, conduzir o veículo automóvel pela via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punível por lei.
O arguido não tem antecedentes criminais registados, exerce a profissão de motorista de transportes internacionais para Espanha, aufere ordenado base de 600,00 euros, ao que acresce montantes não concretamente apurados. O arguido vive sozinho, tem duas filhas, de 10 e vinte anos, a quem dá pensão de alimentos de 150,00 euros a cada uma. O arguido despende consumos de água, luz e gaz, no montante mensal de cerca de 150,00 euros, encontra-se de momento a não pagar a renda de casa. O arguido tem o 9º ano de escolaridade do ensino básico.
Assim sendo, in casu, ponderado todo o circunstancialismo fáctico descrito, designadamente o grau de ilicitude - o arguido conduzia um veículo automóvel com uma TAS de 1,938 g/l de álcool – a sua situação económico-social e a sua conduta anterior - não tem antecedentes criminais registados, exerce a profissão de motorista de transportes internacionais para Espanha, e tendo em atenção as exigências de prevenção geral e especial - ponderada a dosimetria penal – art. 71º do CP – tem-se por adequada a aplicação de 3 (três) meses de proibição de conduzir.
3.2. Analisando a 2ª questão suscitada, ou seja, a pena acessória de proibição de conduzir deve ser ser suspensa na sua execução ou ser substituída por pena alternativa ou especialmente atenuada, art. 73° n.° 2 e aplicado o regime dos art. 41° a 60° todos do Código Penal.
Como supra se referiu a pena acessória de proibição de condução, prevista no art. 69º, do Código Penal, por resultar da prática de um crime e estar associada a uma pena criminal, não pode ser suspensa na sua execução, substituída por trabalho a favor da comunidade, nem a sua aplicação pode ser dispensada, ou diferida ou fraccionada no tempo, uma vez que a mesma se trata de uma pena criminal. No Código Penal não está prevista a substituição de tal pena, por qualquer pena de substituição, não constando do elenco daquelas que o poderão ser.
Por outro lado, não pode ser confundida com a sanção acessória de inibição de conduzir associada às contraordenações estradais, a qual possui natureza administrativa.
O art. 138º, do Código da Estrada, prevê no seu nº 1, que “As contraordenações graves e muito graves são puníveis com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir”. Tal sanção, porém, tem natureza diversa da prevista no art. 69º, do Código Penal, não se confunde com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no art. 69º, nº 1, al. a), do Código Penal.
Com efeito, enquanto aquela tem natureza administrativa e deriva apenas da prática de uma contraordenação grave ou muito grave, esta constitui uma verdadeira pena acessória, e deriva da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, do Código Penal.
A pena acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69º do Código Penal não pode ser atenuada especialmente, nem substituída por caução de boa conduta, nem suspensa na sua execução, uma vez que não existe nenhuma norma no Código Penal que preveja tais faculdades. 
Suspender a execução de tal pena ou substituí-la por uma pena alternativa, seria criar, contra a Constituição e contra a lei (art. 29º e art. 2º, respetivamente), uma sanção inexistente no sistema jurídico, infringindo-se o princípio fundamental da legalidade das penas.
Neste sentido, improcede nesta parte o recurso.
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4. DECISÃO.
Termos em que acordam as Juízas que compõem a 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
Fixar a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, ao arguido CM..., pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º, nº1, com referência ao art. 69º, nº1, al. a) ambos do C.P., por um período de 3 (três) meses.
Mantem-se quanto ao mais a sentença recorrida.
Sem tributação.
Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).
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Lisboa, 18 de abril de 2018

Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Maria Teresa Féria de Almeida