Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4581/18.4T8LSB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
REQUISITOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS NO LOCADO
LESÃO GRAVE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - a cessação/resolução dos contrato de arrendamento pressupõe o recurso à via judicial, devendo as partes lançar mão da acção de despejo, estando-lhes vedado esse desiderato através do recurso à providência cautelar;

- Porém, relativamente aos demais pedidos [suspensão da actividade de arrendamento temporário a terceiros em regime de arrendamento local, reposição das fracções no estado anterior , fixação de sanção pecuniária compulsória e inversão do contencioso], já nada obsta a que, desde que  alegados todos os requisitos exigíveis, se socorram os  proprietários de fracções arrendadas da providência cautelar não especificada
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A, B e C, intentaram uma providência cautelar não especificada, contra D [ …., Lda.], e F, pedindo a cessação dos contratos de arrendamento com fundamento na realização de obras ilegais e alteração do fim de afectação das fracções, a entrega imediata das fracções A, D, E e G, a suspensão da actividade de arrendamento temporário a terceiros em regime de arrendamento local, relativamente a essas fracções, condenação das requeridas a repor as fracções no estado anterior, seja fixada uma sanção pecuniária compulsória de € 250,00 diários por cada dia em que as fracções não sejam repostas no seu estado anterior e seja decretada a inversão do contencioso.
 Alegam, em síntese, que são proprietários das fracções A (r/c), G (3º dt), D (1º esq) e F (2º esq), do prédio urbano sito na Rua da Imprensa nacional, nº …., Lisboa.

A anterior proprietária do imóvel havia dado de arrendamento, com destino a habitação, à 2ª requerida, o 1º esq. (fracção D) que, por sua vez, o subarrendou à 1ª requerida e deu de arrendamento à 1ª requerida, com destino a habitação, os R/C esq. (fracção A), 2º esq. (fracção F) e 3º Dto (fracção G).
Nos contratos de arrendamento, foram autorizadas obras a cargo das inquilinas para remodelação integral das cozinhas e casas de banho.
As rés procederam a alterações nas fracções, construindo no R/C esq. uma divisão (ilegal) que ocupa parte do logradouro a tardoz e as fracções dos 1º e 2º esq. e 3º dt.º foram subdivididas, cada uma delas em dois apartamentos, criando novos espaços de cozinha e novas instalações sanitárias.
Não foi dada autorização para a realização dessas obras de subdivisão dos apartamentos.
A Câmara Municipal, através dos serviços competentes, realizou vistoria a parte das fracções e constatou a falta de licença para a realização daquelas alterações de subdivisão das fracções, tendo a ASAE constatado a inexistência de licenciamento para a actividade de alojamento local.
Com as obras (ilegais) foram colocadas em cada subdivisão das fracções fogão com sistema de exaustão, sistema de aquecimento de águas de potência desconhecida.
O prédio onde se situam as fracções locadas é um prédio antigo sito em zona especial de protecção.

As condutas de escoamento dos gases, a canalização das águas e esgotos e instalação eléctrica existentes no prédio foram construídas com capacidade para suportar o número original das fracções do prédio, a saber 8.
Com as obras o número de fracções aumentou para 11.
Face às características originais do prédio e a sua adulteração com as obras é manifesta a possibilidade séria de os produtos de combustão dos aparelhos de queima de cada apartamento se acumularem no interior e afectarem não só a integridade física de quem aí se encontra, bem como a estrutura do prédio podendo, a qualquer momento, desencadear-se uma explosão porquanto, a conduta de escoamento do prédio, porque de menor densidade, não está preparada para suportar a ligação de mais 3 apartamentos, impedindo a saída eficaz dos gases produzidos pelos sistemas de aquecimento de águas e fogões.
O mesmo acontecendo com a instalação eléctrica do prédio que se encontra altamente sobrecarregada podendo deflagrar um incêndio, a qualquer momento.
Temem pela perda do edifício e, consequentemente, do seu património.

Foi proferida decisão que indeferindo liminarmente a providência, julgou o procedimento manifestamente improcedente e absolveu as requeridas do pedido, com fundamento no facto da impossibilidade de resolução dos contratos de arrendamento e entrega dos locados através de uma providência cautelar e falta de um dos requisitos para que a providência possa ser decretada - lesão grave e dificilmente reparável – cfr. fls. 183 e sgs.

Notificados da decisão apelaram os requerentes, formulando as conclusões que se transcrevem:
I - Os Recorrentes alegaram e provaram por meio dos documentos juntos ao requerimento inicial a existência do seu direito;
II - Igualmente, os Recorrentes alegaram e provaram que as Recorridas efectuaram obras ilegais nas fracções em causa nos presentes autos e que as mesmas foram efectuadas de forma à 1.ª Recorrida poder explorar nas mesmas estabelecimentos de alojamento local;
III - Os Recorrentes provaram e alegaram que a 1.ª Recorrida não possui a competente licença para exploração de alojamento local;
IV - Os Recorrente alegaram e provaram que tal exploração implicou uma alteração do fim das fracções previsto no título constitutivo da propriedade horizontal;
V - Igualmente, alegaram e provaram que a manutenção da subdivisão dos apartamentos, nos termos em que foram efectuadas, com a manutenção da exploração do alojamento local nas mesmas, com implicação de uso constante dos fogões com sistema de exaustão, sistema de aquecimento de águas de potência desconhecida, instalação eléctrica sobrecarregada, acumulação dos produtos de combustão e de aparelhos de queima, torna iminente e certo a deflagração de um incêndio e/ou de uma explosão, que consumirá não só as fracções mas todo o prédio até nada mais existir.
VI - Havendo nestes termos um perigo certo e iminente.
VII - O legislador concebeu as providências cautelares como medidas de natureza instrumental e provisória, tramitadas em processo de carácter sumário, adequado à celeridade necessária à efectivação da tutela em causa, não sendo exigível uma prova total para a decisão cautelar, como se imporá face à acção principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares.
VIII - Justificando-se nestes termos a concessão da medida antecipatória, no que concerne:
1. Suspensão da actividade de arrendamento temporário a terceiros em regime de alojamento local relativamente a essas fracções;
2. Condenação das recorridas na reposição das fracções no seu estado anterior;
3. Fixação de uma sanção pecuniária compulsória de € 250,00 diários por cada dia em que as fracções não sejam repostas no seu estado anterior.

A requerida sociedade pugnou pela confirmação da decisão.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se verificam os pressupostos da providência cautelar inominada

Vejamos, então.

a) Verificação dos pressupostos da providência cautelar

O titular do direito pode lançar mão a meios de tutela dos seus direitos com o fim de acautelar o efeito útil da acção.
A estes meios de tutela do direito previstos em tese geral no art. 2 CPC, e especialmente nos arts. 362 e sgs. CPC (381 LV), dá a lei o nome de procedimentos cautelares (providências cautelares).
A providência cautelar surge como antecipação e preparação de uma providência ulterior, é um meio e não um fim, destina-se a tomar medidas que assegurem a eficácia de uma outra providência que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa, tem um carácter instrumental.
         Depende de uma acção já pendente ou que deva ser seguidamente proposta pelo requerente.
A providência cautelar justifica-se atento o periculum in mora, ou seja, com ela pretende-se defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva.

O seu carácter é provisório, na medida em que supre temporariamente, a falta da providência final.
Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado – art. 362 CPC.
Os requisitos da providência cautelar não especificada são: a probabilidade da existência do direito tido por ameaçado – objecto de uma acção declarativa -, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor; que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave ou dificilmente reparável a tal direito; que ao caso não se apliquem as demais providências reguladas nos arts. 377 a 409 CPC; que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado a assegurar a efectividade do direito ameaçado; que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
Com a presente providência cautelar pretendem os requerentes, entre outros, que se declare a cessação dos contratos de arrendamento com fundamento na realização de obras não autorizadas e alteração do fim de afectação das fracções e a restituição das fracções.
Ora, tal como referido pelo tribunal a quo a cessação/resolução dos contrato de arrendamento pressupõe o recurso à via judicial, devendo as partes lançar mão da acção de despejo, estando-lhes vedado esse desiderato através do recurso à providência cautelar – cfr. arts. 14/1 NRAU, 1079, 1083 a 1085 CC.
Quanto aos demais pedidos – suspensão da actividade de arrendamento temporário a terceiros em regime de arrendamento local, reposição das fracções no estado anterior, fixação de sanção pecuniária compulsória e inversão do contencioso – tendo em atenção o acima exarado relativamente aos requisitos da providência cautelar constata-se que os requerentes demonstraram, face aos documentos juntos, a probabilidade séria da existência do direito.
A lesão grave e dificilmente reparável tem de ser fundada e pressupõe a alegação de factos que, objectivamente, permitam concluir pela seriedade e actualidade da ameaça de forma a que se possa concluir, num juízo perfunctório, a necessidade de se adoptar medidas a fim de evitar o prejuízo que, de outra forma, não poderá, ou dificilmente, possa ser reparado.
In casu, os requerentes alegaram que o prédio onde se situam as fracções locadas é um prédio antigo sito em zona especial de protecção.
As condutas de escoamento dos gases, a canalização das águas e esgotos e instalação eléctrica existentes no prédio foram construídas com capacidade para suportar o número original das fracções do prédio, a saber 8.
Foram realizadas obras, não autorizadas, nos locados, consistindo estas na subdivisão das fracções, tendo aí sido colocadas bancadas, armários de cozinha, fogão com sistema de exaustão, sistema de aquecimento de águas de potência desconhecida.
O número de fracções aumentou para 11.
Face às características originais do prédio e a sua adulteração com as obras é manifesta a possibilidade séria de os produtos de combustão dos aparelhos de queima de cada apartamento se acumularem no interior e afectarem não só a integridade física de quem aí se encontra, bem como a estrutura do prédio podendo, a qualquer momento, desencadear-se uma explosão porquanto, a conduta de escoamento do prédio, porque de menor densidade, não está preparada para suportar a ligação de mais 3 apartamentos, impedindo a saída eficaz dos gases produzidos pelos sistemas de aquecimento de águas e fogões.
O mesmo acontecendo com a instalação eléctrica do prédio que se encontra altamente sobrecarregada podendo deflagrar um incêndio, a qualquer momento.
Temem pela perda do edifício e, consequentemente, do seu património.
Ora, tendo em conta a alegação dos requerentes, entende-se que os factos alegados preenchem o requisito de fundado prejuízo grave e dificilmente reparável – obras realizadas afectam a estrutura do prédio e são susceptíveis de, a qualquer momento, desencadear um incêndio/explosão.
A ameaça é séria e actual permitindo concluir pelo fundado receio e necessidade de adopção de medidas tendentes a evitar esse prejuízo que, de outro modo, não poderá ser reparado ou dificilmente o poderá vir a ser.
Atento o extractado supra, pretendendo-se com a providência cautelar a defesa do presumido titular do direito (probabilidade da existência do direito) contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva, constata-se que alegado também está o periculum in mora.
Destarte, face à alegação dos requisitos da providência, não se olvidando que terão que ser demonstrados, ainda que perfunctoriamente, deve a acção prosseguir os seus termos, nomeadamente com a dedução de oposição e julgamento.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a decisão, determina-se o prosseguimento dos autos nomeadamente com a dedução de oposição e julgamento.
Custas pela apelada.
Lisboa, 20/12/2018
(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)