Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1094/11.9TMLSB–D.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PROVA PERICIAL
INDEFERIMENTO
FUNDAMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.- A falta de fundamentação de uma decisão judicial não se confunde, como é jurisprudência unânime entre nós, com a motivação deficiente, incompleta, não convincente, só aquela implicando o vício da nulidade.

2.- Constituem fundamentos para indeferir uma perícia, a impertinência ou o carácter dilatória da diligência, não se podendo, em princípio, convocar fundamentos diversos.

3.- As partes têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, designadamente submetendo-se às inspecções necessárias.

4.- Este dever tem como limite, entre outros, o respeito pela integridade física ou moral das pessoas, que em caso de ser ultrapassado legitima a recusa em colaborar.

5.- No âmbito de acções que se situam no domínio da vida pessoal dos litigantes, poderá a reserva da vida privada e familiar sofrer compressão adequada, sendo legítima a admissão de exame psicológico a qualquer dos cônjuges, sem prejuízo de ser ou não admissível  a execução coercitiva desse exame.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:                 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
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A instaurou contra B acção especial de separação judicial de pessoas e bens sem consentimento do outro cônjuge.
A fls. 1654 o réu requereu ao Tribunal se digne:
“2. Ordenar a realização, pelo Instituto de Medicina Legal, um exame psicológico à Autora tendente a apurar as características da personalidade e mente da Autora, mormente para esclarecer se esta evidencia traços de personalidade narcisista, histérica, tendência para efabular, fantasiar de forma grosseira e expansiva, mentir de forma continuada e persistente e se é carente de sentimentos de culpa. Tudo, sob o esteio da igualdade processual das partes e justificado conforme conclusão do artigo 74.º e pela ampliação da causa de pedir – artigos 98 e segts – considerando e para prova dos factos supra vertidos e como contraprova dos factos invocados na Réplica (artigos 70 a 75.º e 87 a 155) e cuja falsidade é alegada na Tréplica’’.
A autora opôs-se.
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho: “II. Face ao que resulta aditado, defere-se a requerida perícia psicológica a fls. 1654, devendo ser remetida cópia dos vários articulados apresentados pelas partes (pi., contestação, réplica e tréplica – versão corrigida)’’.
Inconformada, interpôs a autora competente recurso.
Esta Relação em Acórdão de 10.5.2018 anulou a decisão impugnada e ordenou que fosse proferido despacho devidamente fundamentado, fundamentação essa que o primeiro grau tinha omitido.
Em cumprimento do Acórdão, a primeira instância proferiu, em 11 de julho de 2018, novo despacho no qual se consigna que : “O R requereu a realização de um exame psicológico à Autora tendente a apurar as características da personalidade e mente da Autora, mormente para esclarecer se esta evidencia traços de personalidade narcisita, histérica, tendência para efabular, fantasiar de forma grosseira e expansiva, mentir de forma continuada e persistente e se é carente de sentimentos de culpa.
No despacho saneador proferido foi selecionada a matéria de facto sobre a qual há-de incidir a prova a produzir, concretamente tendo sido aditados os seguintes quesitos (…).
Uma vez que a prova pericial requerida se afigura como meio de prova pertinente para obtenção de respostas aos quesitos aditados (em cumprimento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, apenso C)), directamente relacionados com as características e comportamentos da A., defere-se a mesma’’.
Novamente inconformada, a autora interpôs novo recurso cuja minuta desta feita concluiu da seguinte forma:
“1 – Vem o presente recurso interposto do despacho de fls…., proferido em 11.07.2018, na parte em que defere a perícia psicológica requerida pelo Réu, na pessoa da Autora, invocando-se, simultaneamente, a NULIDADE do.
2 - O recurso deverá subir em separado, nos termos do disposto no art.º 645.º n.º2 do CPC e deverá ser-lhe fixado efeito suspensivo, (dispondo-se a A. a prestar caução) pois que a execução da decisão antes de vir a ser apreciada a questão pelo Tribunal Superior, sujeitando-se a Autora a uma perícia psicológica, causar-lhe-ia prejuízo considerável, constituiria uma humilhação, também ela, desnecessária para a Autora e por conseguinte, um grave prejuízo moral, que se impõe evitar e que, uma vez produzido, não é susceptível de reparar.
3 – Consta do despacho recorrido que: “Uma vez que a prova pericial requerida se afigura como meio de prova pertinente para obtenção de respostas aos quesitos aditados (em cumprimento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, apenso C), directamente relacionados com as características e comportamentos da A., defere-se a mesma”.
4 - O despacho de que se recorre foi proferido na sequência do Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.05.2018, (Apenso D) que anulou o despacho proferido em 21.09.2017 – refa. Citius 369102274 por o mesmo, sem qualquer fundamentação, ter ordenado a referida perícia.
5 - Lê-se naquele referido Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa (dois últimos parágrafos da decisão) “No caso sujeito o Tribunal omitiu totalmente dever de fundamentar o despacho. Aos despachos aplica-se o que viemos de dizer a propósito da sentença (artº 613º nº3 CPC). Fica este segundo grau incapaz de sindicar a decisão, cuja anulação se impõe. (destaque e sublinhado nosso). E não se diga que se está perante um despacho de mero expediente. O despacho que admite uma perícia psiquiátrica a uma das partes em ordenamento algum se pode considerar como destinado a prover ao andamento regular do processo, sem interferência o conflito de interesses em presença (artº 152º, nº4, CPC)”.
6 - Na sequência de anterior Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do apenso C (relativamente à admissibilidade da tréplica deduzida pelo Réu), e que quanto à perícia na pessoa da Autora decidiu “não conhecer do pedido de realização de perícia à autora por falta dos elementos necessários” mais referindo que “caberá à 1.ª instância pronunciar-se sobre o pedido formulado pelo réu/reconvinte”.
7 - Na sequência deste último acórdão vindo de referir, proferido no âmbito do recurso interposto pelo Réu e que constitui o Apenso C, o Tribunal de 1ª instância limitou-se a proferir um despacho, que, além de admitir a tréplica, como fora determinado pelo Tribunal da Relação, ordenou a realização da perícia à Autora, sem mais (despacho de 21.09.2017).
8 - Tal despacho de 21.09.2017 foi anulado, como se referiu, pelo Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 10.05.2018.
9 - Ora, a Autora havia-se oposto à realização da perícia na sua pessoa e, tanto aquele despacho que foi anulado pelo Tribunal da Relação em 10.05.2018 no âmbito do Apenso D, como o que ora foi proferido e de que se recorre pelo presente meio, não afloram a questão da oposição da Autora à realização da perícia na sua pessoa pelo que, esta nova decisão, proferida em 11.07.2018 continua a não permitir a sua sindicância, como o Tribunal da Relação bem salientara no Acórdão proferido em 10.05.2018 (Apenso D), sendo por isso nula, por falta de fundamentação.
10 - E não se diga que a frase ínsita no último parágrafo do despacho em crise constitui fundamento para a decretação deste meio de prova, não permitindo a percepção de como afastou o Tribunal a quo os efeitos da oposição da A. à realização da perícia e que, simplesmente, ignora.
11 - O despacho em causa é absolutamente omisso relativamente a esta questão, que havia sido arguida no recurso interposto da decisão de 21.09.2017.
12 - O despacho ora em crise continua, pois, a padecer dos mesmos vícios que padecia o anterior despacho (de 21.09.2017) anulado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
13 - E por essa razão, continuam a valer aqui os fundamentos com os quais se recorreu do despacho de 21.09.2017.
14 - Constitui imperativo constitucional o disposto no nº 1 do art.º 205º da Constituição da República Portuguesa, que manda fundamentar as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente.
15 - Prescreve o nº 1 do art.º 154º do CPC que «as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas».
16 - E o art.º 615º n.º 1 al. b) do CPC considera nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Este preceito é aplicável aos despachos, ex vi do art.º613.º n.º3.
17 - Não há, pois, qualquer dúvida sobre o dever de fundamentar a decisão recorrida, como, aliás, foi confirmado pelo Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 10.05.2018 (no Apenso D) e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
18 - E também não há qualquer dúvida de que o despacho recorrido é destituído de fundamentação, ou, pelo menos, é de insuficiente e deficiente fundamentação.
19 - Pelo que não deu cumprimento ao que foi determinado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
20 - O Tribunal a quo ordenou, de novo, a realização da perícia sem que, de tal despacho, decorra que raciocínio fez o Mº. Juiz relativamente à oposição da Autora, patenteada nos autos, para a realização da referida perícia que permitisse, ordená-la mesmo perante tal posição.
21 - O despacho em causa é completamente omisso quanto a este obstáculo legitimamente suscitado pela Autora para a obtenção deste meio de prova.
22 - Pelo que não é possível à Autora, ou ao Tribunal superior qualquer controlo crítico da lógica da decisão em crise.
23 - Tendo-se limitado a referir que “Uma vez que a prova pericial requerida se afigura como meio de prova pertinente para obtenção de respostas aos quesitos aditados, (em cumprimento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, apenso C), diretamente relacionados com as características e comportamentos da A., defere-se a mesma”, resta por saber de onde decorre a aludida pertinência e porque é que o Tribunal deferiu a realização da mesma mesmo em face da oposição da A, em clara insuficiência e deficiência de fundamentação, que equivale à sua omissão.
24 - Não é possível à ora Apelante argumentar contra as razões que eventualmente estejam na base da decisão, pois desconhece-se na sua plenitude e conjugação quais sejam.
25 - Consequentemente, também não é possível ao Tribunal Superior exprimir um juízo concordante ou divergente relativamente à assertividade da decisão.
26 - Impõe-se concluir pela nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação, nos termos dos já mencionados artigos 205.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa, 154.º ns.º1 e 2, 615.º n.º1 b) e d) e 613.º n.º3 do CPC.
27 - Mas a decisão recorrida também está ferida de ilegalidade.
28 - Conforme consta de outra parte do despacho ora recorrido, “No despacho saneador proferido foi selecionada a matéria de facto sobre a qual há de incidir a prova a produzir, concretamente tendo sido aditados os seguintes quesitos, cfr. fls 1640”.
29 - Importa sublinhar que esses “quesitos”, agora acrescentados, são retirados de um articulado que o Réu apresentou no dia 1 de Setembro de 2017 (vários anos após a dedução da contestação/reconvenção e da tréplica), na sequência de despacho de aperfeiçoamento que convidou o Réu a “alegar de forma concretizada os factos”, o que não tinha feito na tréplica.
30 - Na realidade, o Réu não veio “concretizar” factos. Veio, sim, inventar factos que nunca existiram e aproveitar a oportunidade para tentar humilhar e denegrir a imagem da Autora, e de seus falecidos pais.
31 - O Réu apenas veio invocar a “psicopatia” da Autora e requerer a realização do exame psicológico, na tréplica, em retaliação, pelo facto de a Autora o ter requerido anteriormente em relação ao Réu, mas a Autora fê-lo, devidamente fundamentada em factos.
32 - O Réu, porém, na sua atabalhoada “revanche”, constante da tréplica apenas conclui que “os factos acima aduzidos demonstram uma alteração das faculdades mentais da Autora desde, pelo menos, Junho de 2010”.
33 - Contudo, não alega factos que sustentem tal conclusão.
34 - Tanto assim que o Tribunal a quo se considerou na necessidade de proferir despacho de aperfeiçoamento.
35 - E é assim que, forçado pelo convite formulado, o Réu inventa factos falsos e ignóbeis para justificar um (novo) fundamento do divórcio e um meio de prova a que, desde logo, a A. se opôs.
36 - De acordo com o disposto no art.º 1781.º alínea b) do Código Civil é “fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela gravidade comprometa a possibilidade de vida em comum”.
37 - Ora, na tréplica, o Réu alegou que a alteração das faculdades mentais da Autora só ocorreu em Junho de 2010. Sucede que, nesta data, já Autora e Réu estavam separados há cerca de 4 anos! Logo, ainda que tivesse havido alguma alteração das faculdades mentais, ela sempre seria absolutamente irrelevante para o divórcio, pois nunca poderia essa alteração comprometer a possibilidade de uma vida em comum que já não existia há vários anos.
38 - Nestas condições, outra conclusão lógica não poderia tirar-se que não pela total irrelevância da alegada alteração das faculdades mentais e, por conseguinte, pela total inutilidade da realização da perícia.
39 - Acresce que, aproveitando o despacho de aperfeiçoamento, o Réu vem contar uma história absolutamente fantasiosa para demonstrar uma suposta psicopatia da Autora, mas que afinal (segundo ele) existe desde o início do casamento. É exemplo disso o constante do quesito 121.
40 - Os factos alegados não são susceptíveis de ser integrados na previsão legal do art.º 1781.º b) do C.C., nem em qualquer outro fundamento de divórcio e por conseguinte, será INÚTIL realizar uma perícia para prova de factos irrelevantes para a apreciação da causa.
41 - Apesar de na sequência do convite feito pelo Tribunal de 1.ª Instância, o Réu ter tentado invocar factos que integrassem uma alteração das faculdades mentais da Autora, o Réu não o conseguiu fazer, não conseguiu dizer aquilo que importava, ou seja, a data em que ocorreu a alteração das faculdades e que factos concretos indiciam essa alteração.
42 - limitou-se, na sua sanha de ferir a Autora, a ofender a memória dos seus já falecidos pais, invocando falsidades injuriosas em relação aos mesmos.
43 - Basta ler os factos aditados pelo despacho de fls.., datado de 21.09.2017, agora reproduzidos no despacho em crise, para se concluir que nenhum deles é susceptível de vir a permitir a respectiva subsunção à previsão do art.º 1781.º b) do Código Civil.
Logo é inútil qualquer atividade probatória com vista à demonstração desses factos e por conseguinte INÚTIL a realização da perícia psicológica.
44 - Nos termos do disposto no art.º 130º do CPC “não é lícito realizar no processo atos inúteis”.
45 - Deve, pois, ser indeferida a realização da requerida perícia psicológica na pessoa da Autora por processualmente inútil, como supra se demonstrou.
46 - Sanciona ainda o art.º 542.º n.º1 d) do C.P.C., definindo-o como litigante de má fé, quem “tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal”.
47 - Ora, como supra ficou explicitado, nas circunstâncias concretas em que ambas as partes pretendem que seja decretado o divórcio, não se vislumbra qual a utilidade de se discutir a causa de morte dos pais da Autora sobretudo invocando causas falsas que apenas revelam a mente doentia do Réu. Tal falsidade pode ser comprovada, facilmente, através do teor das respectivas certidões de óbito.
48 - Neste sentido, evidente se torna que as torpes alegações feitas nos seus articulados, maxime no aperfeiçoamento da tréplica, bem como a requerida perícia psicológica, não tendo uma finalidade processual séria, apenas se destinam a causar humilhação e vexame à Autora.
49 - O Réu utiliza o processo e concretamente este meio de prova - perícia psicológica - para conseguir um objectivo ilegal, pelo que, independentemente da condenação como litigante de má-fé, já oportunamente requerida, deve tal meio de prova ser indeferido.
50 - Decorre ainda do art.º 612.º do CPC, o seguinte: “quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes”.(sublinhado nosso)
51 - Este preceito legal abrange também as situações em que o fim proibido por lei é apenas prosseguido por uma das partes, neste caso o Réu. ( vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-1987,Processo 038002, in www.dgsi.pt.
52 - E nesta situação, impõe a lei que o tribunal obste a esse objectivo anormal.
53 - No caso presente, o Tribunal a quo deveria ter indeferido a requerida perícia psicológica, de forma a dar cumprimento ao disposto no art.º 612.º do C.P.C.
54 - Mas, a acrescer a estas razões que impunham o indeferimento da perícia psicológica à A., a decisão em crise viola ainda o artº 25º da Constituição da República pois que a Autora se opôs expressa e repetidamente à perícia psicológica sobre a sua pessoa.
55 - Com efeito, dispõe o artº 25º nº1 da CRP, sob a epígrafe “ Direito à integridade pessoal” que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável”.
56 - E não existe no processo civil norma paralela à que existe no processo penal, que restrinja o direito a essa integridade moral e física da pessoa.
57 - As normas contidas no Código de Processo Penal – vd. artigos 61º nº3 d) e 154º nº3 assumem carácter excepcional e não encontram paralelo no Cód. Processo Civil.
58 - Não pode, pois, a Autora ser sujeita a perícia psicológica sem o seu consentimento ou, como se verifica nos autos, contra a sua recusa expressa já evidenciada, por mais de uma vez, nos autos.
59 - Desde logo na audiência prévia realizada em 19.03.2015 – refª. Citius 333364859, a Autora opôs-se expressamente a sujeitar-se à perícia requerida pelo Réu.
60 - Fê-lo, de novo, de forma expressa, nos seus requerimentos de 08.05.2017 – refª.Citius 14929608 e de 13.09.2017 – refª. Citius 16227669.
61 - Pelo que, ainda que o despacho recorrido fundamentasse critica e sindicavelmente a decisão de submeter a A. à perícia psicológica, e não fundamentou, como se viu, esta não poderia ser determinada porque a tanto se havia oposto legitimamente a Autora.
62 - Tendo-a determinado, violou o despacho recorrido o artº 25º nº1 da Constituição da República Portuguesa.
63 - Pelo que, também com tal fundamento deve a decisão recorrida ser substituída por outra que indefira a referida perícia psicológica.
64 - O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 205.º e 25º nº1 da Constituição da República Portuguesa, art.º 154.º n.ºs 1 e 2, 615.º n.º1 b) e d), 613.º n.º3, 130.º, 542.º n.º1 d) e 612.º , todos do Código de Processo Civil e art.º 1781 b) do Código Civil.
(…)
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida por outra que indefira a perícia psicológica à Autora, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA’’.
Não foram oferecidas contra-alegações.
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São questões decidendas:
i) Da nulidade da decisão recorrida ex art. 615.º, 1, b) e d), CPC.
ii) Da putativa má fé do recorrido, dos fins por ele perseguidos ao requerer a perícia, da ilegalidade e inutilidade da mesma e da violação do artigo 25.º da CRP 
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A facticidade que decorre do supra exposto é a única que releva para a apreciação do recurso.
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Da nulidade da decisão recorrida ex art. 615.º, 1, b) e d), CPC.
Como dissemos no anterior Acórdão de 10.05: “Sabido é que a generalidade das decisões têm de ser fundamentadas, de facto e de direito.
Trata-se de um importante corolário do princípio do Estado de Direito e do papel criador e aplicador do direito desempenhado pelos tribunais.
A garantia de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas tem, entre nós, assento constitucional (artigo 205.º, n.º 1 CRP), está configurada nos artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC (anteriores artigos 158.º e 668.º, n.º 1, alínea b)) e consta do artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia de um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4.º CRP). Em sede de alimentos provisórios está ainda consagrada no artigo 385.º, n.º 3 CPC (serão deste código as ulteriores citações de normas sem qualquer outra menção).
Costuma afirmar-se que esta obrigação de fundamentação está orientada para permitir um autocontrolo do juiz e um controlo interno (partes e instâncias de recurso) do modo como o tribunal exerceu os seus poderes.
Todavia, há uma outra razão, tão importante como as referidas.
Como refere Michele Taruffo «na motivação da sentença o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as «boas razões» que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para a opinião pública. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial» (Páginas sobre justicia civil, Marcial Pons, 2009: 53).
Ou dito de outro modo: «a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão» (op. cit.: 36/37).
Em que consiste a fundamentação?
Consiste em explicitar os factos e as razões de direito em que baseia a decisão judicial e que a justificam. Se tiver sido proferida em equidade, deverá explicitar em que razões do seu domínio se fundamenta.
A lei é terminante ao exigir que o juiz discrimine os factos que considera provados e indique os que reputa não provados (artigo 607.º, n.ºs. 3 e 4 e 615.º, n.º 1, alínea b)) e, como vimos, que fundamente as decisões, o que não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (artigo 154.º, 2)’’.
A questão que se coloca consiste em saber se a conclusão a tirar das considerações então feitas e aqui reproduzidas deve ser a mesma: a anulação da decisão impugnada por total falta de motivação.
A resposta deve ser negativa. Vejamos.
A lei distingue claramente duas espécies de fundamentação e a cuja falta acomete a nulidade da sentença: fundamentos de facto e fundamentos de direito.
Conforme se argumenta no Ac. STJ de 15.05.2014, Proc. 5869/09.0TBMTS.P1.S1, www.dgsi.pt (terão esta origem os acórdão ulteriormente citados, sem outra menção) “a "ratio" deste imperativo legal [dever de fundamentação], que concede tão grande importância à motivação da sentença, tomando-a nula se esta for omitida, é fácil de descortinar, no dizer do Prof. Alberto dos Reis:
- Razão substancial. A sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do Juiz; ao comando geral e abstracto da lei o magistrado substitui um comando particular e concreto. Não se podendo este comando gerar arbitrariamente, cumpre ao Juiz demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa, ou, por outras palavras, que é a emanação correcta da vontade da lei.
- Razões práticas. As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença.
Estas duas fundamentações - de facto (discriminação dos factos que estão comprovados em julgamento) e de direito (enumeração dos preceitos legais que se aplicam a tal facticidade demonstrada na ação, interpretando-os e aplicando-os ao caso concreto enunciado na lide) - terão de constar, inexoravelmente, das decisões proferidas pelas instâncias …’’ (Código de Processo Civil, Anotado, Vol. V:139).
No caso sujeito não se coloca, a nosso ver, um problema de falta de fundamentação de facto que consta do relatório elaborado.
Por outro lado, não se verifica falta de fundamentação de direito.
Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência que, como sublinham Antunes Varela et  alii, “ para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta…’’ (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, 1985: 687).
Realmente, compulsando alguns Acórdãos do STJ (v.g. de 5.1.1984, BMJ 333:398; de 09. 12.2014, Proc. 986/12: Sumários, 2014:673, de 28.05.2015, Proc.460/11, de 05.04.2016, Proc. 128/13: Sumários , Abril/2016:8 e de 02.06.2016, Proc. 781/11) constatamos que em todos os casos uniformemente se tem afirmado que “aquilo que a lei considera causa de nulidade da sentença é a falta absoluta de motivação, e já não a motivação deficiente, medíocre ou errada, a qual afecta o valor doutrinal da sentença , sujeitando-a ao risco de ser alterada ou revogada’’ (citado Ac. de 28.05.2015).
Por outro lado, importa levar em consideração o procedimento probatório aplicável à prova pericial, que nos termos do art. 388.º CC tem, como é sabido, por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos , relativos a pessoas , não devam ser objecto de inspecção judicial.
A prova pericial pode ser requerida por qualquer das partes ou ordenada oficiosamente pelo juiz (art. 467.º, 1).
No primeiro caso, a parte indica no requerimento de proposição as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência (art. 475.º, 1). Segue-se a apreciação imediata pelo juiz da sua natureza impertinente e dilatória, o que pode conduzir a um despacho de rejeição da diligência (art. 476.º, 1). 1. Todavia, a não rejeição imediata não implica admissão automática da produção de prova. Não sendo rejeitado o requerimento e depois de assegurado o contraditório (art. 476.º, 1), o juiz ordenará ou rejeitará a diligência (Ac. STJ de 05.03.2002, CJ/STJ, 1.º: 126).
Os fundamentos para indeferir as perícias são os que vêm previstos no art. 476.º, 1, isto é que a diligência seja impertinente ou dilatória, pelo que se não podem, em princípio, convocar fundamentos diversos, designadamente que se esteja perante matéria que também possa ser objecto de prova documental ou testemunhal (Ac. RE de 31.05.2012, Proc. 28/11.5-B).
Constitui também fundamento de rejeição a intempestividade do requerimento ou se este não for acompanhado da indicação do respectivo objecto (art. 475.º, 1).
Alberto dos Reis deu os seguintes exemplos de prova pericial impertinente e dilatória: “Caso nítido de diligência impertinente é o de o magistrado verificar , pela leitura dos quesitos [agora indicação das questões e facto cujo esclarecimento a parte pretende obter da perícia], que todos eles versam sobre factos não compreendidos no questionário , ou – se ainda não existe questionário – sobre factos que não estão em condições de vir a ser insertos no questionário.
Caso nítido de diligência dilatória é o de o juiz se certificar , pelo exame dos quesitos, de que a diligência não é possível, pois que os factos respectivos não são susceptíveis de ser captados por meio de arbitramento’’ (Código de Processo Civil, Anotado, Vol IV: 185).
Por sua vez, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre explicam que a diligência é impertinente se não respeitar aos factos da causa; é dilatória se, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio da prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed.:326).
Ora, sendo assim as coisas, não se compreende como se pode vir arguir a nulidade da decisão impugnada, sendo certo que a mesma explicitou de uma forma claríssima que entendia que a prova pericial requerida respeitava aos factos da causa e que se relacionava directamente com as características e comportamentos da A..
Admite-se que em abstracto se podia ter ido mais longe na fundamentação, designadamente naquela segunda vertente, mas para um declaratário normal a interpretação do despacho na sua globalidade conduz também nitidamente à conclusão de que o objecto da perícia respeita plenamente as finalidades do artigo 388.º CC.
De resto, à mesma conclusão se chegaria seguindo a doutrina do Acórdão da Relação de Lisboa de 14.11.2013, Proc. 363/10,cujo sumário o seguinte: “I-Considerando que uma perícia só é ordenada por se entender que só através dela se poderá obter a prova de factos cuja apreciação exige conhecimentos especiais que os julgadores não possuem e portanto, a realização da mesma mostra-se necessária, o Tribunal não pode decidir, por sua iniciativa, não proceder a tal diligência, a menos que justifique a sua desnecessidade superveniente ou que a mesma deixe de ser possível.
II-Não são justificações admissíveis para não proceder à diligência probatória referida, a invocada excessiva demora do processo e as partes terem outros meios de prova ao seu alcance.’’  .

No caso sujeito o Tribunal, considerando que a perícia era pertinente e não dilatória, e portanto que se mostrava necessária, não podia deixar de a deferir.
E não se argumente como faz a recorrente que a decisão recorrida carece de fundamentação porque não se debruça sobre a questão da oposição da Autora à realização da perícia (conclusão 9).
Não se debruça nem tinha de se debruçar. Conforme decorre do art. 476.º, 1, a audição da parte contrária destina-se a que esta se pronuncie sobre o objecto proposto , facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação.
Por outro lado, já vimos que o tribunal deve sindicar a pertinência e a necessidade da diligência e não abordar questões que nada têm de relevante para a eficácia da perícia.
Acresce que quando muito se poderia equacionar o vício da omissão de pronúncia (art. 615.º, 1, d)) e não de falta de fundamentação, o que na verdade, não ocorre, sendo certo que o tribunal não tem de aflorar todas as questões suscitadas pelas partes , todos os argumentos e linhas de raciocínio, mas tão-só as questões que relevam, à luz do estado do processo.
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Da putativa má fé do recorrido, dos fins por ele perseguidos ao requerer a perícia, da ilegalidade e inutilidade da mesma e da violação do artigo 25.º da CRP
Também não colhe argumentar que:
1. O réu veio invocar a “psicopatia’’ da autora e requerer a realização de exame psicológico a esta em retaliação, pelo facto de a autora ter anteriormente pedido idêntico exame do réu.
Realmente nada nos autos indicia que tal estado subjectivo tenha existido.
2. A realização da perícia é ilegal e inútil. Tendo sido aditados determinados quesitos por decisão transitada desta Relação, não se pode nesta fase processual atacar por via indirecta tal decisão, inviabilizando a prova de matéria já considerada pertinente e útil.
3. A perícia devia ter sido indeferida por atentar contra a boa fé, perseguindo o réu um fim proibido por lei.
A própria recorrente já peticionou a condenação do réu por litigância de má fé, o que será apreciado no momento próprio após apuramento, bem entendido, dos factos. Só dessa prova poderá resultar com um mínimo de segurança se o recorrido visou alcançar um fim proibido por lei ou se ao invés apenas exerceu o seu direito de acção.
4. A admissão da perícia viola o artigo 25.º da CRP, ou seja a integridade moral e física da autora.
A nossa lei consagrou um dever geral de colaboração das partes (art. 7). De acordo com o art. 417.º, 1, as partes têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, designadamente submetendo-se às inspecções necessárias.
Este dever não é ilimitado. Um desses limites é o respeito pela integridade física ou moral das pessoas, que em caso de ser ultrapassado legitima a recusa em colaborar (art. 417, 3, a)).
Tendo em conta o dever de colaboração não é legitima a recusa a exames psiquiátricos em acções de divórcio. Lopes do Rego chama e bem a atenção para que, particularmente no âmbito de acções que se situam no domínio da vida pessoal dos litigantes (divórcio, filiação, etc.) poderá a reserva da vida privada e familiar sofrer compressão adequada, de modo a não ampliar desajustadamente o domínio de protecção da norma constitucional (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol I, 2.ª ed., 2004:456).
A vantagem procurada através do exame supera o sacrifício imposto ao examinando (Ac. RL de 14.05.2015, CJ, T 3:324; Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, op. cit:225).
Questão diversa que aqui não tem de ser analisada consiste em saber se em caso de recusa de a parte se sujeitar ao exame, podem ser utilizados meios coercitivos para assegurar a realização da perícia.
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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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20.12.2018
(Luís Correia de Mendonça)
(Maria Amélia Ameixoeira)
(Rui Moura)