Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6895/16.9T8FNC.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
VIGILÂNCIA PRIVADA
TÍTULO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1. A caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber [art. 343º al. b) do C.T.], exige a verificação cumulativa desses três requisitos. Isto é, que a impossibilidade seja superveniente, pois se ocorrer no momento da celebração o contrato é nulo; absoluta, porque não basta o simples agravamento ou a excessiva onerosidade da prestação para que se dê a caducidade do contrato de trabalho e definitiva, uma vez que a impossibilidade temporária não extingue o vínculo, apenas o suspende.

2. No caso vertente e em face da matéria de facto provada e do direito que se lhe mostra aplicável, não se pode concluir pela verificação de uma impossibilidade definitiva da prestação de trabalho por parte do Autor/apelado em relação à Ré/apelante e de esta receber essa prestação de trabalho, pelo que improcede a apelação.


(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, residente no (…) Funchal, instaurou, com o patrocínio do Ministério Público, a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, com processo comum contra a Ré BBB, S.A., com sede no (…), Ponta Delgada.

Pede que:
- Se considere a existência de despedimento do Autor;
- Se declare a ilicitude desse despedimento, e que, em consequência, seja a Ré condenada a pagar ao Autor:
- Quantia não inferior a € 1.000,00 por danos morais;
- Uma indemnização equivalente 45 dias de salário por ano de antiguidade e proporcionais no valor de € 15.783,90, pela qual o trabalhador opta;
- A retribuição de € 651,56, acrescida do subsídio de alimentação no valor de € 125,67, no total de € 777,23 e bem assim as retribuições subsequentes até ao trânsito da presente ação, no total de € 17. 516,13€.

Como fundamento e em síntese, alega que começou a trabalhar a favor da Ré em 24 de Março de 2003 a exercer as funções inerentes à sua categoria de vigilante, sendo que o último ordenado era de € 651,56 mensais, acrescido do subsídio de alimentação de € 125,67.

O seu local de trabalho era a portaria da escola Secundária da  (…).

Até ao ano de 2015 foi a empresa Ré que tratou da renovação dos cartões dos seus vigilantes. Contudo, em 9 de setembro de 2016, recebeu uma mensagem eletrónica da Ré (seguida de carta registada recebida no dia 13), informando-o de que teria de diligenciar, pelos próprios meios, pela renovação do seu cartão profissional.

Procurou uma empresa que desse formação e marcou a reciclagem necessária à obtenção do seu cartão profissional e informou a Ré, através do Sr. (…)  desse facto mas, por motivos independentes da vontade do Autor a formação só começava no dia 26 de setembro de 2016.

No dia 15 de setembro de 2016, o Autor foi chamado através da Ré à Policlínica do  (…)  para fazer a ficha de aptidão para o trabalho, tendo sido notificado para comparecer pelo Sr. (…), no próprio dia e através de telefonema para o seu telemóvel, o qual foi recebido pela manhã, quando fazia serviço nas Arcadas de S. (…)  pois a Escola estava fechada.

Assinou o original da ficha de aptidão ficando convencido que ficaria na empresa.

Todavia, no dia 28 de setembro de 2016, o Autor recebeu uma carta registada com a/r enviada pela Ré onde esta declara caduco o contrato de trabalho que existia entre ambos “por impossibilidade superveniente absoluta quer de V. Exa. prestar o seu trabalho como “Vigilante”, quer da “BBB.” o receber, sob pena de incorrer em contra-ordenação muito grave.”.

O Autor fez a sua formação, estando habilitado para o exercício da atividade de segurança privada desde 26 de setembro de 2016 e ainda para assistente de recinto de espetáculos, ou seja, o Autor nunca deixou de estar habilitado para o exercício da atividade de segurança privada na qualidade de vigilante.

Foi assim o Autor despedido sem precedência de processo disciplinar, nem de qualquer outra comunicação.

Sentiu-se humilhado e ofendido, passando a sobreviver com enormes dificuldades económicas e com a angústia de deixar de ter recursos financeiros.

Realizada a audiência de partes, sem que se tivesse obtido o acordo entre as mesmas como forma de se pôr termo ao presente litígio, contestou a Ré, alegando, em resumo e com interesse que até ao ano de 2014 encontrava-se licenciada a ministrar as formações de atualização aos vigilantes que se encontravam ao seu serviço.

Com a entrada em vigor de novos diplomas legais que introduziram novas regras no processo de formação para a atividade da segurança privada, especificadamente a Lei n.° 34/2013, de 16 de maio, a Portaria n.º 273/2013 de 20 de agosto, a Portaria nº 148/2014 de 18 julho e a Portaria 114/2015 de abril, a Ré, usufruindo de um período de transição para a implementação em matéria de formação na atividade de segurança privada, procurou adaptar-se às novas exigências legais.

Por via destas alterações e no âmbito do período de transição, até 31 de dezembro, todas as entidades formadoras, incluindo a Ré, teriam de remeter à Direção Nacional da PSP, com a antecedência de 90 dias sobre a data de caducidade dos cartões, os cartões sujeitos a atualização, que haviam sido objeto de autorização e averbamento pelas entidades formadoras certificadas até à introdução dos novos diplomas, sob pena de, se não o fizesse, os processos enviados para a emissão dos respetivos cartões serem caducados.

O cartão do Autor não se encontrava nessas condições, uma vez que o prazo de validade decorria até 25 de setembro de 2016, pelo que, não poderia ser objeto de atualização no período de transição, ficando assim sujeito às novas normas legais, de acordo com o novo regime instituído.

Por inexistência de habilitação profissional do Autor para exercer a sua atividade profissional para com a Ré, que apenas pode ter ao seu serviço profissionais certificados sob pena de incorrer em contraordenação muito grave, o contrato de trabalho que unia o Autor à Ré caducou por impossibilidade superveniente absoluta.

Conclui que deve ser absolvida dos pedidos formulados pelo Autor.

Foi proferido despacho saneador no qual o Mmo. Juiz apreciou o incidente de valor da causa suscitado pela Ré, fixou a esta o valor de € 17.516,13.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão sobre matéria de facto provada e não provada, a qual foi objeto de reclamação por parte da Ré, reclamação que, contudo, foi julgada improcedente.

Seguidamente foi proferida sentença que culminou com a seguinte decisão:
«Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, declaro:
a)- a ilicitude do despedimento do Autor pela Ré em consequência, condeno a Ré a pagar:
b)- as retribuições vencidas desde 18.10.2016 até ao trânsito em julgado da presente decisão, tendo-se em consideração o valor de retribuição mensal de 777,23€ (setecentos e setenta e sete euros e vinte e três cêntimos);
c)- o valor de 10.492,61€ (dez mil e quatrocentos e noventa e dois euros e sessenta e um cêntimos) a título de indemnização pela ilicitude do despedimento;
d)- no mais, vai a Ré absolvida.
Custas por ambas as partes na respectiva proporção.».

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
i.- O presente recurso tem como objeto a decisão proferida a 24/12/2017, a qual considerou a ação na qual o Recorrido peticionava o despedimento ilícito parcialmente provada.
ii.- Resulta que, com o devido respeito, o Tribunal a quo seguiu uma apreciação da matéria de facto incompleta ou errónea, que por consequência determina uma decisão não conforme com o Direito aplicável, incidindo ainda o presente recurso sobre a aplicação do Direito no que concerne à habilitação legal para exercício de profissão pelo recorrido;
iii.- O facto constante da matéria dada como provada pelo douto Tribunal no ponto 17., resulta incoerente e desajustado com a verdade material demais elementos constantes dos autos, já que com suporte na prova documental junta, expressamente se impugna o ponto 17., nos termos do artigo 640º do CPC e com os fundamentos constantes das alegações para as quais, respeitosamente se remete, devendo o referido ponto ser alterado para “O Autor pagou 375€ e já fez a sua formação, estando habilitado para o exercício da actividade de Segurança Privada desde 06 de Outubro de 2016 e ainda para assistente de recinto de espectáculos”;
iv.- Além disso, o cartão de vigilante do Recorrido foi renovado apenas depois de 05/10/2016, não podendo ter efeitos retroactivos, isto é, às 24:00 do dia 25/09/2016 caducou a habilitação legal do recorrido para exercer a profissão de vigilante e em consequência extinguiu-se o respectivo contrato de trabalho com a recorrente;
v.- Perante esta situação a Recorrente não podia empregar um vigilante não certificado, tendo comunicado a caducidade do seu contrato por impossibilidade deste prestar as suas funções e caso se mantivesse a situação laboral, tanto recorrido, como recorrida estariam a praticar um crime público;
vi.- Acresce ainda que, nos termos legais, o Recorrido não agiu de forma diligente em relação à renovação do seu cartão de vigilante, não solicitando a sua renovação dentro dos prazos legais;
vii.- Resulta ainda da matéria provada que as renovações estavam foram da alçada da Provise desde 2014, sendo do conhecimento dos seus vigilantes.
viii.- Mais, as renovações que a Recorrente patrocinou em 2015 tiveram um carácter meramente excecional, uma vez que foram justificadas pelo número de vigilantes cujo cartão expirava na mesma data;
ix.- Sem esquecer a prova testemunhal, entende a Recorrente que, a matéria de facto constante do ponto 17., tal como se pretende ver alterada, determina que o recorrido só passou a estar habilitado para o exercício da atividade de Segurança Privada e ainda para assistente de recinto de espectáculos, depois de 5 de Outubro de 2016, data em que já não se encontrava em vigor o contrato de trabalho com a Recorrente.
x.-O que aliás constitui o entendimento da Jurisprudência dominante;
xi.- Com o devido respeito, entende a Recorrente que a caducidade operada apenas ao Recorrido se deve, pois não tendo agido atempadamente para obter a habilitação legal para o exercício da sua profissão.
xii.- Pelo que conclui que não há despedimento ilícito, não tendo o recorrido direito a qualquer indemnização;
xiii.- Finalmente e nos termos do artigo 390.º, n.º 2, al. a) às retribuições que o Recorrido tenha direito a receber a título de indemnização desde o despedimento até ao trânsito em julgado, devem ser deduzidas as importâncias que o trabalhador auferiu em virtude do novo contrato com a  (…)  desde 01/12/2016, já que não receberia se não fosse o despedimento.
xiv.- Por tais motivos, deve a douta decisão recorrida ser revogada, já que, foram violados os artigos 22.º, n.º 5, 27.º, n.º 3 e 52.º da Lei n.º 34/2013 de 16 de maio.
V. Exas. no entanto farão melhor justiça!

Contra-alegou o Autor pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Admitido o recurso com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos para esta segunda instância.

Mantido o recurso e colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir.

Apreciação

Em face das conclusões de recurso que, como se sabe, delimitam o objeto do mesmo perante o Tribunal ad quem, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões de recurso:

Impugnação de matéria de facto
Caducidade do contrato de trabalho existente entre as partes por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva;
Consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.

Fundamentos de facto
Em primeira instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. A Autor começou a trabalhar a favor da Ré em 24 de Março de 2003 e exercia as funções inerentes à categoria de vigilante.
2. Com o último ordenado de € 651,56 mensais e o subsídio de alimentação de € 125,67.
3. O seu local de trabalho era a portaria da Ré na Escola Secundária da  (…).
4. Até ao ano de 2015 foi a Ré que tratou da renovação dos cartões dos seus vigilantes.
5. Em 20 de Abril de 2016 o Autor fez uma comunicação à Empresa informando que o seu cartão caducava no próximo dia 25 de Setembro.
6. O Autor por diversas vezes interpelou o chefe da Delegação da Ré na Madeira, no seu local de serviço na Escola Secundária da  (…), ao que este lhe respondeu que não sabia de nada pois quem decidia era “os Açores” (a sede da Requerida fica em Ponta Delgada).
7. Em 7 de Setembro o Autor, por carta, voltou a interpelar a Ré, anexando os documentos necessários à renovação do seu cartão de vigilante de segurança privada - registo criminal, fotocópia do CC e do cartão profissional.
8. Em 9 de Setembro, o Autor recebeu mensagem eletrónica da Ré, seguida de carta registada recebida no dia 13, informando-o de que teria de diligenciar, pelos próprios meios, pela renovação do seu cartão profissional.
9. O Autor procurou uma empresa que desse formação ((…)) e marcou a reciclagem necessária à obtenção do seu cartão profissional.
10. O Autor informou o Sr. (…)  da inscrição na formação, a qual, por motivos independentes da sua vontade, só começava no dia 26 de Setembro.
11. No dia 15 de Setembro o Autor foi chamado através da Ré à Policlínica do  (…), para fazer a ficha de aptidão para o trabalho, tendo sido notificado para comparecer pelo Sr. (…),  no próprio dia e através de telefonema para o seu telemóvel, o qual foi recebido pela manhã, quando fazia serviço nas Arcadas de S. (…), pois a Escola estava fechada.
12. O Autor assinou o original da ficha de aptidão (ficando com fotocópia) ficando pois convencido que ficaria na Empresa.
13. No dia 22 de Setembro, o Autor foi acometido por uma lombalgia e entrou de baixa.
14. No dia 28 de Setembro de 2016, o Autor recebeu carta registada com a/r da Ré, onde esta declara caduco o contrato de trabalho que existia entre Autor e Ré, “por impossibilidade superveniente absoluta quer de V. Exa. prestar o seu trabalho como “Vigilante”, quer da “BBB” o receber, sob pena de incorrer em contra-ordenação muito grave.”
15. A Ré emitiu recibo de vencimento das contas finais do Autor em 26 de Setembro de 2016.
16. Em 30 de Setembro o Autor enviou uma mensagem eletrónica à Ré dando conta que estava em vias de obter a renovação da sua licença e que, para reingressar na Empresa estaria disposto a devolver os montantes recebidos a título de contas finais.
17. O Autor pagou 375€ e já fez a sua formação, estando habilitado para o exercício da atividade de Segurança Privada desde 26 de Setembro de 2016 e ainda para assistente de recinto de espetáculos. (redação alterada nos termos referidos infra)
18. Até ao ano de 2014 a Ré encontrava-se licenciada a ministrar as formações de atualização aos vigilantes que se encontravam ao seu serviço.
19. O cartão de habilitação profissional do Autor para o exercício da atividade de segurança privada caducava em 25 de Setembro de 2016.
20. O curso frequentado pelo Autor teve início a 26 de Setembro de 2016 a 05 de Outubro. (redação alterada nos termos referidos infra)
21. O Autor em 20 de Abril de 2016, enviou um e-mail onde informa que o seu cartão profissional irá caducar.
22. O certificado nº 046683021 de habilitação de segurança privado do Autor com despacho de autorização de 26 de Setembro de 2016 e válido até 26 de Setembro de 2021. (redação alterada nos termos referidos infra)
23. A Ré optou por não ministrar as formações.
24. O Autor encontrava-se incapacitado por doença natural desde 22 de Setembro de 2016, por um período de 30 dias;
25. O cartão profissional do Autor caducou em 25 de Setembro de 2016.
26. A Ré procedeu à comunicação da caducidade do contrato de trabalho ao Autor a 28 de Setembro de 2016.
27. A 30 de Setembro de 2016, o Autor comunica à Ré que se encontra a proceder à atualização da certificação legal.
28. O Autor frequentou a formação até 05 de Outubro de 2016 enquanto se encontrava de baixa médica.

Impugnação de matéria de facto
Como resulta da conclusão iii, a Ré/apelante insurge-se contra a fixação da matéria de facto que consta do ponto 17 dos factos tidos por provados na sentença recorrida, pugnando para que essa matéria seja alterada de acordo com os fundamentos que constam das alegações de recurso, para os quais remete, pretendendo que se dê por assente que «O Autor pagou 375€ e já fez a sua formação estando habilitado para o exercício da atividade de Segurança Privada desde 06 de Outubro de 2016 e ainda para assistente de recinto de espetáculos».

Quanto aos fundamentos constantes das alegações de recurso, verifica-se que a Ré/apelante se reporta a uma declaração emitida pela “(…)” e que, ao que tudo indica, se trata do documento que se mostra junto a fls. 6 verso dos autos, bem como ao certificado emitido pela Polícia de Segurança Pública (PSP) que consta de fls. 13 do processo, alegando, por outro lado existir contradição entre a matéria de facto que consta dos pontos 17 e 20.

Para além disso, faz ainda referência a excertos (que descreve) do depoimento prestado pela testemunha (…) em audiência de julgamento.

Ora, quanto aos excertos do depoimento prestado por esta testemunha, os mesmos, no essencial e com relevo no caso em apreço, reportam-se à forma ou aos procedimentos adotados pela testemunha tendo em vista a revalidação ou renovação do seu próprio cartão de “vigilante” e dos elementos que, em 2015, teve de entregar à Ré para esse efeito, assim como sabe que o Autor lhe referira que a empresa lhe transmitira que já não dava formação e que estava por conta dele a realização da formação tendo em vista a renovação do seu cartão de vigilante.

Nada se infere, pois, do depoimento prestado por esta testemunha, ainda que conjugado com os documentos juntos ao processo, que leve à alteração da matéria de facto que consta do ponto 17 dos que se consideraram como provados na sentença recorrida.

Quanto à invocada contradição entre a matéria de facto que consta do aludido ponto 17 quando em confronto com a que consta do ponto 20, a mesma, a nosso ver, não pode deixar de ser suscitada, porquanto se, de acordo com a declaração que consta de fls. 6 verso dos autos se deu por assente que o curso frequentado pelo Autor teve início a 26 de setembro de 2016 e desenvolver-se-ia até 5 de outubro de 2016, dificilmente se poderia dar por demonstrado que o Autor estava habilitado para o exercício da atividade de segurança privada desde 26 de setembro de 2016.

É certo que o certificado emitido pela PSP e que consta de fls. 13 dos autos pode levar à fixação da matéria de facto que consta do mencionado ponto 17, porém, não é propriamente o que consta deste ponto aquilo que resulta de tal certificado.

Ora, não obstante o depoimento da mencionada testemunha conjugado com os documentos juntos ao processo, não leve à alteração da matéria de facto que consta do referido ponto 17, ainda assim, procurando ser-se fiel à prova documental não impugnada resultante dos presentes autos, em particular a que decorre dos mencionados documentos, bem como dos documentos de fls. 13 verso, 14 e 14 verso igualmente juntos ao processo, mostra-se necessário proceder à alteração da matéria de facto que consta, quer do ponto 17, quer dos pontos 20 e 22 da matéria de facto tida por provada na sentença recorrida, o que se faz ao abrigo do disposto no art. 662º n.º 1 do CPC – aqui aplicável por força do n.º 1 do art. 87º do CPT – nos seguintes termos:
17. O Autor já fez a sua formação, no que despendeu a importância de 375,00€, estando habilitado para o exercício da atividade de segurança privada e ainda para assistente de recinto de espetáculos;
20. Por declaração emitida pelo Diretor Operacional da Zona Madeira da “(…)”, o Autor AAA frequentou a formação de atualização de vigilante durante 30 horas distribuídas no período compreendido entre 26 de setembro e 5 de outubro de 2016 conforme FT n.º 242/2016 comunicada e validada pela DN-PSP;
22. Por certificado de Habilitação de Segurança Privado n.º 046683021 emitido pela Polícia de Segurança Pública em 4 de novembro de 2016, titulou-se que, nos termos do n.º 1 do art. 27º da Lei n.º 34/2013 de 16 de maio, foi emitido cartão profissional que habilita AAA NIF: … para o exercício da profissão de segurança privado, na especialidade de vigilante, de acordo com despacho de autorização de 26/09/2016 e que o cartão profissional é válido até 26/09/2021.
No mais, mantém-se a matéria de facto considerada como assente pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.

Fundamentos de direito
Fixada que está a matéria de facto, importa agora passar à apreciação da segunda das suscitadas questões do recurso em apreço, a qual se prende com a invocada caducidade do contrato de trabalho existente entre as partes por alegada impossibilidade superveniente absoluta e definitiva do Autor prestar a sua atividade laboral e de a Ré receber essa prestação.

Na verdade, alega e conclui a Ré/apelante que o cartão de vigilante do Autor/apelado apenas foi renovado depois de 5 de outubro de 2016, pelo que, não podendo ter efeitos retroativos às 24h00 do dia 25 de setembro de 2016, caducou a habilitação legal do Autor para exercício da profissão de vigilante e, em consequência, extinguiu-se o respetivo contrato de trabalho com a Ré, a qual não podia empregar um vigilante não certificado, tendo comunicado, por isso, ao Autor a caducidade do seu contrato por impossibilidade deste prestar as suas funções.

Como consequência, entende a Ré/apelante que não houve um despedimento ilícito do Autor, não tendo este, por isso, direito a qualquer indemnização.

Vejamos!

É incontroverso, face à matéria de facto provada, que entre ambas as partes e desde 24 de março de 2003 existia um contrato de trabalho por força do qual o Autor exercia as funções inerentes à categoria de vigilante ao serviço da Ré mediante o percebimento de uma retribuição mensal de € 651,56, acrescida do subsídio de alimentação no valor de € 125,67, sendo que o seu local de trabalho era na portaria da Escola Secundária da Calheta.

Por outro lado, demonstrou-se que no dia 28 de Setembro de 2016, o Autor recebeu da Ré uma carta registada com a/r, na qual esta declara caduco o contrato de trabalho que existia entre as partes, “por impossibilidade superveniente absoluta quer de V. Exa. prestar o seu trabalho como “Vigilante”, quer da “BBB.” o receber, sob pena de incorrer em contra-ordenação muito grave.” (v. ponto 14 dos factos provados).

Assim e antes de mais, importa referir que, em face desta matéria de facto provada, a suscitada questão de recurso terá de ser apreciada à luz do regime jurídico estabelecido pelo Código do Trabalho (CT) aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e ao tempo em vigor.

Posto isto, decorre do disposto no art. 340º deste diploma que uma das modalidades da cessação do contrato de trabalho é a caducidade.

Na verdade e como refere Pedro Furtado Martins em «Cessação do Contrato de Trabalho» – 4ª edição revista e atualizada – pag.ª 39 e seguintes, «[a] caducidade é a cessação do contrato em virtude da ocorrência de um facto a que o Direito associa a extinção da relação contratual. Na fisionomia típica, a extinção resultante da caducidade dá-se automaticamente, por força da lei, independentemente da vontade das partes. Trata-se de uma causa de cessação comum à generalidade dos contratos, entre eles o contrato de trabalho, como se reconhece no artigo 343º, ao estabelecer-se que «o contrato de trabalho caduca nos termos gerais», indicando-se, a título exemplificativo, três causas de caducidade:
a)- Verificação do termo, nos contratos por tempo determinado;
b)- Impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o trabalho ou de o empregador o receber; e
c)- Reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez».

Refere, de seguida, o mesmo autor (ob. e loc. cit.) que «[e]xistem outras situações de caducidade do vínculo laboral. Algumas estão referenciadas no Código do Trabalho, como sucede com a perda definitiva da carteira profissional ou do título com valor legal equivalente – art 117.º, 2. Outras resultam de legislação específica, que fixa as habilitações necessárias para o exercício de certas atividades ou que impõe limitações especiais a certos vínculos».

No caso vertente e como se referiu, a Ré fez cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Autor invocando a caducidade do mesmo por impossibilidade superveniente e absoluta deste continuar a prestar a sua atividade laboral para a Ré e de esta o receber, tudo isto, como se infere da matéria de facto provada, decorrente da circunstância de haver caducado em 25 de setembro de 2016 o cartão de habilitação profissional do Autor para o exercício da atividade de segurança privada, mais concretamente de vigilante.

Importa, no entanto, ter presente que, como refere o mencionado autor (ob. cit. pág.ª 69 e seguintes), «[é] regra geral, aplicável também em sede do contrato de trabalho, que a eficácia extintiva da impossibilidade depende do preenchimento de certos requisitos.
Assim, para que se opere a caducidade do contrato de trabalho é necessário que a situação de impossibilidade seja:
- Superveniente, pois se ocorrer no momento da celebração o contrato é nulo;
- absoluta, porque não basta o simples agravamento ou a excessiva onerosidade da prestação para que se dê a caducidade do contrato de trabalho;
- e definitiva, uma vez que a impossibilidade temporária não extingue o vínculo, apenas o suspende».

No sentido da verificação cumulativa destes três requisitos para que se opere a caducidade do contrato de trabalho, pronunciou-se igualmente João Leal Amado em «Contrato de Trabalho – À luz do novo Código do Trabalho» pag.ª 356/357.

Também a jurisprudência vem seguindo este mesmo entendimento, citando-se, entre outros, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2013 publicado em www.dgsi.pt (proc. n.º 101/12.2TTABT.S1), no qual se refere que «a impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber, para determinar a caducidade do contrato de trabalho deve ser superveniente (no sentido de que não se verificava, não tinha sido prevista, nem era previsível na data da celebração do contrato), absoluta (o que se traduzia numa efectiva inviabilidade, à luz dos critérios normais de valorização da prestação) e definitiva (no sentido de que face a uma evolução normal e previsível, não seria mais viável a respectiva prestação)».

Ora, será que no caso em apreço e tendo em consideração estes aspetos doutrinais e jurisprudenciais quando em confronto com a matéria de facto provada, se verificam os mencionados requisitos cumulativos para a cessação do contrato de trabalho existente entre ambas as partes e operada pela Ré com base em invocada impossibilidade superveniente e absoluta de prestação de trabalho por parte do Autor e do recebimento dessa prestação por parte daquela?

Vejamos!

A atividade de segurança privada encontra-se regulada pela Lei n.º 34/2013 de 16.05 a qual estabelece no art. 1º n.º 2 que «[a] atividade de segurança privada só pode ser exercida nos termos da presente lei e de regulamentação complementar e tem uma função subsidiária e complementar da atividade das forças e serviços de segurança pública do Estado».

Dispõe, por seu turno, o n.º 3 do mesmo preceito legal que, «[p]ara efeitos da presente lei, considera-se atividade de segurança privada:
a)- A prestação de serviços a terceiros por entidades privadas com vista à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes;
b)- A organização, por quaisquer entidades e em proveito próprio, de serviços de autoproteção, com vista à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes.».

O n.º 6 do mesmo preceito legal dispõe que, «[a]s entidades que prestem serviços de portaria ou as profissões de porteiro cujo âmbito de serviços corresponda, ainda que parcialmente, aos serviços de segurança privada ou às funções da profissão de segurança privado estão sujeitas ao regime previsto na presente lei.».

Define, por sua vez o art. 2º als. i) e j) da mesma Lei que «[p]ara efeitos do disposto na presente lei e em regulamentação complementar, entende-se por:… i) «Pessoal de segurança privada» as pessoas integradas em grupos profissionais ou profissões que exerçam ou compreendam o exercício das funções de pessoal de vigilância e diretor de segurança previstas na presente lei; j) «Pessoal de vigilância» o trabalhador, devidamente habilitado e autorizado a exercer as funções previstas na presente lei, vinculado por contrato de trabalho a entidades titulares de alvará ou licença».

Sob a epígrafe «pessoal de vigilância», estipula-se, por sua vez, no art. 17º n.º 2 do mesmo diploma, que «[p]ara efeitos do disposto na Lei n.º 9/2009, de 4 de março, alterada pela Lei n.º 41/2012, de 28 de agosto, a profissão de segurança privado é uma profissão regulamentada, sujeita à obtenção de título profissional e ao cumprimento dos demais requisitos previstos no artigo 22.º», sendo que nos termos do n.º 3 als. a) e f) do mesmo preceito, se prevê que, «[a] profissão de segurança privado compreende as seguintes especialidades: a) Vigilante;… f) Assistente de recinto de espetáculos;».

Estipula, por seu turno, o art. 22º n.º 5 da mesma Lei que «[s]ão requisitos específicos de admissão e permanência na profissão de segurança privado:
a)- Possuir as condições mínimas de aptidão física, mental e psicológica exigidas para o exercício das suas funções que constam dos anexos i e ii da presente lei, da qual fazem parte integrante;
b)- Ter frequentado, com aproveitamento, cursos de formação nos termos estabelecidos no artigo 25.º, ou cursos idênticos ministrados e reconhecidos noutro Estado membro da União Europeia, ou em Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, sem prejuízo do disposto na Lei n.º 9/2009, de 4 de março, alterada pela Lei n.º 41/2012, de 28 de agosto.».
Relativamente ao cartão profissional, estipula-se no art. 27º ainda da mesma Lei e no que aqui releva que:
«1- Para o exercício das suas funções, as profissões reguladas… de segurança privado são titulares de cartão profissional, emitido pela Direção Nacional da PSP, válido pelo prazo de cinco anos e suscetível de renovação por iguais períodos de tempo.
(…)
3- A renovação do cartão profissional implica a frequência de um curso de atualização ou de um curso equivalente ministrado e reconhecido noutro Estado membro da União Europeia, bem como a verificação dos requisitos e incompatibilidades a que se refere o artigo 22.º».

Relativamente à renovação do cartão profissional, importa ainda ter presente o disposto no art. 52º, também da mesma Lei, o qual, no que aqui releva, estipula no seu n.º 1 que «[a] renovação de… cartão ou título profissionais previstos na presente lei devem ser requeridos nos 90 dias anteriores e até ao termo da sua validade e depende da verificação, à data do pedido, dos requisitos exigidos para a sua concessão.», enquanto no n.º 2 se dispõe que «[n]o caso em que não tenha sido requerida a renovação nos termos do n.º 1, o seu titular dispõe do prazo de 30 dias para requerer a sua renovação, findo o qual se verifica a caducidade definitiva do… cartão ou título profissional.».

A mencionada Lei foi posteriormente complementada pela Portaria n.º 148/2014 de 18.07, a qual teve por objeto, para além do mais, estabelecer o conteúdo e a duração dos cursos de pessoal de segurança privada, sendo que no seu art. 7º n.º 3 al. a) se estipula que a formação de atualização é obrigatória em caso de renovação do cartão profissional.

Ora tendo em consideração todo este quadro legal e os aspetos doutrinais e jurisprudenciais anteriormente abordados e revertendo ao caso em apreço, diremos que, sendo efetivamente obrigatória a formação de atualização a obter pelo Autor/apelado, tendo em vista a renovação do seu cartão profissional que caducava em 25 de setembro de 2016 (v. ponto 19 dos factos provados), afigura-se-nos que a circunstância de o mesmo ter obtido essa formação, ainda que reportada ao dia 6 de outubro de 2016 como pretende a Ré/apelante, não conduz a verificação dos mencionados requisitos justificativos da invocação da caducidade do contrato de trabalho que existia entre ambas as partes e isto, porquanto, em face da matéria de facto provada, se não pode concluir pela verificação de uma impossibilidade definitiva da prestação de trabalho por parte do Autor/apelado em relação à Ré/apelante e de esta receber essa prestação de trabalho.

Na verdade, tendo-se demonstrado que até ao ano de 2015 foi a Ré quem tratou da renovação dos cartões dos seus vigilantes (v. ponto 4 dos factos provados), não se demonstrou que esta tivesse dado a conhecer ao Autor que o deixara de fazer.

Ora, resultando da matéria de facto assente que o Autor sabia ou tinha conhecimento de que o seu cartão profissional caducava em 25 de setembro de 2016 e que, portanto, tinha necessidade de o renovar, também se demonstrou que logo em 20 de abril de 2016, ou seja cerca de cinco meses antes da perda de validade do seu cartão profissional, o Autor fez uma comunicação à empresa Ré, sua entidade empregadora, informando-a de que o seu cartão profissional caducava no dia 25 de setembro de 2016 (v. ponto 5 dos factos provados) e, para além disso, também se provou que o Autor, por diversas vezes, interpelou (ele próprio, presume-se que no mesmo sentido) o chefe da Delegação da Ré na Madeira, no seu local de serviço na Escola Secundária da  (…), ao que este lhe respondeu que “não sabia de nada pois quem decidia era os Açores” (onde fica a sede da Ré) (v. ponto 6 dos factos provados).
Provou-se ainda que o Autor, em 7 de setembro de 2016 e por carta, voltou a interpelar a Ré (presume-se no sentido da necessidade de renovação do seu cartão profissional) anexando os documentos necessários à renovação do seu cartão de vigilante de segurança privada – registo criminal, fotocópia do cartão de cidadão e do seu cartão profissional –, sendo que apenas em 9 de setembro de 2016 o Autor recebeu uma mensagem de correio eletrónico da Ré, seguida de uma carta registada recebida por aquele em 13 de setembro de 2016, informando-o de que teria de diligenciar, pelos próprios meios, pela renovação do seu cartão profissional (v. pontos 7 e 8 dos factos provados) e foi na sequência desta informação que o Autor procurou, de imediato, uma empresa que desse formação (…) e marcou a reciclagem necessária à obtenção do seu cartão profissional, tendo informado o Sr. (…)  (que como resulta da ata de audiência de julgamento era Chefe de Serviço com domicílio profissional na sede da Ré) da sua inscrição na aludida formação, a qual, por motivos independentes da sua vontade, só começava no dia 26 de setembro de 2016 (v. pontos 9 e 10 dos factos provados).

Verifica-se, pois, perante esta matéria de facto provada, que de forma alguma se pode assacar ao Autor/apelado qualquer responsabilidade pelo atraso na frequência da formação de atualização necessária à renovação do seu cartão profissional de modo a continuar a exercer as suas funções de vigilante ou de segurança privado ao serviço da Ré, bem pelo contrário já que dessa matéria de facto provada transparece claramente o quanto o Autor usou de diligência no sentido da obtenção atempada da aludida formação de atualização com aquele objetivo.

Posto isto, é verdade que a mencionada formação se iniciou em 26 de setembro de 2016, ou seja, no dia seguinte àquele em que terminava a validade do anterior cartão profissional do Autor e terminou em 5 de outubro de 2016 (v. ponto 20 dos factos provados). No entanto, também se provou que, por certificado de Habilitação de Segurança Privado n.º … emitido pela Polícia de Segurança Pública em 4 de novembro de 2016, se titulou que, nos termos do n.º 1 do art. 27º da Lei n.º 34/2013 de 16 de maio, fora emitido cartão profissional que habilitava o Autor AAA NIF: (…)  para o exercício da profissão de segurança privado, na especialidade de vigilante, de acordo com despacho de autorização de 26 de setembro de 2016 e que o cartão profissional era válido até 26 de setembro de 2021 (v. ponto 22 dos factos provados).

Infere-se, pois, desta matéria de facto provada que a entidade com competência para o efeito – a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública – certificou, em 4 de novembro de 2016, que emitira um cartão profissional em nome do Autor, habilitando-o para o exercício da profissão de segurança privado, na especialidade de vigilante, por despacho de autorização reportado ao dia 26 de setembro de 2016, ou seja, ao dia em que o autor iniciou a aludida formação tendo em vista a renovação do seu cartão profissional.

Pese embora possa parecer estranha a emissão do mencionado cartão profissional decorrente de autorização para o exercício da profissão de segurança privado, na especialidade de vigilante (continuação), por despacho de autorização de 26 de setembro de 2016, o certo é que, estamos em crer, que tal decorre do disposto no n.º 1 do art. 52º da mencionada Lei 34/2013 de 16.05 ao estipular que «[a] renovação de… cartão ou título profissionais previstos na presente lei devem ser requeridos nos 90 dias anteriores e até ao termo da sua validade e depende da verificação, à data do pedido, dos requisitos exigidos para a sua concessão» (realce e sublinhado nossos). Isto é, efetuada com êxito a formação de atualização exigida tendo em vista a renovação ou revalidação do cartão profissional, esta produz efeitos a partir do dia seguinte àquele em que terminava a validade do anterior cartão profissional, uma vez que, como decorre da mencionada norma, a pretensão de renovação depende da verificação, à data do pedido, dos requisitos exigidos para a sua concessão.

De qualquer forma e ainda que, porventura, esta interpretação se não pudesse fazer, sempre se dirá que, de acordo com o n.º 2 do art. 52º da mencionada Lei n.º 34/2013 de 16.05, ao estabelecer-se aí que no caso em que não tenha sido requerida a renovação do cartão nos termos do n.º 1 do mesmo preceito (ou seja, nos 90 dias anteriores e até ao termo da sua validade) o titular do cartão dispõe do prazo de 30 dias para requerer a sua renovação, findo o qual se verifica a caducidade definitiva do cartão ou título profissional, parece poder inferir-se que o cartão profissional do Autor apenas caducaria definitivamente 30 dias após o termo da validade nele inscrita, ou seja, em 25 de outubro de 2016, sendo certo que aquele, para além de em 30 de setembro de 2016 ter comunicado à Ré que se encontrava em vias de obter a renovação da sua licença e a proceder à atualização da certificação legal (v. pontos 16 e 27 dos factos provados) ao que tudo indica, concluiu com êxito a sua formação de atualização em 5 de outubro de 2016, circunstância que levou à emissão, pela entidade competente para o efeito, do certificado de que se dá conta no ponto 22 dos factos provados, devendo, portanto, a Ré, à cautela, ter aguardado pelo mencionado dia 25 de outubro de 2016 ao invés de ter feito cessar unilateralmente o contrato de trabalho que mantinha com o Autor, logo em 28 de setembro de 2016, com fundamento em caducidade por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva.

Acresce referir que esta impossibilidade definitiva de prestação da atividade laboral ao serviço da Ré por parte do Autor também se não compagina com a circunstância de se haver demonstrado que no dia 15 de Setembro o Autor foi chamado, através da Ré, à Policlínica do  (…), para fazer a ficha de aptidão para o trabalho, tendo sido notificado para comparecer pelo Sr. (…)  (que como já referimos resulta dos autos era Chefe de Serviço com domicílio profissional na sede da Ré), no próprio dia e através de telefonema para o seu telemóvel quando fazia serviço nas Arcadas de S. (…) pois a escola estava fechada, tendo-se demonstrado também que o Autor assinou o original da ficha de aptidão (ficando com fotocópia) ficando convencido que ficaria na empresa (v. pontos 11 e 12 dos factos provados), isto para além de se haver demonstrado que o Autor no dia 22 de setembro de 2016 (três dias antes do termo da validade do seu cartão profissional) entrou de baixa por um período de 30 dias por estar incapacitado para o trabalho por doença natural (lombalgia) (v. pontos 13 e 24 dos factos provados). Com efeito, para além de se demonstrar que o Autor estaria apto para desempenhar funções ao serviço da Ré na referida policlínica, não obstante o mesmo vir a avisar a Ré, desde 20 de abril de 2016 que o seu cartão caducava em 25 de setembro de 2016, também se demonstrou que nesta data o Autor se encontrava de baixa médica por doença desde 22 de setembro e por um período de 30 dias, não sendo exigível que, durante esse período de tempo, o mesmo tivesse que desempenhar funções de vigilante ao serviço da Ré, sendo certo haver-se provado que o Autor frequentou a formação de atualização até 5 de outubro de 2016 enquanto esteve de baixa médica por doença (v. ponto 28 dos factos provados).

Todos estes aspetos nos levam, pois, a concluir que em 28 de setembro de 2016 não se mostravam verificados os requisitos cumulativos que poderiam levar a cessação do contrato de trabalho existente entre o Autor e a Ré por caducidade com base em impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o Autor prestar a sua atividade laboral de vigilante ao serviço da Ré ou de esta receber essa prestação.
Consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.

Perante a conclusão acabada de extrair, não se pode deixar de extrair a ilação de que a cessação unilateralmente assumida pela Ré em relação ao contrato de trabalho que esta mantinha com o Autor desde 24 de março de 2003 equivale ao despedimento deste, levado a cabo pela Ré de uma forma ilícita já que não precedida de procedimento disciplinar e não fundada em justa causa.

Antes de se finalizar, importa referir que a Ré, nas suas alegações e conclusões de recurso pretende que se leve em consideração o disposto no art. 390.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho, ou seja, que às retribuições que o Autor tenha direito a receber a título de indemnização desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, devam ser deduzidas as importâncias que este auferiu em virtude de um novo contrato de trabalho estabelecido entre o Autor e a firma “…” desde 01/12/2016, já que não as receberia se não fosse o despedimento.

Sucede que se trata de matéria de facto que não resulta dos factos considerados como provados nem foi objeto de impugnação como se pode inferir das conclusões do recurso interposto pela Ré.

Perante tudo isto, temos de concluir não merecer censura a sentença recorrida ao haver concluído pela ocorrência de despedimento do Autor por parte da Ré, despedimento esse ilícito com as consequências que daquela decorrem.

Decisão
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da Ré/apelante.


Lisboa, 07/11/2018


José António Santos Feteira (Relator)
Filomena Maria Moreira Manso (1º Adjunto)
José Manuel Duro Mateus Cardoso (2º Adjunto)