Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
559/11.7TTCSC.L2-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA DO AUTOR
FAVOR LABORATORIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I Invocando o autor as limitações decorrentes de uma intervenção cirúrgica ao joelho direito que o impossibilitaram de passar uma procuração forense a Advogado que o representasse nos autos e constatando-se que o autor, 13 dias após a intervenção cirúrgica, se deslocou ao Hospital para uma consulta de Fisiatria e que 14 dias depois voltou a deslocar-se ao Hospital para uma consulta de Ortopedia, não demonstrou o mesmo qualquer limitação física que o impedisse de passar a procuração forense, sendo de concluir que o autor teve actuação negligente ao não dar adequado andamento ao processo durante mais de 9 meses, assim se justificando plenamente a deserção da instância.

II O princípio do “favor laboratoris” não tem a ver com as regras do ónus da prova, sendo antes inspirador do legislador laboral.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: TEXTO INTEGRAL:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

I AAA, actuando como Advogado em causa própria, intentou na Secção de Trabalho de Cascais a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, CONTRA,
BBB, IP.

II Foram formulados pedidos de correcção de avaliação do CV do autor no âmbito de concurso internos; de admissão do autor na categoria de Técnico Superior Consultor; e pagamento de diferenças salariais com respectivos juros moratórios.

Alegou, para o efeito errada avaliação curricular do seu CV no âmbito de um concurso interno.

Foi atribuído à causa o valor de € 30.001,00.

A 26/11/2011 (fols. 62), o autor, após ter sido ordenada a remessa dos autos aos Tribunais administrativos, constituiu mandatária forense.

Após vicissitudes várias, o processo seguiu os seus trâmites e, a 18/1/2016, o autor veio apresentar o req. de fols. 754 dizendo-se autor em causa própria, Advogado. Também o réu BBB apresentou o requerimento de fols. 757 a 758.

Sobre tais requerimentos foi proferido despacho de fols. 760, em que se suspendeu a instância.

Seguiu-se o despacho de fols. 780 em que se julgou extinta a instância por deserção da instância, de que o autor, ainda como advogado em causa própria, arguiu a sua nulidade.

Esta arguida nulidade foi indeferida por despacho de fols. 801, de que o autor veio também a arguir nulidade e recorreu, desta feita juntando procuração forense a favor de um novo Snr. Advogado (fols. 835).

Por Acórdão de 21/12/2017 desta Relação de Lisboa, foi então decidido o seguinte:
VI Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que reconheça a existência da arguida nulidade, anule a sentença de deserção da instância proferida e determine a retoma da normal tramitação processual com a notificação de ambas as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à possibilidade de ser decretada a deserção da instância.

O processo retomou a sua tramitação e após audição das partes relativamente à possibilidade de ser decretada a deserção da instância, foi primeiramente proferido o seguinte despacho:
Requerimento do autor de 17-03-2018 (fls. 896 e ss.):
Notificadas as partes nos termos e para os efeitos do despacho de 12-03·2018 (fls. 894), veio o autor sustentar, em síntese,
que a inércia dos presentes autos não resultou de qualquer
passividade da sua parte, ficando a dever-se antes ao réu (…), IP
, que convenceu o autor e o próprio Tribunal que
após a conclusão dos concursos de promoção, relativos aos anos de 2004, 2005 e 2006, com implicações no concurso
de promoção referente
ao ano de 2007, estaria apto a transaccionar nos presentes autos, pondo termo ao processo.
Salvo todo o devido respeito e melhor apreciação, não se vislumbra que possa merecer acolhimento a posição do autor.

Com efeito, e tal como decorre do despacho proferido em 20-01-2016 (fls. 760), a instância foi declarada suspensa em
virtude do falecimento da Ex.ma Mandatária do autor, conforme foi por este requerido em 18.01.2016 fls. 754), atento o disposto
nos artigos 269.°, n.º 1, alínea b), e 271°. do Código de Processo
Civil.

Conforme igualmente decorre do referido despacho de 20.01.2016, nenhuma relevância foi atribuída pelo Tribunal [para efeitos de
suspensão da instância] ao requerimento do réu de 19-01-2016.

Sendo a causa da suspensão da instância a prevista no artigo 269.° n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a mesma cessa, nos
termos do disposto no artigo 276.°, n.º 1, alínea b), do
mesmo diploma
, quando a parte contrária tiver conhecimento judicial de que está constituído novo advogado [ou, porventura,
quando o réu tivesse conhecimento judicial da eventual intenção do autor em advogar em causa própria, o que constitui um seu
direito e não um dever], o que não viria a ocorrer até ao
momento
em que foi proferido o despacho que declarou deserta a instância.

Ora, como refere PAULO RAMOS DE FARIA (in "O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudenciaf' disponível em http://julgar.ptl, apud acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2016, proferido no processo n.º 3422/15.9T8LSB.L1-7, disponível em wwww.dgsi.pt) «após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Tais atos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância. A ideia de que o demandante ainda pode praticar um ato redentor após a deserção, mas antes de ela ser declarada, assim impedindo o seu conhecimento, tem cabimento num sistema que, ao contrário do que ocorre com o nosso, tenha um fundamento subjetivo, apoiando-se na renúncia presumida à lide (vontade de abandono) - presunção esta que é serodiamente ilidida com o referido ato".

Nestes termos - e se bem interpretamos o ordenado pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA no acórdão de fls. 874 a 886 dos presentes autos - o que releva no caso vertente é permitir ao autor esclarecer antes de mais quais os obstáculos que o
impediram de, nos seis meses subsequentes à prol acção
do despacho de 20-01-2016, fazer cessar a suspensão da instância mediante a constituição de novo mandatário, nos termos
previstos no artigo 276.°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a fim de o tribunal poder aquilatar da efectiva existência - ou não - de negligência do autor na falta de impulso processual do processo (afigurando-se-nos inequívoco que no caso vertente era ao autor que incumbia impulsionar os autos, uma vez que era dele que dependia a prática do acto que faria cessar a suspensão da instância).


Com efeito, e como se refere no acórdão de 20-09-2016 do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (processo n 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt): «Claro que a deserção não se verifica  automaticamente pelo decurso do prazo. Pelo contrário, demanda também uma decisão judicial e um juízo acerca da existência de negligência da parte. Simplesmente, a negligência de que fala a lei é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente). Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência» .

Destarte, convida-se o autor a esclarecer quais os obstáculos que o impediram de, nos seis meses subsequentes à prolação do
despacho de 20-01-2016
, fazer cessar a suspensão da instância
mediante a constituição de novo mandatário
, nos termos previstos no artigo 276.°, n." 1, alínea b), do Código de Processo Civil”.

Correspondendo ao convite formulado, veio o autor, a fols. 914 v. e 915, esclarecer o seguinte:
“AAA, Autor nos autos em epígrafe, notificado que foi do despacho no qual o Tribunal o convida a vir esclarecer
quais os obstáculos que o impediram de
, nos seis meses
subsequentes à prolação do despacho de 20-01-2016
, fazer cessar a suspensão da instância mediante a constituição de novo
mandatá
rio vem, correspondendo a tal convite, dizer o seguinte:
1. Menos de dois meses depois da notificação do despacho que declarou suspensa a instância em virtude do falecimento da
Mandatária do Autor, foi este submetido a uma intervenção
cirúrgica ao joelho direito, a qual teve lugar no dia 15 de Março de 2016 (cfr. documento n.? 1).

2. Em consequência de tal intervenção, o Autor manteve-se, durante cerca de oito meses (com fisioterapias, consultas e
assistência profissional), muito limitado nas suas deslocações, o
que o impediu
, além do mais, de realizar diversas tarefas da sua vida corrente, transportar objetos, ou deslocar-se sem a ajuda
de terceiros.
3. Por tal facto, durante o período em causa, entre outras coisas, o Autor não teve condições de reunir com Ilustres Advogados
que pudessem vir a representá-Io nos presentes autos, pois que tal implicaria necessariamente a realização de algumas reuniões,
em locais diferentes, e o transporte do processo, tal como veio
a acontecer, mas apenas depois de ultrapassadas as limitações físicas a que o Autor esteve sujeito, durante o período acima
referido.
4. Do acima exposto resulta que o Autor esteve efectivamente, durante grande parte do período indicado no último
despacho proferido, impedido, entre outras realidades, das
diligências necessárias à constituição de novo Mandatário, não podendo por isso considerar-se que a ausência de impulso
processual por seis meses tenha ficado a dever-se a negligência sua.

5. Entende-se assim não estarem reunidos os pressupostos previstos no artigo 281.° do CPC para que seja declarada a deserção da instância, por não poder considerar-se ter havido
negligência do Autor.

6. Não pode no entanto deixar de referir-se que, ao longo de toda a duração do presente processo - o qual teve início em
20 de Outubro de 2011! - o Autor sempre demonstrou, pela sua
intervenção e posições assumidas (patentes nas diversas peças processuais), ser seu propósito claro a manutenção dos autos

com vista à prolação de decisão de mérito que salvaguarde a sua
posição, numa atitude processual de grande interesse no andamento dos autos que se revela manifestamente
incompatível com a consideração de ter havido da sua parte qualquer inércia decorrente de negligência sua.

Em face de todo o exposto, reitera-se o já defendido no último requerimento apresentado requerendo-se que se
considerem não verificados os pressupostos da deserção da e
instância que, em consequência, seja determinado o prosseguimento dos autos.”


Em seguida, foi então proferido o seguinte despacho de fol. 920 a 922:
“Dando integral cumprimento ao acórdão proferido a fls. 874 a 887, que revogou o despacho proferido em 01-03-2017 e determinou a sua substituição por outro que reconheça a existência da nulidade arguida pelo autor em 10-11-2016, anulando-se a sentença de deserção da instância proferida em 24-10-2016, foi por despacho de 12-03-2018 (fls. 894) determinada a notificação de ambas as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à possibilidade de ser decretada a deserção da instância.
As partes pronunciaram-se, nos termos que constam dos autos.
Na sequência da posição assumida pelo autor no seu requerimento de 17-03-2018 (fls. 896), foi o mesmo, por despacho de 26-04-2018 (fls. 911), convidado a esclarecer quais os obstáculos que o impediram de, nos seis meses subsequentes à prolação do despacho de 20-01-2016, fazer cessar a suspensão da instância mediante a constituição de novo mandatário, nos termos previstos no artigo 276.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
O mesmo pronunciou-se em 09-05-2018 (fls. 914), relativamente ao qual a ré nada disse.

Decidindo
Notificadas as partes nos termos e para os efeitos do mencionado despacho de 12-03-2018, veio o autor sustentar, em síntese, que a inércia dos presentes autos não resultou de qualquer passividade da sua parte, ficando a dever-se antes ao réu BBB, IP, que convenceu o autor e o próprio Tribunal que só após a conclusão dos concursos de promoção, relativos aos anos de 2004, 2005 e 2006, com implicações no concurso de promoção referente ao ano de 2007, estaria apto a transaccionar nos presentes autos, pondo termo ao processo.

Tal como se referiu no despacho de 26-04-2018, afigura-se-nos manifesto que tal posição do autor não pode merecer acolhimento.
Com efeito, e tal como decorre do despacho proferido em 20-01-2016 (fls. 760), a instância foi declarada suspensa em virtude do falecimento da Ex.ma Mandatária do autor, conforme foi por este requerido em 18-01-2016 (fls. 754), atento o disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea b), e 271.º do Código de Processo Civil.

Conforme igualmente decorre do referido despacho de 20-01-2016, nenhuma relevância foi atribuída pelo Tribunal [para efeitos de suspensão da instância] ao requerimento do réu de 19-01-2016.

Sendo a causa da suspensão da instância a prevista no artigo 269.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a mesma cessa, nos termos do disposto no artigo 276.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, quando a parte contrária tiver conhecimento judicial de que está constituído novo advogado [ou, porventura, quando o réu tivesse conhecimento judicial da eventual intenção do autor em advogar em causa própria, o que constitui um seu direito e não um dever], o que não viria a ocorrer até ao momento em que foi proferido o despacho que declarou deserta a instância.

Ora, como refere PAULO RAMOS DE FARIA (in “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial” disponível em http://julgar.pt/, apud acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-12-2016, proferido no processo n.º 3422/15.9T8LSB.L1-7, disponível em wwww.dgsi.pt) «após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Tais atos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância. A ideia de que o demandante ainda pode praticar um ato redentor após a deserção, mas antes de ela ser declarada, assim impedindo o seu conhecimento, tem cabimento num sistema que, ao contrário do que ocorre com o nosso, tenha um fundamento subjetivo, apoiando-se na renúncia presumida à lide (vontade de abandono) – presunção esta que é serodiamente ilidida com o referido ato” [sublinhado nosso].

Assim – e se bem se interpreta o ordenado pelo TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA no acórdão de fls. 874 a 886 dos presentes autos – o que interessava no caso vertente era permitir ao autor esclarecer quais os obstáculos que o impediram de, nos seis meses subsequentes à prolação do despacho de 20-01-2016, fazer cessar a suspensão da instância mediante a constituição de novo mandatário, nos termos previstos no artigo 276.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, a fim de o tribunal poder aquilatar da efectiva existência – ou não – de negligência do autor na falta de impulso processual do processo (afigurando-se inequívoco que ao autor que incumbia impulsionar os autos, uma vez que era dele que dependia a prática do acto que faria cessar a suspensão da instância).

Ora, uma vez mais salvo o devido respeito e melhor consideração, as razões entretanto alegadas pelo autor no seu requerimento de 09-05-2018 – realização de intervenção cirúrgica ao joelho direito em 15-03-2018 e subsequente período de recuperação com muitas limitações nas suas deslocações, o que o impediu de realizar tarefas da sua vida corrente, maxime reunir com Advogados que o pudessem representar nos presentes autos – são insusceptíveis de obstar à formulação do juízo de inércia conducente à deserção da instância.

Com efeito, está demonstrado pelos meios de prova juntos que o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho direito em 15-03-2016.

Porém, ainda que porventura tal factualidade consubstanciasse um justo impedimento (o que apenas se mostra evidente relativamente ao período temporal imediatamente subsequente à referida intervenção cirúrgica), sempre caberia ao autor demonstrar que se apresentou a praticar o acto logo que cessou o alegado impedimento.

Ora, decorre da declaração médica junta aos autos pelo autor [em 18-05-2018] que o mesmo esteve cerca de seis meses a recuperar com limitações no dia-a-dia e nas deslocações, o que significa que pelo menos a partir de 15-09-2016 deixou de existir qualquer obstáculo a que o autor tivesse feito cessar a suspensão da instância mediante a constituição de novo mandatário, nos termos previstos no artigo 276.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil [o que só viria a ocorrer após a notificação da sentença proferida em 24-10-2016].

Daí que, em nosso entender, as razões apresentadas sejam insusceptíveis de afastar a conclusão de que os autos estiveram parados por mais de seis meses por inércia do autor em fazer cessar a suspensão.

Donde, concluindo-se que o processo esteve parado, por negligência das partes, por período superior a 6 meses (prazo que não se suspende nas férias judiciais nos termos do artigo 138.º n.º 1 do Código de Processo Civil), julga-se extinta a instância, por deserção – artigos 277.º, alínea a), e 281.º, n.os 1 e 4, do Código de Processo Civil.”

Desta sentença ao autor arguiu nulidades e recorreu (fols. 923 v. a 944), apresentando as seguintes conclusões:

A. Da arguição de nulidades da sentença:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” de 13 de Setembro de 2018, que decidiu o que processo esteve parado, por negligência das partes, por período superior a 6 meses (prazo que não se suspende nas férias judiciais nos termos do artigo 138.º n.º 1 do Código de Processo Civil), julgando extinta a instância, por deserção – artigos 277.º, alínea a), e 281.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil;
2. O Tribunal declarou deserta a instância, com fundamento na alínea a) do artigo 277.º e dos n.ºs 1 e 4 do artigo 281.º ambos do C.P.C., sem sequer fazer uma remissão para o C.P.T., o que é elucidativo;
3. O Tribunal “a quo” invocou o artigo 281.º do C.P.C., pois considerou que não foi dado no âmbito do processo nenhum impulso processual durante mais de seis meses.
4. E, a verdade é que no âmbito de uma acção declarativa que corre termos desde 2011 intentada pelo Autor (na qualidade de trabalhador), constitui um dever do Tribunal “a quo”, ao abrigo dos princípios da gestão processual e da cooperação processual, previstos nos artigos 6.º e 7.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., de prevenção emergente daqueles, mais acentuado e evidente em sede laboral (acção instaurada pelo Trabalhador) ter sinalizado/avisado/intimado por despacho o Autor,
5. Que decorridos seis meses sobre a alegada omissão da prática do acto devido para efeitos de impulso processual seria, sem prejuízo de se conceder um prazo processual de dez dias para a constituição de mandatário ou qualquer outra determinação que considerasse adequada, sob pena de não o fazendo no prazo em causa, oportunamente, ser então sancionado nos termos do n.º 1 do artigo 281.º do C.P.C.
6. A realidade, é que o Tribunal “a quo” em vez de proferir esse despacho, julgou deserta a instância, primeiro sem ouvir previamente o Autor e, depois, considerou que houve negligência deste;
7. Por outras palavras, o Tribunal “a quo” quis de uma penada só: “meter o Rossio na Rua da Betesga”, escancarando com isso uma caixa de pandora que além de ter consequência processuais desproporcionais, desadequadas e não razoáveis, viola de forma ostensiva e faz tábua rasa dos deveres que decorrem dos princípios da gestão processual e da cooperação processual, previstos nos artigos 6.º e 7.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T.
8. O entendimento acolhido pelo Tribunal “a quo” não tem suporte nem na letra, nem no espírito das citadas normas, antes pelo contrário.
9. Entre outros, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08 de Março de 2018, no âmbito do Processo n.º 867/12.0TBTVR (Exmo. Sr. Dr. Relator). “Importa ter presente, como ponto de partida, que o juiz não pode remeter-se a uma papel passivo, próprio de uma concepção liberal do processo civil, antes devendo dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (…). O juiz, por seu turno, devia ter prosseguido a tramitação processual legalmente prevista, em vez de, imputando indevidamente a paragem do processo às partes, declara a instância deserta.”
11. Ao decidir dessa forma, a sentença em causa está ferida de nulidade, por violação do disposto nos artigos 6.º e 7.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T.;
12. E, por outro lado, a sentença em causa está ainda ferida de nulidade, por violação do disposto n.º 3 do artigo 3.º do C.P.C. aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., segundo o qual “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
13. As nulidades de processo, que importam a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido (Manuel de Andrade, Noções Elem. Proc. Civil, 1979, p. 176, e A. Varela, Manual Proc. Civil, 1984, p. 373).
14. Como decorre do n.º 1 do artigo 195.º do C.P.C. aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., norma relativa às regras gerais da nulidade dos actos processuais, estabelece-se que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, o manifestamente ocorreu nos presentes autos.
15. In casu, a manutenção da sentença não permitirá ao Tribunal julgar a acção, ou as partes chegarem a acordo nos autos, que esteve dependente de uma realidade procedimental, à qual o Autor era alheio e não poderia impor ou provocar a sua concretização, o que objectivamente constitui um impedimento à boa decisão da causa;
16. Nestes termos deve ser seja declarada nula a sentença, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., na interpretação que obriga o Tribunal a fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio da gestão processual, da cooperação processual e o princípio do contraditório, para decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem;
17. E, em consequência ser revogada a sentença e, as partes notificadas da data para a realização da audiência de discissão e julgamento. Sem prejuízo do alegado quanto às nulidades da sentença, de seguida passaremos ao recurso e respectivos fundamentos.

B. Do recurso:
18. Constitui um dos corolários do Estado de direito Democrático (artigos 2.º e 202.º, ambos da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.) e do princípio da separação de poderes que: os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo e, a função jurisdicional é exercida pelos tribunais, assim como na administração da justiça, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados;
19. Decorridos mais de oito anos sobre a data da entrada da presente acção, o Tribunal “a quo”, não assegurou nem a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Autor, nem reprimiu a violação da legalidade democrática e, por fim, até este momento recusou-se, recorrendo a todos os expedientes alegadamente legais para dirimir o conflito em causa, que constitui precisamente a função jurisdicional.
20. Também não foi assegurado ao Autor, o acesso ao efectivo aos tribunais para defesa dos respectivos direitos e interesses legalmente protegidos, nem que o processo a que deu entrada seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (artigo 20.º da C.R.P.)
22. O Tribunal “a quo”, recorde-se, começou por considerar deserta a instância, com fundamento na alínea c) do artigo 277.º e dos n.ºs 1 a 4 do artigo 281.º ambos do C.P.C. e, ao invocar este último considerou que, não foi dado no âmbito do processo nenhum impulso processual durante um período superior a seis meses.  
23. E, de uma penada, o Tribunal “a quo” no âmbito de um processo laboral, intentado pelo Autor, na qualidade de Trabalhador;
24. No âmbito do qual: - (…) repugnam todas as decisões que sejam tomadas à revelia de algum dos interessados, no âmbito do qual todas as fases do processo, desde os articulados à audiência preliminar, até ao julgamento, passando por todas as diligências ou actos relacionados com a produção ou proposição de meios de prova, decorrem segundo regras da mais pura contraditoriedade, num diálogo entre as partes, sob a direcção do juiz, prosseguindo ainda na fase das alegações sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito e em sede de recurso.”, como bem considerou a Relação de Lisboa, no acórdão de 24 de Setembro de 2008, no processo n.º 6892/2008 (disponível www.dgsi.pt);
25. Dá sem efeito uma pendência com oito anos,
26. Que no momento da prolação dessa designada sentença de deserção, se encontrava desde Outubro de 2011 sem qualquer decisão de mérito, como, aliás o próprio Tribunal “a quo” reconhece de forma expressa no despacho de 15 de Julho de 2015 sob a referência n.º 92.02.37.05 de 19 de Agosto de 2015;
27. No âmbito de um processo laboral as normas em causa no mesmo - n.ºs 1 a 4 do artigo 281.º ambos do C.P.C. aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., não podem ser interpretadas e aplicada uma norma (por remissão e com natureza essencialmente civil), que na prática se reconduz a um procedimento administrativo expedito, sem qualquer contribuição das partes, constituindo uma completa e inexplicável decisão surpresa!
28. A natureza administrativa (na sua pior acepção) que resulta da sentença de deserção, é por si só indefensável, porquanto configura uma ofensa sem precedentes a um Estado de direito democrático e à tutela jurisdicional efectiva.
29. Aliás, consubstancia e concretiza a célebre e infelizmente tão praticada justiça formal (neste caso, sem qualquer fundamento) em detrimento da justiça material, mais incompressível e indefensável ainda no domínio do foro laboral.

30. Acontece que, a interpretação do n.º 1 do artigo 281.º do C.P.C., na sua redacção actual, dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve ser interpretada no sentido de que a instância só se considera deserta se:
i.- o processo se encontrar a aguardar impulso processual há mais de seis meses;
ii.- essa falta de impulso se deva à negligência das partes.

31. Ou seja, deve ser interpretada no sentido de ser necessário, além da sentença de deserção, que foi efectivamente proferida, pois não se verifica de forma automática pelo mero decurso dos seis meses, ouvir previamente as partes, de forma a ajuizar no caso concreto se a falta de impulso processual é, ou não, devido a negligência,
32. Com efeito, a correcta interpretação da norma em questão, impõe ao Tribunal, que: só após a audição das partes, o juiz poderá emitir o despacho/sentença adequado.
36. In casu, só com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa o Tribunal “a quo”, se dignou a ouvir as partes, decorridos muito tempo quer sobre a realidade material quer sobre a própria sentença inicial ….;
37. Mas, “gato escondido com o rabo de fora”, o Tribunal “a quo (após mais de quatro meses para decidir …), concluiu que o processo esteve parado, por negligência das partes, por período superior a 6 meses (prazo que não se suspende nas férias judiciais nos termos do artigo 138.º n.º 1 do Código de Processo Civil), julgando extinta a instância, por deserção – artigos 277.º, alínea a), e 281.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil.
38. E, na sentença em crise, veio invocar que: “(…) as razões entretanto alegadas pelo autor no seu requerimento de 09-05-2018 – realização de intervenção cirúrgica ao joelho direito em 15-03-2016 (por lapso de escrita referido como 2018),e subsequente período de recuperação com muitas limitações nas suas deslocações, o que o impediu de realizar tarefas da sua vida corrente, maxime reunir com Advogados que o pudessem representar nos presentes autos – são insusceptíveis de obstar à formulação do juízo de inércia conducente à deserção da instância.”
 “Com efeito, está demonstrado pelos meios de prova juntos que o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho direito em 15-03-2016. Porém, ainda que porventura tal factualidade consubstanciasse um justo impedimento (o que apenas se mostra evidente relativamente ao período temporal imediatamente subsequente à referida intervenção cirúrgica), sempre caberia ao autor demonstrar que se apresentou a praticar o acto logo que cessou o alegado impedimento.”
39. Para concluir que: “Ora, decorre da declaração médica junta aos autos pelo autor [em 18-05-2018] que o mesmo esteve cerca de seis meses a recuperar com limitações no dia-a-dia e nas deslocações, o que significa que pelo menos a partir de 15-09-2016 deixou de existir qualquer obstáculo a que o autor tivesse feito cessar a suspensão da instância mediante a constituição de novo mandatário, nos termos previstos no artigo 276.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil [o que só viria a ocorrer após a notificação da sentença proferida em 24-10-2016].” (sublinhado nosso);
40. Ou seja, o Tribunal “a quo”, que tem o processo para decidir desde Outubro de 2011, na sua pulsão “desertista” considerou que, decorridos os cerca de seis meses de recuperação de uma intervenção cirúrgica complexa e com recuperação lenta, precisamente no dia em que esse prazo (indicativo pela natureza da lesão e pelas circunstâncias), deveria o Autor ter constituído mandatário;
41. Ocorre que, em face das diversas vicissitudes do processo, o entendimento acolhido pelo Tribunal “a quo” não tem suporte nem na letra, nem no espírito das citadas normas, antes pelo contrário, neste sentido, entre outros, entre o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08 de Março de 2018, no âmbito do Processo n.º 867/12.0TBTVR (Exmo. Sr. Dr. Relator), que a este propósito disse:
“Importa ter presente, como ponto de partida, que o juiz não pode remeter-se a um papel passivo, próprio de uma concepção liberal do processo civil, antes devendo dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (…). O juiz, por seu turno, devia ter prosseguido a tramitação processual legalmente prevista, em vez de, imputando indevidamente a paragem do processo às partes, declarando a instância deserta.”
42. Porquanto, só esta interpretação das disposições legais em apreço garante a coerência do quadro normativo relativo aos processos laborais e às suas especificidades estabelecidas pelo legislador, em atenção aos princípios da gestão processual e da cooperação processual, previstos nos artigos 6.º e 7.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., bem como o princípio do acesso à justiça e do princípio da confiança decorrente dos artigos 2.º e 20.º C.R.P.
43. Nessa medida, a interpretação que decorre da sentença aqui em crise, relativa à alínea d) do artigo 277.º e dos n.ºs 1 a 4 do artigo 281.º ambos do C.P.C. que considerou que não foi dado no âmbito do processo nenhum impulso processual há mais de seis meses, não é correcta, nem aceitável;
44. Não é a correcta nem aceitável porquanto, para além de não fazer a necessária e indispensável análise das vicissitudes do presente processo, deveria ter notificado previamente o Autor para colmatar a hipotética omissão e, só na falta de acção deste deveria promover a notificação para se pronunciar sobre uma hipotética deserção;
45. Assim, terminada a suspensão, não juntando o Autor qualquer procuração, cabia ao Tribunal designar nova, data para audiência de julgamento, sob a cominação de ser constituído mandatário pelo Autor, querendo.
46. E, a verdade é que o Tribunal “a quo”, não o fez, como reflecte a sentença e, por via disso também essa interpretação não respeito os princípios da gestão processual e da cooperação processual, previstos nos artigos 6.º e 7.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., bem como o princípio do acesso à justiça e do princípio da confiança decorrente dos artigos 2.º e 20.º C.R.P.
47. Para além disso, considerou o Tribunal “a quo” que a conduta do Autor foi negligente, o que não se nos afigura que seja esse o sentido unânime da jurisprudência em relação à interpretação ao artigo 281.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., como por exemplo resulta dos seguintes arestos (todos disponíveis em www.dgsi.pt/jtr):
Ac. Rel. Coimbra de 20/09/2016, Processo n.º 1215/14.0TBPBL-B.C1, de cujo sumário consta:
I) A deserção da instância cominada no art. 281º/1 do NCPC só deve ser declarada se os autos permitirem dar por demonstrado um circunstancialismo fáctico evidenciador de um incumprimento negligente do dever de impulso processual. (sublinhado nosso).
-Ac. Rel. Coimbra de 14/06/2016, Processo n.º 4386/14.1T8CBR.C1;
-Ac. Rel. Coimbra de 04/04/2017, Processo n.º 407/09.8TBNZR-A.C1;
-Ac. Rel. Coimbra de 18/05/2016, Processo n.º 127/12.6TBVLF.C1;
-Ac. Rel. Lisboa de 12/05/2015, Processo n.º 309/14.6YXLSB.L1-7;
-Ac. Rel. Lisboa de 26/02/2015, Processo n.º 2254/10.5TBABF.L1-2;
-Ac. Rel. Lisboa de 29/11/2016, Processo n.º 737/10-6TBPDL-A.L1-7; -
-Ac. Rel. Lisboa de 16/11/2017, Processo n.º 267/12.1TBVFX.L1-2.
48. Ora, a verdade é que a decisão do Tribunal “a quo”, é manifestamente insuficiente na qualificação e fundamentação de um circunstancialismo fáctico evidenciador de um incumprimento negligente do dever de impulso processual do Autor, que, aliás, não existe!
49. “A “negligência das partes”, segundo a citada previsão legal, pressupõe, quanto a nós, uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação”, in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06 de Março de 2018, no Processo n.º 349/14.5T8LRA.C1 (neste mesmo sentido os acórdãos da Relação de Coimbra de 01 de Dezembro de 2015, no Processo n.º 2061/10.5TBCTB-A.C1; de 14 de Junho de 2016, no Processo n.º 500/12.0TBAGN.C1; Acórdão da Relação do Porto de 14 de Março de 2016, no Processo n.º 317/06.0TBLSD.P1; e Relação de Coimbra de 07 de Junho de 2016 no Processo n.º 302/13.6TBLSA.C1, todos disponíveis e publicados no www.dgsi.pt.).
50. Acontece que, a interpretação que o Tribunal “a quo” fez na sentença em causa, não concretiza uma efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, que aliás, é omissa.
51. No caso concreto, ou melhor, nas circunstâncias dos autos, o Autor logo que tomou conhecimento da decisão inicial do Tribunal “a quo” de 24 de Outubro de 2016, agiu, exerceu os seus direitos, tomou posição sobre a acção e as suas vicissitudes, não ficou impávido e, nem se pode dizer que decorridos seis meses da sua operação delicada e com muitas limitações físicas (ainda hoje), iria no dia a seguir constituir mandatário no processo;
53. Pelo que, por não se verificar um dos dois pressupostos, de natureza subjetiva, ou seja, por inércia imputável ao Autor, como exige quanto à interpretação do n.º 4 do artigo 281.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T., deve a sentença ser na sua redacção actual;
54. Mais incompreensível se torna a decisão ora colocada em crise se atentarmos que estamos perante DIREITOS INDISPONÍVEIS, tendo o direito laboral sempre como escopo o princípio do TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR, o qual, manifestamente, e sem justificação, foi violado.
Nestes termos, e nos demais de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, determinando-se a substituição da mesma por outra que julgue verificada a invocada nulidade da decisão que declarou deserta a instância e determine a notificação das partes para continuação do processo, com o agendamento para a realização da audiência de discussão e julgamento, o que se requer, por ser conforme o Direito e de plena JUSTIÇA.

O réu contra-alegou (fols. 946 v. a 956 v.), pugnando pela manutenção integral da sentença recorrida.

Correram os Vistos legais, tendo o Digno Procurador Geral-Adjunto do Ministério Público emitido Parecer (fols. 967 a fols. 969) no sentido de ser negado provimento ao recurso.

III A factualidade com interesse para a decisão do recurso é aquela que resulta do relatório supra.

IV Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pag. 148).

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questões que se colocam no presente recurso são as seguintes:
A 1ª, se a sentença recorrida padece de nulidades como apontado.
A 2ª, se não ouve negligência do autor/apelante em não dar andamento ao processo durante mais de 6 meses, não devendo ter sido decretada a deserção da instância.

V Decidindo.

Quanto à 1ª questão.
Decorre de fols. 923 v. que o autor, no requerimento dirigido ao Exmº Juiz “a quo” apenas refere ir “arguir nulidades” sem que ali suscite qualquer nulidade específica, antes o fazendo somente no âmbito das alegações dirigidas ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Daqui resulta que não há requerimento de interposição de recurso dirigido ao juiz de 1ª instância em que se arguem quaisquer especificas nulidades, pelo que, como é jurisprudência antiga, firme e uniforme, quer das Relações quer do Supremo, não se mostram preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 77º do CPT, impedindo o conhecimento das mesmas por este Tribunal da Relação.
Veja-se a propósito o Ac. do STJ 15/9/2016, P. nº 4664/06.3TTLSB.1.L1.S1, (Rel. Cons. Pinto Hespanhol) disponível em www.dgsi.pt/jstj e o Ac. do STJ 29/9/2016, P. nº 291/12.4TTLRA.C1.S2, (Rel. Cons. Ribeiro Cardoso), disponível em www.dgsi.pt/jstj, bem como a jurisprudência aí citada.

Ainda assim se dirá o seguinte:
Sustenta o apelante que, por violação do disposto nos arts. 3º-3, 6º e 7º do CPC se está perante a previsão do art. 195º-1 do CPC.
Ora o apelante confunde nulidades da sentença, estabelecidas no art. 615º do CPC, com nulidades processuais secundárias previstas no art. 195º-1 do CPC.
A situação em apreço tem, por isso e também, a ver fundamentalmente, com o apurar-se onde devem ser arguidas e julgadas as nulidades processuais que terão ocorrido antes de ser proferida sentença final em 1ª instância, mas cuja arguição só surge após a prolação daquela.
Nos termos do art. 199º do CPC/2013, a arguição de nulidades, como aquelas em apreço, está sujeita ao prazo de 10 dias a contar da data em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificado para qualquer termo dele.
Consagra ainda o art. 199º-3 do CPC/2013 uma excepção ao regime geral, ali se estipulando que "Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição".
Os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis mantêm-se actuais, quanto a esta matéria, dada a extrema similitude dos preceitos legais atinentes na legislação aplicável aos presentes autos.
Assim, no seu Comentário, Vol. II, pags. 513 e 514, depois de esclarecer que o princípio geral é o de que quem julga é o tribunal perante o qual  a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu (com os únicos desvios dos arts. 204º-2 e 205º-3 do actual CPC), dá conta de que o CPC de 1876 estabelecia que "As nulidades de que o interessado tivesse conhecimento depois da publicação da sentença ou acórdão final, e que fossem anteriores a essa publicação, só poderiam ser apreciados por ocasião do recurso interposto da mesma sentença ou acórdão. A razão deste desvio era a seguinte: entendia-se que, sendo as nulidades anteriores à sentença, a procedência delas podia ter como efeito a anulação da sentença e não se considerava admissível que o juiz tivesse o poder de anular a sua própria decisão.
'O Código actual não consignou este terceiro desvio, porque não aderiu à tese de que ao juiz não é lícito anular a sua própria sentença. Pelo contrário, depois de enunciar o princípio de que proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 666º), acrescenta que o julgador pode suprir nulidades, rectificar erros materiais, esclarecer dúvidas e reformar a sentença quanto a custas e multa.
'...Sendo este o sistema do Código actual, é evidente que não podia aceitar a doutrina expressa no art. 134º do Código anterior.
' As nulidades, ou sejam anteriores ou sejam posteriores à sentença ou acórdão final, estão sujeitas, quanto ao julgamento, à regra geral acima formulada, com as excepções já assinaladas.".
Como se escreveu no Ac. do STJ de 13/12/90, BMJ- 402º, 518, havendo de distinguir as nulidades do processo e as nulidades da sentença, aquelas, "hão-de, em princípio, ser arguidas perante o tribunal em que ocorreram e, nele, também, em princípio, devem ser apreciadas e julgadas, princípios estes que, por óbvias razões, conhecem a excepção referida no nº 3 do art. 205º, que aqui não interessa considerar.
'Claro que o julgado que sobre elas venha a recair será ou não passível de recurso, conforme ao caso couber.
'Tudo quanto acaba de ser dito reconduz-se à proposição que a jurisprudência consagrou, segundo a qual, para nos servirmos das palavras utilizadas por A. Reis, Comentário, vol. II, pag. 507, dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se."
Assim sendo, tratando-se de omissão de acto praticado na presença do mandatário deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias perante o tribunal de 1ª instância (art. 199º-3 do CPC/2013) uma vez que o recurso só foi expedido em recurso muito depois do decurso daquele prazo.           
Só posteriormente, no caso de discordância com o despacho que verse sobre a arguição de nulidade, desse despacho caberia recurso para este tribunal.
Ora o apelante não arguiu as alegadas nulidades perante o tribunal de 1ª instância, como devia, antes esperando o momento das alegações de recurso para esta Relação.
A arguição destas nulidades processuais, que não de sentença pois não incluída no elenco do art. 615º do CPC/2013 é, manifestamente extemporânea, razão pela qual também não se conheceria das mesmas.

Quanto à 2ª questão.
Sustenta o apelante não estar demonstrada a existência de negligência sua e, como tal não deveria ter sido decretada a deserção da instância.
Resulta dos autos (fols. 760) que a 20/1/2016 a instância foi suspensa nos termos dos arts. 269º-1-b) e 271º-1-b) do CPC porque falecera a Exmª Mandatária do autor, suspensão esta, aliás pedida pelo próprio autor a fols. 754, apresentando-se então como advogado em causa própria.
Também decorre dos autos que até 24/10/2016 o autor não veio dar qualquer impulso aos autos, designadamente através de constituição de mandatário uma vez que estamos perante processo em que a constituição de advogado é obrigatória e o autor, naquele seu requerimento de fols. 754, manifestou claramente a sua intenção de não continuar a assegurar a posterior tramitação dos autos na qualidade de advogado em causa própria.
Daí que naquela data (24/10/2016), o Mmº Juíz “a quo” tenha julgado extinta a instância por deserção (fols. 780).
Seguro, pois, que o autor nada fez nos autos, não dando qualquer impulso processual ao mesmo durante mais de 9 meses. E só mesmo a 10/11/2016 (fols. 786) é que veio reagir à sentença que decretou a deserção da instância (de fols. 780), novamente assinando como Advogado em causa própria.
Convidado a pronunciar-se quanto à possibilidade de ser decretada a deserção da instância (despacho de 12/3/2018 a fols. 894), veio o autor dizer a fols. 896 que “a aparente inércia dos autos não resulta de qualquer passividade ou negligência do autor, outrossim, fica a dever-se apenas e tão só ao próprio réu BBB -IP que convenceu o autor e o próprio Tribunal que só após a conclusão dos Concursos de Promoção, relativos aos anos de 2004, 2005 e 2006, com implicações no Concurso de Promoção, referente ao ano de 2007, estaria apto a transaccionar nos presentes autos, pondo termo ao processo” o que ainda não foi cumprido.
Novamente convidado o autor (despacho de 26/4/2018, a fols. 911 a 913), desta feita a esclarecer “quais os obstáculos que o impediram de o autor a esclarecer quais os obstáculos que o impediram de, nos seis meses subsequentes à prolação do despacho de 20-01-2016, fazer cessar a suspensão da instância mediante a constituição de novo mandatário, nos termos previstos no artigo 276.°, n." 1, alínea b), do Código de Processo Civil”, veio o autor dizer, no essencial, utilizando agora outra e nova argumentação, a fols. 914 v. e 915, que:
Menos de dois meses depois da notificação do despacho que declarou suspensa a instância em virtude do falecimento da Mandatária do Autor, foi este submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho direito, a qual teve lugar no dia 15 de Março de 2016;
Em consequência de tal intervenção, o Autor manteve-se, durante cerca de oito meses (com fisioterapias, consultas e assistência profissional), muito limitado nas suas deslocações, o que o impediu, além do mais, de realizar diversas tarefas da sua vida corrente, transportar objectos, ou deslocar-se sem a ajuda de terceiros.
Por tal facto, durante o período em causa, entre outras coisas, o Autor não teve condições de reunir com Ilustres Advogados que pudessem vir a representá-lo nos presentes autos, pois que tal implicaria necessariamente a realização de algumas reuniões, em locais diferentes, e o transporte do processo, tal como veio a acontecer, mas apenas depois de ultrapassadas as limitações físicas a que o Autor esteve sujeito, durante o período acima referido.
O Autor esteve efectivamente, durante grande parte do período indicado no último despacho proferido, impedido, entre outras realidades, das diligências necessárias à constituição de novo Mandatário, não podendo por isso considerar-se que a ausência de impulso processual por seis meses tenha ficado a dever-se a negligência sua.

Juntou, em abono da sua posição os documentos de fols. 915 v. a 917 v. e ainda a declaração médica junta aos autos a 18/5/2018 com o seguinte teor:
“ AAA
Declara-se para os devidos efeitos que foi operado a 15-3-2016 ao joelho direito para ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior e esteve cerca de 6 meses a recuperar com limitações no seu dia a dia e nas deslocações.
18/5/2018
(Ass. ilegível do Dr. …)”
A sentença recorrida, que novamente voltou a decretar a deserção da instância após analisar as provas documentais aportadas pelo autor entendeu existir inércia do autor em fazer cessar a suspensão.
E entendeu bem.
De facto, o autor não demonstrou, minimamente e como lhe competia, que as consequências da intervenção cirúrgica a que foi sujeito ao joelho direito implicavam limitações de tal ordem que o impediam de passar uma procuração forense a Advogado que o representasse nos autos.
Basta atentar nos docs. de fols. 915 v. e 917 juntos pelo autor para se concluir que este, 13 dias após a intervenção cirúrgica (de que teve alta logo a 17/3/2016, ou seja dois dias depois) deslocou-se ao Hospital (…)  para uma consulta de Fisiatria. E, 14 dias depois, voltou a deslocar-se ao Hospital (…)  para uma consulta de Ortopedia.
Claro que o autor terá tido limitações no seu dia a dia e nas deslocações, como atestou o Exmº Facultativo, Dr. (…), mas as mesmas não foram impeditivas de, pelo menos, duas deslocações posteriores para consultas no Hospital onde foi operado.
Não está assim demonstrada a existência de qualquer limitação física que impedisse o autor, também advogado, de outorgar procuração forense a favor de outro advogado, antes ressaltando manifesta negligência da sua parte em dar adequado impulso processual aos autos, assim se justificando plenamente a deserção da instância que foi decretada a 13/9/2018, constante de fols. 920 a 922.
Invocou ainda o apelante a violação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.
Quanto à violação o princípio "favor laboratoris", o apelante é muito pouco claro mas parece colocar a eventual violação desse princípio no âmbito da repartição e/ou inversão do ónus probatório.
Debruçando-se sobre a possibilidade de existência de um princípio do "favor laboratoris", com hipotética aplicação generalizada, esclarece o Prof. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, pag. 70 e 71, que "Um eventual princípio do favor laboratoris poderá ser entendido em cinco níveis diferentes:
- como princípio de política legislativa;
- como ditame de interpretação;
- como máxima probatória;
- como afloramento de certos princípios;
- como norma de conflitos."

E a pag. 72 e 73 acrescenta ainda: "Como máxima probatória, o favor laboratoris daria, ao ónus da prova, uma feição particular. Na dúvida, ter-se-iam por não verificados os factos desfavoráveis aos trabalhadores. O ónus da prova tem hoje uma dimensão político-legislativa assumida: a sua configuração deve ser utilizada pelo legislador como mais um instrumento ao serviço dos seus objectivos. E por isso também, por vezes, o legislador, com recurso a presunções ou a disposições directas, inflecte o ónus da prova num sentido favorável ao trabalhador. Trata-se, no entanto, de uma medida eventual, a pesquisar caso a caso: não há, com esse conteúdo, nenhum princípio geral" (sublinhados nossos).

Ora como se decidiu no Ac. do STJ de 27/5/2004, disponível em www.dgsi.pt/jstj, "É pacífico o entendimento de que o princípio do “favor laboratoris” nada tem a ver com as regras do ónus da prova...Tal princípio inspira o legislador laboral no âmbito das soluções por este consagradas na lei com vista a suprir a desigualdade substancial que em regra se verifica entre as partes de um contrato de trabalho, mas não altera (nem contende com) as regras do ónus da prova estabelecidas na lei civil. Não são estas que vão equilibrar a natureza estruturalmente assimétrica da relação de trabalho, mas as concretas soluções substantivas que a lei laboral consagra para este específico tipo contratual.".

Também Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pag. 187, sustenta que "... é altura de afirmar que nada legitima o juiz laboral, na ausência de disposição legal em sentido contrário, a solucionar os litígios com regras diferentes no que concerne ao ónus da prova daquelas que resultam dos arts. 342º e ss. do Código Civil". E acrescenta a pag. 190, "Não se propugna que os casos de dúvida sejam resolvidos a favor dos trabalhadores. Como não se defende que o juiz encontre presunções onde o legislador as não criou."

E o Prof. António Jorge da Motta Veiga, Lições de Direito do Trabalho, 4ª ed., pag. 160, adverte mesmo de que a máxima do "favor laboratoris" representa um desvio da regra fundamental consagrada no art. 13º-2 da Constituição, segundo a qual "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado ... em razão de ... condição social."

Não havendo lugar ao princípio do "favor laboratoris" em matéria de ónus probatório, necessariamente que o mesmo não podia ter sido violado pela sentença recorrida.

Inexistiu, deste modo qualquer violação do princípio do "favor laboratoris”.

A apelação improcede totalmente, sendo a sentença recorrida de confirmar.

VIPelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias a cargo do requerentes.     


Lisboa, 13 de Março de 2019



DURO CARDOSO
ALBERTINA PEREIRA
LEOPOLDO SOARES